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Processo n.º 762/12
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente o Ministério Público e recorridos A. e outros, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 61-62), ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido em conferência por aquele Tribunal em 9 de outubro de 2012 (a fls. 51-54).
2. O Tribunal recorrido confirmou a decisão sumária da Juíza Relatora de 15/05/2012, recusando a aplicação da «norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada», por «violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa» (cfr. fls. 32 a 37).
3. Para o que importa apreciar e decidir, tem o seguinte teor o acórdão recorrido:
«ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, O SEGUINTE:
1. Elaborada a conta de custas no processo de expropriação 404/2001, que correu termos no Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, em que é expropriante “B., S.A.” e expropriados A., C., D. e E., vieram estes reclamar da conta através de requerimento apresentado a 29.11.2010, argumentando que tendo o valor da indemnização sido definitivamente fixado em acórdão desta Relação em € 4.610,42, o valor das custas nunca poderá ultrapassar aquele montante, sob pena de violação no disposto no artigo 66º, nº 2 do Código de Expropriações, pedindo, a final, que seja decidido que o valor das custas em divida seja limitado ao valor fixado a título de indemnização pela expropriação realizada.
Após parecer elaborado pelo Sr. Secretário de Justiça no sentido do indeferimento da reclamação apresentada - cfr. fls. 26 destes autos de recurso -, foi a 09.04.2011, proferido o despacho cuja cópia consta de fls. 25, no qual é aquela reclamação indeferida, nele se referindo que «...a conta foi elaborada em conformidade com as disposições legais aplicáveis. O artigo invocado art. 66º, nº 2 do CE não tem a virtualidade interpretativa que lhe assinala o requerente. Efetivamente, o normativo em causa deve ser interpretado apenas no sentido de que o pagamento das custas é garantido pelo valor da indemnização. O montante das custas depende, desde logo, da atividade processual gerada nos autos devendo as partes adequar e ponderar as diligências a requerer ao valor dos interesses em jogo».
2. Por não se conformarem com essa decisão, dela interpuseram os expropriados recurso de agravo para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“1º - O valor das custas a pagar pelo expropriado em processo de expropriação não poderá exceder o valor recebido a título de indemnização.
2º - Isto mesmo já foi decidido pelo Tribunal Constitucional e pelo Tribunal dos Direitos do Homem.
3º - A decisão de que se recorre violou as seguintes normas: artigo 66 nº2 do Código das Custas Judiciais e artigos 18-°, nº2 e 20-°, nº1 da Constituição da República Portuguesa.
4º - Deve, assim, a decisão do Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que altere o valor das custas para valor não superior ao da indemnização.”
O Ministério Público apresentou contra-alegações, nas quais pugna pelo provimento parcial do recurso interposto, com fundamento no facto de, no caso, o valor das custas ter excedido de forma intolerável o valor da indemnização arbitrada, com violação do disposto nos artigos 18º, nº2 e 20°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, devendo as custas ser fixadas em valor razoável, mas não em montante igual ao valor da indemnização.
A Senhora Juiz da primeira instância sustentou o despacho recorrido.
3. Nesta Relação, a Ex.ma Relatora (que posteriormente cessou funções nesta Relação) proferiu decisão singular, nos termos dos artigos 700º, nº 1, alínea c) e 705º do CPC, na redacção introduzida pelo DL nº 303/2007, de 24.08, contendo essa decisão o seguinte, como se transcreve:
«II.OBJECTO DO RECURSO
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigada a apreciar todos os argumentos apresentadas pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar se o valor das custas devidas no processo de expropriação deve ter como limite o valor da indemnização arbitrada.
III. FUNDAMENTOS DE FACTO
São os seguintes, além dos referidos no relatório supra, os factos relevantes ao conhecimento do objecto do recurso:
1) No processo de expropriação identificado no relatório antecedente foi fixada aos expropriados indemnização no valor de €4610,42.
2) No referido processo da primeira instância as custas da responsabilidade dos expropriados, compreendendo as taxas de justiça já pagas, ascendem a € 6 779,96, a que acrescem 1.244,40 de custas liquidadas no Tribunal Constitucional, tudo no valor global de € 8.024,36.
IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO
Ancoram-se os agravantes no disposto no artigo 66º, nº2 do Código de Custas Judiciais, que estabelece que “as custas devidas pelo expropriado saem do depósito da indemnização”, para sustentarem a tese de que em processo de expropriação o valor das custas a pagar não poderá exceder o valar recebido a título de indemnização.
O preceito invocado não comporta, porém, a defendida interpretação. O mesmo, não fornece qualquer critério limitativo para o montante das custas devidas em processa de expropriação, apenas define a forma como se processa o seu pagamento, sendo o valor das custas retirado do depósito da indemnização, acautelando-se, deste modo, o pagamento, total ou parcial, ao Estado do seu crédito de custas.
Carece, assim, de qualquer fundamento a convocação do normativo em causa para suportar a pretensão formulada pelos agravantes de que as custas no processo expropriativo têm como limite máximo o valor da indemnização fixada.
O direito de acesso à justiça garantido pelo artigo 20º da Constituição da República Portuguesa não assegura o direito de litigar gratuitamente. O recurso aos tribunais pressupõe, sem que tal constitua restrição àquele direito constitucional, que os litigantes suportem os encargos do funcionamento do aparelho judicial, através do pagamento de custas judiciais, cujos parâmetros são fixados pelo legislador de acordo com critérios pré-definidos, e cuja contabilização concreta se faz atendendo, por regra, ao valor do processo, à actividade processual desenvolvida e ao grau de sucumbência/aproveitamento processual.
Porém, como se afirma no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 467/91, “ o asseguramento da garantia do acesso aos tribunais subentende uma programação racional e constitucionalmente adequada dos custos da justiça: o legislador não pode adotar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça”.
Ou seja: não garantindo a Constituição a gratuitidade do acesso à justiça, a mesma impõe, em contrapartida, a proibição da denegação da justiça por razões de insuficiência económica.
Conforme se escreveu no Acórdão nº 608/99 do Tribunal Constitucional, em matéria de custas judiciais, o princípio da proporcionalidade reveste, «pelo menos, três sentidos: o de equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício; o da responsabilização de cada parte pelas custas “de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional”; e o do ajustamento dos quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respetiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes”».
Assim, a respeito do direito ao acesso à justiça e da correspondente proibição de denegação da justiça por razões de natureza económica, tem o Tribunal Constitucional sufragado o entendimento de que ainda que a Constituição não imponha a gratuitidade daquele acesso, veda, todavia, ao legislador a adopção de regras das quais resulte que os encargos a suportar por quem recorra à administração da Justiça possam, na prática, constituir um entrave inultrapassável ou um clamoroso sacrifício para assegurar tal acesso.
E é na linha deste entendimento, que o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 470/2007, de 25 de Setembro de 2007, proferido no processo nº 647/06, cuja doutrina e fundamentos merecem o melhor acolhimento, veio “julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18º, nº 2, e 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 66º, nº 2, do código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de formo intolerável o montante da indemnização depositada.”
No caso em apreço, as custas devidas, com recurso à aplicação do artigo 66º, nº 2 do CCJ ultrapassa em € 3.413,94 o valor do da indemnização (4.610,42), excedendo, por isso, de “forma intolerável aquele valor.
Impõe-se, por isso, que as custas sejam reduzidas de forma a apenas exceder de forma razoável o montante da indemnização.
Ponderando os valores aqui em conflito - o direito do Estado no pagamento dos encargos devidos pelo acionamento pelos expropriados dos órgãos jurisdicionais e a proibição de negar a estes o acesso à justiça por motivos de ordem económica - mostra-se equilibrada uma solução que determine como limite das custas a suportar pelos mesmos quantia correspondente ao valor da indemnização fixada, acrescida de 1/3 do valor correspondente à diferença entre esse montante e o montante de todas as custas liquidadas no âmbito do processo expropriativo.
Síntese conclusiva
É inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18º., nº 2, e 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 66º, nº 2, do código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada.
Nestes termos, dando parcial provimento ao agravo, revoga-se o despacho recorrido, determinando-se que o montante das custas a suportar pelos expropriados/agravantes no âmbito do processo de expropriação terá como limite o valor da indemnização fixada, acrescido de 1/3 do valor correspondente à diferença entre esse montante e o montante de todas as custas liquidadas no âmbito do processo expropriativo.
Custas pelos agravantes» (fim de transcrição).
4. O Ministério Público, notificado dessa decisão, veio reclamar para a conferência requerendo que sobre a matéria recaia acórdão (art. 700º/3 do CPC).
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir:
A questão versa o montante das custas a pagar pelo expropriado em processo de expropriação, em comparação com o valor recebido a título de indemnização. Na perspectiva dos recorrentes, aquele não deve exceder o valor recebido a título de indemnização.
Tudo ponderado, afigura-se-nos que o montante das custas não deve ser desproporcionadamente superior ao montante de indemnização a receber, mas também não deverá ser desproporcionadamente inferior ao montante de custas que resultariam do processado sem ter em conta o montante de indemnização a receber. Afinal, o essencial das custas consiste em taxa que, por definição, é a contrapartida do serviço prestado.
A Ex.ma relatora seguiu a jurisprudência do Tribunal Constitucional citada. E, a nosso ver, bem, pelo que aderimos por inteiro à sua decisão e respectiva fundamentação.
5. Decisão:
Pelo exposto, acordam em confirmar a decisão da Ex.ma relatora, com este teor: “dando parcial provimento ao agravo, revoga-se o despacho recorrido, determinando-se que o montante das custas a suportar pelos expropriados/agravantes no âmbito do processo de expropriação terá como limite o valor da indemnização fixada, acrescido de 1/3 do valor correspondente à diferença entre esse montante e o montante de todas as custas liquidadas no âmbito do processo expropriativo. Custas pelos agravantes”.»
