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Processo n.º 1059/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal de 25 de junho de 2013.
2. Pela Decisão Sumária n.º 692/2013 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e do artigo 75.º-A, n.º 1, parte final, da LTC decorre que o recorrente tem o ónus de indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie. Notificada para o efeito, nos termos do disposto no artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, a recorrente continua a não satisfazer este requisito do requerimento de interposição de recurso.
Por um lado, responde que o recurso é delimitado às questões de inconstitucionalidade suscitada. Por outro, a recorrente não especifica qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Não o faz, designadamente, quando argui toda a nulidade do inquérito e da acusação (parte I); quando argui a nulidade dos mandados de detenção (parte III); quando diz pretender ver apreciada a constitucionalidade relativa ao despacho de pronúncia (parte IV).
Tão-pouco identifica uma norma quando invoca «a ilegalidade e inconstitucionalidade dos artº 315º e 165º ambos do CPP, quando interpretados no sentido de a prova documental ter de ser exclusivamente apresentada pela arguida, mesmo que aquela não tenha a ela acesso (entenda-se, os na posse do CSM; CSMP; e CGGNNR) por um lado, e no tocante ao proc. nº 637/04.9 GDPTM do 2º Juízo do Tribunal de Portimão o que está perfeitamente ao alcance deste Tribunal com celeridade tangível e sem qualquer ónus que recai à arguida, sem respeitar assim a faculdade estatuída no artº 164º n. 2 do CPP»; quando considera «que está verificado o vício de inconstitucionalidade relativamente aos artsº 333º 334º ambos do CP quando interpretados, no sentido de o advogado mandatado, com procuração válida, em processo judicial não goza da imunidade necessária ao exercício do mesmo, considerando a recorrente, então mandatária como obstáculo à realização da e administração da justiça»; ou quando refere «a inconstitucionalidade, da interpretação conferida ao artº 119 al. c) do CPP, quando acolhe a interpretação de que em sessão de julgamento onde se procede à análise de documentos, venha a mesma prova a ser valorada em sede de Sentença, encontrando-se a arguida ausente, não tendo a mesma dado consentimento para a realização de julgamento na ausência, em virtude de não ter sequer sido artº 32º e 208º ambos da CRP, expedida notificação, a informar da data e hora da diligência, ao arrepio do artº 113º, n. 9 da CPP, com violação do artº 119º, e ainda dos art(s) 32º n.1, 6 e 7 da CRP».
Em todas estas passagens, marcadas pelas singularidades do caso, o que releva é a intenção de questionar o já decidido judicialmente, não havendo a identificação de uma qualquer norma que possa constituir o objeto do recurso interposto. É até evidente que os preceitos legais invocados não suportam sequer o enunciado que se lhes segue.
Resta, pois, concluir pelo não conhecimento do objeto do recurso, o que justifica a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, sustentando o seguinte:
«Efetivamente as questões em apreço foram suscitadas durante o processo.
Não obstante esse Venerando Tribunal decide não conhecer dos recursos, desde logo no ponto II – “(…) a recorrente não especifica qualquer questão de inconstitucionalidade normativa”
Salvo o devido respeito, e que é muito, no recurso apresentado, a recorrente, especifica em concreto as exigências legais, designadamente quando na parte:
Parte I
Sic
“Nesta medida Ministério Público de Silves não era competente para proceder ao respetivo processo de inquérito, pelo que enferma de nulidade todo o inquérito bem como a Acusação, nulidade esta que é insanável e que se deixa ora requerida, nos termos do artº 119.º e), e em consequência dando origem a ilicitude plasmada na alínea d) do mesmo preceito, no tocante à acusação, ambas por referência ao art.º 23.º e 118.º do CPP, bem como do previsto no art.º 202.º n.º 2 e 203.º ambos da CRP, nulidades que se deixam aqui arguidas devendo ser extraídas todas a consequências legais das mesmas.
Parte III
“(…) em instrução, não basta a aludida subsunção jurídica dos factos, pois ter-se-á de aquilatar se os factos qualificados, são integradores do facto ilícito, atendendo o aludido artº 208 da CRP, e por ser a qualidade que a recorrente assume nos factos.
Assim, pretende ver apreciada a constitucionalidade relativas ao despacho de pronúncia em virtude de o mesmo não se pronunciar sobre a questão do enquadramento jurídico-penal, dos factos deveria o JIC pronunciar, da questão de direito suscitada em sede do RAI, em cumprimento do estatuído no artº 287º n. 2 do CPP, e ao interpretar-se de forma diversa está verificada a violação de preceito constitucional designadamente no artº 32º n.1 e 5 e 208º nº 1 da CRP.
Não obstante o supra exposto, afigura-se que o Tribunal da Relação de Évora, acaba por se pronunciar acerca da questão suscitada em sede de Requerimento de Abertura de Instrução, decidindo que a recorrente não goza da prerrogativa do art.º 208 da CRP, uma vez que se pode considerar que a mesma não seja constituinte do tribunal, mesmo que para os efeitos em causa, limitando-se a referir que a qualificação jurídica dos factos é tão-somente suficiente para enquadrar o ilícito tipo.
Pelo que à cautela, e sob pena de a recorrente ver o seu direito precludido, vem abraçar a tese de que está verificado o vício de inconstitucionalidade relativamente aos artsº 333º e 334º ambos do CP quando interpretados, no sentido de o advogado mandatado, com procuração válida, com processo judicial não goza da imunidade necessária ao exercício do mesmo, considerando a recorrente, então mandatária como obstáculo à realização da e administração da justiça, por violação dos art 32º e 208º ambos da CRP.”
