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Processo n.º 1366/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação para a conferência tem o seguinte teor:
«(…)
- O que faz ao abrigo e nos termos do disposto no nº 3, do artigo 78º-A, da Lei nº 28/82, de 15/11, designada por Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, com os fundamentos seguintes:
1. No âmbito do processo acima em epígrafe, que correu termos pela 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça foi proferido, em 25 de novembro de 2013, decisão de indeferimento da reclamação deduzida pelo Arguido/Recorrente, aqui Reclamante, decidindo, em consequência, pela inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quanto à matéria penal.
2. Assim decidindo em violação de princípios e normas constitucionalmente consagrados.
3. Inconstitucionalidades que foram suscitadas nos autos.
4. De tal decisão foi interposto recurso para este Tribunal Constitucional, admitido por decisão proferida pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 11/12/2013, concedendo-se o prazo de trinta dias para apresentação das alegações, nos termos do disposto no artigo 79º, da supra referenciada Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15/11).
5. Porém, veio o Exmo. Juiz Conselheiro Relator deste Tribunal Constitucional decidir não conhecer do objeto do recurso, por Decisão Sumária nº 61/2014, por entender que não se encontram preenchidos os pressupostos da admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da LTC.
6. Decisão com a qual não se conforma e da qual reclama para a Conferência, por preenchidos os pressupostos da admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da LTC e impor-se a apreciação por este Tribunal Constitucional para correta e constitucional aplicação da Lei.
7. Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça, com a decisão singular de 26/11/2013, de inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quanto à matéria penal, reitere-se, decidiu em violação de princípios e normas constitucionalmente consagrados.
8. E, quanto à inconstitucionalidade da norma do artigo 400.º, nº 1, alínea f), do C.P.P., positivamente interpretada, assumida e aplicada na decisão reclamada, quer quanto a um seu primeiro sentido normativo positivo que se pretende seja apreciado, dada a sua inconstitucionalidade, por violação, respetiva, dos artigos 20º e 32º, nº 1, da C.R.P., quer quanto a um segundo sentido normativo, assumido e aplicado, que também se pretende que seja apreciado, dada a sua inconstitucionalidade por violação dos artigos 13º e 204º, da C.R.P.
9. Na verdade, a aplicação da alínea f), do nº 1, do artigo 400º, do CPP “com sentido normativo” é inconstitucional, por violação dos preceitos dos artigos 13º, 20º, nº 4, 32º, nº 1, 203º e 204º, da Constituição da República Portuguesa.
10. E isto, porque o legislador nos trabalhos preparatórios das Reformas do Processo Penal não perfilhou nenhuma proibição; nem impôs nenhuma especialidade que afastasse, de todo, a aplicabilidade do regime de Revista Excecional ao Processo Penal.
11. Por outro lado, acresce que, estamos no âmbito de uma lacuna jurídica que supõe a sua integração, através do recurso à analogia e como defende Castanheira Neves “o fundamento normativo da analogia não ser suspende perante as normas excecionais e uma solução contrária à que estamos a sustenta seria inclusive, não só absurda, como mesmo “contra legem””.
12. E, de igual forma, também deve assumir-se que, a aplicação do artigo 400º, nº 1, al. f) do C.P.P. é inconstitucional, “no sentido normativo” que impeça recurso para o Supremo de Acórdãos proferidos pelas Relações que confirmem decisão da 1ª instância, quando esta apenas “assumiu” os pressupostos cíveis da incriminação da conduta ou “assumiu” que o arguido havia atuado “no exercício das suas funções”, mas sem propriamente excutir o seu julgamento substantivo (com a imprescindível indicação, interpretação e aplicação do conteúdo normativo das pertinentes normas jurídicas do direito civil e administrativo) ou seja, em mera decisão “formal”, mas realmente em vício “substantivo” de “incompleição do julgado”, com lesão obvia do direito do cidadão ao julgamento equitativo
13. Conforme se expendeu na Reclamação apresentada, só em sede de Recurso para o Tribunal da Relação é que foram abordadas a pertinente questão cível e comercial prejudicial e o enquadramento jurídico da questão decidenda “no exercício das funções” do Arguido e da sua responsabilidade por atos praticados enquanto gerente de pessoa (coletiva) distinta.
14. Tendo sido violados, com a decisão proferida, também, os princípios constitucionalmente consagrados da intransmissibilidade da responsabilidade penal e da presunção de inocência, consagrados nos artigos 30º, nº 3 e 32º, nºs 2 e 10, da Constituição da República Portuguesa, e que impunham a absolvição do Arguido A..
15. Inconstitucionalidades que, além de invocadas na reclamação para o Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça, foram suscitadas em sede de recurso de Apelação para o Tribunal da Relação.
16. Ademais, no que tange a estas questões, verdadeiramente, apenas a Relação proferiu a primeira decisão sobre as mesmas, e, por consequência, o recurso para o Supremo é um recurso em primeiro grau (primeiro reexame).
17. Por consequência, vinque-se também aqui que, vale o decidido no Acórdão do Supremo, de 09/06/2011, cuja relatora foi a Conselheira Isabel Martins (proc. nº 4095/07.8 TPPRT.P1.S1), segundo o qual, se as decisões sobre certas questões, “embora proferidas no recurso não foram proferidas em recurso”, ou seja, são questões “que a Relação conheceu delas “ex novo”. Então, “o recurso para o Supremo quanto a essas questões, deve ser admitido, sob pena de supressão de um grau de jurisdição e, consequentemente, do direito ao recurso quanto a elas”.
18. Foi igualmente suscitada a questão de que a alínea f), do nº 1 do art. 400º do C.P.P., com o “sentido normativo” de que mesmo quanto às questões prévias ou preliminares de natureza cível, pressupostas na incriminação da conduta, não é permitido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do regime de Revista excecional e aplicação analógica, ou por interpretação extensiva, do artigo 400º, nº 3, do C.P.P., é inconstitucional, por violação dos preceitos normativos do artigo 13º, 20º nº 4, 32º nº 1, 203º e 204º da C.R.P
19. Dado que, efetivamente, as razões subjacentes à introdução do regime consignado no art. 400º nº 3 do C.P.P., para a indemnização civil são as mesmas; com a mesma substância; com a mesmíssima teleologia normativa; tal-qua1mente acontece com as questões prévias de natureza civil ou outra (v.g. administrativa ou fiscal)
20. Sendo que, ao decidir-se pela condenação pela prática do crime de branqueamento de capitais, por considerar-se a pratica do crime de burla tributária enquanto facto ilícito punido com pena de prisão de duração máxima superior a cinco anos, e assim considerando as agravantes do tipo de ilícito, foi proferida decisão em violação do Principio da Legalidade com consagração no artigo 29º, nº 4, da C.R.P., consubstanciando decisão judicial ferida de inconstitucionalidade.