4. Deste acórdão coube recurso para o Tribunal Constitucional, formulado nos seguintes termos (fls. 61-62):
«O Ministério Público, notificado do teor do douto acórdão proferido a 2012-10-09, nos autos de recurso de agravo à margem identificados, em que são agravantes A. e outros, sendo agravada B., SA, do mesmo vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 280º, nº 1, al. a), e nº 3, da Constituição da República Portuguesa, com os seguintes
FUNDAMENTOS:
1º
O recurso é interposto ao abrigo dos Arts. 70º, nº 1 al. a) e 72°, n/s 1, al. a) e nº 3, da Lei n.°28/82, de 15.11,
2º
Porquanto o douto acórdão recorrido recusou a aplicação da norma do art. 66°, nº 2, do Código das Custas Judiais, na redação introduzida pelo Dec-Lei nº 224-A/96, de 26-11, interpretado com o sentido de permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam, de forma intolerável, o montante da indemnização depositada, declarando, implicitamente, a inconstitucionalidade da mesma norma, por violação das disposições conjugadas dos arts. 18°, nº 2 e 20°, n° 1 da CRP,
3º
O douto acórdão recorrido foi proferido num recurso de agravo, com efeito devolutivo (art. 740º, nº 1, a contrario, do CPC, na redação anterior à alteração introduzida pelo DL nº 303/2007, de 24-08).
4º
Assim, o presente recurso tem o mesmo efeito do recurso anterior— art. 78º, nº 3, da Lei nº 28/82.
5º
O presente recurso é tempestivo e o recorrente tem legitimidade e interesse em agir.
Nestes termos, e nos mais de direito, requer-se a V.ª Ex.ª se digne admitir o presente recurso, seguindo-se os demais termos legais.»
5. Admitido o recurso no Tribunal a quo (cfr. fls. 63) e tendo prosseguido no Tribunal Constitucional (cfr. fls. 68), o Ministério Público representado neste Tribunal, notificado para alegar, concluiu pela confirmação do acórdão recorrido, alegando, entre o mais, o seguinte (fls. 70-108, cfr. fls. 76-108):
«(…) 8º
O Acórdão em apreciação, do Tribunal da Relação de Coimbra, conclui, pois, da seguinte forma (cfr. fls. 54 dos autos):
“A questão versa o montante das custas a pagar pelo expropriado em processo de expropriação, em comparação com o valor recebido a título de indemnização. Na perspectiva dos recorrentes, aquele não deve exceder o valor recebido a título de indemnização.
Tudo ponderado, afigura-se-nos que o montante das custas não deve ser desproporcionadamente inferior ao montante de custas que resultariam do processado sem ter em conta o montante de indemnização a receber. Afinal, o essencial das custas consiste em taxa que, por definição, é a contrapartida do serviço prestado.
A Exma. relatora seguiu a jurisprudência do Tribunal Constitucional citada. E, a nosso ver, bem, pelo que aderimos por inteiro à sua decisão e respectiva fundamentação.
5. Decisão
Pelo exposto, acordam em confirmar a decisão da Exma. relatora, com este teor: «dando parcial provimento ao agravo, revoga-se o despacho recorrido, determinando-se que o montante das custas a suportar pelo expropriado/agravantes no âmbito do processo de expropriação terá como limite o valor da indemnização fixada, acrescido de 1/3 do valor correspondente à diferença entre esse montante e o montante de todas as custas liquidadas no âmbito do processo expropriativo. Custas pelos agravantes».”
IV. Do recurso obrigatório interposto pelo Ministério Público
9º
É deste Acórdão, de 9 de Outubro de 2012, do Tribunal da Relação de Coimbra, que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade (cfr. fls. 61-62 dos autos), interposto pelo Ministério Público, “nos termos do art. 280º, nº 1, al. a) e nº 3, da Constituição da República Portuguesa”.
Invoca, para o efeito, a digna magistrada do Ministério Público (cfr. fls. 61-62 dos autos) (destaques do signatário):
“Porquanto o douto acórdão recorrido recusou a aplicação da norma do art. 66º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, na redacção introduzida pelo Dec-Lei nº 224-A/96, de 26-11, interpretado com o sentido de permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam, de forma intolerável, o montante da indemnização depositada, declarando, implicitamente, a inconstitucionalidade da mesma norma, por violação das disposições conjugadas dos arts. 18º, nº 2 e 20º, nº 1 da CRP.”
V. Jurisprudência aplicável do Tribunal Constitucional
10º
Muito embora a situação subjacente ao Acórdão 470/07, de 25 de Setembro de 2007, deste Tribunal Constitucional (Conselheiro Mário Torres), não seja exactamente igual à dos presentes autos, julga-se que muitas das considerações que fundamentaram a decisão prolatada nesse processo, se mostram de igual aplicação ao presente recurso.
Refere-se em tal Acórdão, com efeito (destaques do signatário):
“ 4. O presente recurso vem interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, contra o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13 de Dezembro de 2005, que negou provimento ao agravo deduzido contra o aludido despacho de 1 de Abril de 2005, na parte em que indeferiu a reclamação da conta no segmento em que os recorrentes sustentavam que do artigo 66.º, n.º 2, do CCJ resulta que o valor do depósito da indemnização por expropriação determina o limite máximo das custas.
Nesse acórdão [Acórdão 230/07, deste Tribunal Constitucional] desenvolveu-se a seguinte fundamentação:
“Assim, há que decidir se a conta de custas, com as alterações referidas a fls. 2217 e que aqui se dá por reproduzida, foi elaborada em violação do disposto no artigo 66.º, n.º 2, do CCJ e ainda dos princípios constitucionais da proporcionalidade, do acesso ao direito e aos tribunais e da justa indemnização.
Defendem, mas sem razão, os agravantes, baseando-se no disposto no artigo 66.º, n.º2, do CCJ (aí se estabelece que: «As custas devidas pelo expropriado saem do depósito da indemnização»), que as custas, em processo de expropriação, têm como limite máximo o montante depositado como indemnização.
Na verdade, tal preceito, inserido na secção de oportunidade do pagamento voluntário das custas, apenas nos diz que o pagamento do montante das custas, em processo de expropriação, se processa, retirando-o do depósito da indemnização devida ao expropriado, o que se encontra em conformidade com o estabelecido no artigo 51.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, e no artigo 52.º, n.º 3, da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro (da quantia depositada como indemnização pela entidade expropriante e sobre o montante de que haja acordo, deve reter-se, se necessário, a quantia provável das custas no caso de o expropriado decair no recurso).
Tal pagamento, à custa da indemnização devida ao expropriado, processa-se no prazo de pagamento voluntário e oficiosamente (ao contrário de outros depósitos à ordem do tribunal em que é necessário requerimento do devedor – cf. n.º 1 do referido artigo 66.º).
Não se estabelece, neste artigo 66.º do CCJ, qualquer critério para determinação do montante de custas, nem se estabelece qualquer limite máximo de custas; trata-se de uma norma relativa à forma de pagamento do montante das custas, em que o Estado visa assegurar o pagamento integral ou parcial do seu crédito de custas, até por poderem, ao expropriado/devedor, não ser conhecidos outros bens, sendo certo que esta forma de pagamento se não esgota com o levantamento do devido se este for superior ao depósito.
Acresce que, como norma relativa ao modo de pagamento das custas, tem como pressuposto a sua anterior determinação segundo os critérios legais – primeiramente há que determinar o montante das custas e seu responsável e só depois é que tem aplicação tal normativo.
Por isso, não podem as custas devidas pelos expropriados estar limitadas ao montante depositado – nem a letra da lei nem a sua ratio permitem a interpretação pretendida pelos agravantes.
Por outro lado, as custas mostram-se calculadas, com as alterações admitidas, de acordo com os critérios legalmente estabelecidos no CCJ, não havendo, ao contrário do que alegam os agravantes, qualquer violação dos invocados princípios constitucionais.
Com efeito, não se mostra que haja qualquer violação do princípio da proporcionalidade, também chamado da proibição do excesso.
Sabe-se que tal princípio é um princípio geral do direito, com consagração constitucional, como vem referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 302/2001, de 27 de Junho, publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Novembro de 2001.
E que, como escrevem Gomes Canotilhoe Vital Moreira na Constituição da República Portuguesa Anotada, se desdobra em três sub-princípios:
«– princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);
– princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis) porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outro meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias;
– princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.»
No caso concreto, as custas mostram-se calculadas de acordo com as normas legais, com critério igual para igual situação e sem arbitrariedades.
Por outro lado, não se verifica qualquer desproporcionalidade entre o serviço prestado e aquele custo – trata-se de processo volumoso (já são 13 volumes), trabalhoso e com complexidade, em que questões há, suscitadas pelos expropriados, que determinaram a realização de pareceres técnicos.
Existe, por isso, correspondência ou adequação do seu custo (e já se verifica uma redução da taxa de justiça) com a actividade desenvolvida no processo e com a utilidade que os expropriados visavam obter com o recurso ao Tribunal, certo que o montante das custas não pode estar dependente do sucesso ou insucesso do pedido.
E se o montante é elevado resulta do modo – manifestamente excessivo e infundado por recair, essencialmente, em rendimentos de uma pedreira inexistente e em benefícios da entidade expropriante em consequência da expropriação – como foi exercido o direito dos agravantes à indemnização, certo que as custas são da responsabilidade de quem a elas deu causa (cf. artigo 446.º do CPC), não podendo os ora agravantes escudar-se em parecer técnico, pois bem sabiam da inexistência da invocada pedreira.
