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Processo n.º 1264/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação para a conferência tem o seguinte teor:
«(…)
QUESTÃO PRÉVIA – ERRO SOBRE A TRAMITAÇÃO URGENTE DO PROCESSO
O presente processo encontra-se a ser tramitado como sendo processo urgente, o que contudo representa para todos os efeitos uma prática ilegal, ilegítima, e lesiva do direito à justiça do aqui Recorrente, sendo tramitado, sem justificação, o processo de forma célere e urgente.
COM EFEITO,
Nos presentes autos, e consultado o despacho de fls. 1270, afigura-se que a indicação de que o processo é urgente, e o julgamento em causa, enferma de erro manifesto de apreciação, e de interpretação das normas legais, nomeadamente, da interpretação do disposto no Art.º 103º n.º 2 do CPP.
Como decorre do n.º 2 do Art.º 103º do CPP, é criado um conjunto de regras excecionais, ou melhor, um elenco excecional, sendo que, do conjunto de regras que define os atos processuais urgentes, decorre da lei que determinados atos ocorrem Ope Legis, e outros funcionam Ope Judicis, ou seja, em função do despacho que reconheça o interesse na prática do ato com urgente, sendo assim, aplicado ao ato em si, e não ao processo, razão pela qual, nos presentes autos, e considerando que foi proferido despacho a fls. 1270 e com referência à al. b) do n.º 2 do Art.º 103º do CPP, afigura-se que a natureza urgente se esgotou com o encerramento da audiência de julgamento, e consequente produção da prova, e a sua fixação em registo magnético.
Assim, concluídos os atos que se reputaram como de urgentes, cessou a urgência, que se não comunicou ao processo.
Com efeito, não se pode confundir a atribuição de urgência a determinado ato, em concreto, à audiência de julgamento, em ordem à preservação da prova, com a atribuição de natureza urgente ao próprio processo, dado que, a lei não prevê que Ope judicis se atribuia natureza urgente ao processo.
Nesse sentido, e no âmbito da nota 9 em comentário ao Art.º 103º do CPP de Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Cód. de Proc. Penal, 3º Ed., pág. 273, a questão afigura-se de tal simplicidade que o autor apenas refere que:
“... A declaração de certos atos como urgentes não se comunica ao processo, pelo que, concluídos os atos declarados urgentes, o processo obedece ao regime normal para a prática dos demais atos. “
E afigura-se, em função da natureza excecional do n.º 2 do Art.º 103 do CPP, e bem assim, do princípio da tipicidade próprio das normas de natureza excecional, que a questão é simples, ou seja, a urgência da prática dos atos nos termos do processo, encontra-se esgotada com o encerramento da audiência de julgamento, e não se aplica ao prazo de recurso, o qual corre normalmente.
Assim, e no caso vertente, ainda em sede do TC, os autos mantém a tramitação urgente, sem que seja reposta a legalidade.
SEM PRESCINDIR
II – DA QUESTÃO PRÉVIA
Nos presentes autos, e não obstante a presente reclamação para conferência, afigura-se que no interim, surgiu, pelo decurso do tempo, questão prévia que determinará a extinção do processo, por via da prescrição.
Com efeito, nos presentes autos, e considerando a data do último facto integrador de ilícito criminal – abril de 2003 – e o presente- dezembro de 2013, constata-se que se encontram decorridos mais de dez anos e seis meses, ou seja, encontra-se decorrido o prazo prescricional de cinco anos, aplicável ao crime em causa, acrescido do período de três anos referente à suspensão do processo, operada por força das notificações e interrupções, acrescida ainda de metade do prazo de prescrição, sem que tenha transitado em julgado a decisão condenatória proferida nos presentes autos, o que determina, nos termos do Art.º 121º n.º 3 do Cód. Penal, a extinção, por via da prescrição, da responsabilidade criminal que importa aqui repor.
Assim, deve ser ordenada a baixa do processo, para conhecimento da questão prévia atinente à prescrição agora invocada.
III – DA RECLAMAÇÃO PARA CONFERÊNCIA
A questão prévia suscitada e que obsta ao conhecimento do presente recurso, tem como pressuposto a eventual falta de inclusão, na reclamação para conferência operada junto do Tribunal da Relação do Porto, das questões que serviam de fundamento ao recurso apreciado.
