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Processo n.º 715/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. e mulher, B., instauraram, no Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, contra C. e mulher, D., ação declarativa sob a forma de processo sumário.
Citados os Réus, estes apresentaram contestação, a qual não foi admitida por extemporaneidade.
Inconformados, os Réus interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual foi admitido nos termos dos artigos 691.º, n.º 3, 691.º-A, n.º 2, e 692.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tendo subido com o recurso que foi interposto pelos Réus da decisão final.
O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 4 de abril de 2013, conheceu deste recurso conjuntamente com o recurso interposto da decisão final, tendo, nesta parte, confirmado a decisão recorrida.
Os Réus interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), com fundamento na inconstitucionalidade, «por violação do artigo 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, das normas extraídas dos artigos 22.º, n.º 3 e 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, quando interpretadas no sentido de que, no caso de apresentação do pedido de apoio judiciário por via postal pelo requerente, a suspensão do prazo judicial só se efetivará com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo».
Os Recorrentes apresentaram as respetivas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. A aplicação das normas constantes dos artigos 22.º n.º 3 e 24.º n.º 4 da Lei 34/2004 de 29 de julho deverá ser considerada inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e da segurança jurídica.
2. O pedido de apoio judiciário foi requerido pelos nos Serviços da Segurança Social de Braga ainda quando o prazo para Contestar estava em curso;
3. Os Recorrentes, usando da prerrogativa do artigo 22.º n.º 3 da Lei n.º 34/2004, apresentaram o Requerimento via postal, ficando o serviço recetor (Serviços da Segurança Social) com o ónus de remeter ao requerente uma cópia com carimbo aposto.
4. Pese embora terem alegado em tribunal que a junção do comprovativo de pedido de apoio judiciário se fez após o termo de prazo por razões alheias à sua vontade, concretamente, pela receção tardia do comprovativo por parte da Segurança Social, argumentou a este respeito o acórdão recorrido que a “constituir tal justo impedimento, deveriam os requerentes tê-lo alegado logo no momento da apresentação do Requerimento em 05-05-2010 como impões o artigo 146.º n.º 2 do CPC”.
5. Perguntam-se os Recorrentes como poderiam ter alegado justo impedimento!? Eles não tinham Advogado, nem tão-pouco sabem o que é o instituto do “justo impedimento”!!!
6. Ademais, os serviços da Segurança Social nem sequer devolvem os requerimentos de proteção jurídica por correio registado, situação que limita a prova judicial dos RR.!
7. Questionamo-nos sobre a eventualidade da carta se extraviar ou se atrasar no correio?!? Será que o cidadão, que não tem condições financeiras de suportar os encargos de um processo, tem de se sujeitar a esta vulnerabilidade do dia a dia, alheia à sua vontade.
8. Os Recorrentes requereram o Apoio judiciário, com nomeação de patrono em tempo útil, ainda no decurso do prazo para contestar;
9. Nem sequer lhes foi dada a oportunidade de demonstrar nos autos o porquê da junção do comprovativo após o termo do prazo para Contestar.
10. Cremos, por isso, estar perante um caso em que se considerasse extemporânea a contestação se violava o princípio da igualdade consignado no artigo 13.º da CRP, já que numa fase processual de extrema importância, a autora estava assistida juridicamente e os RR./Recorrentes não.
11. Violaria ainda o princípio do acesso ao direito e aos tribunais na medida em que o réu, tendo direito a um advogado e não tendo meios económicos para dele se socorrer, sofreria consequência de excessivas e desproporcionais em virtude de comportamento processual abstencionista, que teve lugar no período em que o Estado, na sequência de imposição constitucional e de direito europeu, diligenciava para lhe ser nomeado um.
12. Violaria ainda o princípio da segurança jurídica, pois o réu que aguarda que o comprovativo de ter requerido Apoio judiciário lhe seja remetido via postal pelos Serviços de Segurança Social, fica completamente à mercê de fatores que lhe são completamente alheios (o funcionário dos serviços se esquecer da devolução do comprovativo, um atraso nos CTT, etc).
13. Ou seja: a aplicação conjugada dos artigos 22.º n.º 3 e 24.º n.º 4 da Lei 34/2004 de 29 de julho implicam para o cidadão uma insegurança que não se coaduna com os princípios constitucionais consagrados nos artigos 13.º e 20.º da Constituição da Republica Portuguesa.