Também não há violação do princípio de acesso ao direito e à justiça estabelecido no artigo 20.º da Constituição, «direito a ver solucionados os conflitos, segundo o direito estabelecido, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência e perante o qual as partes se encontram em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade)» – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/93, no Diário da República, II Série, n.º2875/93.
No caso concreto e antes de mais, tem de se afirmar não se mostrar comprovado que os agravantes se encontrem em situação de insuficiência económica.
Depois, mesmo que exista essa insuficiência económica, também se não mostra que estejam impedidos de exercer os seus direitos em juízo – atente-se que as partes manifestaram já as suas posições sobre o objecto do processo (o que garante a defesa dos seus direitos), nada podendo trazer de útil na defesa do direito objecto dos autos (dado o trânsito da decisão que fixou o montante da indemnização) o montante das custas a pagar, certo que o pagamento só ocorrerá se possuírem bens para pagar.
Por fim, também não há qualquer violação do princípio da justa indemnização pela expropriação.
Com efeito, uma coisa é a indemnização (já fixada por acórdão transitado em julgado), outra diversa é a determinação do montante e pagamento de custas devidas pelo recurso aos Tribunais, sabido que não constitui princípio constitucional a gratuidade dos serviços de justiça e que são bem diferentes os critérios legais de determinação dos respectivos montantes (os previstos no Código das Expropriações para aquela e no Código das Custas Judiciais para estas).
E pelo crédito de custas responde todo o património do devedor, incluindo, logicamente, o valor da indemnização (cf. artigo 601.º do Código Civil).”
11º
Mais adiante, refere, também, o Acórdão 470/07, em apreciação (destaques do signatário):
“9. Mantêm-se igualmente incólumes, por estranhos à razão que determinou o deferimento do pedido de reforma, as seguintes considerações do Acórdão n.º 230/2007, já relativas ao mérito da questão de constitucionalidade que se considerou integrar o objecto do recurso:
“3.Quanto à conformidade da interpretação normativa em apreço com a garantia consagrada no artigo 20.º da Constituição, adiante-se que ela não se mostra, do ponto de vista da «constrição» do direito de acesso ao direito e aos tribunais, desprovida de razoabilidade ou justeza.
Como este Tribunal afirmou no Acórdão n.º 352/91 (publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Dezembro de 1991):
«[…] O direito de acesso aos tribunais não compreende [...] um direito a litigar gratuitamente, pois [...] não existe um princípio constitucional de gratuitidade no acesso à justiça (cf., neste sentido, também o Acórdão n.º 307/90, Diário da República, 2.ª Série, de 4 de Março de 1991).
O legislador pode, assim, exigir o pagamento de custas judiciais, sem que, com isso, esteja a restringir o direito de acesso aos tribunais. E, na fixação do montante das custas, goza ele de grande liberdade, pois é a si que cabe optar por uma justiça mais cara ou mais barata.
Essa liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um limite – limite que é o de a justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário.
É que o nosso ordenamento jurídico concebe o sistema de apoio judiciário como algo que apenas visa garantir o acesso aos tribunais aos economicamente carenciados, e não como um instrumento ao serviço também das pessoas de médios rendimentos (salvo, naturalmente, se estas houverem de intervir em acções de muito elevado valor).
Na fixação das custas judiciais, há-de, pois, o legislador ter sempre na devida conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos de modo a não tornar incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar insuportável ou especialmente gravoso, violar-se-á o direito em causa.[…].»
E acrescentou-se, mais adiante, no mesmo aresto:
«[…] Como todas as decisões legislativas, as decisões que o legislador toma em matéria de custas no que concerne ao quantum delas, são, obviamente, sindicáveis sub specie constitutionis. Mas, ao menos em geral, (...) tais decisões só haverão de ser taxadas de constitucionalmente ilegítimas quando inviabilizem ou tornem particularmente oneroso o acesso aos tribunais para o cidadão médio.»
Esta ideia foi também reiterada no Acórdão n.º 467/91 (publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Abril de 1992), onde se afirmou:
«[…]esse espaço de conformação [o espaço de conformação do legislador em matéria de custas] tem os limites que são dados pela irredutível dimensão de defesa da tutela jurisdicional dos direitos, postulando soluções legislativas que assegurem um acesso igual e efectivo aos tribunais. Então, o princípio da proporcionalidade vem aqui ‘alicerçar um controlo jurídico-constitucional da liberdade de conformação do legislador e situar constitucionalmente o espaço de prognose legislativa’ (J. J. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra 1982, p. 274).
O asseguramento da garantia do acesso aos tribunais subentende uma programação racional e constitucionalmente adequada dos custos da justiça: o legislador não pode adoptar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça. […].»
De acordo com o que se considerou no Acórdão n.º 608/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Março de 2000), «na área em questão» [matéria de custas judiciais], o princípio da proporcionalidade reveste, «pelo menos, três sentidos: o de ‘equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício’; o da responsabilização de cada parte pelas custas ‘de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional’; e o do ajustamento dos ‘quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes’».
12º
Um pouco mais adiante, refere, ainda, o Acórdão 470/07:
“Como, por último, se salientou no recente Acórdão n.º 255/2007 (cuja doutrina foi reproduzida no Acórdão n.º 299/2007):
“7. A propósito do direito de acesso aos tribunais, na sua vertente de proibição de denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, tem este Tribunal seguido uma impressiva jurisprudência de acordo com a qual, conquanto a Constituição não imponha a gratuitidade daquele acesso, o que será vedado ao legislador é o estabelecimento de regras de onde resulte que os encargos que hão-de ser suportados por quem recorre aos órgãos jurisdicionais possam, na prática, constituir um entrave inultrapassável ou um acentuadamente grave ou incomportável sacrifício para desfrutarem de tal direito.
E tem também essa jurisprudência perfilhado a perspectiva que, revestindo as custas judiciais a característica de uma taxa – e não de um imposto – inserir-se-á na liberdade conformativa do legislador a fixação dos respectivos montantes. Mas, se isso é assim, resulta identicamente da assinalada jurisprudência que a falada liberdade de conformação «não implica que as normas definidoras dos critérios de cálculo sejam imunes a um controlo de constitucionalidade, quer no que toca à sua aferição segundo as regras de proporcionalidade, decorrentes do princípio do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição), quer no que respeita à sua apreciação à luz da tutela constitucional do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição)» (cf. Acórdão n.º 1182/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35.º volume, pp. 447 e seguintes).
Na postura que ressalta do entendimento do Tribunal, não sendo imposta constitucionalmente a gratuitidade do acesso aos tribunais, do mesmo passo que é imposta a não denegação da justiça por insuficiência de meios económicos, os institutos denominados de assistência judiciária ou de apoio judiciário «não podem ser perspectivados como instrumentos generalizados ou pressupostos primários de acesso ao direito», como se disse no já citado Acórdão n.º 495/96. De harmonia com a doutrina desse aresto, que aqui se perfilha por inteiro, tais institutos são, antes, «um remédio, uma solução a utilizar, de forma excepcional, apenas pelos cidadãos economicamente carenciados ou desfavorecidos, e não de forma indiscriminada pela globalidade dos cidadãos», o que não deixa de implicar «necessariamente, que também o sistema das custas judiciais tenha de ser um sistema proporcional e justo que não torne insuportável ou inacessível para a generalidade das pessoas o acesso aos tribunais»”.
São estes limites, impostos pelo princípio da proporcionalidade e pelo próprio direito de acesso aos tribunais (que fica comprometido quando o risco de ter de pagar custas incomportáveis funciona como inibidor do recurso à justiça por parte dos cidadãos), que são claramente desrespeitados, quando, como no presente caso ocorreu, o critério normativo adoptado pelas instâncias determina a fixação das custas devidas pelos recorrentes em € 309 052,71 (cerca de 62 000 000$00), do que resulta que, tendo os recorrentes ficado privados do seu prédio por força da expropriação, não só a indemnização que lhes era devida pela expropriação (€ 197 236,25 ou 39 542 317400) lhes é totalmente absorvida pelas custas, como ainda terão de pagar a mais, de custas, o valor de €111 816,46 (22 417 187$00).
Neste contexto, e ao invés do decidido no Acórdão n.º 230/2007, impõe-se a emissão de um juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, em conjugação com o direito de acesso aos tribunais.”
13º
Finalmente, o Acórdão 470/07 acaba por considerar, a concluir:
“ 10. Mas já é de manter – por não afectadas pelo lapso que determinou o deferimento do pedido de reforma – o juízo de não violação do artigo 62.º, n.º 2, da CRP, porquanto, como se referiu no Acórdão n.º 230/2007:
“6. Resta a questão da violação do direito à «justa indemnização» por expropriação por utilidade pública, consagrado no artigo 62.º, n.º 2 da Constituição.
Tal invocação também não é, porém, procedente, na medida em que a indemnização por expropriação por utilidade pública visa compensar os expropriados do prejuízo que sofrem. Assim, no seu cálculo não podem ser tomados em consideração os custos inerentes à sua actuação, julgada improcedente, no processo de expropriação, mas tão-só os danos que foram realmente suportados pelos expropriados em consequência da expropriação, os quais se medem pelo valor do bem expropriado considerado correcto e adequado pelo tribunal. Como se disse na decisão recorrida, «uma coisa é a indemnização (já fixada por acórdão transitado em julgado), outra diversa é a determinação do montante e pagamento de custas devidas pelo recurso aos Tribunais».
O artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, dispõe sobre o pagamento das custas devidas pelo expropriado na acção de expropriação por utilidade pública, e não sobre o cálculo da indemnização devida, não existindo qualquer impedimento constitucional, do ponto de vista do direito consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, a que o valor indemnizatório depositado não garanta a realização do crédito de custas, por o montante das custas devidas pelo expropriado ser, em consequência do decaimento ou sucumbência da sua pretensão relativa a um valor mais elevado, superior ao montante da indemnização depositada.
Não se verifica, pois, qualquer inconstitucionalidade por violação do direito à «justa indemnização» por expropriação por utilidade pública, como pretendem os recorrentes.”
O Tribunal Constitucional concluiu, pois, no caso do Acórdão 470/07, em apreciação, “julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada, como flagrantemente ocorre em caso, como o presente, em que esse excesso é superior a € 100 000,00 …”.
14º
Crê-se poder, deste modo, retirar, da análise da jurisprudência citada deste Tribunal Constitucional, as seguintes conclusões:
- o art. 66º, nº 2, do Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, não permite a conclusão de que as custas, em processo de expropriação, têm como limite máximo o montante depositado como indemnização;
- na verdade, tal preceito, inserido na secção de oportunidade do pagamento voluntário das custas, apenas exprime a ideia de que o pagamento do montante das custas, em processo de expropriação, se processa, retirando-o do depósito da indemnização devida ao expropriado;
- por outro lado, não se estabelece, neste artigo 66.º do CCJ, qualquer critério para determinação do montante de custas, nem se estabelece qualquer limite máximo para tal montante;
- aliás, enquanto norma relativa ao modo de pagamento das custas, a referida disposição legal tem, como pressuposto, a sua anterior determinação segundo os critérios legais – primeiramente haverá, assim, que determinar o montante das custas e o seu responsável e, só depois, é que terá aplicação tal normativo;
- por isso, não podem as custas devidas pelos expropriados estar limitadas ao montante depositado;
- por outras palavras, não existe qualquer impedimento constitucional, do ponto de vista do direito consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, a que o valor indemnizatório depositado não garanta a realização do crédito de custas, por o montante das custas devidas pelo expropriado ser, em consequência do decaimento ou sucumbência da sua pretensão relativa a um valor mais elevado, superior ao montante da indemnização depositada;
- o princípio da proporcionalidade, também chamado da proibição do excesso, é um princípio geral do direito, com consagração constitucional, que se desdobra em três sub-princípios;
- o primeiro deles, o princípio da adequação, traduz a ideia de que as medidas restritivas legalmente previstas, devem revelar-se um meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);
– o segundo deles, o princípio da exigibilidade, traduz a ideia de que as medidas restritivas, previstas na lei, devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outro meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias;
– finalmente, o terceiro deles, o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos;
- haverá, assim, que determinar, em relação a cada caso, se se verifica alguma desproporcionalidade entre o serviço prestado e o custo incorrido pelos recorrentes (por exemplo, processo volumoso, trabalhoso, revestido de complexidade), ou seja, se há correspondência ou adequação do custo incorrido com a actividade desenvolvida no processo e com a utilidade, que os expropriados visavam obter com o recurso ao Tribunal;
- sendo certo, por outro lado, que o montante das custas não pode estar dependente do sucesso ou insucesso do pedido;
- pode, por isso, acontecer que haja lugar à fixação de um montante elevado de custas, essencialmente decorrente do modo como foi exercido o direito dos expropriados à indemnização, uma vez que as custas são da responsabilidade de quem a elas deu causa;
- uma coisa é, com efeito, a indemnização, outra, diversa, a determinação do montante e pagamento de custas devidas pelo recurso aos Tribunais, não constituindo princípio constitucional a gratuidade dos serviços de justiça, sendo diferentes os critérios legais de determinação dos respectivos montantes;
- o princípio da proporcionalidade reveste, pelo menos, três sentidos: o de equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício; o da responsabilização de cada parte pelas custas, de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional; e o do ajustamento dos quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e, até, com os comportamentos das partes;
- do ponto de vista do direito de acesso ao direito e aos tribunais, este direito não compreende um direito a litigar gratuitamente, pois não existe um princípio constitucional de gratuitidade no acesso à justiça;
- o legislador pode, assim, exigir o pagamento de custas judiciais, sem que, com isso, esteja, necessariamente, a restringir o direito de acesso aos tribunais;
- na fixação do montante das custas, goza o legislador de grande liberdade de conformação, pois é a si que cabe optar por uma justiça mais cara ou mais barata;
- essa liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um limite, que é o de a justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário;
- o ordenamento jurídico português concebe, com efeito, o sistema de apoio judiciário como algo que apenas visa garantir o acesso aos tribunais aos economicamente carenciados, e não como um instrumento ao serviço também das pessoas de médios rendimentos (salvo, naturalmente, se estas houverem de intervir em acções de muito elevado valor);
- na fixação das custas judiciais, há-de, pois, o legislador ter sempre, na devida conta, o nível geral dos rendimentos dos cidadãos, de modo a não tornar incomportável, para o comum das pessoas, o custeio de uma demanda judicial, pois se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar insuportável, ou especialmente gravoso, violar-se-á o direito em causa;
- como qualquer decisão legislativa, as decisões que o legislador toma em matéria de custas, no que concerne ao quantum delas, são, obviamente, sindicáveis sub specie constitutionis.
- no entanto, tais decisões só haverão de ser taxadas de constitucionalmente ilegítimas, quando inviabilizem, ou tornem particularmente oneroso, o acesso aos tribunais para o cidadão médio, como se referiu;
- esse espaço de conformação legislativa tem, pois, limites, que são fixados pela irredutível dimensão de defesa da tutela jurisdicional dos direitos, devendo as soluções legislativas assegurar um acesso igual e efectivo aos tribunais;
- por outras palavras, relativamente ao direito de acesso aos tribunais, na sua vertente de proibição de denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, muito embora a Constituição não imponha a gratuitidade daquele acesso, está vedado ao legislador o estabelecimento de regras, de onde resulte que os encargos, que hão-de ser suportados por quem recorre aos órgãos jurisdicionais, possam, na prática, constituir um entrave inultrapassável, ou um acentuadamente grave, ou mesmo incomportável, sacrifício para poderem desfrutar de tal direito;
- os limites impostos pelo princípio da proporcionalidade e pelo direito de acesso aos tribunais podem ser, assim, desrespeitados, quando o critério normativo, adoptado pelas instâncias, determina a fixação de custas particularmente elevadas, devidas pelos recorrentes, que, para além de ficar privados do seu prédio, por força da expropriação, vêm a indemnização, que lhes era devida pela mesma expropriação, ser totalmente absorvida pelas custas, tendo, ainda, de pagar uma quantia adicional significativa, para satisfazer o montante total de custas em que foram condenados;
- impor-se-á, assim, num tal caso, a emissão de um juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, em conjugação com o direito de acesso aos tribunais, relativamente à norma constante do art. 66º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, se interpretada por forma a permitir que as custas, devidas pelo expropriado, excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada.
15º
Ora, crê-se ser este, também, o caso dos presentes autos, em que, como anteriormente referido (cfr. nº 1 das presentes alegações), o valor total das custas incorridas pelos recorrentes, A. e outros, independentemente de se averiguar, agora, se tal valor é justificado pelo volume do processo, a sua complexidade, ou o comportamento processual dos expropriados, atinge o valor global de € 8.024,36, excedendo, pois, o valor da indemnização recebida em cerca de € 3.413,94.
VI. Jurisprudência aplicável do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
16º
Julga-se, por outro lado, que se terá igualmente de tomar em consideração, para a solução a conceder ao presente recurso, a jurisprudência aplicável do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, designadamente constante do recente Acórdão, de 16 de Novembro de 2010, proferido no caso Perdigão contra Portugal, a que os recorrentes se referem, também, nas suas peças processuais.
17º
Entendeu, com efeito, o mesmo Tribunal Europeu, neste processo (cfr. a obra “Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – jurisprudência seleccionada”, de Fátima Carvalho e Ana Garcia Marques, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2012, págs. 281-282) (destaques do signatário):
“46. No novo sistema introduzido por este diploma, existe assim um montante máximo que pode ser exigido a título de custas judiciais. Nos processos que correm perante os tribunais de 1.ª instância, os montantes correspondem na actualidade, a 6o unidades de conta (UC) para os processos normais e a 90 UC para os processos particularmente complexos. Os recursos são tributados em 20 uc. Naturalmente, os incidentes continuam a ser tributados, podendo o montante das custas judiciais ascender a 20 UC em função do incidente em causa (v. quadros anexos ao Decreto-Lei n.º 34/2008 e os artigos 6.º, 7.º, 8.º, 11.º, 12.º, e 17.º deste texto).
111. O DIREITO COMPARADO
47. O Tribunal procedeu a um estudo de direito comparado relativo ao pagamento das custas judiciais num determinado número de Estados membros do Conselho da Europa.
48. Ressalta deste estudo que, de um modo geral, o montante das custas judiciais varia em função do valor da causa (excepto nos Estados onde o montante das custas a pagar não depende da quantia em causa).As custas podem representar uma percentagem deste valor, um montante fixo ou uma combinação dos dois critérios. As leis de numerosos Estados onde o valor das custas está ligado ao valor do pedido limitam a um máximo o montante das despesas que podem ficar a cargo de uma parte; todavia, noutros Estados não existe fixação de limite máximo.