Assenta tal entendimento no pressuposto de que teria que constar de forma expressa do teor da reclamação para conferência as questões que se tinham suscitado no recurso.
Assim seria se a reclamação para conferência pudesse ser considerada como sendo incidente autónomo do processo, o que não é o caso.
Com efeito, a reclamação para conferência tem por efeito suscitar a intervenção do coletivo, e bem assim, o reexame do recurso e do acórdão em sede de conferência, não estando assim limitada às questões suscitadas na reclamação, ou seja, as alegações de recurso integram o objeto de exame da conferência, o que decorre da obrigação imposta pelos Art.º 417º n.º 9 e 10 do CPP, onde o relator tem que elaborar o acórdão para submeter à conferência, sendo que a reclamação e o recurso são julgados em conferência em simultâneo nos termos do n.º 10 do Art. º 417º do CPP, ou seja
A reclamação para conferência obriga à apreciação do recurso em conferência, o que determina que a questão que foi suscitada nas alegações de recurso, seja apreciada em conferência, ou seja, as questões são assim devidamente suscitadas nos autos, no decurso do processo, porque tal decorre do natural regime do julgamento do recurso em conferência.
O que determina, que no requerimento de reclamação para conferência não tinham que se repetir os fundamentos do recurso, nomeadamente, os concretos aspetos de constitucionalidade que foram colocados em apreciação e suscitados nos autos.
O indeferimento da reclamação para conferência, não altera contudo o julgamento em conferência do recurso.
Do mesmo modo, a omissão de pronúncia em sede de conferência, não pode prejudicar o Recorrente, nem cercear o seu direito de recurso, nomeadamente, porque a falta de apreciação da questão de constitucionalidade, não pode ser vista como forma de furtar à apreciação do Tribunal Constitucional a questão.
Afigura-se assim que, por via da omissão de pronúncia ocorrida, a decisão do tribunal recorrido não afasta a identidade da questão tal como colocada pelos Recorrentes, e como tal, afigura-se que não ocorre o impedimento do conhecimento do objeto do recurso.
Termos em que se requer a remessa a conferência dos presentes autos.
(…)»
3. O Ministério Público pugnou pelo indeferimento da reclamação deduzida.
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem a seguinte redação:
«(…)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de setembro de 2013, que rejeitou a reclamação para conferência deduzida pelo recorrente.
2. Pretende ver apreciadas as seguintes questões de constitucionalidade:
«(...)
Questão prévia – Erro sobre a tramitação urgente do processo
Nos presentes autos, e consultado o despacho de fls. 1270, afigura-se que a indicação de que o processo é urgente, e o julgamento em causa, enferma de erro manifesto de apreciação, e de interpretação das normas legais, nomeadamente, da interpretação do disposto no Art. 103.º, n.º 2 do CPP.
Como decorre do n.º 2 do art. 103.º do CPP, é criado um conjunto de regras excecionais, ou melhor, um elenco excecional, sendo que, do conjunto de regras que define os atos processuais urgentes, decorre da lei que determinados atos ocorrem Ope legis e outros funcionam Ope Judicis, ou seja, em função do despacho que reconheça o interesse na prática como urgente, sendo assim, aplicado ao ato em si, e não ao processo, razão pela qual, nos presentes autos, e considerando que foi proferido a fls. 1270 e com referência à al. b) do n.º 2 do Art.º 103º do CPP, afigura-se que a natureza urgente se esgotou com o encerramento da audiência de julgamento, e consequente produção da prova, e a sua fixação em registo magnético.
Assim, concluídos os atos que se reputam como de urgentes, cessou a vigência, que se não comunicou ao processo.
(...)
Aliás, a interpretação do Art.º 103.º n.º 2 al. b) do CPP, no sentido de que a urgência se não comunica ao processo, uma vez esgotada a prática dos atos considerados urgentes, é a conforme com o Art.º 32.º da CRP, ao invés, sendo desconforme com o regime do Art.º 102.º da CRP, a interpretação da mesma norma no sentido de que a decisão para a prática de atos qualificados como urgentes se transmite ao processo, e afeta todos os seus termos, incluindo o prazo de recurso.