14. Além disso, consideram os Recorrentes que as disposições legais do direito interno português constantes dos artigos 22.º n.º 3 e 24.º n.º 4 da Lei 34/2004 de 29 de julho estão em desconformidade com o direito europeu, designadamente, o artigo 65.º n.º 2 alíneas e) e f) do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia e o artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
15. Entendem os Recorrentes que o órgão jurisdicional nacional deverá a submeter a questão prejudicial ao TJUE, o que solicitam ao abrigo do artigo 230.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia.”
Os recorridos apresentaram contra-alegações nas quais, além do mais, sustentaram que o recurso interposto é extemporâneo. Segundo os recorridos, a decisão recorrida não era suscetível de recurso ordinário, tendo transitado em julgado em 18-04-2013, data até à qual deveria ter sido exercido o direito ao recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LTC. Concluem, assim, que tendo o referido recurso sido apresentado no dia 09-05-2013, o mesmo é manifestamente extemporâneo. Sustentam ainda os recorridos que, mesmo que se entenda que o prazo de dez dias previsto no artigo 75.º, n.º 1, da LTC deve ser contado a partir do dia seguinte à data do trânsito em julgado da decisão objeto do presente recurso, o prazo para a sua interposição terminaria a 29 de abril de 2013, sendo também extemporâneo.
Notificados para se pronunciarem quanto a esta questão, os Recorrentes sustentaram que a decisão recorrida sempre admitiria recurso de revista nos termos do artigo 678.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, em vigor à data, ou admitiria recurso de revista excecional, nos termos do artigo 721.º-A do mesmo diploma, os quais teriam de ser interpostos no prazo de 30 dias a contar da notificação da decisão. Assim, referem ainda os recorrentes, a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães era suscetível de recurso ordinário de revista para o STJ, tendo transitado em julgado no dia 8 de maio de 2013, decorrido o prazo de 30 dias para interposição de tal recurso. Concluem, por isso, que o prazo de 10 dias para interposição de recurso para o tribunal constitucional se conta a partir desta data, nos termos do artigo 70.º, n.ºs 2 e 4 da LTC, tendo terminado em 20-05-2013, sendo por isso o mesmo tempestivo.
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Fundamentação
Da tempestividade do recurso
Conforme referido, os recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães da decisão do tribunal de primeira instância que não admitiu a contestação por eles apresentada com fundamento em extemporaneidade.
Tal recurso foi admitido nos termos dos artigos 691.º, n.º 3, 691.º-A, n.º 2, e 692.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, tendo subido com o recurso da decisão final e apreciado em conjunto com tal recurso.
Assim, a decisão da primeira instância de que foi interposto recurso constitui uma decisão interlocutória e, não tendo o recurso da mesma sido enquadrado em qualquer das situações enumeradas no n.º 2 do artigo 691.º, foi admitido nos termos do n.º 3 deste artigo, isto é, admitiu-se a sua impugnação com o recurso que veio a ser interposto da decisão final.
Tendo sido com base neste fundamento que foi admitido e conhecido o recurso, da decisão proferida pelo Tribunal da Relação quanto à questão subjacente ao mesmo não é admissível recurso de revista. É o que resulta expressamente do artigo 721.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, onde se dispõe que «[a]s decisões interlocutórias impugnadas com a sentença final, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 691º, não podem ser objeto do recurso de revista».
Ora, compulsados os autos, verifica-se que a notificação do acórdão recorrido foi expedida em 05-04-2013 e, presumindo-se a mesma feita no terceiro dia posterior ao do envio, nos termos do disposto no artigo 254.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, tal notificação tem-se por efetuada no dia 08-04-2013. Representando este acórdão a última palavra decisória sobre a questão de inconstitucionalidade suscitada na ordem jurisdicional onde foi proferida, por não ser admissível dele recurso ordinário, como impõe o n.º 2, do artigo 70.º, da LTC, tinham os recorrentes 10 dias para dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional (artigo 75.º, n.º 1, da LTC), prazo esse que se iniciou no dia 09-04-2013 e terminou em 18-04-2013.
Face ao exposto, é manifestamente extemporâneo o recurso interposto pelos Recorrentes para o Tribunal Constitucional, através de requerimento expedido em 09-05-2013, não devendo o mesmo ser conhecido.
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Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se não tomar conhecimento do recurso interposto para o Tribunal Constitucional por C. e mulher, D., do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido nestes autos em 4 de abril de 2013.
Custas pelos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 10 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 3, do mesmo diploma).
Lisboa, 22 de janeiro de 2014 – João Cura Mariano – Pedro Machete – Ana Guerra Martins – Fernando Vaz Ventura - Joaquim de Sousa Ribeiro.