21. Por outro lado, no caso dos autos se encontrava vedada a condenação, EM CONCURSO REAL, pela prática do crime de burla tributária e de branqueamento de capitais, ao contrário do que vem vertido no Acórdão proferido pela Relação.
22. Pelo que, impunha-se a concluir pela INEXISTÊNCIA DE CONCURSO REAL DE INFRAÇÕES, uma vez que no concurso de infrações o “branqueador” teria de ser pessoa diversa da que cometeu a infração geradora dos lucros.
23. Pelo que, não é punível o branqueamento de capitais obtidos pelos próprios através das infrações precedentes, na medida em que a conduta do alegado branqueador, alegadamente participante na burla tributária, deve ser considerada um prolongamento natural desta, isto é, simples propósito de garantir a fruição normal do produto do crime.
24. Destarte, impunha-se a aplicação do PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO e não a condenação dos Arguidos, em concreto no que respeita ao Arguido A., em concurso real pelos dois crimes (burla tributária e branqueamento de capitais).
25. Impondo-se, também por estes argumentos, a absolvição do Arguido A., do crime de branqueamento de capitais, sufragando a opinião doutrinária de acessoriedade deste em relação ao crime precedente.
26. Decidindo a Relação em violação do Principio Constitucional da Legalidade, plasmado no artigo 29º, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), no seu nº 4 e no seu nº 5, respetivamente, o Principio da aplicação da Lei mais favorável ao Arguido e o Principio “ne bis in idem” – o princípio, constitucionalmente consagrado, que proíbe a dupla condenação pelo mesmo facto ou comportamento.
27. Inconstitucionalidade igualmente suscitada nos autos.
28. De modo que, impunha-se e impõe a intervenção do Superior Tribunal de Justiça para reposição da correta interpretação e interpretação do Direito, mormente da correta aplicação do principio da consunção e não a condenação dos Arguidos, em concreto no que respeita ao Arguido A., em concurso real pelos dois crimes (burla tributária e branqueamento de capitais), sob pena de violação do Principio Constitucional da Legalidade, mais concretamente do Princípio de aplicação da Lei mais favorável ao Arguido e Principio “ne bis in idem”.
29. Além do que, e pelos motivos expostos, a interpretação que foi feita do artigos 127º, do C.P.P., nas 1ª e 2ª instâncias, redundou num conteúdo normativo, manifestamente inconstitucional, por violação dos art. 1º, 9º b), 20º - nº 4, 32º - nº 1, e 202º a 204º do C.R.P.; assim como, o art. 6º da C.E.D.H.
30. Sendo certo que, o caso dos autos implica necessariamente a subida ao Supremo Tribunal de Justiça para correta e constitucional aplicação da Lei.
Assim,
31. Pretende o aqui Reclamante suscitar no Tribunal ad quem a apreciação da constitucionalidade da alínea f), do nº 1, do artigo 400º do C.P.P., com o sentido normativo e no sentido de que não se deverá aplicar, por analogia, o artigo 721º-A, do C.P.C. ou o art. l50º do C.P.T.A., ao Processo Penal, e se a mesma é inconstitucional, por violação dos preceitos dos artigos 13º, 20º nº 4, 32º nº 1, 203º e 204º da Constituição da República Portuguesa.
32. Pretende igualmente suscitar a apreciação da constitucionalidade dos princípios da intransmissibilidade da responsabilidade penal e da presunção de inocência, consagrados nos artigos 30º, nº 3 e 32º, nºs 2 e 10, da Constituição da República Portuguesa, e que impunham a absolvição do Arguido A..
33. Pretende também o aqui Reclamante suscitar no Tribunal ad quem a apreciação da constitucionalidade dos artigos 87º, nº 1 e nº 3, da Lei nº 15/2001, de 05/06 e do artigo 368º-A, nº 2, do Código Penal, introduzido pela Lei nº 11/2004, de 27/03, retificada pela Declaração nº 45/2004, publicada no DR I Série A, de 05/06/2004, nos termos em que foram aplicados;
34. Reitere-se, foi considerada a prática do crime de burla tributária enquanto facto ilícito punido com pena de prisão de duração máxima superior a cinco anos, e assim considerando as agravantes do tipo de ilícito, se decidindo em violação do Princípio da Legalidade com consagração no artigo 29º, nº 4, da C.R.P.;
35. E porque vedada a condenação, EM CONCURSO REAL, pela prática do crime de burla tributária e de branqueamento de capitais, impunha-se a conclusão pela INEXISTÊNCIA DE CONCURSO REAL DE INFRAÇÕES, uma vez que no concurso de infrações o branqueador teria de ser pessoa diversa da que cometeu a infração geradora dos lucros, impondo-se a com a aplicação do PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO e não a condenação dos Arguidos em concurso real pelos dois crimes (burla tributária e branqueamento de capitais).
36. Deste modo, como ficou alegado supra, pretende o Reclamante ver apreciada a aplicação inconstitucional dos artigos 87º, nº 1 e nº 3, da Lei nº 15/2001, de 05/06 e do artigo 368º-A, nº 2, do Código Penal, introduzido pela Lei nº 11/2004, de 27/03, retificada pela Declaração nº 45/2004, publicada no DR I Série A, de 05/06/2004, por aplicados em violação do Princípio Constitucional da Legalidade, plasmado no artigo 29º, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), no seu nº 4 e no seu nº 5, respetivamente, o Princípio da aplicação da Lei mais favorável ao Arguido e o Princípio “ne bis in idem” - o princípio, constitucionalmente consagrado, que proíbe a dupla condenação pelo mesmo facto ou comportamento.