Da mesma forma, ainda que o despacho de fls. 1270 se estendesse para efeitos da al. f) do Art.º 103.º n.º 2 do CPP, este apenas tem aplicação aos atos de mero expediente, ou às decisões da autoridade, e da mesma forma opera Ope Judicis e esgota-se com a prática do ato, não se transmitindo ao processo, e como tal, também não afeta o prazo de recurso, o qual apenas é afetado enquanto os atos que foram declarados como urgentes, ainda não foram praticados, ou seja, ainda não se esgotou a sua prática.
Para os devidos efeitos, maxime, os da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, declara-se que:
A questão de inconstitucionalidade é a seguinte:
- Viola o disposto no Art.º 32.º da CRP, a interpretação do Art.º 103.º n.º 2 al. b) do CPP, no sentido de que a urgência se comunica ao processo, uma vez esgotada a prática dos atos considerados urgentes;
- A questão de inconstitucionalidade foi suscitada na reclamação para a conferência, sendo que, esta concreta questão não foi objeto de apreciação pelo tribunal determinando a nulidade da decisão por omissão de pronuncia;
- Que a nulidade decorrente de omissão de pronuncia tem que ser arguida em sede de alegação de recurso, servindo-lhe de fundamento, razão pela qual, é a mesma é arguida, para os devidos efeitos para o presente recurso.
(...)
II – Da Omissão de pronuncia – apreciação indevida do recurso do Ministério Público
(...)
A questão de inconstitucionalidade colocada:
A interpretação da norma do Art.º 417º n.º 6 al. a) do CPP, no sentido de que não é imposta a apreciação das questões prévias suscitadas em sede de resposta ao recurso, entrando-se na sua apreciação, é inconstitucional por violação do disposto no Art. 32.º e 266.º n. 2 da CRP;
A questão foi suscitada na reclamação para conferência, e não foi objeto de apreciação, sendo que, esta concreta questão não foi objeto de apreciação pelo tribunal determinando a nulidade da decisão por omissão de pronuncia.
Que a nulidade decorrente de omissão de pronúncia tem que ser arguida em sede de alegação de recurso, servindo-lhe de fundamento, razão pela qual, é a mesma é arguida para os devidos efeitos para o presente recurso.
Ao recurso do recorrente A.
Foi suscitada a seguinte questão de constitucionalidade, em sede de recurso:
Assim, decorre dos termos do Art. 61º nº 1 al. h) do CPP, a obrigação de ser o Arguido informado dos direitos que lhe assistem, nos atos onde esteja presente, sendo que, porque a norma em causa decorre do assegurar das necessárias garantias de defesa, tem esta que ser lida em obediência ao disposto no Art. 32.º da CRP, e Art. 20.º n. 4 da CRP, nomeadamente, no que tange ao assegurar das garantias de defesa, e da existência de processo equitativo.
Assim, tendo o Arguido sido notificado por Órgão de Polícia Criminal de sentença condenatória proferida em audiência de julgamento realizada na sua ausência, para além da entrega do duplicado da decisão, tem que ser igualmente comunicado ao Arguido em causa, o modo como pode reagir da sentença em causa, nomeadamente, terá que ser indicada de forma clara ao Arguido.
(...)
Não obstante a nulidade decorrente da falta de prestação de informação ao Arguido não conste do elenco das nulidades insanáveis, a mesma, porque decorrente da violação do direito fundamental previsto no Art.º 32.º e 20.º n.º 4 da CRP, e por referência ao regime vinculativo imposto nos termos do Art.º 18.º da CRP, porque os preceitos são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas, a omissão de cumprimentos dos mesmos não é apto a poder ser sanada, atenta a natureza irrenunciável dos direitos liberdades e garantias. A exigência constitucional prevista no Art.º 32.º n. 1 da CRP do direito ao recurso, postula uma exigência efetiva e não formal do direito ao recurso, para o que, se afigura como essencial a prestação da informação atinente não só a existência do recurso, como ao modo como o direito ao recurso pode ser exercido.
Ora, no caso vertente, tal foi pura e simplesmente omitido, dado que não foi sequer informado o Arguido de que tem direito ao recurso, qual o prazo de recurso e forma de contagem do prazo, e dos efeitos e alcance do recurso em causa, sendo ainda omitida a notificação de que foi interposto recurso, nos termos do Art.º 411.º n.º 7 do CPP.