Parte IV
“Pelo exposto requer-se ainda a inconstitucionalidade, da interpretação conferida ao artº 119 al. c) do CPP, quando acolhe a interpretação de que em sessão de julgamento onde se procede à análise de documentos venha a mesma prova a ser valorada em sede de Sentença, encontrando-se a arguida ausente, não tendo a mesma dado consentimento para a realização de julgamento na ausência, em virtude de não ter sequer sido expedida notificação, a informar da data e hora da diligencia, ao arrepio do artº 113º, n. 9 do CPP, com violação do art 9º, e ainda dos art(s) 32º n. 1, 6 e7 da CRP.”
Com o efeito a recorrente apresentou as suas “Motivações”
Nesta esteira, pugna-se que no requerimento de recurso a recorrente logrou identificar as questões suscitadas, e não obstante, e mesmo que se entenda que se encontram votados preceitos de direito infraconstitucional, certo é que em última análise pretende-se Deste Venerando Tribunal a pronúncia relativa à violação de normas constitucionais.
Independentemente da exigência formalista, que pauta o Tribunal, certo é que a questão da inconstitucionalidade, foi apresentada no tempo e modo oportuno.
Tanto é que em sede de Decisão do Tribunal da Relação de Évora proferiu pronúncia acerca da mesma, ainda que de indeferimento.
Ora é precisamente não concordando, com os fundamentos então aduzidos, que a Recorrente apresenta o atinente recurso, para o Tribunal Constitucional.
Salienta-se, que a própria a própria Exmª Serª Juiza Consª Relatora, unicamente refere que “(...) (...) o que releva a intenção de questionar p já decidido judicialmente, não havendo a identificação – de uma qualquer norma que possa constituir objeto do recurso interposto. (...)”
Ora mesmo que se diga a estrutura do recurso, não obedeça ao formalismo ou ao grau de exigência que por ventura apanágio desse Venerando Tribunal, certo é que as normas cuja interpretação da inconstitucionalidade se pretende sindicada, estão especificadas, não tendo de obedecer a critérios programáticos.
Com efeito, sendo a Constituição da República Portuguesa, a pedra basilar do nosso ordenamento jurídico, pretende-se unicamente, e na realização da justiça, ao caso concreto, verificar se as decisões judiciais, com o fundamento de direito que resulta da aplicação e interpretação de normas jurídicas, alicerçam-se e salvaguardam os princípios que devem nortear o texto constitucional, mais do que até o aspeto formal, que se revista no apelo ao Tribunal Guardião da Constituição.
A justiça, e cada vez mais necessita de aproximação à realidade do dia-a-dia, devendo-se, na nossa muito modesta e humilde opinião de abster a interpretações procedimentais, que chegam a uma exigência blindada.
Procura-se assim, unicamente, uma resposta à substância, e não obstante o estilo da escrita ou a forma de estruturar a mesma, procura-se unicamente evitar a cartilha que por vezes procuramos adotar.
Com efeito, é precisamente da interpretação conferida aos preceitos, intraprocessualmente aplicados, que se pretende ver escortinada a sua aplicação ao caso concreto, e que em última instância terá de ter afetação, na decisão judicial.
Contudo, não se poderá deste modo concluir que com o presente recurso se vise questionar a decisão judicial.
Na realidade única e simplesmente está em causa a constitucionalidade da interpretação das normas vertidas, no requerimento de interposição de recurso
Razão pela qual pugna-se que deverá ser apreciada a constitucionalidade das normas constantes do recurso quando colhem as interpretações veiculadas no próprio Despacho».
4. Notificado da presente reclamação, o Ministério Público veio dizer que:
«2º
Efetivamente, como claramente se demonstra na douta Decisão Sumária, a recorrente, mesmo após o convite ao aperfeiçoamento formulado nos termos do artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, não identificou, com o mínimo de clareza, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, única passível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade.
3º
As considerações genéricas que constam da reclamação em nada abalam os fundamentos da decisão reclamada.
4º
Aliás, contrariamente ao que sugere a recorrente, no acórdão recorrido, proferido pela Relação de Évora, não foi apreciada qualquer questão de inconstitucionalidade de natureza normativa, que tivesse sido anteriormente suscitada.
5º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão reclamada concluiu no sentido do não conhecimento do objeto do recurso interposto, por não se poder dar como satisfeito o requisito da indicação da norma cuja apreciação é requerida a este Tribunal (artigo 75.º-A, n.º 1, parte final, da LTC), não obstante a recorrente ter sido convidada a aperfeiçoar o respetivo requerimento de interposição, ao abrigo do artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC.
A reclamante contrapõe, desde logo, que «as questões em apreço foram suscitadas durante o processo». Sucede, porém, que a razão do não conhecimento do objeto do recurso não residiu no incumprimento do ónus da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade. Por outro lado, nunca seria suficiente, para satisfazer o ónus da indicação da norma cuja apreciação se pretende, remeter para a peça onde terá sido questionada a conformidade constitucional de determinada norma. Contrariamente ao que sustenta, a recorrente não logrou identificar as questões suscitadas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, por via da remissão para as suas “Motivações”. É um ónus do recorrente indicar a norma cuja apreciação pretende no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade (artigos 75.º-A, n.º 1, 76.º, n.º 1, e 78.º-A, n.º 2, da LTC).
O Tribunal tem vindo a entender que “o cumprimento destes ónus [os decorrentes dos nºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 75.º-A da LTC] não representa simples observância do dever de colaboração das partes com o Tribunal; constitui, antes, o preenchimento de requisitos formais essenciais ao conhecimento do objeto do recurso” (Acórdão n.º 200/97, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Reiterando o entendimento de que a recorrente não satisfez o requisito da indicação da (s) norma (s) cuja apreciação pretendia, há que confirmar a decisão que é objeto de reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral