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Processo n.º 399/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., S.A., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de março de 2012. Pretende a recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na parte em que aí se consagra um prazo de 15 dias para impugnação judicial do ato tributário, por violação dos princípios do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva e da proporcionalidade, consagrados, respetivamente, nos artigos 20.º e 18.º, n.º 2, da CRP.
2. A recorrente interpôs, junto do STA, recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 30 de novembro de 2011, que julgou verificada a exceção da caducidade do direito de impugnar a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2005, absolvendo a Fazenda Pública do pedido. Conclui as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«(...)
Termos em que deve a exceção de caducidade invocada pela Fazenda Pública ser julgada improcedente e, em consequência, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos de impugnação judicial até final, na medida em que:
a) A norma constante do n.º 2 do art.º 102.º, interpretada no sentido estritamente literal que estipula o prazo de impugnação judicial em 15 dias, é inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 20.º da CRP, aplicando-se o prazo geral de 90 dias previsto no n.º 1, ou, na pior das hipóteses, o prazo de 30 dias dentro do qual se pode interpor recurso hierárquico, nos termos dos artigos 76º, n.º 1 e 66.º n.º 1, do CPPT;
(...)»
O STA, no acórdão recorrido, negou provimento ao recurso, louvando-se nos seguintes fundamentos:
«(...)
De harmonia com o art.º 20.º, n.º 5 da Constituição da República, para a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei deve assegurar aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
Por sua vez dispõe o art. 18.º, n.º 2 da Constituição que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
A consagração constitucional destes princípios, em normas claramente dirigidas ao legislador, tem em vista garantir o acesso aos tribunais a quem pretenda dirigir-se-lhes em defesa de direitos subjetivos ou interesses jurídicos dignos de tutela e também garantir um processo equitativo, que assegure efetivamente um direito de defesa e obste a que se imponham às partes prazos para a realização de atos processuais tão curtos que envolvam uma diminuição arbitrária.
A jurisprudência e a doutrina do Tribunal Constitucional têm consagrado o entendimento de que não é incompatível com a tutela jurisdicional efetiva do acesso à justiça a imposição de ónus processuais às partes, desde que não sejam arbitrários nem desproporcionados, quando confrontada a conduta imposta com a consequência desfavorável atribuída à correspondente omissão – cf. neste sentido os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 132/2002 e 403/2002, 571/01, 588/00 e 347/02, estes dois últimos quanto a prazos processuais, e Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pag. 165.
Ora a exigência de um prazo de 15 dias para deduzir impugnação judicial, na sequência de indeferimento de reclamação graciosa (art.º 102.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário) não é excessiva, arbitrária ou limitativa do direito de acesso aos tribunais e das garantias de defesa do administrado.
Isso só assim não seria se o prazo fosse ostensivamente exíguo e inadequado para a organização da sua defesa, o que manifestamente não sucede no caso em apreço.
Com efeito, nos termos do art.º 70º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do art.º 102.º.
A reclamação graciosa pode, pois, ter por fundamento qualquer ilegalidade de que enferme o ato de liquidação impugnado ou vício do procedimento ou decisões procedimentais que precedam a decisão final (arts. 54.º, 70.º, n.º 1 e 99.º do Código de Procedimento e Processo Tributário), sendo que o contribuinte beneficia de um prazo ainda maior que o prazo da impugnação judicial direta do ato de liquidação.
Assim sendo, prevendo a lei que a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e concedendo um amplo prazo para deduzir, é legítimo concluir que o interessado, aquando da notificação do indeferimento da reclamação graciosa, já estará ou poderá estar na posse dos elementos necessários para exercer cabalmente o direito de impugnar judicialmente e que o prazo para o efeito concedido (15 dias) não é arbitrário nem limitativo do seu direito de acesso aos tribunais e das suas garantias de defesa (vide, também neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de vol. II, página 151).
Daí que se entenda que a norma do n.º 2 do art. 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário não é materialmente inconstitucional por violação dos princípios de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva e da proporcionalidade e da proibição do excesso consagrados nos arts. 18.º, n.º 2 e 20.º da CRP, pelo que nenhuma censura merece a sentença que assim decidiu.
(...)»
3. Notificada para alegar nos termos do artigo 79.º da LTC, a recorrente apresentou as seguintes conclusões:
«(...)
I. A norma constante do n.º 2 do art. 102.º, interpretada no sentido estritamente literal que estipula o prazo de impugnação judicial em 15 dias, é inconstitucional, por violação do princípio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos arts. 20.º e 168.º, 4 da CRP, e bem assim, dos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da proibição do excesso no condicionamento de direitos fundamentais ou análogos, consagrados no art. 18.º, n.º 2 da CRP.
II. Qualquer fixação de prazo a partir do qual não se pode mais recorrer judicialmente das decisões administrativas resulta da ponderação entre dois interesses fundamentais: o direito do interessado em ver anulado o ato considerado ilegal, e o da Administração Tributária em ver garantida a estabilidade das situações jurídicas tributárias.
III. O prazo de impugnação judicial há de corresponder ao ponto de equilíbrio a partir do qual já não é possível manter o direito do interessado em recorrer aos meios judiciais para obter anulação do ato, sem com isso prejudicar irremediavelmente os interesses da segurança jurídica e da necessária estabilidade das situações jurídicas tributárias.
IV. O prazo de 15 dias estipulado no n.º 2 do art. não corresponde àquele limite a partir do qual razões imperiosas de segurança e estabilidade jurídicas justificariam uma limitação ao direito fundamental de acesso aos tribunais para pedir a anulação do ato tributário considerado inválido.
V. E tanto não corresponde, que o interessado pode acautelar o direito de impugnar judicialmente o mesmo ato tributário depois de decorrido tal prazo, e pode fazê-lo ao abrigo do CPPT.
VI. Basta, para tanto, que interponha recurso hierárquico da decisão que indefere a reclamação, uma vez que dispõe do prazo de 30 dias para o efeito.
VII. Podendo em seguida apresentar impugnação judicial da decisão de recurso hierárquico sobre a mesma questão, caso esta lhe seja desfavorável, no prazo de 90 dias.
VIII. Em face do exposto, é forçoso concluir que o legislador não considerou que a estabilidade da situação jurídica tributária estaria irremediavelmente comprometida mantendo em aberto a possibilidade de impugnação judicial por mais do que 15 dias sobre a decisão da Reclamação Graciosa, pois tal faculdade está garantida durante os 30 dias em que é possível interpor recurso hierárquico.
IX. Se o direito a deduzir impugnação judicial pode ser salvaguardado durante os 30 dias subsequentes à decisão da Reclamação, inexistem quaisquer razões de segurança ou estabilidade jurídicas que justifiquem a imposição do prazo de 15 dias para lançar mão de tal meio diretamente.
X. O exercício dos meios de impugnação graciosa não pode impedir ou limitar o direito de acesso aos tribunais para impugnação judicial dos atos administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, constitucionalmente garantido nos artigos 20.º e 168.º, 4 da CRP.
XI. Por maioria de razão, a não utilização prévia dos meios administrativos facultativos também não pode prejudicar ou de alguma forma limitar o direito dos administrados em impugnar judicialmente a validade dos atos administrativos considerados lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos – tal como resulta da aplicação da norma em crise com a interpretação dada.
XII. Acresce que se o interessado interpuser recurso hierárquico, goza do direito de deduzir impugnação judicial no prazo de 90 dias a contar da decisão daquele, caso a mesma lhe seja desfavorável, arrastando por mais tempo a solução definitiva do caso do que se tivesse recorrido diretamente a tribunal.
XIII. De maneira que, perante o mesmo ato tributário que foi objeto de Reclamação Graciosa, o interessado goza de 15 dias ou de 90 dias para deduzir impugnação judicial, consoante, entretanto, tenha apresentado ou não recurso hierárquico.
XIV. Tal não faz qualquer sentido, pois se a razão apontada para a redução para 15 dias do prazo de impugnação judicial subsequente a Reclamação Graciosa é a de que o interessado já se encontraria preparado, mais preparado estaria se, além da Reclamação Graciosa, apresentar também, e ainda, recurso hierárquico sobre a mesma questão, sendo que neste caso, porém, o prazo para recorrer aos meios judiciais é de 90 dias!
XV. Também não existem quaisquer razões de segurança jurídica ou estabilidade das situações jurídicas tributárias que imponham a redução do prazo de impugnação judicial quando esta é precedida de reclamação, e deixem de existir quando a mesma é deduzida após o recurso hierárquico, pelo que o artigo 102.º, 2.º do CPPT, interpretado no sentido de que opera uma redução do prazo para 15 dias no primeiro caso, consubstancia uma limitação excessiva, desproporcionada e injustificada do acesso ao direito e aos tribunais, bem como uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, em violação do disposto nos artigos 18.º, 20.º e 168.º. n.º 4 da CRP.
XVI. Além de desproporcional e injustificada, tal norma, assim interpretada, viola o princípio constitucional da igualdade, uma vez que, se perante duas situações idênticas, uma não pode ser tratada menos favoravelmente (ter um prazo de impugnação judicial mais reduzido) do que a outra, menos assim pode acontecer quando a única diferença existente (interposição de recurso hierárquico) apenas poderia justificar que a desvantagem (prazo de impugnação mais curto) se verificasse precisamente na situação que todavia goza do tratamento mais favorável entre as duas.
XVII. Sem prejuízo do que vem dito, e além disso, se o prazo para interpor recurso hierárquico após a Reclamação é de 30 dias, o prazo para deduzir impugnação judicial, por maioria de razão, não pode ser inferior, na medida em que se trata de um pedido formulado em tribunal, com maior grau de complexidade e de responsabilidade.
XVIII. Ainda que o próprio CPPT não acolhesse expressamente a possibilidade de impugnação judicial do ato tributário em crise após o decurso do prazo de 15 dias, este revelar-se-ia, em si mesmo, demasiado curto para recorrer judicialmente de uma decisão administrativa, consubstanciando uma violação do art. 20.º da CRP.
XIX. Nessa medida, a reclamação graciosa não pode ter como consequência a redução drástica do prazo de impugnação judicial para 15 dias, o qual se revela manifestamente insuficiente para garantir a preparação adequada da defesa em tribunal dos direitos do contribuinte.
XX. E nem se diga que tal direito de defesa se encontra salvaguardado, uma vez que a reclamação pode ser deduzida com base nos mesmos fundamentos que a impugnação judicial.
XXI. Não obstante o elenco dos fundamentos admissíveis seja o mesmo, o interessado pode deduzir impugnação judicial com base em fundamentos diferentes daqueles que serviram de base à reclamação.
XXII. A Reclamação trata-se, por expressa previsão legal, de um meio gracioso pautado pela simplicidade dos procedimentos, encontrando-se isenta de custas e podendo mesmo ser apresentada verbalmente em certos casos.
XXIII. Acresce que a Reclamação Graciosa pode ser sempre apresentada diretamente pelos interessados, sem estarem representados por advogado.
XXIV. Ao contrário, na impugnação judicial exige-se a intervenção obrigatória de advogado que o valor seja superior a € 9.352, 00 sendo que, neste caso concreto, o valor em causa é de €674.588,80 (seiscentos e setenta e quatro mil quinhentos e oitenta e oito euros e oitenta cêntimos).
XXV. Dada a simplicidade de que se reveste o procedimento de Reclamação, e a ausência de custas associada a este meio gracioso, a lei não só permite como convida a uma defesa direta neste primeiro momento, tal como sucedeu no presente caso, em que a Reclamação foi apresentada diretamente pela Sociedade ora recorrente.
XXVI. Logo, carece de sentido que o interessado, aquando da notificação da decisão sobre a reclamação, já se encontra necessariamente preparado para deduzir impugnação judicial, pois só neste momento lhe é exigível a constituição de advogado, além de que os fundamentos que servem de base à defesa em tribunal não têm de ser os mesmos que foram utilizados na Reclamação.
XVII. Em face do exposto, forçoso é de concluir que o prazo de 15 dias constante do n.º 2 do art. 102.º do CPPT constitui uma violação injustificável do direito fundamental do interessado no acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva, revelando-se, outrossim, desproporcional e desnecessário, em violação do arts. 20.º, 18.º, n.º 2 da CRP.
XVIII. Pelo que deve a aplicação de tal norma, interpretada no sentido estritamente literal como foi pelo tribunal a quo, ser afastada, por inconstitucional, aplicando-se o prazo geral de 90 dias previsto no n.º 1 ou, na pior das hipóteses, o prazo de 30 dias para interpor recurso hierárquico, donde resulta a apresentação tempestiva da impugnação judicial e a improcedência da invocada exceção da caducidade, por força do disposto nos artigos 18.º, n.º 2 e 20.º da CRP, dos artigos 76.º, n.º 1 e 66.º, n.º 1 do CPPT, e dos artigos 69.º e 70.º também do CPPT.