A questão concreta de constitucionalidade:
Com efeito, deve ater-se que a interpretação dos Arts.º 61º n. 1 al. h), e 333 n.º 5 do CPP no sentido em que não é obrigatória a notificação ao Arguido julgado na ausência dos meios de defesa e reação à sentença condenatória proferida, nomeadamente, do direito ao recurso, do prazo de recurso, da forma de contagem do prazo de recurso, e bem assim da necessidade de contacto com o seu mandatário para o efeito, afigura-se como sendo lesiva do direito constitucional ao recurso previsto no n.º 1 do Art.º 32.º da CRP, e do direito ao processo equitativo nos termos do n.º 4 do Art.º 20º da CRP.
A questão foi suscitada em sede de recurso, e colocada na reclamação para conferência, e não foi objeto de apreciação, sendo que, esta concreta questão não foi objeto de apreciação pelo tribunal, determinando a nulidade da decisão por omissão de pronúncia.
Que a nulidade decorrente de omissão de pronúncia tem que ser arguida em sede de alegação de recurso, servindo-lhe de fundamento, razão pela qual, é a mesma arguida, para os devidos efeitos para o presente recurso.
(...)»
3. Ora, após a sentença condenatória da primeira instância, quer o arguido (a fls. 1753), quer o Ministério Público interpuseram recurso. Ao recurso do segundo respondeu o arguido, pugnando fundamentalmente pela sua rejeição e pela declaração de nulidade da sentença por omissão de pronúncia (fls. 1896). Posteriormente, o arguido apresentou requerimento, ao abrigo do artigo 123.º, n.º 1 do CPP, arguindo irregularidades e nulidades da notificação da sentença condenatória, por dela não constar menção ao recurso interposto pelo Ministério Público (fls. 1884-88). O tribunal recorrido, em despachos de fls. 1900 e 1901, rejeitou o recurso interposto a fls. 1753, com fundamento em extemporaneidade, e julgou inexistentes as nulidades e irregularidades arguidas a fls. 1884 dos autos. Inconformado, o arguido interpôs novo recurso, desta feita incidente sobre estes despachos (fls. 1931-37), o qual foi rejeitado pelo tribunal ad quem, através de decisão sumária proferida em 17 de julho de 2013, ao abrigo do artigo 417.º, n.º 6, alínea b), do CPP (fls. 1970):
«(...)
Recurso do MP
Insurgiu-se o MP contra a suspensão da execução da pena, ditada na decisão sumária recorrida, alegando que não se verificam os pressupostos contidos no art.º 50.º, n.º 1 do CP, descrevendo em diversos itens contidos na motivação de recurso, as razões que afastam a valoração positiva dos mencionados requisitos contidos neste preceito legal.
Cremos que, como bem refere o Exmo PGA junto deste Tribunal da Relação, não se nos afigura ser viável a argumentação no sentido de aplicação de pena efetiva.
Por duas ordens de razões.
A primeira é a adesão ao fundamento invocado na sentença recorrida, bem explícito e que a nosso ver não merece contestação.
Trata-se de sublinhar que o arguido não tem antecedentes criminais; acrescentando que o mal que o crime constituiu como que se apagará se for lograda a possibilidade de satisfação da condição prevista no art. 14.º, n.º 1do RGIT.
Por outro lado, também se verifica que a análise de cada pressuposto empreendida na motivação de recurso não se afigura convincente.
A censurabilidade acrescida que o Ilustre Recorrente nota no arguido, pelo facto de ter sido deputado, deverá ser valorada no âmbito do art.º 71.º do CP; é apenas um fator que poderá ser interpretado como muito útil para o juízo de culpabilidade. A conduta anterior taxada de censurável também é do domínio da vagueza: a criação de várias sociedades comerciais que terão tido problemas com a Segurança Social. O longo período decorrido desde a prática dos factos sem que o arguido tenha empreendido qualquer esforço para regularizar a situação, o montante da ilicitude, serão suscetíveis de menor violação se entretanto se verificar o pagamento das quantias em dívida e respetivos juros.
Recurso do arguido A.
(…)
A alegação contida na motivação de recurso de fls. 1931-1937 não configura qualquer nulidade legalmente prevista nos arts. 119.º e 120.º ambos do CPP.
De resto, o arguente não enquadra tal matéria em qualquer das hipóteses legalmente previstas no âmbito do art.º 123.º, n.º 1 do CPP, a mesma sempre estaria sanada, porque não sinalizada no prazo de três dias a partir do seu conhecimento.