49. De um modo geral, cabe à parte vencida suportar as custas da parte vencedora. Nos casos em que o pedido só é acolhido parcialmente, a maioria dos Estados objecto do estudo deixam ao poder de apreciação discricionária do tribunal a decisão quanto às custas. Nalguns Estados aplicam-se regras especiais aos processos de expropriação. Num dos Estados objecto de análise, por exemplo, sempre que as custas sejam calculadas sob a forma de uma percentagem da indemnização atribuída, o princípio consiste em que o indivíduo expropriado deve ser reembolsado integralmente, ou seja, de todas as despesas por ele efectivamente suportadas, uma vez que tem normalmente direito a uma reparação integral do seu prejuízo.
50. Em numerosos Estados, não está excluído que um demandante se arrisque a pagar a título de despesas e de outras custas um montante superior àquele que é susceptível de lhe ser concedido com base no seu pedido, nomeadamente quando apenas uma parte deste é acolhida.Tal risco não existe nos Estados em que as custas apenas são contadas no final do processo e com base no montante efectivamente atribuído pelo tribunal.1” [ 1A unidade de conta, que constitui a base de cálculo das custas judiciais, foi fixada em € 102 para 2010 (artigo 5.º, § 2, do novo Código das Custas Judiciais e Portaria n.º 1458/2009, de 31 de Dezembro, dos Ministros das Finanças e do Trabalho e da Solidariedade Social).]
18º
E o Acórdão em apreciação, do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acrescenta, logo a seguir (cfr. págs. 282-284 da obra citada) (destaques do signatário):
“O DIREITO
l. SOBRE A ALEGADA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 1.º DO PROTOCOLO N.º 1
51. Os requerentes queixam-se de que a indemnização de expropriação que lhes foi concedida foi, em definitivo, totalmente absorvida pelo montante que tiveram de entregar ao Estado a título de custas judiciais. Vêem nesta situação uma violação do artigo 1.º do Protocolo n.º 1, assim redigido:
«Qualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens. Ninguém pode ser privado do que é a sua propriedade a não ser por utilidade pública e ias condições previstas pela lei e pelos princípios gerais do direito internacional.
As condições precedentes entendem-se sem prejuízo do direito que os Estados possuem de pôr em vigor as leis que julguem necessárias para a regulamentação do uso dos bens, de acordo com o interesse geral, ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuições ou de multas.»
A. O acórdão da Câmara
52. No seu acórdão, a Câmara referiu que a ausência de indemnização denunciada pelos requerentes resultava da aplicação da regulamentação das custas judiciais, que estas eram «contribuições», no sentido do segundo parágrafo do artigo 1.º do Protocolo n.º 1, e que esta disposição visava casos particulares de ofensa ao direito ao respeito dos bens. No caso, contudo, a Câmara entendeu que a situação «denunciada» devia ser examinada à luz da norma constante da primeira frase do primeiro parágrafo do artigo 1.º do Protocolo n.º 1, que reveste carácter geral e que enuncia o princípio do respeito dos bens. Relevou que os requerentes não contestavam a legalidade da expropriação enquanto tal, nem a da regulamentação sobre custas judiciais que lhes fora aplicada, precisando que nada indiciava, de resto, que a ingerência litigiosa tivesse revestido um carácter arbitrário, nomeadamente, a partir do momento em que os requerentes tinham podido submeter os seus argumentos perante os tribunais nacionais. Diversamente do Governo, a Câmara entendeu que não se podia censurar aos requerentes terem tentado, pelos meios processuais à sua disposição, convencer o tribunal a incluir na indemnização por expropriação elementos que eram, em seu parecer, essenciais. Julgou que não lhe competia examinar de modo geral o sistema português relativo à determinação e à fixação das custas judiciais, mas constatou que, no caso, a aplicação concreta deste sistema tinha conduzido a uma ausência total de reparação dos requerentes pela expropriação dos seus bens. Concluiu, assim, que as condições de indemnização — ou, mais precisamente, a ausência de indemnização — tinham imposto aos requerentes um encargo excessivo, susceptível de romper o justo equilíbrio que deve reinar entre o interesse geral da comunidade e os direitos fundamentais do indivíduo.
B. Tese do Governo perante a Grande Câmara
53. O Governo faz notar, a propósito do objecto da queixa, que a expropriação enquanto tal não está submetida ao exame do Tribunal. Salienta que os requerentes introduziram efectivamente uma queixa a este respeito, mas que o Tribunal a rejeitou por extemporaneidade. Apenas estaria aqui em causa, por conseguinte, a compatibilidade do montante exigido aos requerentes a título de custas judiciais com o artigo 1.º do Protocolo n.º 1.
54. Examinando, em seguida, o sistema português de pagamento das custas judiciais aplicável na época e o que está em vigor desde 2008, o Governo observa que a Convenção não impõe a gratuitidade dos serviços da justiça. Ela prevê, em contrapartida, o direito de os Estados aprovarem, no exercício da sua margem de apreciação, as leis que visam assegurar o pagamento dos «impostos» e de outras «contribuições» no sentido do artigo 1.º do Protocolo n.º 1, entendendo-se, de acordo com uma jurisprudência antiga e bem firmada da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, que as custas judiciais constituiriam tais «contribuições» [Agis Antoniades c. Reino Unido, n.º 15434/89, decisão da Comissão de 15 de Fevereiro de 1990, Décisions et rapports (DR), 64, p. 237].
55. O Governo critica o acórdão da Câmara, considerando que é metodologicamente inapropriado e juridicamente incorrecto confundir a indemnização de expropriação e o montante a pagar na sequência de uma condenação em custas judiciais. Referindo-se ao voto de vencido anexo ao acórdão (v. parágrafo 5 supra), o Governo considera que as conclusões da Câmara são fruto de uma «amálgama falaciosa» entre duas situações distintas do ponto de vista jurídico, que levou a misturar «dois títulos, um de crédito e outro de débito, que são {. . .] independentes um do outro». O Governo indica, a título de exemplo, a situação em que um credor instaura uma acção perante um tribunal com o fim de obter o pagamento de uma certa quantia e o devedor opõe um pedido reconvencional superior à pretensão do credor; se o tribunal fizer jus ao pedido reconvencional, o credor não receberá qualquer montante e deverá ainda pagar as custas, sem que se possa ver aí, segundo o Governo, qualquer ofensa ao direito ao respeito dos bens.
56. Para o Governo, a alegada ofensa aos direitos dos requerentes decorreria unicamente da condenação dos interessados no pagamento das custas judiciais. Ora, estas teriam sido fixadas no respeito das disposições aplicáveis do Código de Processo Civil e do Código das Custas Judiciais, por um lado, e do princípio da proporcionalidade, por outro. O montante total pago pelos requerentes — que corresponderia a 1,02 % do montante do pedido — teria, com efeito, sido fixado tendo em conta a intensa actividade processual de que teriam feito prova e do próprio montante que pediam, o qual se afastava manifestamente da rea1idade.”
19º
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou, porém, sobre a aplicabilidade do artigo 1º do Protocolo nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (cfr. págs. 284-286 da obra citada) (destaques do signatário):
“57. O Tribunal recorda que o artigo 1.º do Protocolo n.º 1 contém três normas distintas: a primeira, que se exprime na primeira frase da primeira alínea e reveste um carácter geral, enuncia o princípio do respeito da propriedade; a segunda, figurando na segunda frase da mesma alínea, visa a privação da propriedade e submete-a a determinadas condições; quanto à terceira, inscrita na segunda alínea, reconhece aos Estados o poder, entre outros, de regulamentar o uso dos bens em conformidade com o interesse geral. Não se trata, contudo, de regras desprovidas de ligação entre si. A segunda e a terceira respeitam a exemplos particulares de ofensa ao direito de propriedade; pois, devem interpretar-se à luz do princípio consagrado pela primeira [v., entre outros, James e outros c. Reino Unido, 21 de Fevereiro de 1986, § 37, série A, n.º 98, que retoma em parte os termos da análise desenvolvida pelo Tribunal no seu Acórdão Sporrong e Lönnroth c. Suécia (23 de setembro de 1982, § 61, série A, n.º 52) e Depalle c. França (GC), n.º 34044/02, § 77, 29 de Março de 2010).
58. No caso em apreço, as partes não contestam que a situação litigiosa releva do campo de aplicação desta disposição. Em contrapartida o Governo está em desacordo com a conclusão da Câmara segundo a qual era necessário examinar a queixa dos requerentes à luz da norma geral enunciada na primeira frase. Salientando que a expropriação, enquanto tal, não faz parte do objecto do litígio, entende que apenas está aqui em causa a questão da compatibilidade do montante exigido aos requerentes a título de custas judiciais com o artigo 1.º do Protocolo n.º 1.
59. No caso vertente, se é verdade que o Tribunal não tem de examinar a expropriação enquanto tal (parágrafos 36 e 53 supra), não é menos verdade que foi a privação de propriedade sofrida pelos requerentes, em beneficio do Estado, que deu origem ao litígio sobre as custas judiciais e que se encontra, assim, na origem da presente queixa. Esta constatação tem uma certa incidência no modo como a alegada ofensa ao direito dos requerentes deve ser analisada, exigindo a jurisprudência do Tribunal, nos casos de privação da propriedade por utilidade pública, o pagamento de um montante em relação razoável com o valor do bem em causa [Papachelas c. Grécia (GC), n.º 31423/96, § 48, CEDH, 1999-11]. O Tribunal recorda, a este respeito, que quando pondera se houve ou não ofensa ao direito ao respeito dos bens protegido pelo artigo 1.º do Protocolo n.º 1, deve olhar para além das aparências e analisar a realidade da situação litigiosa, já que a Convenção visa proteger direitos «concretos e efectivos» (Depalle, supracitado, § 78).