37. Pretende igualmente ver apreciada a constitucionalidade suscitada de aplicação do artigo 127º, do Código do Processo Penal nas 1ª e 2ª instâncias, pois redundou num conteúdo normativo, manifestamente inconstitucional por violação dos art. 1º, 9º b), 20º - nº 4, 32º - nº 1, e 202º a 204º do C.R.P.; assim como, o art. 6º da C.E.D.H.
38. Como se disse, o Reclamante suscitou as presentes questões de inconstitucionalidade nos autos, respetivamente:
- na reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho que não admitiu a interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça;
- sendo que a inconstitucionalidade dos artigos 368º-A, do Código Penal, do artigo 87º, nº 1 e nº 3, do RGIT, foram suscitadas em sede de recurso de Apelação para o Tribunal da Relação do Porto.
39. Mais concretamente, tais inconstitucionalidades foram suscitadas em sede de recurso de Apelação para o Tribunal da Relação do Porto, nos artigos 3., 6. a 17., 22., 23., 40., 41., 42., 43., 71., 72.,89., 116., 117., 118., 207., 227., das Alegações e nas Conclusões C), G), H), I), J), U), V), W), RR), WW), OOO), RRR), UUU), VVV), EEEEEEE), de Recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
40. Inconstitucionalidades também alegadas em sede de Reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça da decisão de inadmissibilidade de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, mais concretamente, nos artigos 11., 13., 48., 49., 50., 66., 69º, 74., 75., 76., 78., 89., 105., 106., 107., 108., 127., 128., 151., 204., 225., 233., 234., 237., 250., 254., 255., 258., 259., 260., 261., 263., 264., 266., 272., 273. e 274., da Reclamação.
Note-se:
41. O Reclamante está a suscitar a inconstitucionalidade da referida norma do artigo 400º, nº 1, alínea f), do C.P.P., nos seus referenciados sentidos normativos, assumidos e aplicados positivamente pela decisão recorrida, e com cujos sentidos de tal preceito foi interpretado, densificado, assumido e aplicado no caso dos autos para, com base nele, ser rejeitada a reclamação.
42. E, é dessa norma, com tal sentido normativo, positivo interpretado e aplicado, ou seja, é desse sentido normativo que se interpreta e aplica na decisão recorrida, e que nela existe, que se está a recorrer, e com fundamento na inconstitucionalidade desse mesmo preceito, nesses concretos e positivos sentidos normativos, consubstanciados e existentes na decisão recorrida.
44. O Reclamante, face ao Acórdão da Relação e à Reclamação da não admissão do Recurso, não está a interpor recurso ou reclamação de nenhuma “não-norma” ou de nenhuma “suposta dimensão negativa de uma norma”.
45. Consequentemente, pois, as inconstitucionalidades arguidas são dos referidos sentidos normativos do referido preceito – artigo 400º, nº 1, alínea f), do C.P.P., e não de qualquer “não-norma”.
46. É manifesto que tal inconstitucionalidade é do referido “sentido normativo”, é da interpretação de tal preceito com tal sentido normativo é dessa densificação concreta, normativa e positiva e em que, como tal, “tal preceito”, no caso dos autos, foi interpretado e aplicado, positivamente, como juízo de valor legal existente, e como fundamento legal, para nas decisões em causa se indeferir o recurso interposto pelo Arguido para o Supremo Tribunal de Justiça.
47. Mas preceito esse, com tal densificação normativa, interpretada e positivamente aplicada nos autos, pelas decisões de que se pretende recorrer – que a qualquer luz, racional e logicamente, constitui uma “norma”, com “conteúdo normativo densificado”, positivo e positivamente aplicado e, de modo algum, se referindo o Arguido a qualquer “não-norma”.
(…)»
3. O Ministério Público emitiu parecer pugnando pelo indeferimento da reclamação apresentada.
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem a seguinte redação:
«(…)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da decisão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de novembro de 2013, que indeferiu a reclamação deduzida pelo recorrente.
2. O requerimento de recurso tem o seguinte teor:
«(…)
4. E, quanto à inconstitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do C.P.P., positivamente interpretada, assumida e aplicada na decisão reclamada, quer quanto a um seu primeiro sentido normativo positivo que se pretende seja apreciado, dada a sua inconstitucionalidade, por violação, respetiva, dos artigos 20.º e 32.º, n.º 1, da CRP, quer quanto a um segundo sentido normativo, assumido e aplicado, que também se pretende que seja apreciado, dada a sua inconstitucionalidade por violação dos artigos 13.º e 204.º da CRP.
5. E, primeiro sentido normativo esse do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, que não permite o recurso, ao abrigo do artigo 721.º-A, do CPC, para o Supremo Tribunal de Justiça, do Acórdão da Relação quanto a decisões sobre questões prejudiciais comerciais que a primeira instância, em incompleição substantiva, não indicou, não interpretou e aplicou os atinentes preceitos do direito comercial e mesmo civil em que se enquadram tais decisões, e nem sequer assumiu formalmente a sua existência.
6. Na verdade, a aplicação da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º do CPP, com “o sentido normativo” e no sentido de que não se deverá aplicar, por analogia, o artigo 721.º-A, do CPC ou o art. 150.º do CPTA, ao Processo Penal, é inconstitucional, por violação dos preceitos dos artigos 13.º, 20.º n.º 4, 32.º n.º 1, 203º e 204º da CRP.
7. E isto, como ficou alegado e foi suscitado na reclamação apresentada, porque o legislador nos trabalhos preparatórios das Reformas do Processo Penal não perfilhou nenhuma proibição; nem impôs nenhuma especialidade que afastasse, de todo, a aplicabilidade do regime da Revista Excecional ao Processo Penal.
8. Por outro lado, acresce que, como igualmente foi alegado em sede de reclamação, estamos no âmbito de uma lacuna jurídica que supõe a sua integração, através do recurso à analogia e como defende Castanheira Neves “o fundamento normativo da analogia não se suspende perante as normas excecionais e uma solução contrária à que estamos a sustentar seria inclusive, não só absurda, como mesmo “contra legem”».
9. E, de igual forma, deve assumir-se que, a aplicação do artigo 400.º, n.º 1, al. f) do CPP é inconstitucional, “no sentido normativo” que impeça recurso para o Supremo de Acórdãos proferidos pelas Relações que confirmem decisão da 1.ª instância, quando esta apenas “assumiu” os pressupostos cíveis da incriminação da conduta “assumiu” que o arguido havia atuado “no exercício das suas funções”, mas sem propriamente excutir o seu julgamento substantivo (com imprescindível indicação, interpretação e aplicação do conteúdo normativo das pertinentes normas jurídicas de direito civil e administrativo) ou seja, em mera decisão “formal”, mas realmente em vício “substantivo” de “incompleição do julgado”, com lesão óbvia do direito do cidadão ao julgamento equitativo.