Sendo o nosso sistema de recursos um sistema de remédio jurídico, que não de reexame dos autos ou colocação do Tribunal de Recurso na posição do Tribunal recorrido; e não estando configurado qualquer vício processualmente previsto, fatalmente que o recurso se encontra votado à improcedência.
Relativamente à discordância pela não admissão de recurso, o meio processual para reagir a tal adversidade não é o recurso, mas a reclamação, conforme teor do art.º 405.º, n.º 1 do CPP.
Face ao exposto, consideram-se os recursos interpostos pelo MP e pelo arguido A.sta como manifestamente improcedentes, sendo os mesmos rejeitados – arts. 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. a), ambos do CPP.
(...)»
O recorrente reclamou para a conferência (fls. 1783), tendo para o efeito apresentado os seguintes argumentos:
«(...)
Aliás, a interpretação do Art.º 103º n.º 2 al. b) do CPP, no sentido de que urgência se não comunica ao processo, uma vez esgotada a prática dos atos considerados urgentes, é a conforme com o Art.º 32.º da CRP, ao invés, sendo desconforme com o regime do Art. 102º da CRP, a interpretação da mesma norma no sentido de que a decisão para a prática de atos qualificados como urgentes se transmite ao processo, e afeta todos os seus termos, incluindo o prazo de recurso.
Da mesma forma, ainda que o despacho de fls. 1270 se estendesse para efeitos da al. f) do Art.º 103º, nº 2 do CPP, este apenas tem aplicação aos atos de mero expediente, ou às decisões de autoridade, e da mesma forma, opera Ope Judicis e esgota-se com a prática do ato, não se transmitindo ao processo, e como tal, também não afeta o prazo de recurso, o qual apenas é afetado enquanto os atos que foram declarados como urgentes, ainda não foram praticados, ou seja, ainda não se esgotou a sua prática.
(...)
Importa ainda ter presente que, a interpretação da norma do Art.º 417º, n.º 6 al. a) do CPP, no sentido de que não é imposta a apreciação das questões prévias suscitadas em sede de resposta ao recurso, entrando-se na sua apreciação, é inconstitucional por violação do disposto no Art.º 32.º e 266.º n. 2 da CRP, razão pela qual o recurso interposto pelo Ministério Público não poderia ter sido apreciado, sem que se tivesse conhecido da nulidade da sentença invocada e que obsta à sua apreciação.
(...)»
O Tribunal da Relação do Porto, em acórdão com data de 11 de setembro de 2013, indeferiu a reclamação deduzida, considerando que:
«(...)
Apenas o arguido A. reclamou para esta conferência e de forma circunscrita a dois aspetos.
Um deles tem a ver com o discordar que o processo se tramite como urgente, discorrendo sobre a fisionomia e a natureza da norma que prevê tal decurso processual: o art.º 103.º, n.º 2, al. b) do CPP.
Há todavia um pormenor que faz claudicar a viabilidade dessa exposição e que é decisivo: a declaração de caráter urgente já foi há muito prolatada, a fls. 1270, mostrando-se transitada em julgado – sem que o reclamante tenha interposto recurso da mesma.
Por outro lado, vem dizer que não foi apreciada a nulidade de sentença, que alegou na sua resposta ao recurso.
Todavia, o art.º 417.º, n.º 2 do CPP destina-se a possibilitar o exercício do contraditório relativamente às posições defendidas na instância de recurso, não a levantar questões novas, nem a servir se mecanismo adicional ao previsto no art. 380.º do CPP – com a agravante de a temática nova aí invocada não poder ser já contraditada pelos demais sujeitos processuais.
Por outro lado, tal matéria revela-se completamente estranha e indiferente à instância recursiva em causa: o Recurso do MP foi inclusivamente rejeitado, com trânsito em julgado, sem interferência necessária do invocado conteúdo.
(...)»
4. O recurso de constitucionalidade foi admitido pelo Tribunal recorrido. Contudo, em face do disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
5. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, necessário se mostra que se achem preenchidos um conjunto de pressupostos processuais. A par do esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão recorrida, exige-se que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma adequada, uma questão de constitucionalidade, questão essa que deverá incidir sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi daquela decisão.