60. Isto posto, é inegável que a queixa dos requerentes incide sobre a aplicação da regulamentação das custas judiciais que foi feita, no seu caso. O Governo salienta a este respeito que a segunda alínea do artigo 1.º do Protocolo n.º 1 prevê o direito para os Estados de, no exercício da sua margem de apreciação, aprovarem leis que visem assegurar o pagamento dos «impostos» e outras «contribuições». Refere-se à jurisprudência tradicional da Comissão Europeia dos Direitos do Homem segundo a qual as custas judiciais a pagar no âmbito de um processo judicial são «contribuições» no sentido desta disposição (v. Agis Antoniades, supracitado; v. ainda Aires c. Portugal, n.º 21775/93, decisão da Comissão de 25 de maio de 1995, DR 81, p. 48, referida no acórdão da Câmara; X. e Y c. Áustria, n.° 7909/74, decisão da Comissão de 12 de Dezembro de 1978, DR, 15, p. 160; X. c. RFA, n.º 7544/76, decisão da Comissão de 12 de Julho de 1978, DR, 14, p. 6o).
61. A Grande Câmara, entende, como a Câmara, que devem ser confirmadas as decisões da Comissão quanto à natureza de «contribuições», no sentido da segunda alínea do artigo 1.º do Protocolo n.º 1, que deve ser reconhecida às custas judiciais. Com efeito, a imposição de custas judiciais aos intervenientes processuais prossegue, entre outras finalidades, as de assegurar o financiamento do sistema judicial e de alimentar o Tesouro Público. De resto, se em Portugal a cobrança destas custas não compete às autoridades fiscais, é claro que a obrigação de as pagar reveste, não obstante, natureza fiscal (parágrafo 41 supra). Segundo as informações de que o Tribunal dispõe, assim parece ser, de resto, o caso em outros países membros do Conselho da Europa. Em suma, a obrigação de pagar a custas judiciais — e a respectiva regulamentação — releva da segunda alínea do artigo 1.º do Protocolo n.º 1, sendo estas custas «contribuições» no sentido desta disposição. Nas circunstâncias do caso, a questão que se coloca consiste, pois, em saber se e em que medida a condenação dos requerentes no pagamento das custas judiciais em causa pode constituir uma ingerência no direito destes últimos ao respeito dos seus bens (v., mutatis mutandis, Aires, supracitado). Com efeito, a quantia de dinheiro que os requerentes tiveram de pagar a título de custas judiciais absorveu por inteiro a indemnização de expropriação, a qual constitui num «bem» no sentido do artigo 1.° do Protocolo n.º 1.
62. Tendo em conta o que precede, a Grande Câmara considera adequado examinar o fundamento da queixa no âmbito do artigo 1.º do Protocolo n. º 1 tomado no seu conjunto, tanto mais que as situações visadas na segunda frase da primeira alínea e na segunda alínea não constituem senão casos particulares de ofensa ao direito ao respeito dos bens garantido pela norma geral enunciada na primeira frase [Beyeler c. Itália (GC), n.º 33202/96, § 106, CEDH, 2000-I]. Ditada pelas circunstâncias particulares do caso, esta aproximação não põe contudo em causa que as custas judiciais são «contribuições» no sentido da segunda a1ínea do artigo 1.º do Protocolo n.º 1 (parágrafo 61 supra). “
20º
Relativamente à observância do artigo 1º do Protocolo nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, refere o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, no Acórdão em apreciação (cfr. obra citada, págs. 286-289) (destaques do signatário):
“63. O Tribunal recorda que, para ser compatível com o artigo 1.º do Protocolo n.º 1, uma ofensa ao direito de uma pessoa ao respeito dos seus bens deve primeiramente respeitar o princípio da legalidade e não revestir um carácter arbitrário [Iatridis c. Grécia (GC), n.º 31107/96, § 58, CEDH, 1999-II]. Deve também proporcionar um «justo equilíbrio» entre as exigências do interesse geral da comunidade e os imperativos da salvaguarda dos direitos fundamentais do indivíduo (Sporrong e Lönnroth, supracitado, § 69).
64. Esse «justo equilíbrio» deve existir mesmo quando se trata do direito que os Estados têm de «aprovar as leis que julgam necessárias para [...] assegurar o pagamento dos impostos ou de outras contribuições». Com efeito, como a segunda alínea deve ser interpretada à luz do princípio geral enunciado no início do artigo 1.º do Protocolo n.º 1, deve existir uma relação razoável de proporcionalidade entre os meios empregues e o fim almejado; por outras palavras, incumbe ao Tribunal averiguar se o equilíbrio entre as exigências do interesse geral e o interesse dos indivíduos abrangidos foi mantido (Gasus Dosier-und Fördertechnik GmbH c. Países Baixos, 23 de Fevereiro de 1995, § 6o, série A, n.º 306-B; v. ainda AGOSI c. Reino Unido, 24 de Outubro de 1986, § 52, série A, n.º 108).
a) Princípio de Legalidade
65. A Grande Câmara nota que os requerentes não contestam nem legalidade da expropriação, enquanto tal, nem a da regulamentação das custas judiciais que lhes foi aplicada. A Câmara, por seu lado, não descortinou nenhum indício de arbitrariedade, tendo em conta, nomeadamente, que os requerentes puderam expor os seus argumentos perante as instâncias judiciárias nacionais.
66. Apesar de não se conhecerem as razões pelas quais o Juiz do Tribunal de Évora fixou, em 4 de Janeiro de 2008, as custas judiciais num montante que ultrapassa no máximo em € 15 000 o montante da indemnização de expropriação, o Tribunal entende estar dispensado de examinar mais aprofundadamente esta questão, tendo particularmente em conta as considerações que a seguir se formulam acerca do respeito ou não do «justo equilíbrio».
b) Justo equilíbrio
67.O Tribunal recorda que a busca deste equilíbrio se reflecte na estrutura do artigo 1.º do Protocolo n.º 1 no seu conjunto, independentemente das alíneas aplicáveis a cada caso; deve existir sempre uma relação razoável de proporcionalidade entre os meios empregues e o fim almejado. Ao controlar o respeito desta exigência, o Tribunal reconhece ao Estado uma larga margem de apreciação, tanto para escolher as modalidades de implementação das medidas em questão como para julgar se as suas consequências se encontram legitimadas, no interesse geral, pela preocupação de alcançar o objectivo da ingerência denunciada. Este equilíbrio é quebrado se a pessoa abrangida teve de sofrer um encargo especial e exorbitante (Depalle, supracitado, §83).
68. A verificação da existência de um tal equilíbrio exige um exame global dos diversos interesses em causa. O Tribunal entende que convém proceder a um tal exame tendo em conta dois elementos importantes. Primeiro, como o Tribunal já recordou, na origem da situação litigiosa encontra-se a privação de propriedade dos requerentes. Em tais situações, o «justo equilíbrio» exige o pagamento de um montante em relação razoável com o valor do bem, sem o que existiria uma excessiva ofensa aos direitos dos particulares. Em seguida, o Tribunal recorda que a Convenção visa proteger direitos não teóricos e ilusórios, mas «concretos e efectivos» (parágrafo 59 supra). Além disso, o Tribunal deve ainda examinar o comportamento das partes no litígio, incluindo os meios utilizados pelo Estado e a sua implementação (Beyeler, supra- citado, § 114).
69. No caso vertente, os requerentes viram ser-lhes atribuída uma indemnização por expropriação no montante de € 197 236,25. Todavia, na sequência da fixação do montante que deviam pagar a título de custas judiciais, acabaram por não receber nada. Mais, tiveram de pagar ao Estado um saldo de € 15 000, mesmo depois de o montante das custas inicialmente fixado ter sido sensivelmente reduzido.
70. A Grande Câmara considera que não lhe compete examinar em abstracto o sistema português relativo à determinação e à fixação das custas judiciais. Como a Câmara evidenciou, os Estados devem poder adoptar as medidas que julguem necessárias para proteger o interesse geral de um financiamento equilibrado dos sistemas de justiça. Neste domínio os Estados Contratantes gozam de uma larga margem de apreciação.
71. O Tribunal deve, pois, examinar a aplicação que foi feita deste sistema no caso concreto que lhe foi submetido. A este respeito, é forçoso constatar que o resultado visado pelo artigo 1.º do Protocolo n.º 1 não foi alcançado: não só os requerentes foram desapossados do seu terreno, corno tiveram ainda de pagar € 15 000 ao Estado.
72. O Governo insiste sobre a diferente natureza jurídica que, segundo ele, existe entre a obrigação do Estado de pagar uma indemnização por expropriação e a obrigação do interveniente procesua1 de pagar as custas judiciais. Esta última obrigação não relevaria do âmbito da expropriação propriamente dita e, portanto, não teria qua1quer incidência sobre a questão do respeito do artigo 1.º do Protocolo n.º 1. O Tribunal admite que as finalidades jurídicas prosseguidas por cada urna destas obrigações não são, com efeito, idênticas; de resto, toma em conta esta diferença ao qualificar as custas judiciais como «contribuições» no sentido da segunda alínea do artigo 1.º do Protocolo n.º 1 (parágrafo 61 supra). Verifica todavia que, no caso vertente, os requerentes eram partes num litígio judicial que os opunha ao Estado e que respeitava à determinação do montante de urna indemnização por expropriação, na sequência de um acto praticado pelo Estado no exercício dos seus poderes de autoridade pública. Aos olhos do Tribunal, este caso distingue-se, para efeito de um exame de proporcionalidade, daquele em que as custas judiciais são impostas no âmbito de um litígio de direito privado. Nas particulares circunstâncias do caso, pode com efeito parecer paradoxal que o Estado retome com uma mão — por meio das custas judiciais - mais do que aquilo que concedeu com a outra. Assim, numa tal situação, a diferente natureza jurídica entre a obrigação do Estado em pagar uma indemnização de expropriação e a obrigação do interveniente processual em pagar as custas judiciais não obsta a um exame global da proporcionalidade da ingerência denunciada
73. O Governo sublinha igualmente, sob o ângulo da proporcionalidade da ingerência, o comportamento, que qualifica de temerário, adoptado pelos requerentes durante o processo. Segundo ele, a dimensão do montante total pago pelos interessados é a consequência da reclamação de um montante manifestamente desconforme com a realidade, bem corno da intensa actividade processual que desenvolveram.