10. Conforme se expendeu na Reclamação apresentada, só em sede de Recurso para o Tribunal da Relação é que foram abordadas a pertinente questão cível e comercial prejudicial e o enquadramento jurídico da questão decidenda “no exercício das funções” do Arguido e da sua responsabilidade por atos praticados enquanto gerente de pessoa (coletiva) distinta.
11. Tendo sido violados, com a decisão proferida, também, os princípios constitucionalmente consagrados da intransmissibilidade da responsabilidade penal e da presunção de inocência, consagrados nos artigos 30.º, n.º 3 e 32.º, n.º 2 e 10, da Constituição da República Portuguesa, e que impunham a absolvição do Arguido A..
12. Inconstitucionalidades que, além de invocadas na reclamação para o Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça, foram suscitadas em sede de recurso de Apelação para o Tribunal da Relação.
13. Ademais, no que tange a estas questões, verdadeiramente, apenas a Relação proferiu a primeira decisão sobre as mesmas e, por consequência, o recurso para o Supremo é um recurso em primeiro grau (primeiro reexame).
(…)
15. Foi igualmente suscitada a questão de que a alínea f), do n.º 1 do art. 400.º do CPP, com o “sentido normativo” de que mesmo quanto às questões prévias ou preliminares de natureza cível, pressupostas na incriminação da conduta, não é permitido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do regime de Revista excecional e aplicação analógica, ou por interpretação extensiva, do artigo 400.º, n.º 3, do CPP, é inconstitucional, por violação dos pressupostos normativos do artigo 13.º, 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 203.º e 204.º da CRP.
16. Dado que, efetivamente, as razões subjacentes à introdução do regime consignado no art. 400.º n.º 3 do CPP, para a indemnização civil são as mesmas; com a mesma substância; com a mesmíssima teleologia normativa; talqualmente acontece com as questões prévias de natureza civil ou outra (v.g., administrativa ou fiscal).
17. Sendo que, ao decidir-se pela prática do crime de branqueamento de capitais, por considerar-se a prática do crime de burla tributária enquanto facto ilícito punido com pena de prisão de duração máxima superior a cinco anos, e assim considerando as agravantes do tipo de ilícito, foi proferida decisão em violação do Princípio da Legalidade com consagração no artigo 29.º, n.º 4, da CRP, consubstanciando decisão judicial ferida de inconstitucionalidade.
18. Por outro lado, no caso dos autos se encontrava vedada a condenação, EM CONCURSO REAL, pela prática do crime de burla tributária e de branqueamento de capitais, ao contrário do que vem vertido no Acórdão proferido pela Relação.
(…)
23. Decidindo a Relação em violação do Princípio Constitucional da Legalidade, plasmado no artigo 29.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu n.º 4 e no seu n.º 5, respetivamente, o Princípio da aplicação da lei mais favorável ao Arguido e o Princípio “ne bis in idem” – o princípio, constitucionalmente consagrado, que proíbe a dupla condenação pelo mesmo facto ou comportamento. .
(…)
26. Além do que, e pelos motivos expostos, a interpretação que foi feita do artigo 127.º do CPP, nas 1ª e 2ª instâncias, redundou num conteúdo normativo, manifestamente inconstitucional, por violação dos art. 1.º, 9.º-b), 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, e 202.º a 204.º do CRP; assim como, o art. 6.º da C.E.D.H.
(…)
28. Pretende o aqui Recorrente suscitar no Tribunal ad quem a apreciação da constitucionalidade da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º do CPP, com o sentido normativo e no sentido de que não se deverá aplicar, por analogia, o artigo 721.º-A do CPC, ou o art. 150.º do CPTA, ao Processo Penal, e se a mesma é inconstitucional, por violação dos preceitos dos artigos 13.º, 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 203.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa.
29. Pretende igualmente suscitar a apreciação da constitucionalidade dos princípios da intransmissibilidade da responsabilidade penal e da presunção de inocência, consagrados nos artigos 30.º, n.º 3 e 32.º, n.ºs 2 e 10, da Constituição da República Portuguesa, e que impunham a absolvição do Arguido A..
30. Pretende também o aqui Recorrente suscitar no Tribunal ad quem a apreciação da constitucionalidade dos artigos 87.º, n.º 1 e n.º 3 da Lei n.º 15/2001, de 05/06 e do artigo 368.º-A, n.º 2, do Código Penal, introduzido pela Lei n.º 11/2004, de 27/03, retificada pela Declaração n.º 45/2004, publicada no DR I Série A, de 05/06/2004, nos termos em que foram aplicados;
31. Reitere-se, foi considerada a prática do crime de burla tributária enquanto facto ilícito punido com pena de prisão de duração máxima superior a cinco anos, e assim considerando as agravantes do tipo de ilícito, se decidindo em violação do Princípio da Legalidade com consagração no artigo 29.º, n.º 4, da CRP.
(…)
33. Deste modo, como ficou alegado supra, pretende o Recorrente ver apreciada a aplicação inconstitucional dos artigos 87.º, n.º 1 e n.º 3, da Lei n.º 15/2001, de 05/06 e do artigo 368.º-A, n.º 2, do Código Penal, introduzido pela Lei n.º 11/2004, de 27/03, retificada pela Declaração n.º 45/2004, publicada no DR Série A, de 05/06/2004, por aplicados em violação do Princípio Constitucional da Legalidade, plasmado no artigo 29.º, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P), no seu n.º 4 e no seu n.º 5, respetivamente, o Princípio da aplicação da lei mais favorável ao Arguido e o Princípio “ne bi in idem” – o princípio, constitucionalmente consagrado, que proíbe a dupla condenação pelo mesmo facto ou comportamento.
34. Pretende igualmente ver apreciada a constitucionalidade suscitada de aplicação do artigo 127.º do Código de Processo Penal nas 1.ª e 2.ª instâncias, pois redundou num conteúdo normativo, manifestamente inconstitucional, por violação dos art. 1.º, 9.º-b), 20.º m- n.º 4, 32.º n.º 1, e 202.º a 204.º do C.R.P., assim como o art. 6.º da C.E.D.H.
