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Processo n.º 1329/2013
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por Acórdão de 22 de maio de 2013, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra negar provimento ao recurso que o arguido A., ora reclamante, interpôs da decisão do tribunal de primeira instância, que o condenou na pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de fraude qualificada, previsto e punível pelos artigos 6.º. 103.º, n.º 1, alínea c), e 104.º, n.º 2, do RGIT.
O arguido interpôs do referido acórdão recurso para o Supremo Tribunal de Justiça mas o Tribunal da Relação, por despacho do relator, não o admitiu, nos termos do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal (CPP). O arguido reclamou da decisão de rejeição do recurso para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 405.º, n.º 1, do CPP, invocando, além do mais, a inconstitucionalidade do citado artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, em dada interpretação. O Supremo Tribunal de Justiça, por decisão do respetivo Vice-Presidente de 8 de novembro de 2013, indeferiu a reclamação, mas por força do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, razão pela qual não conheceu, por inútil, da questão de inconstitucionalidade suscitada, por incidir sobre a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, que nela não foi aplicada.
O arguido interpôs desta última decisão recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), «para apreciação da inconstitucionalidade (…) das normas [dos] artigos 5.º e 400.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPP, quando interpretados, conjugadamente, no sentido oferecido pela Decisão reclamada, que a lei processual mais favorável ao arguido não é aplicada num cenário de sucessão de leis no tempo, bem como, não atendendo à pena aplicável em abstrato para aferir da admissibilidade do recurso», por violação dos artigos 16.º, 20.º e 32.º, nºs. 1 e 7, da Constituição, e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de 25 de novembro de 2013, indeferiu o requerimento de interposição do recurso, considerando, em síntese, que a norma sindicada, a do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, não foi aplicada pela decisão recorrida, o que tornava inútil o recurso de constitucionalidade, atenta a sua função instrumental.
É desta última decisão que o arguido reclama, invocando, no essencial, que a alusão à norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, constante do requerimento de interposição do recurso, decorreu de um lapso de escrita, originado, aliás, pela circunstância de o Tribunal da Relação a ela se ter referido, na decisão que rejeitou o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pelo que deveria ter sido convidado a retificá-lo, nos termos do disposto nos artigos 75.º-A da LTC e 547.º do CPC (princípio da adequação formal), este último aplicável ex vi artigo 69.º da LTC, considerando-se sindicada a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, tal como era sua vontade.
O Ministério Público, em resposta, pugna pelo indeferimento da reclamação, pelas razões que baseiam a decisão de indeferimento do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, pois que a referência que dele consta ao artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na delimitação do objeto do recurso, não constitui lapso de escrita, sendo que, ainda que o fosse, não haveria exata coincidência entre a interpretação sindicada, operada a reclamada retificação, e aquela que foi acolhida, em termos que conferissem utilidade ao recurso.
2. Cumpre apreciar e decidir.
O ora reclamante declarou, no requerimento de interposição do recurso indeferido pela decisão reclamada, que pretende a «apreciação da inconstitucionalidade (…) das normas [dos] artigos 5.º e 400.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPP, quando interpretados, conjugadamente, no sentido (…) [de] que a lei processual mais favorável ao arguido não é aplicada num cenário de sucessão de leis no tempo, bem como, não atendendo à pena aplicável em abstrato para aferir da admissibilidade do recurso».
Invoca, agora, como fundamento da reclamação, o direito à retificação do referido requerimento, na parte em que indica como fonte legal da interpretação sindicada a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, por se tratar de um mero lapso de escrita, aliás motivado pelo facto de o Tribunal da Relação a ter invocado como fundamento de rejeição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo sua verdadeira intenção integrar no objeto do recurso de constitucionalidade a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do mesmo código, como decorre do que alegou na reclamação deduzida ao abrigo do artigo 405.º do CPP e da própria decisão que a apreciou, por um lado, e dos termos em que, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, enunciou a dimensão normativa a apreciar pelo Tribunal Constitucional.
Vejamos.
O simples erro de escrita confere à parte o direito à retificação da declaração quando se revela no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que esta é feita (artigo 249.º do Código Civil).
Contudo, no caso concreto, não decorre do próprio requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, designadamente da forma como nele se enuncia o objeto do recurso, que a referência à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, e não à sua alínea f), resultou de um mero lapso de escrita. Com efeito, e contrariamente ao que parece sustentar o reclamante, a circunstância de especificamente se sindicar ‘interpretação’ que considera não ser de aplicar «a lei processual penal mais favorável (…) num cenário de sucessão de leis no tempo (…), não atendendo à pena aplicável em abstrato para aferir da admissibilidade do recurso» não revela, só por si, que o recorrente se pretendia referir à norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, quando indicou, como fonte legal dessa interpretação, a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP. Com efeito, uma tal dimensão interpretativa, a sê-lo, é compaginável com a redação de ambas as normas legais, sendo que, com a reforma de 2007, tanto uma como outra deixaram de prever, como critério de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, o da pena de prisão abstratamente aplicável (crime a que seja aplicável pena de prisão superior a 8 e 5 anos de prisão, respetivamente), para passar a consagrar o da pena de prisão efetivamente aplicada (crime a que seja aplicada pena de prisão superior a 8 e 5 anos de prisão, respetivamente), sendo que nenhum dos seus aspetos distintivos estão minimamente refletidos nos termos em que foi enunciada a interpretação sindicada.
Por outro lado, também não decorre das circunstâncias processuais em que foi elaborado o requerimento de interposição do recurso, designadamente do teor da reclamação que o precedeu e da decisão que a apreciou, qualquer indicador demonstrativo do alegado erro de escrita.
Na reclamação antes deduzida ao abrigo do artigo 405.º do CPP, o recorrente invocou a inconstitucionalidade dos artigos 5.º e 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, quando interpretados «no sentido que a lei processual mais favorável ao arguido não é aplicada num cenário de sucessão de leis no tempo, bem como, não atendendo à pena aplicável em abstrato para aferir da admissibilidade do recurso», nos exatos termos em que posteriormente o fez no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, sendo claramente marginal a referência à norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, que dela consta. E se é certo que a decisão de indeferimento da reclamação avocou, em seu fundamento, jurisprudência do Tribunal Constitucional que não julgou inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, como salienta o reclamante, a verdade é que uma pronúncia com tal objeto não demonstra ter o tribunal recorrido percecionado a questão de inconstitucionalidade suscitada pelo reclamante como se reportando a essa norma legal. Como o reclamante bem sabe, a decisão em causa afastou a aplicabilidade ao caso sub judicio do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, que havia sido invocada pelo tribunal da relação como fundamento da decisão de rejeição do recurso, razão pela qual expressamente considerou não existir, por inútil, qualquer dever de pronúncia sobre a questão de inconstitucionalidade suscitada pelo reclamante, que a tinha por objeto.
Não estando demonstrado, no caso, pelas invocadas razões, que a indicação da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, como integrando o objeto do recurso, configura um lapso de escrita, retificável nos termos do referido artigo 249.º do Código Civil - ou de quaisquer dos preceitos legais erradamente invocados pelo reclamante como atributivos do correspondente direito -, é de confirmar, sem necessidade de mais considerações, a decisão que indeferiu o recurso de constitucionalidade interposto nos autos pelo ora reclamante, sendo certo que, como nela se sustenta, essa norma não foi aplicada pela decisão recorrida, como o impõe o disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, revelando-se o recurso de constitucionalidade, também ele preordenado à modificação do julgado, neste contexto, completamente inútil.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 13 de fevereiro de 2014. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.