74. O Tribunal constata que os requerentes pediram, com efeito, um montante bem mais elevado que todos aqueles que foram indicados nos diversos relatórios periciais produzidos no decurso do processo. Tendo em conta a legislação portuguesa nesta matéria, que era conhecida dos requerentes, a fixação a esse nível da soma pedida influenciou o montante final das custas judiciais. Todavia, o Tribunal recorda que se tratava particularmente de saber se os benefícios susceptíveis de serem retirados de uma eventual exploração económica da pedreira sita no terreno deviam ser ou não incluídos na indemnização de expropriação. As jurisdições internas perante as quais a questão foi colocada discutiram-na de modo aprofundado, chegando mesmo o Tribunal de Évora ao ponto de pedir ex officio uma terceira perícia, embora as que eram exigidas por lei tivessem sido já efectuadas. O comportamento dos requerentes, embora tenha contribuído certamente para o elevado montante das custas judiciais, não constitui em si uma razão bastante para justificar que a soma a pagar a título de custas judiciais tenha sido fìxada num nível tão elevado que daí tenha resultado uma completa ausência de reparação, apesar de estar em causa uma expropriação.
75. Quanto ao comportamento que os requerentes adoptaram, criticado pelo Governo, o Tribunal verifica que a acção conheceu, com efeito, um elevado número de recursos e de incidentes processuais. Constata, contudo, além do facto de nem todos estes incidentes processuais terem sido provocados pelos requerentes, que o comportamento em causa incidiu sobretudo sobre questões ligadas à determinação do montante das custas judiciais. Com efeito, a questão da privação da propriedade, enquanto tal, foi resolvida pelo Tribunal de 1.º instância e pela Relação de Évora, apesar de o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional, aos quais os requerentes se dirigiram, terem também proferido decisões de inadmissibilidade. Foi, na realidade, a contestação, pelos requerentes, do montante exigido pelas jurisdições internas a título de custas judiciais que deu lugar a subsequentes decisões do Tribunal de 1.º instância e da Relação de Évora, bem como, por três vezes, do Tribunal Constitucional.”
21º
E o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, de Estrasburgo, concluiu, assim, a sua apreciação do caso Perdigão contra Portugal (cfr. págs. 289-290, obra citada) (destaques do signatário):
“76. Daí o Tribunal conclui que nem o comportamento dos requerentes, nem a actividade processual desenvolvida no caso, podiam justificar uma soma tão elevada a título das custas judiciais, se for tomado em conta o montante fixado a título da indemnização por expropriação.
77. Finalmente, o Tribunal toma nota da aprovação, em 24 de Fevereiro de 2008, do novo Código das Custas Judiciais, que estabeleceu plafonds máximos que podem ser exigidos a título de custas judiciais. Se a nova regulamentação tivesse sido aplicada ao caso vertente, as custas judiciais impostas teriam sido de montante consideravelmente inferior (parágrafos 45 e 46 supra). A legislação actual parece assim menos susceptível de dar lugar a situações como a do caso presente.
78. À luz do que precede, o Tribunal considera que os requerentes tiveram de suportar um encargo exorbitante que rompeu o justo equilíbrio que deve reinar entre o interesse geral da comunidade e os direitos fundamentais do individuo.
79. Houve, pois, violação do artigo 1.º do Protocolo n.º 1.”
VII. Conclusões
22º
Julga-se, por isso, de concluir agora, à luz do recente Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de 16 de Novembro de 2010, proferido no caso Perdigão contra Portugal, haver violação, do artigo 1º do Protocolo nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no caso dos presentes autos, uma vez que “os requerentes tiveram de suportar um encargo exorbitante que rompeu o justo equilíbrio que deve reinar entre o interesse geral da comunidade e os direitos fundamentais do individuo”.
23º
Este Tribunal Constitucional deverá, pois, na esteira da jurisprudência fixada em tal Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, bem como no Acórdão 470/07, de 25 de Setembro, julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelos expropriados excedam, de forma intolerável, o montante da indemnização depositada.
24º
Deverá este Tribunal Constitucional negar, em conformidade, provimento ao presente recurso obrigatório interposto pelo Ministério Público, do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Outubro de 2012. (…)»
5. Os recorridos não contra-alegaram (fls. 110).
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. A questão de constitucionalidade submetida à apreciação do Tribunal Constitucional refere-se à dimensão normativa do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro) quando interpretado «com o sentido de permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam, de forma intolerável, o montante da indemnização depositada» (cfr. requerimento de interposição de recurso, fls.61-62).
A disposição legal tem a seguinte redacção:
«Artigo 66.º
Pagamento das custas por força de depósito que o responsável tenha à ordem do tribunal
1 - O responsável por custas que tenha algum depósito à ordem do tribunal pode requerer, no prazo de pagamento voluntário, que dele se levante a quantia necessária para o pagamento.
2 - As custas devidas pelo expropriado saem do depósito da indemnização.».
7. O Tribunal a quo recusou a aplicação da norma em causa, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1 da Constituição), conjugado com o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2 da Constituição).
8. A questão de constitucionalidade que é objecto do presente recurso foi analisada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 470/2007, proferido em processo semelhante ao presente, variando apenas os montantes concretamente em causa.
Cumpre recordar que a questão foi primeiramente decidida no Acórdão n.º 230/2007 (disponível em www.tribconstitucional.pt, bem os demais adiante citados) – que negou provimento ao recurso de inconstitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, não julgando inconstitucional a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, interpretado no sentido de que as custas devidas pelo expropriado saem do depósito da indemnização, não constituindo o valor do depósito limite máximo do valor das custas. Contudo, a decisão tomada no Acórdão n.º 230/2007 foi posta em crise, dado entender-se ter ocorrido um lapso na identificação do montante das custas aplicável in casu, merecendo reponderação no âmbito do Acórdão n.º 470/2007, que decidiu o pedido de reforma daquele acórdão formulado pelos então recorrentes. Assim:
«Relativamente ao pedido de reforma do Acórdão n.º 230/2007, há que reconhecer que assiste razão aos recorrentes. Na verdade, nesse Acórdão, por lapso manifesto, considerou-se que as custas da responsabilidade dos recorrentes excediam em € 15 000 o valor da indemnização depositada, o que não corresponde à realidade evidenciada pelos autos.
Destes resulta que a indemnização pela expropriação do prédio dos recorrentes foi fixada em 39 542 317$00, a que correspondem 197 236,25 €.
Por outro lado, tendo os recorrentes reclamado da conta de custas, no valor de € 491 058,91 (fls. 2191-2192), tal reclamação foi parcialmente deferida, por despacho de 1 de Abril de 2005 (fls. 223-2227), no que respeita ao aduzido nos n.ºs 1.º a 11.º e 13.º a 20.º, dessa reclamação (fls. 2202-2215), o que implicará a redução daquele valor para € 309 052,71 (correspondente a 61 959 505$00), segundo cálculo dos recorrentes, coincidente com o indicado nas alegações do Ministério Público neste Tribunal, e, consequentemente, que as custas da responsabilidade dos recorrentes excedam em € 111 816,46 (correspondentes a 22 417 187$00), e não em apenas € 15 000,00 (correspondente a 3 007 230$00), o valor da indemnização pela expropriação.
Constatado o lapso, há que reconhecer que o valor de € 15 000,00, apontado como correspondendo ao valor das custas que excedia o valor da indemnização, foi um dos elementos expressamente considerados como relevantes, no Acórdão reclamado, para fundar o juízo de não inconstitucionalidade, por não violação do princípio da proporcionalidade. Na verdade, após recordar que tal princípio, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, se reveste, pelo menos, de três sentidos, o primeiro dos quais é o de “equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício”, afirmou-se: “Na medida em que o quantitativo superior ao valor da indemnização depositada nos autos (15 000,00 €), ainda que actualizado, não cria ónus de tal modo pesados que, na prática, inviabilizem o acesso aos actos judiciais, respeita as exigências do primeiro sentido”.
Nestes termos, deferindo o pedido de reforma formulado pelos recorrentes, há que proceder à reponderação do juízo emitido no Acórdão n.º 230/2007.»
No agora citado Acórdão n.º 470/2007, depois de revisitada a jurisprudência do Tribunal em matéria de taxas e, em especial, a relativa a custas judiciais, considerou-se que «a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada, como flagrantemente ocorre em caso, como o presente, em que esse excesso é superior a € 100 000,00» é inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, ordenando-se a reformulação da decisão em conformidade.
Ponderou-se nesse acórdão, quanto ao mérito do recurso, o seguinte:
“[…]
De acordo com o que se considerou no Acórdão n.º 608/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Março de 2000), «na área em questão» [matéria de custas judiciais], o princípio da proporcionalidade reveste, «pelo menos, três sentidos: o de ‘equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício’; o da responsabilização de cada parte pelas custas ‘de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional’; e o do ajustamento dos ‘quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes’».
