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Processo n.º 1150/13
3ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., e recorrido o Ministério Público, o primeiro vem reclamar para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da Decisão Sumária n.º 05/2014 que não conheceu do objeto do recurso interposto pelo recorrente, com fundamento no facto de esse objeto não constituir uma questão de constitucionalidade normativa, bem como no facto de o recorrente não ter suscitado nenhuma questão de constitucionalidade durante o processo.
2. O teor da fundamentação da Decisão Sumária n.º 05/2014 de 29 de julho é o seguinte:
“(…)
4. No requerimento de interposição do recurso o recorrente não logra formular nenhuma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada pelo Tribunal a quo e impute de inconstitucional. Limita-se a, de forma vaga, imputar vários vícios à própria decisão do Tribunal da Relação, referindo que a mesma “parece esquecer o fato público e notório que é a atual grave crise económico-financeira que afetou o nosso país”, e que “o Tribunal Judicial de Torres Novas e o Tribunal da Relação de Coimbra fizeram «tábua rasa» do disposto no artigo 49.ºn.º3 do CPP (…) e, «secamente», ordenaram a PRISÃO do recorrente condenado”. O recorrente prossegue, referindo a violação do próprio artigo 49.º, n.º3 do C.P., já que “o espírito do legislador penal está imbuído do facto de que não devem ser razões económico-financeiras as determinantes para a conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária (…), pelo que considera que essa disposição de lei ordinária foi “avassaladora e cegamente violada (…) pelo Acórdão recorrido”. Ora, até este ponto, o recorrente limita-se a fazer juízos de ordem infraconstitucional, esquecendo que não incumbe ao Tribunal Constitucional sindicar da boa aplicação ou interpretação do direito infraconstitucional pelo tribunal recorrido. A única referência a questões de inconstitucionalidade não se reporta a nenhuma norma, apenas referindo o recorrente que “para o que importa neste recurso para este Tribunal Constitucional, foi violada a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 13.º, n.º2”.
Assim, dando cumprimento ao artigo 75-A, n.º6 da LTC, o Relator convidou o recorrente a indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretendia que o Tribunal Constitucional apreciasse.
Mas, em resposta, o recorrente continuou a não formular nenhuma norma ou interpretação normativa imputada de inconstitucional, referindo-se apenas à “não aplicação do artigo 49º nºs 2 e 3 do C.P. ao caso concreto”. Ora, desta formulação do objeto do recurso é patente que o recorrente não coloca ao Tribunal uma questão de constitucionalidade normativa de que este possa conhecer, antes questionando a própria bondade da decisão recorrida. Assim, o que o recorrente verdadeiramente pretende sindicar é o juízo subsuntivo feito pelo tribunal a quo, que considerou não aplicável aos autos o referido artigo 49º nºs 2 e 3 do C.P.
6. Mas se assim é, não restam dúvidas de que não está em causa no presente recurso uma questão de constitucionalidade normativa. Como tal, há que relembrar a inexistência, no nosso ordenamento jurídico, da figura do “recurso de amparo” ou da ação constitucional para defesa de direitos fundamentais, na apreciação de alegadas inconstitucionalidades, diretamente imputadas pelo recorrente às decisões judiciais proferidas. Assim resulta do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da LTC, e assim tem sido afirmado por este Tribunal em inúmeras ocasiões.
Não tendo o presente recurso por objeto uma norma, ele não possui um objeto idóneo. Tanto bastaria para que se não possa conhecer do objeto do presente recurso.
7. Acresce ainda que a questão de constitucionalidade não foi adequadamente suscitada durante o processo, ou seja, antes da prolação da decisão recorrida. De facto, o recorrente limitou-se a referir de forma vaga, nas alegações de recurso perante o Tribunal da Relação de Coimbra, que “o Tribunal Judicial de Torres Novas violou” o artigo 13.º, n.º2 da CRP, que determina que ninguém pode ser prejudicado em razão de situação económica. Assim, não logrou, também aí, formular uma norma ou interpretação normativa imputada de inconstitucional.
O Tribunal Constitucional tem entendido que, para que uma questão de constitucionalidade se considere suscitada em termos adequados perante o tribunal a quo, não é suficiente referir que a decisão viola a Constituição. É necessário que seja discernível a autonomização da questão de constitucionalidade da norma relativamente ao conteúdo da própria decisão em causa, de modo a colocar o juiz ad quem perante a necessidade de apreciar tal questão sob pena de omissão de pronúncia. Ora, é isso que o recorrente não logrou fazer neste ponto, limitando-se a contestar a decisão recorrida, por suposta violação de preceitos constitucionais.
Aliás, é sintomático - sem que isso signifique entender-se que a pronúncia efetiva do tribunal a quo constitui pressuposto do recurso – que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra não faça qualquer referência a qualquer questão de constitucionalidade, o que demonstra que o mesmo não se sentiu chamado a usar os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 204.º da CRP.”
3. O recorrente reclamou para a conferência, nos seguintes termos:
“A., recorrente nos autos de recurso, á margem id., (Recorrido/M.P.),
Notificado da decisão de não tomar conhecimento do objeto do presente recurso (artº 78º-A LTC),
Vem, por não concordar e não se conformar com esta decisão, ao abrigo do disposto no artº 78º-B nº 2 da LTC,
RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA,
Nos termos do nº 3 do artº 78-A LTC, aplicando-se igualmente o nº4 da mesma disposição.
PEDE DEFERIMENTO”.
4. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação nos termos seguintes:
“ 1º Como nos parece evidente, mesmo após o convite que lhe foi dirigido nos termos do artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), o recorrente continuou a não indicar que norma ou interpretação normativa - passível de constituir objeto idóneo de recurso - cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada.
2º Também “durante o processo” não suscitou qualquer questão daquela natureza.
3º Notificado da douta Decisão Sumária, que, face à inverificação daqueles pressupostos, não conheceu do objeto do recurso, o recorrente limita-se a reclamar para a conferência, não impugnando os fundamentos da decisão reclamada.
4º Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
II – Fundamentação
5. O reclamante reclama para a conferência da Decisão Sumária n.º 05/2014. A decisão reclamada sustentou a impossibilidade de conhecimento do recurso por o recorrente não ter colocado ao Tribunal qualquer questão de constitucionalidade normativa de que este possa conhecer, e ainda por não ter suscitado nenhuma questão de constitucionalidade durante o processo, perante o tribunal recorrido. No entanto, o reclamante não aduz, na reclamação ora apresentada, qualquer argumento destinado a abalar os fundamentos que presidiram à decisão sumária reclamada.
Assim sendo, resta confirmar a decisão de não conhecimento do objeto do recurso por falta dos pressupostos de admissibilidade do mesmo, remetendo-se para a fundamentação da Decisão Sumária n.º 05/2014.
III – Decisão
6. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, nos termos dos artigos 7.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 13 de fevereiro de 2014. – Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.