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Processo n.º 1184/13
3ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), em que é reclamante A., o mesmo reclamou, ao abrigo do artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho, proferido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de outubro de 2013, que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional por si interposto.
2. Na base da presente reclamação está uma longa série de incidentes processuais, que remontam a um recurso do ora reclamante para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA de um acórdão que lhe desatendeu uma reclamação dirigida contra um despacho que o havia condenado no pagamento de determinado montante de taxa de justiça. Por Acórdão de 17 de março de 2011, o STA não deu provimento ao recurso.
Dessas decisões, interpôs o ora reclamante recurso de constitucionalidade. O então relator solicitou informação ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados sobre se o então recorrente podia exercer o mandato forense, tendo a resposta informado que a inscrição do mesmo se encontrava suspensa, por incompatibilidade, desde 24/09/1993.
3. No Acórdão n.º 01/2012, proferido nestes mesmos autos, o Tribunal Constitucional decidiu da seguinte forma:
“2. Em Portugal só os licenciados em direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem praticar atos próprios da advocacia – artigo 61.º n.º l do Estatuto da Ordem.
É, portanto, à Ordem dos Advogados que incumbe certificar a qualidade de advogado, não cabendo na competência dos tribunais, incluindo o Tribunal Constitucional, apreciar, a título incidental, a questão de saber se o requerente pode, ou não, exercer advocacia. Aos tribunais caberá, sem dúvida, apreciar, em processo próprio, a validade das deliberações da Ordem dos Advogados que concedam ou retirem a inscrição que habilita tal exercício profissional, mas não lhes cabe praticar os atos que materialmente preenchem a competência daquele órgão administrativo.
Por esse motivo, há de entender-se que as diligências requeridas pelo requerente são inoportunas, pois ao Tribunal não resta outra solução que não a de aceitar a informação da entidade pública competente quanto à não habilitação para o exercício da advocacia do requerente.
3. O artigo 83º n.º l da LTC (Lei n.º 28/82 de 15 de novembro) impõe, sem exceções aqui relevantes, o patrocínio judiciário obrigatório 'nos recursos para o Tribunal Constitucional'. Não pode, por isso, admitir-se o recorrente a litigar per se, como requer.”
4. Na sequência de notificação deste aresto e da notificação de pagamento em custas, veio o ora reclamante requerer ao STA que decretasse a suspensão da instância, o que foi indeferido por despacho de fls. 585 e ss.
Inconformado, o mesmo interpôs reclamação para a conferência, que foi indeferida por Acórdão do STA de 23/01/2013.
5. Ainda inconformado, veio o ora reclamante requerer, a fls. 650 e ss., por um lado, que se procedesse ao reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia de duas questões de direito e, por outro, interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º da LTC, da “subdecisão condenatória em custas”.
Por despacho de 4 de junho de 2013, o Relator do STA exarou, no que toca ao recurso de constitucionalidade (cfr. fls. 661 dos autos):
“Atento o acórdão do Tribunal Constitucional a fls. 566, acórdão nº 01/2012, de 5.1.2012, e pois que o requerente continua a litigar per se, o que naquele acórdão não foi admitido, convida-se o requerente a constituir mandatário, no prazo de 10 dias – artigo 83º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de novembro”.
6. Em resposta, o ora reclamante veio dizer (cfr. fls. 666 e ss.):
“10. Nenhum fundamento válido para o decidido apresenta o sindicado Acórdão nº 1/2012 do Tribunal Constitucional – um tribunal, de resto, não especializado em matéria administrativa -, antes sim viola diretamente o comando do nº 2 do artigo 134º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que, mercê da articulação conjugada dos artigos 203º e 3º, nº 3, da Constituição, materializa um ato nulo de pleno direito,
11. idêntica sorte colhendo, consequentemente, o Despacho agora reclamado,
12. cuja revogação, com todos os devidos efeitos intra processuais e legais, vai ipso facto et ipso jure requerida.”
7. Em face desta resposta, por despacho de 24 de junho de 2013, o Relator do STA não admitiu o recurso de constitucionalidade anteriormente apresentado pelo ora reclamante (cfr. fls. 678), nos seguintes termos:
“Pelo despacho de fls. 661 foi o requerente convidado a constituir mandatário, atento o artigo 83º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de novembro.
O requerente não satisfez o convite.
Nestes termos, o recurso não tem seguimento – artigo 33º do Código de Processo Civil.”
8. Reclamou, então, o interessado para a conferência (cfr. fls. 682 ss.). Tal reclamação não foi, porém, aceite, por novo despacho do Relator do STA, agora de 15 de julho de 2013, em que este concluiu não haver reclamação para a conferência do despacho que determinou o não seguimento do recurso de constitucionalidade (cfr. fls. 687).
9. O reclamante interpôs, então, nova reclamação para a conferência (cfr. fls. 690 ss.), que voltou a ser recusada, por despacho, de 20 de setembro de 2013 do Relator do STA, que considerou que a matéria já se encontrava decidida, pelo que, “se não há lugar a reclamação do despacho de fls. 678, como se esclareceu no despacho de fls. 687, não pode haver lugar a reclamação deste último despacho”.