(…)
38. O recorrente está a suscitar a inconstitucionalidade da referida norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do C.P.P., nos seus referenciados sentidos normativos, assumidos e aplicados positivamente pela decisão recorrida, e com cujos sentidos de tal preceito foi interpretado, densificado, assumido e aplicado no caso dos autos para, com base nele, ser rejeitada a reclamação.
(…)
41. Consequentemente, pois, as inconstitucionalidades arguidas são dos referidos sentidos normativos do referido preceito – artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, e não de qualquer “não-norma”.
(…)»
3. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Paredes foi o ora recorrente condenado, como coautor, pela prática de um crime de burla tributária, previsto e punível ao abrigo dos artigos 87.º, n.ºs 1 e 3 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), e de um crime de branqueamento de capitais, previsto e punível nos termos do artigo 368.º-A, n.º 2, do Código Penal. Em cúmulo jurídico, foi-lhe aplicada uma pena única de seis anos de prisão. Foi ainda julgado totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público.
Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, ao qual este negou provimento em acórdão com data de 21 de março de 2013. Sobre este acórdão recaiu ainda um pedido de aclaração e, subsidiariamente, a arguição da respetiva nulidade (fls. 371), ambos julgados improcedentes por acórdão do TRP, de 26 de junho de 2013. O recorrente interpôs, de seguida, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 384), não admitido por despacho de fls. 460, com o seguinte teor:
«(…)
O arguido A. apresenta recurso para o STJ do acórdão desta Relação, que confirmou integralmente o acórdão da primeira instância, que aplicou ao arguido a pena de 6 anos de prisão.
Nos termos do disposto na al. f) do n.º 1 do art. 400.º do Código de Processo Penal (CPP), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, na data em que foi proferido o acórdão da primeira instância:
“Não é admissível recurso:
De acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.
Como tal, o presente recurso não é admissível, sendo indiferente a data em que o processo se iniciou para efeitos da aplicação da lei processual penal vigente nessa altura, mas já não à data em que foi proferido o acórdão da 1.ª instância (cfr., neste sentido, o ac. de fixação de jurisprudência do STJ, n.º 4/2009, de 18.02.2009, DR. I Série, de 29/03/2009).
Consequentemente, decido não admitir o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
(…)»
Seguiu-se, então, a reclamação para de fls. 70, deduzida ao abrigo do artigo 405.º do CPP. Com pertinência para os presentes autos, consta de tal requerimento o seguinte:
«(…)
13. O caso “sub judice” admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não obstante a condenação do Arguido ser inferior a oito anos de prisão, tendo em consideração três razões fundamentais, a saber:
a) A aplicação do artigo 721.º-A, do CPC, ex vi artigo 4.º, do CPP, ou, se outro modo, a aplicação do regime de revista excecional – artigos 721.º-A, do CPC e 150.º, do CPTA – por analogia ao processo penal;
b) A observância do disposto no artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que estabelece que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
c) E, como decorrente deste princípio constitucional, no que tange às questões levantadas em sede de recurso, o Tribunal da Relação proferiu o 1.º Juízo Jurisdicional e assim o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça é a concretização do direito de reexame da decisão, pelo menos em um grau de jurisdição.
(…)
254. Assim, importa sintetizar as inconstitucionalidades que foram sendo invocadas, no decurso desta reclamação, e que se verificaram – e verificarão, caso o Supremo não corrija o desacerto da Relação (o que não se vislumbra) – através do despacho que não admitiu o recurso interposto para o S.T.J.
255. Destarte, na sequência do supra expendido e defendido, deve assumir-se que a alínea f), do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, com o “sentido normativo” que não se deverá aplicar, por analogia o artigo 721.º-A, do C.P.C ou o art. 150.º do C.P.T.A, ao Processo Penal, é inconstitucional, por violação dos preceitos dos artigos 13.º, 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 203.º e 204.º da CRP.
256. E assim é, porque o legislador nos trabalhos preparatórios das Reformas do Processo Penal não perfilhou nenhuma proibição; nem impôs nenhuma especialidade que afastasse, de todo, a aplicabilidade do regime da Revista Excecional ao Processo Penal.
257. Acresce que, como vimos supra, estamos no âmbito de uma lacuna jurídica que supõe a sua integração, através do recurso à analogia e como defende Castanheira Neves “o fundamento normativo da analogia não se suspende perante normas excecionais e uma solução contrária à que estamos a sustentar seria inclusive, não só absurda, como mesmo “contra legem”.
258. De igual forma, também deve assumir-se que, o artigo 400.º, n.º 1, al. f) do CPP é inconstitucional, “no sentido normativo” que impeça recurso para o Supremo de Acórdãos proferidos pelas Relações que confirmem decisão da 1.ª instância, quando esta apenas “assumiu” os pressupostos cíveis da incriminação da conduta ou “assumiu” que o arguido havia atuado “no exercício das suas funções”, mas sem propriamente excutir o seu julgamento substantivo (com a imprescindível indicação, interpretação, e aplicação do conteúdo normativo das pertinentes normas jurídicas do direito civil e administrativo) ou seja, em mera decisão formal, mas realmente em vício “substantivo” de incompleição do julgado”, com lesão óbvia do direito dos cidadãos ao julgamento equitativo.
259. Pois conforme supra se expendeu, só em sede de Recurso para o Tribunal da Relação é que foram abordadas a pertinente questão cível e comercial prejudicial e o enquadramento jurídico da questão decidenda “no exercício das funções” do Arguido e da sua responsabilidade por atos praticados enquanto gerente de pessoa (coletiva) distinta.
260. Tendo sido violados, com a decisão proferida, também, os princípios constitucionalmente consagrados da intransmissibilidade da responsabilidade penal e da presunção de inocência, consagrados nos artigos 30.º, n.º 3 e 32.º, n.ºs 2 e 10, da Constituição da República Portuguesa, e que impunham a absolvição do Arguido A..
261. Assim sendo, no que tange a estas questões, verdadeiramente, apenas a Relação proferiu a primeira decisão sobre as mesmas, e, por consequência, o recurso para o Supremo é um recurso em primeiro grau (primeiro reexame).