Aqui chegados, há que reconhecer que se o lapso cometido em nada afecta as subsequentes considerações do Acórdão n.º 230/2007 enquanto afirmam o respeito pelos apontados segundo e terceiro sentidos do princípio da proporcionalidade – quanto ao segundo, “na medida em que o débito de custas superior ao valor da indemnização depositada está, no caso dos autos, ligado ao valor indicado pelos recorrentes para o bem expropriado, valor que não veio, a final, a ser considerado o correcto e adequado pelo tribunal – isto é, com decaimento ou sucumbência da sua pretensão”; e quanto ao terceiro, “na medida em que o débito de custas superior ao valor da indemnização depositada nos autos é uma consequência do valor da acção de expropriação e de questões específicas suscitadas (ao menos também) pelos expropriados” –, já se considera relevante quando ao afirmado respeito pelo primeiro sentido do princípio da proporcionalidade. Na verdade, se era defensável que um quantitativo de custas superior em € 15 000,00 ao valor da indemnização depositada nos autos “não cria ónus de tal modo pesados que, na prática, inviabilizem o acesso aos actos judiciais”, o mesmo já não se sucede quando se constata que afinal, sendo o montante das custas de cerca de € 309 052,71 (cerca de 62 000 000$00) e o montante da indemnização de € 197 236,25 (39 542 317400), o valor das custas que excede o valor da indemnização é de € 111 816,46 (22 417 187$00).
De acordo com os critérios definidos pela citada jurisprudência deste Tribunal, que considera como limites à liberdade de conformação do legislador em matéria de custas o de “assegurar que a justiça seja realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário”, deve o legislador, na fixação das custas judiciais, “ter sempre na devida conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos de modo a não tornar incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar insuportável ou especialmente gravoso, violar-se-á o direito em causa” (Acórdão n.º 352/91).
Como, por último, se salientou no recente Acórdão n.º 255/2007 (cuja doutrina foi reproduzida no Acórdão n.º 299/2007):
“7. A propósito do direito de acesso aos tribunais, na sua vertente de proibição de denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, tem este Tribunal seguido uma impressiva jurisprudência de acordo com a qual, conquanto a Constituição não imponha a gratuitidade daquele acesso, o que será vedado ao legislador é o estabelecimento de regras de onde resulte que os encargos que hão-de ser suportados por quem recorre aos órgãos jurisdicionais possam, na prática, constituir um entrave inultrapassável ou um acentuadamente grave ou incomportável sacrifício para desfrutarem de tal direito.
E tem também essa jurisprudência perfilhado a perspectiva que, revestindo as custas judiciais a característica de uma taxa – e não de um imposto – inserir-se-á na liberdade conformativa do legislador a fixação dos respectivos montantes. Mas, se isso é assim, resulta identicamente da assinalada jurisprudência que a falada liberdade de conformação «não implica que as normas definidoras dos critérios de cálculo sejam imunes a um controlo de constitucionalidade, quer no que toca à sua aferição segundo as regras de proporcionalidade, decorrentes do princípio do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição), quer no que respeita à sua apreciação à luz da tutela constitucional do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição)» (cf. Acórdão n.º 1182/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35.º volume, pp. 447 e seguintes).
Na postura que ressalta do entendimento do Tribunal, não sendo imposta constitucionalmente a gratuitidade do acesso aos tribunais, do mesmo passo que é imposta a não denegação da justiça por insuficiência de meios económicos, os institutos denominados de assistência judiciária ou de apoio judiciário «não podem ser perspectivados como instrumentos generalizados ou pressupostos primários de acesso ao direito», como se disse no já citado Acórdão n.º 495/96. De harmonia com a doutrina desse aresto, que aqui se perfilha por inteiro, tais institutos são, antes, «um remédio, uma solução a utilizar, de forma excepcional, apenas pelos cidadãos economicamente carenciados ou desfavorecidos, e não de forma indiscriminada pela globalidade dos cidadãos», o que não deixa de implicar «necessariamente, que também o sistema das custas judiciais tenha de ser um sistema proporcional e justo que não torne insuportável ou inacessível para a generalidade das pessoas o acesso aos tribunais»”.
São estes limites, impostos pelo princípio da proporcionalidade e pelo próprio direito de acesso aos tribunais (que fica comprometido quando o risco de ter de pagar custas incomportáveis funciona como inibidor do recurso à justiça por parte dos cidadãos), que são claramente desrespeitados, quando, como no presente caso ocorreu, o critério normativo adoptado pelas instâncias determina a fixação das custas devidas pelos recorrentes em € 309 052,71 (cerca de 62 000 000$00), do que resulta que, tendo os recorrentes ficado privados do seu prédio por força da expropriação, não só a indemnização que lhes era devida pela expropriação (€ 197 236,25 ou 39 542 317400) lhes é totalmente absorvida pelas custas, como ainda terão de pagar a mais, de custas, o valor de € 111 816,46 (22 417 187$00).
Neste contexto, e ao invés do decidido no Acórdão n.º 230/2007, impõe-se a emissão de um juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, em conjugação com o direito de acesso aos tribunais.»
9. Ora, do acórdão citado e da jurisprudência de que se socorre resulta que a taxa de justiça assume uma natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo, já que não se propugna a gratuidade dos serviços judiciais.
Não sendo exigida uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispõe o legislador de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas» sendo, porém, necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (cfr. acórdão n.º 143/2002; no mesmo sentido, acórdão nº 227/2007).
Assim sendo, não pode deixar de se assinalar que os critérios de cálculo da taxa de justiça, na medida em que condicionam «o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito.» (cfr. Acórdão n.º 421/2013).
Note-se que o que está em causa na dimensão normativa que nos ocupa não é tanto a bondade constitucional do critério estabelecido pelo legislador para a fixação das custas devidas, mas sobretudo, tendo em conta os demais elementos relevantes no caso, os resultados da aplicação daquele critério na determinação do valor da tributação em custas, na medida em que os expropriados, para além da ablação do seu direito de propriedade sobre o bem, acabam por não apenas não usufruir de qualquer parte da indemnização atribuída como ficam onerados a pagar um valor (em custas) que manifestamente a excede.
Com a maior relevância para o presente recurso, o aresto acima (parcialmente) transcrito n.º 470/2007- e que se refere especificamente à norma constante do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais - conclui que os limites impostos pelo princípio da proporcionalidade e pelo próprio direito de acesso aos tribunais (que fica comprometido quando o risco de ter de pagar custas incomportáveis funciona como inibidor do recurso à justiça por parte dos cidadãos) são claramente desrespeitados, quando do critério normativo adotado pelas instâncias para a fixação das custas devidas pelos recorrentes resulta que, tendo os recorrentes ficado privados do seu prédio por força da expropriação, não só a indemnização que lhes era devida pela expropriação lhes é totalmente absorvida pelas custas, como ainda terão de pagar a mais, de custas, um valor que ultrapassava, naquele caso, os cem mil euros.
10. Na ponderação dos fins e dos meios convocada pelo princípio da proporcionalidade, é necessário atender ao concreto montante quantitativo atingido pelas taxas devidas em face da situação sub judice. Assim, independentemente de qualquer juízo empírico sobre o montante excessivo das custas – que não cumpriria a este Tribunal formular – e não se tomando o limite de cem mil euros considerado no Acórdão n.º 470/07 como valor absoluto (pois reportado ainda à situação então analisada), não pode deixar de considerar-se, como decorre da decisão judicial recorrida, proferida, em conferência, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que aquele montante representa um valor desproporcionado, pois «no caso em apreço, as custas devidas, com recurso à aplicação do artigo 66º, nº 2 do CCJ ultrapassam em € 3.413,94 o valor da indemnização (4.610,42), excedendo, por isso, de “forma intolerável” aquele valor.» (cfr. fls. 53).
Nos autos relativos à expropriação do imóvel foi fixada a respectiva indemnização em €4.610,42, tendo as custas das instâncias correspondido ao valor de €6.779,96, acrescido das custas ao Tribunal Constitucional no valor de €1244,40, atingindo o valor global de €8.024,36. Daqui se retira que, em termos percentuais, as custas devidas correspondem a 174% do valor da indemnização fixada (se considerarmos o valor global) ou a 147% desse valor (considerando apenas as custas das instâncias); em qualquer dos casos, resultando num ónus excessivo para o expropriado que, desapossado do seu bem, contestou judicialmente o valor da indemnização atribuída, consumido este nas custas judiciais e, ainda assim, manifestamente insuficiente para o respetivo pagamento.
Não pode, pois, deixar de se ponderar os efeitos que um (previsível) débito de tal montante realmente produz sobre o direito de acesso aos tribunais, o que, (aproveitando-nos das palavras do Acórdão n.º 227/07) «conduz à conclusão de que está, aqui, ultrapassado já o limiar do mero “mau direito”, para se verificar uma verdadeira restrição, para além da “justa medida”, daquele direito fundamental constitucionalmente consagrado.».
11. É este o entendimento que se reitera, pelo que, também no presente caso, se censura, em aplicação da invocada jurisprudência, o critério normativo que permite um tal resultado. Conclui-se, em conformidade - corroborando o juízo formulado pelo acórdão recorrido que confirmou a decisão singular de 15/05/2012 - que é inconstitucional, por violação das normas e princípios conjugados dos artigos 20.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2, da Constituição, a norma constante do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro) quando interpretada «com o sentido de permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam, de forma intolerável, o montante da indemnização depositada».
III. Decisão
12. Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente do artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro) quando interpretada «com o sentido de permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam, de forma intolerável, o montante da indemnização depositada»;
b) Por conseguinte, negar provimento ao presente recurso.
Sem custas
Lisboa, 6 de março de 2014. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.