10. O interessado veio, então, interpor recurso de constitucionalidade deste despacho, em requerimento do seguinte teor (cfr. fls. 696):
“1. A conclusão, ab initio do Despacho de fls. 693, de que a «matéria já se encontra decidida» - ao, por via dela, abusivamente se pretender como definitiva a pré-decisão singular do Relator no mesmo ato, assim o furtando este ao controlo da única autoridade jurisdicional competente num tribunal superior, o coletivo judicante – reaplica, nitidamente, a norma jusprocessual citada no n.º1 do requerimento que essa decisão desatendeu segundo a dimensão materialmente inconstitucional especificada nos nºs. 2 a 4 da mesma peça, expedida em 16 do corrente e que veio devolvida,
2. caindo o Despacho em causa, portanto, sob a alçada, simul, dos artigos 204.º e 280.º, al. b) do n.º1 da Constituição,
3. certo sendo que o comando conjugado dos nºs 2 e 3 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional impõe que contra essa decisão unipessoal seja previamente deduzida – porquanto equiparada a «recurso ordinário» - pertinente reclamação para a conferência. Porque,
4. no entanto, do próprio contexto processual em que o incidente se insere resulta outrossim nítida a conclusão de que seria esse um ato inconsequente, quer dizer: outro requerimento que o Relator de novo desconsideraria, toma o interessado a iniciativa de, em homenagem ao princípio da economia processual, optar – ao abrigo do n.º4 do artigo e lei supracitados – pela renúncia de tal reclamação.
Termos por que, ao abrigo da al. b) do n.º1 do artigo 70.º da Lei supracitada, interpõe contra o Despacho sub judicio o competente recurso de constitucionalidade.”
11. Este recurso foi rejeitado por despacho de 4 de outubro de 2013 do Relator do STA, nos seguintes termos (cfr. fls. 700):
“Requerimento de fls. 695 – Não se admite o recurso interposto já que nos termos do artigo 83º da Lei Orgânica sobre Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional nos recursos para o Tribunal Constitucional é obrigatória a constituição de advogado o que se não verifica no caso.”
12. É deste despacho que vem interposta a presente reclamação por não admissão de recurso, em que o interessado vem invocar (cfr. fls. 2 dos autos de reclamação):
“Cabe a presente via de impugnação, necessariamente, do Despacho do Mmo. Relator no Alto Tribunal a quo que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto, sob color de que «nos recursos para o Tribunal Constitucional é obrigatória a constituição de advogado, o que “não se verifica” (sic) no caso”.
Pois, como é geralmente sabido, há uma distinção nítida entre as locuções «nos recursos» e «nos requerimentos de interposição de recursos», de tal monta que – conforme se alcançará do anexo Doc. A – já há mais de um quarto de século que o Supremo Tribunal de Justiça assentou a jurisprudência, nunca controvertida, segundo a qual, «a mera interposição de um requerimento, mesmo sendo de recurso, (…) não implica, de per si, a necessidade de constituição de mandatário judicial».
Mais não será preciso aduzir, certamente, para que esse não menos Alto Tribunal, fazendo no caso a justiça que cumpre, revogue o de resto douto Despacho agora aqui reclamado.”
13. Neste Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público, que, apoiado em várias decisões do Tribunal Constitucional, e no facto de o recorrente apresentar requerimento de interposição de recurso por si subscrito e não constituir advogado, considerou que a presente reclamação não merecia provimento.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
14. Reclama A. do despacho do STA de 4 de outubro de 2013 que não admitiu o recurso de constitucionalidade por si interposto por considerar, em suma, que, a mera interposição de um requerimento, mesmo sendo de recurso não implica, de per si, a necessidade de constituição de mandatário judicial.
Sucede que, como se verá, não é esse o entendimento que o Tribunal Constitucional tem adotado no que toca aos requerimentos de interposição de recurso de constitucionalidade. Esse entendimento foi amplamente demonstrado no Acórdão n.º 139/2011, em que se esclareceu a obrigatoriedade de constituição de advogado, no âmbito de recursos de constitucionalidade perante o Tribunal Constitucional, conforme resulta da conjugação entre o artigo 83º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) e do artigo 41º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artigo 69º da LTC.
14.1. Esse foi o entendimento que se adotou, como se viu, no Acórdão n.º 1/2012, de 5 de janeiro, bem como o de outros arestos relativamente ao ora reclamante. Veja-se o que se escreveu nos Acórdãos n.º 493/12, de 24 de outubro e n.º 494/12, da mesma data. O último é particularmente ilustrativo, ao ter-se decidido nos seguintes termos:
“I - No presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade o recorrente reclama para a conferência, em requerimento por si subscrito, do despacho do relator que o convidou a constituir advogado, por estar suspensa a sua inscrição na Ordem dos Advogados.
II - Porém, versando tal reclamação sobre questões de direito, designadamente, a nulidade ou ineficácia da deliberação da Ordem dos Advogados, também para tal ato é necessária a constituição de advogado, pelo que se decide não tomar conhecimento do objeto da reclamação”.
14.4. O entendimento de que a constituição de advogado é obrigatória mesmo no que toca à interposição de recurso de constitucionalidade foi, enfim, reforçado no recente Acórdão n.º 366/13, de 28 de junho.
15. É, por fim, também esse o entendimento da doutrina. Nesse sentido, refere Carlos Lopes do Rego (in Os recursos de fiscalização concreta na lei e na jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 315) que se “estabelece, como pressuposto processual nos recursos de fiscalização concreta, o patrocínio obrigatório das partes por advogado (mesmo que tal patrocínio não fosse obrigatório no «processo-base» em que se enxertou o recurso): daqui resulta que devem ser necessariamente subscritos por advogado o requerimento de interposição de recurso, o de aperfeiçoamento deste, nos termos do artigo 75º-A, ou a dedução de reclamação para a conferência, em que obviamente importa formular juízos de natureza jurídica (cfr., v.g. Acórdãos nºs 509/93, 106/05 e 123/06).”
16. Resta, pois, concluir, em face do referido, que o entendimento defendido pelo reclamante não merece qualquer acolhimento no que toca aos requerimentos de interposição de recurso perante o Tribunal Constitucional, pelo que a presente reclamação não merece provimento.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 21 de janeiro de 2014. – Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.