(…)
263. Também dever-se-á assumir que, no contexto do supra defendido (vide pag. 52 e seg. desta reclamação), a alínea f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, com o “sentido normativo” de que mesmo quanto às questões prévias ou preliminares de natureza cível, pressupostas na incriminação da conduta, não é permitido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do regime de Revista excecional e aplicação analógica, ou por interpretação extensiva, do artigo 400.º, n.º 3 do CPP, é inconstitucional, por violação dos preceitos normativos do artigo 13.º, 20.º n.º 4, 32.º, n.º 1, 203.º e 204.º da CRP.
264. Dado que, efetivamente, as razões subjacentes à introdução do regime consignado no art. 400.º, n.º 3 do CPP, para a indemnização civil são as mesmas; com a mesma substância; com a mesmíssima teleologia normativa; talqualmente acontece com questões prévias de natureza civil ou outra (v.g. administrativa ou fiscal).
265. Pois, na verdade, com a instrução do regime do artigo 400.º, n.º 3 do CPP, o legislador de 2007, quis perfilhar as ideias defendidas pela jurisprudência e doutrina maioritárias, consignado o regime do princípio da adesão combinada.
266. Ao decidir-se pela condenação pela prática do crime de branqueamento de capitais, por considerar-se a prática do crime de burla tributária enquanto facto ilícito punido com pena de prisão de duração máxima superior a cinco anos, e assim considerando as agravantes do tipo de ilícito, foi proferida decisão em violação do Princípio da Legalidade com consagração no artigo 29.º, n.º 4, da CRP, consubstanciando decisão judicial ferida de inconstitucionalidade.
267. Ademais, ainda que assim não se entenda – o que não se concebe e nem se concede – sempre se dirá que, no caso dos autos se encontrava vedada a condenação, em concurso real, pela prática do crime de burla tributária e de branqueamento de capitais, ao contrário do que vem vertido no Acórdão recorrido.
268. Impunha-se concluir pela inexistência de concurso real de infrações, uma vez que no concurso de infrações o “branqueador” teria de ser pessoa diversa da que cometeu a infração geradora dos lucros.
269. Pelo que, não é punível o branqueamento de capitais obtidos pelos próprios através das infrações precedentes, na medida em que a conduta do alegado branqueador, alegadamente participante na burla tributária, deve ser considerada um prolongamento natural desta, isto é, simples propósito de garantir a fruição normal do produto do crime.
270. Destarte, impunha-se a aplicação do princípio da consunção e não a condenação dos Arguidos, em concreto no que respeita ao Arguido A., em concurso real pelos dois crimes (burla tributária e branqueamento de capitais).
271. Impondo-se, também por estes argumentos, a absolvição do Arguido A., do crime de branqueamento de capitais, sufragando a opinião de acessoriedade deste em relação ao crime precedente.
272. Decidindo a Relação em violação do Princípio Constitucional da Legalidade, plasmado no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, no seu n.º 4 e no seu n.º 5, respetivamente, o Princípio, constitucionalmente consagrado, que proíbe a dupla condenação pelo mesmo facto ou comportamento.
273. Pelo que, importa a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para reposição da correta interpretação e interpretação do Direito, mormente da correta aplicação do princípio da consunção e não a condenação dos Arguidos, em concreto no que respeita ao Arguido A., em concurso real pelos dois crimes (burla tributária e branqueamento de capitais), sob pena de violação do Princípio Constitucional da Legalidade, mais concretamente ao Arguido e Princípio “ne bis in idem”.
274. Além de que, pelos motivos expostos, a interpretação que foi feita dos artigos 127.º, do CPP, nas 1.ª e 2.ª instâncias, redundou num conteúdo normativo, manifestamente inconstitucional, por violação dos arts. 1.º, 9.º-b), 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, e 202.º a 204.º da CRP, assim como, o art. 6.º da C.E.D.H.
(...)»
Por acórdão de 25 de novembro de 2013, o STJ indeferiu a reclamação quanto à matéria penal, louvando-se nos seguintes fundamentos:
«(...)
1 – O reclamante interpôs recurso de revista excecional, previsto no art. 721.º-A do Código de Processo Civil.
O regime de recursos em processo penal e especificamente em matéria penal é, porém, autónomo, e está previsto e construído de modo completo, não revelando qualquer espaço de não regulação em que seja necessário recorrer, nos termos do art. 4.º do CPP, às normas do processo civil.
Com efeito, o Código de Processo Penal prevê tanto os recursos ordinários (art. 432.º e 400.º) como os recursos extraordinários de fixação de jurisprudência (arts. 437.º e segs.) e de revisão (arts. 449.º e segs.), em termos completos, dentro de uma lógica específica do processo penal na construção e harmonia dos respetivos pressupostos da admissibilidade, e diverso do regime do processo civil; a independência dos regimes na construção e nos pressupostos afasta insuficiências ou lacunas de regulação que tenham de ser supridas.
Por outro lado, o art. 433.º do CPP, ao dispor que “recorre-se ainda para o Supremo Tribunal de Justiça noutros casos que a lei especialmente preveja”, reporta-se a situações previstas em leis de natureza processual penal e não no Código Civil.
A norma invocada (art. 721.º-A do CPC) não tem, assim, aplicabilidade para no processo penal ou, mais especificamente, para discutir em recurso questões de natureza penal.
2 – Relativamente às questões em matéria penal o recurso não é admissível, tal como decidiu o despacho reclamado -
No domínio dos recursos e das normas que disciplinam a competência em razão da hierarquia, o art. 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP dispõe que há recurso para o Supremo Tribunal das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas em recurso pelas Relações nos termos do artigo 400.º.
E deste preceito destaca-se a alínea f) do seu n.º 1, que estabelece serem irrecorríveis “os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão da 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.
O acórdão da Relação confirmou a decisão da 1.ª instância, que condenara o arguido na pena única de 6 anos, pela prática dos crimes enunciados.
É que havendo conformidade, como resulta diretamente da norma – no caso há conformidade total – o recurso só é admissível se for aplicada pena superior a 8 anos de prisão.
O recurso não é, assim, admissível (artigos 432.º, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP).
3 – O reclamante para defender a admissibilidade do recurso alega que a decisão da Relação foi o primeiro juízo jurisdicional, relativamente a questões novas relativas ao juízo de responsabilidade dos arguidos enquanto representantes das sociedades comerciais para as quais foram efetuadas as entregas de reembolsos pelo Estado.
Mas sem razão.
O critério de admissibilidade do recurso para o STJ, após a reforma de 2007, reporta-se à pena concretamente aplicada, havendo para esse efeito que ter em conta a pena em que o arguido foi condenado na decisão recorrida, e não a quaisquer outras questões, como a que vem referida, que não têm, assim, por si, relevância para efeitos de recorribilidade da decisão.
No entanto, sempre se dirá que os fundamentos do direito ao recurso em processo penal entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição.
Mas o direito ao recurso em processo penal entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição terá de ser perspetivado como uma faculdade de recorrer e não sempre e em qualquer caso de uma primeira decisão ainda que proferida em recurso.
A construção do modelo de recursos em processo penal, mantida no essencial desde a primeira revisão de CPP/87, assenta na regra da existência, como base essencial, de um único grau de recurso, ou remédio e cumprindo a injunção inconstitucional de garantia de defesa, na coordenação entre a função de remédio com os pressupostos, e modelo de organização do duplo grau.
Todas as questões pertinentes e que integrem o objeto do processo, ou que estejam referidas ao conhecimento pela delimitação do objeto do recurso, obtêm decisão definitiva no grau admissível – que constitui a regra geral do art. 427.º, em conjugação com o art. 399.º do CPP.
Nesta construção, o segundo grau de recurso ou terceiro de jurisdição está previsto, não como um dos pilares do sistema de recurso, mas apenas como uma garantia suplementar, já não constitucionalmente imposta, reservada para os casos de maior densidade e relevância, medidos pela gravidade, segundo a natureza dos crimes e pena aplicável (antes de 2007) ou pela pena aplicada (após a reforma de 2007).
4 – Inconstitucionalidades invocadas:
a) A alínea f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP com o sentido normativo que não se deverá aplicar, por analogia o art. 721.º-A do CPC é inconstitucional por violação dos arts. 13.º, 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 203.º e 204.º, da CRP.
A alegação não tem fundamento. A invocação da inconstitucionalidade deve referir-se a norma (aplicação ou desaplicação de norma ou dimensão negativa) e não a não-norma ou as supostas dimensões negativas de uma norma.
A invocação do sentido normativo referido pelo reclamante não se contém na norma aplicada nem constitui qualquer dimensão normativa de aplicação, mas uma outra questão autónoma, que está para além da dimensão normativa que foi aplicada na decisão.
b) A alínea f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP é inconstitucional no sentido normativo que impeça o recurso para o STJ de acórdãos proferidos pelas Relações que confirmem decisão da 1.ª instância, quando esta apenas “assumiu” os pressupostos cíveis da incriminação da conduta ou “assumiu” que o arguido havia atuado no exercício das suas funções mas sem propriamente excutir o seu julgamento substantivo, em mera decisão formal, com lesão óbvia do direito do cidadão ao julgamento equitativo.
A invocação não tem fundamento.
Com efeito, no plano constitucional a garantia do direito ao recurso prevista no n.º 1 do art. 32.º da Constituição fica constitucionalmente perfeita com a previsão de um único grau, que foi exercido através do recurso interposto para a Relação pelo reclamante (cf. v.g., Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 189/01 e 377/2003 de 3 de maio de 2001 e de 15 de julho de 2003, respetivamente).
Acresce que a referência a julgamento equitativo constitui questão inteiramente estranha ao objeto específico da reclamação.
c) A alínea f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP com o sentido normativo de que mesmo quanto às questões prévias de natureza cível, pressupostas na incriminação da conduta, não é permitido o recurso para o STJ, ao abrigo da revista excecional e aplicação analógica, ou por interpretação extensiva, do art. 400.º, n.º 3, do CPP é inconstitucional, por violação dos arts. 13.º, 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 203.º e 204.º, da CRP.
A alegação também não tem fundamento. Como se referiu, a invocação da inconstitucionalidade deve referir-se a norma (aplicação ou desaplicação de norma ou dimensão normativa) e não a não-normas ou a supostas dimensões negativas de uma norma.
A invocação do sentido normativo referido pelo reclamante não se contém na norma aplicada nem constitui qualquer dimensão negativa de aplicação, mas uma outra questão autónoma, que está para além da dimensão normativa que foi aplicada na decisão.
5 – O reclamante alega ainda que ao julgamento da questão prévia cível (traduzida na responsabilidade de terceiros pelos danos causados a outrem), deve aplicar-se por analogia o regime do art. 400.º, n.º 3, do CPP.
A questão em causa releva inteiramente da questão penal, não sendo, consequentemente, aplicável o regime do art. 400.º, n.º 3, do CPP, mas como o reclamante também recorreu do pedido de indemnização civil, como resulta das conclusões do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça e do pedido formulado, sendo o despacho que não admitiu o recurso omisso quanto a esta parte, deverá ser apreciada na Relação.
(...)»
4. O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. Contudo, em face do disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
5. Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, necessário se mostra que se achem preenchidos um conjunto de pressupostos processuais. A par do esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão recorrida, exige-se que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma adequada, uma questão de constitucionalidade, questão essa que deverá incidir sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi daquela decisão.
In casu, porém, não é isso que sucede. Vejamos.
À luz do que foi avançado no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, são três os entendimentos normativos extraídos da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada.
Assim, em primeiro lugar, reputa-se inconstitucional, por violação dos artigos 20.º e 32.º, n.º 1, da Constituição, o segmento normativo nos termos do qual não se admite recurso para o STJ, ao abrigo do artigo 721.º-A, do CPC, do acórdão da Relação, quando estejam em causa “questões prejudiciais comerciais que a primeira instância, em incompleição substantiva, não indicou, não interpretou e aplicou os atinentes preceitos do direito comercial e mesmo civil em que se enquadram tais decisões, e nem sequer assumiu formalmente a sua existência”.
Estende o recorrente tal inconstitucionalidade a um entendimento normativo daquele preceito que impeça «recurso para o Supremo de Acórdãos proferidos pelas Relações que confirmem decisão da 1.ª instância, quando esta apenas “assumiu” os pressupostos cíveis da incriminação da conduta ou “assumiu” que o arguido havia atuado “no exercício das suas funções”, mas sem propriamente excutir o seu julgamento substantivo (com a imprescindível indicação, interpretação e aplicação do conteúdo normativo das pertinentes normas jurídicas do direito civil e administrativo) ou seja, em mera decisão “formal”, mas realmente em vício “substantivo” de “incompleição do julgado”», com lesão óbvia dos artigos 13.º e 204.º da Constituição.