(…)»
4. A recorrida não contra-alegou.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. O objeto do presente recurso de constitucionalidade é integrado pela norma constante do artigo 102.º, n.º 2 do CPPT, na parte em que na mesma se estatui que, em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação judicial é de 15 dias, por daí resultar uma violação do princípio do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, conjugado com o princípio da proporcionalidade, consagrados nos artigos 20.º e 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
A norma em crise tem a seguinte redação:
«(…)
Artigo 102.º (Impugnação judicial. Prazo de apresentação)
1 – A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;
f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores;
2 – Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de 15 dias após a notificação.
(…)»
Invoca o recorrente, em síntese, que o prazo de 15 dias previsto no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT é excessivamente exíguo, no sentido em que não permite ao contribuinte gizar uma estratégia adequada à defesa dos seus direitos em tribunal. Por outro lado, tal prazo revela-se arbitrário, pois não tem justificação à luz de imperativos de estabilidade e segurança jurídica, visto que o mesmo contribuinte pode, no prazo de 30 dias contados do ato de indeferimento da reclamação graciosa, interpor recurso hierárquico, dispondo aí, em caso de novo indeferimento, de um prazo de 90 dias para promover a impugnação judicial do ato de liquidação. Daí resulta, no seu entender, uma violação conjugada dos princípios do acesso ao direito e da proporcionalidade (cfr. artigos 20.º e 18.º, n.º 2 da CRP, respetivamente).
6. O princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, nos seus diversos desdobramentos normativos, tem um lastro extenso e relevante na jurisprudência constitucional. A par das questões que se levantam em torno do patrocínio judiciário e das custas processuais (cfr., por ex., os acórdãos n.ºs 467/91, 98/04, 53/09, 301/09, 266/10, 534/11, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ), há que destacar os núcleos problemáticos ligados à igualdade de armas, bem como à genérica proibição do arbítrio legislativo, à proibição da indefesa e à justificação e proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostas pela lei do processo (cfr., entre muitos outros, os acórdãos n.ºs 223/95, 44/91, 440/94, 271/95, 678/98, 275/99, 183/00, 485/00, 582/00, 122/02, 130/02, 260/02, 646/06, 22/13, 243/13, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Estes últimos enformam a exigência de que o direito de agir em juízo - leia-se, o direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência – deve efetivar-se através de um processo equitativo, ou seja, um processo normativamente funcionalizado a garantir uma tutela jurisdicional efetiva (cfr. o acórdão n.º 102/10, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
A atividade legislativa de determinação das regras que hão de reger o processo é, pois, eminentemente conformadora, dispondo o legislador de uma ampla liberdade constitutiva na acomodação dos vários interesses subjacentes ao processo (cfr., por ex., o acórdão n.º 299/93, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). O mesmo é dizer que os eventuais ónus, cominações e preclusões introduzidos pelo legislador são algo de inerente ao processo, só sendo legítimo concluir pela sua inconstitucionalidade quando os mesmos se revelarem arbitrários ou excessivos, isto é, desconectados com relação aos fins do processo ou geradores de consequências processuais totalmente desproporcionadas face à gravidade do seu não acatamento pelas partes (Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, vol. I, 2004, p. 843).
Estas considerações valem, mutatis mutandis, para as garantias dos administrados e dos contribuintes, vertidas no artigo 268.º da CRP, entre elas o direito de impugnar quaisquer atos administrativos que os lesem (cfr. o n.º 4 do artigo 268.º da CRP).
Ponto é que esse regime delimitativo não brigue com as exigências do princípio da proporcionalidade que se impõe, nos termos do artigo 2º da CRP a toda a actividade estadual incluindo ao exercício do poder legislativo.