Invoca o recorrente, no seu requerimento de recurso, a inconstitucionalidade do artigo 103.º, n.º 2, alínea b) do CPP, quando interpretado no sentido de que a urgência se comunica ao processo, uma vez esgotada a prática de atos considerados urgentes, por violação dos artigos 32.º e 102.º da CRP. Sucede, no entanto, que não há coincidência entre este entendimento e aquele que foi ratio decidendi da decisão recorrida, onde, inclusivamente, o Tribunal da Relação do Porto se limitou a confirmar o trânsito em julgado da declaração de caráter urgente prolatada a fls. 1270.
Impugna ainda o recorrente a constitucionalidade da norma constante do artigo 417.º, n.º 6, alínea a), do CPP, interpretada no sentido de que não é imposta a apreciação das questões prévias suscitadas em sede de resposta ao recurso, por violação dos artigos 32.º e 266.º, n.º 2 da CRP. Verifica-se, contudo, e uma vez mais, que tal normativo não foi fundamento determinante da decisão recorrida, por dois motivos. Desde logo, resulta cabalmente do acórdão recorrido que a interpretação contestada não foi a sufragada pelo TRP. Depois, como este teve ensejo de esclarecer, o recurso interposto pelo Ministério Público (já transitado em julgado), em cuja resposta o recorrente levantou as mencionadas “questões prévias”, não obteve provimento, sendo por conseguinte tal matéria “indiferente à instância recursiva em causa” (fls. 1797).
Finalmente, pugna o recorrente pela inconstitucionalidade dos artigos 61.º, n.º 1, alínea h), e 333.º, n.º 5 do CPP, quando interpretados no sentido de que não é obrigatória a notificação ao Arguido julgado na ausência dos meios de defesa e reação à sentença condenatória proferida, por violação do direito ao recurso e do direito ao processo equitativo, vertidos, respetivamente, nos artigos 32.º, n.º 1 e 20.º da CRP. Porém, também quanto ao conhecimento desta questão se erguem obstáculos intransponíveis, visto que a mesma não foi objeto de arguição na reclamação para conferência deduzida pelo ora recorrente, ou seja, não foi suscitada, durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (cfr. o n.º 2 do artigo 72.º da LTC).
Destarte, somos levados a concluir pelo não preenchimento dos pressupostos processuais de que se acha dependente a admissibilidade do presente recurso de constitucionalidade.
6. Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objeto do recurso.
(…)»
5. A reclamação apresentada pelo reclamante não coloca minimamente em crise a decisão sumária proferida. Com efeito, o juízo de não conhecimento agora objeto de reclamação fundou-se no não preenchimento, pelo recurso de constitucionalidade interposto, dos pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
5.1. Ataca o reclamante o juízo de não conhecimento, vertido na decisão sumária, no que respeita aos artigos 61.º, n.º 1, alínea h) e 333.º, n.º 5, do CPP, argumentando no sentido de que não estaria obrigado a suscitar as questões de constitucionalidade referentes àqueles normativos na reclamação para a conferência, apresentada nos termos do n.º 8 do artigo 417.º do CPP, em virtude de tais questões já terem sido objeto de arguição nas alegações do recurso sumariamente rejeitado pelo Relator. Tal argumentação, porém, não procede, visto que, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da LTC, exige-se que a questão de constitucionalidade tenha sido suscitada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida – entenda-se, a decisão final - que neste caso vem a ser o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de setembro de 2013 – talqualmente admitido, pelo próprio recorrente, no seu requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional. Não tendo isso ocorrido, é de concluir que o reclamante não cumpriu o ónus da suscitação prévia, ou que pelo menos não o fez em termos que pudessem ter colocado sobre o Tribunal da Relação o ónus de apreciar tal questão de constitucionalidade.
Confirmam-se, pois, quanto a este ponto, os fundamentos que estiveram subjacentes à decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso.
5.2. Em segundo lugar, a título de questão prévia, invoca o reclamante que deve haver lugar à extinção do processo por via da prescrição, cabendo ao Tribunal Constitucional ordenar a baixa do processo para conhecimento da questão suscitada. Sendo incontestável que não compete a este Tribunal apreciar a prescrição do procedimento criminal, tudo está em saber se a mera invocação de tal questão prévia implica necessariamente a suspensão da instância de recurso. Como deu conta o Ministério Público no parecer deduzido, o Tribunal Constitucional já ajuizou de questão semelhante, tendo definido, no acórdão n.º 187/12, os seguintes parâmetros de apreciação:
«(…)
Deve começar por dizer-se que a mera invocação da possível prescrição do procedimento criminal não é uma questão prévia que o tribunal deva conhecer com precedência sobre todas as demais, configurando-se antes como uma mera questão prejudicial que poderia conduzir, caso o tribunal competente viesse a verificar a prescrição, à inutilidade superveniente do recurso.