Em terceiro lugar, o recorrente avança a inconstitucionalidade do preceito supra referido quando interpretado no sentido de que não é admissível recurso para o STJ de “questões prévias ou preliminares de natureza cível, ao abrigo do regime de Revista excecional e aplicação analógica, ou por interpretação extensiva do artigo 400.º, n.º 3, do CPP”, por violação dos artigos 13.º, 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 203.º e 204.º da Constituição.
Ora, quanto ao primeiro e terceiro entendimentos normativos elencados, cumpre sublinhar não se configurarem os mesmos como questões de constitucionalidade de que este Tribunal deva conhecer. Com efeito, pretende o recorrente, em ambos, atacar a bondade do percurso hermenêutico trilhado pelo tribunal recorrido, extraindo daí um conjunto de inconstitucionalidades cujo fundamento não é a desconformidade de um dado resultado interpretativo com a Constituição, mas antes a não mobilização de certas técnicas ou expedientes hermenêuticos.
Por outro lado, ao segundo segmento extraído do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, falta, como é bom de ver, natureza normativa, assentando a controvérsia erguida pelo recorrente tão-só na atividade jurisdicional levada a cabo pelo tribunal recorrido por ocasião do preenchimento dos elementos do tipo legal de crime. Acresce que a questão de constitucionalidade assim delineada não tem qualquer respaldo na decisão recorrida, nem foi, por conseguinte, a sua ratio decidendi. Aquela alicerçou-se, é certo, no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, mas tendo por base a irrecorribilidade do acórdão condenatório uma vez verificada a conformidade total entre as decisões da primeira instância e da Relação, que aplicaram pena de prisão não superior a oito anos.
Finalmente, pretende o recorrente que este Tribunal aprecie duas outras questões de constitucionalidade. Uma tem que ver com o artigo 127.º do CPP, do qual foi feita, no entender do recorrente, quer na primeira quer na segunda instância, uma interpretação “manifestamente inconstitucional”, por violação dos artigos 1.º, 9.º, n.º 1, alínea b), 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 202.º a 204.º da Constituição, bem como do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cfr. ponto 34 do requerimento de fls. 498). A outra incide sobre os artigos 87.º, n.ºs 1 e 3, do RGIT, e 368.º-A, n.º 2, do Código Penal, nos termos em que foram aplicados, por violação do princípio da legalidade criminal, consagrado no artigo 29.º, n.º 4, da CRP (cfr. pontos 30 e 31 do requerimento de fls. 498). Também aqui, porém, se erguem obstáculos intransponíveis ao conhecimento do objeto do recurso. Esses obstáculos são fundamentalmente três.
Desde logo, aquelas questões de constitucionalidade não assumem recorte normativo, não logrando o recorrente individualizar, com o grau de abstração exigível, os segmentos normativos que, extraídos dos preceitos identificados, se encontram em situação de desconformidade com o parâmetro normativo-constitucional. Acresce que as duas questões enunciadas não foram suscitadas durante o processo, circunstância que obstou a que o tribunal recorrido houvesse sido confrontado com a inconstitucionalidade daqueles “entendimentos” antes de esgotado o seu poder jurisdicional sobre a matéria. Depois, e uma vez mais, trata-se de questões que não tiveram qualquer relevo para a decisão recorrida, cujo objeto se resumiu – recorde-se - ao apuramento da irrecorribilidade, para o STJ, do acórdão condenatório prolatado pela Relação.
Destarte, há que concluir no sentido de que não se encontram preenchidos os pressupostos de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
6. Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objeto do recurso.
(…)»
5. A reclamação apresentada pelo reclamante não coloca minimamente em crise a decisão sumária proferida. Com efeito, o juízo de não conhecimento agora objeto de reclamação fundou-se no não preenchimento, pelo recurso de constitucionalidade interposto, dos pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
Visto que o reclamante não logra rebater os argumentos expendidos na decisão sumária, limitando-se a reproduzir trechos do requerimento de recurso de constitucionalidade, cumpre tão-só reiterar os fundamentos que estiveram na base daquela decisão.
Como aí se disse, os entendimentos extraídos, pelo então recorrente, a partir do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, não constituem questões de constitucionalidade normativa de que este Tribunal possa conhecer.
Na parte em que neles se contesta a constitucionalidade daquele normativo pelo facto de o tribunal recorrido não ter admitido a aplicação, ao processo penal, por via de interpretação analógica ou de interpretação extensiva, do regime da revista excecional, há que concluir que o que aí se pretende é, exclusivamente, questionar as operações hermenêuticas que o tribunal recorrido poderia ou deveria ter levado a cabo. Tais indagações colocam-se, como é bom de ver, a montante do resultado normativo a que chegou o tribunal recorrido, estando – nessa medida – fora do objeto do controlo do nosso modelo de fiscalização da constitucionalidade.
Já na parte em que neles se impugna a alegada natureza meramente “formal” do julgado, ou a “incompleição” deste, cumpre coonestar o que já decorre da decisão sumária, e que tem que ver com o facto de que tal questão, não só não assume natureza normativa, como, mesmo que assim não se entenda, não tem qualquer respaldo na decisão recorrida, ou seja, não coincide com aqueles que foram os efetivos fundamentos de tal decisão.
Finalmente, insiste ainda o reclamante na inconstitucionalidade da interpretação que foi feita, por ambas as instâncias, do artigo 127.º do CPP, sem, porém, refutar qualquer dos obstáculos vertidos na decisão sumária quanto à impossibilidade do seu conhecimento. Tais obstáculos prenderam-se, sobretudo e uma vez mais, com a falta de recorte normativo da questão em análise - talqualmente enunciada pelo então recorrente – e ainda com o não cumprimento do ónus de suscitação prévia, exigência que decorre abertamente do artigo 280.º, n.º 4, da CRP e do artigo 72.º, n.º 2, da LTC.
Tanto basta para que se reafirme o não preenchimento, in casu, dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada, e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 3 de março de 2014.- José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.