Importa, por outro lado, ter em atenção que a norma do n.º 1 do artigo 78º-B da LTC – em correspondência com o que estabelece o artigo 700º do CPC para o processo civil - limita-se a definir os poderes do relator no âmbito do julgamento do recurso, elencando o conjunto de matérias em que o relator pode decidir independentemente da intervenção da secção ou da conferência a que se refere o artigo 78º-A, n.º 3, da LTC.
A circunstância de essa disposição incluir entre os poderes do relator a baixa dos autos para conhecimento de questões de que possa resultar a inutilidade superveniente do recurso, não significa que o processo já pendente no Tribunal Constitucional deva imperativamente baixar à instância sempre que qualquer das partes entenda que existem novos factos que eventualmente possam neutralizar o efeito útil da decisão a proferir.
Essa é apenas uma norma de competência, que não obsta a que o relator mantenha o poder de direção do processo, pelo qual lhe incumbe deferir os termos do recurso até final.
A pretendida baixa do processo para que o tribunal de primeira instância possa indagar se se encontra prescrito o procedimento criminal corresponde a uma situação de suspensão da instância de recurso que necessariamente deverá pautar-se pelos princípios gerais que decorrem do artigo 276º do CPC. Nos casos de suspensão legal, como aqueles que estão elencados nas alíneas a), b) e d) do n.º 1 desse artigo 276º, o juiz tem o dever de ordenar a suspensão, verificado que seja o evento a que a lei atribui efeito suspensivo. Fora desses casos o juiz tem o poder de suspender a instância, quando entenda que há motivo justificado para tomar essa medida, sendo essa a situação versada na alínea c) desse preceito (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 265).
A suspensão da instância por iniciativa do tribunal apenas se justifica quando os autos indiciem já com suficiente segurança a ocorrência de factos que poderão determinar a inutilidade superveniente do recurso, e só nessa circunstância é que faz sentido que o relator use a competência que lhe é conferida pelo n.º 1 do artigo 78º-B da LTC, em ordem a evitar que venha a ser proferida decisão a que não possa atribuir-se um efeito útil.
No caso vertente, como já resulta da decisão sumária reclamada, seria inteiramente contrário aos princípios da economia e da celeridade processuais, que o relator sobrestasse na decisão a proferir e remetesse o processo ao tribunal competente para que este se pronuncie sobre a alegada prescrição de alguns dos crimes pelos quais os recorrentes foram condenados, quando essa não é uma matéria de primeira evidência mas antes uma questão de indagação complexa, que, além do mais, apenas poderia redundar, em caso de eventual decisão favorável por parte do tribunal de instância, numa inutilidade parcial do recurso.
Acresce que a suspensão da instância de recurso, nestas circunstâncias, tem objetivamente um efeito dilatório, acarretando o risco efetivo de verificação da prescrição em relação àqueles ou outros dos crimes imputados, pelo simples efeito do decurso do tempo que seria necessário à apreciação da questão prejudicial. Além de que, como também se sublinhou na decisão reclamada, o Tribunal ficaria impedido de dar seguimento ao recurso sempre que os recorrentes viessem a suscitar essa mesma questão, repetidamente, protelando indefinidamente o andamento do processo.
Como é de concluir, o uso da competência prevista no n.º 1 do artigo 78º-B da LTC constitui uma mera faculdade do relator, que se justificaria utilizar quando pudesse constatar-se, numa análise perfunctória, a ocorrência de factos que pudessem impedir o prosseguimento do recurso e a tal não obstassem outras considerações atinentes à economia e celeridade do processo.
(…)»
Destarte, não emergindo dos autos, numa análise perfunctória, factos que permitam apurar liminarmente a procedência da questão prévia invocada pelo reclamante, e atentos os princípios da economia e da celeridade processuais, conclui-se que não há que suspender a instância para remessa do processo ao tribunal competente.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada, e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014.- José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.