Assim sendo, a imposição, pelo legislador, de um prazo de 15 dias para efeitos de caducidade do direito de impugnação contenciosa só será inconstitucional, por banda dos parâmetros ora referidos, se tal imposição se revelar ostensivamente excessiva e desrazoável, por inexistirem razões que a justifiquem, ou se inviabilizar ou tornar particularmente oneroso o exercício do direito em causa (cfr. o acórdão n.º 92/01, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
7. Ora, enquanto concretização do n.º 4 do artigo 268.º da CRP, o processo tributário tem por função “a tutela plena, efetiva e em tempo útil dos direitos e interesses em matéria tributária” (Rui Duarte Morais, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, p. 241). Tendo presente que os atos tributários quanto à fixação dos direitos dos contribuintes são, à partida, definitivos (cfr. artigo 60.º do CPPT), podem aqueles optar pela sua imediata impugnação judicial ou, em alternativa, lançar mão dos meios impugnatórios administrativos, maxime, da revisão dos atos tributários (cfr. artigo 78.º da LGT), da reclamação graciosa (cfr. artigo 68.º do CPPT) e do recurso hierárquico (cfr. artigos 66.º e 67.º do CPPT).
O procedimento de reclamação graciosa visa a anulação total ou parcial dos atos tributários por iniciativa do contribuinte, incluindo, nos termos da lei, os substitutos e responsáveis. Trata-se, no essencial, de um procedimento simples, que pode ser desencadeado por escrito ou oralmente (em casos de manifesta simplicidade), com qualquer dos fundamentos da impugnação judicial (cfr. artigos 70.º, n.º 1 e 99.º do CPPT). A sua dedução não suspende os efeitos do ato tributário, salvo quando for prestada garantia adequada (cfr. artigo 69.º, alínea f), do CPPT), e deverá ocorrer no prazo de 120 dias contados a partir da verificação dos factos previstos no artigo 102.º, n.º 1 do CPPT, salvo quando o fundamento invocado for a nulidade, caso em que poderá ser deduzida a todo tempo (v. Rui Duarte Morais, ob. cit., p. 180). Este prazo é considerado pela doutrina uma solução “pouco coerente” por exceder o prazo geral de impugnação judicial de atos tributários, que é de 90 dias (v. Suzana Tavares da Silva, Direito Fiscal – Teoria Geral, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2013, p. 219). Ou seja, esgotado o prazo de 90 dias, permanece em aberto a faculdade de reclamação graciosa, a qual, por sua vez, reabre a via da impugnação judicial à partida fechada.
Porém, subsistem outras “incongruências” sistémicas no que concerne as ligações entre os meios de reação administrativa e judicial aos atos tributários. Senão vejamos. Como se disse, o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT estatui que a impugnação judicial do ato tributário, na sequência de decisão expressa de indeferimento de reclamação graciosa, deverá ocorrer no prazo de 15 dias contados da respetiva notificação. No entanto, o decurso deste prazo não preclude, em definitivo, o recurso à via judicial, visto que o contribuinte pode, no prazo de 30 dias contados daquela notificação, interpor recurso hierárquico, dispondo, em caso de indeferimento expresso ou tácito deste recurso, de novo prazo de 90 dias para impugnar judicialmente o ato tributário (cfr. artigos 76.º, n.º 1 e 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT).
A articulação destes preceitos é encarada com enorme perplexidade pela doutrina fiscalista, que a qualifica como “lamentável” e “absurda” (v., entre outros, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. 1, Áreas, 2006, p. 732, e Rui Duarte Morais, ob. cit., p. 293). Tal perplexidade reside no facto de a fixação de prazos de caducidade do direito de impugnação contenciosa constituir “um ponto de equilíbrio entre dois interesses conflituantes, que são o do interessado em ver anulado o ato que considera ilegal e o da administração tributária em ver assegurada a estabilidade das situações jurídicas tributárias”. Por conseguinte, o estabelecimento de um prazo “inferior ao que seja necessário para assegurar os interesses da segurança jurídica poderá mesmo considerar-se inconstitucional, por violação dos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da proibição do excesso no condicionamento de direitos fundamentais ou análogos” (v. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., p. 733).
8. Sem ousar contestar a existência e a relevância das incongruências apontadas, é de concluir, no entanto, não serem as mesmas de molde a gerar a inconstitucionalidade do normativo ora escrutinado. Expliquemo-nos, mediante a convocação de dois argumentos.
Em primeiro lugar, o prazo de 15 dias não se revela insuficiente para que o contribuinte possa preparar e executar a impugnação judicial do ato tributário, ou seja, para que logre delinear uma estratégia coerente de ataque à validade da liquidação (v. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., p. 734). Recorde-se, com efeito, que a reclamação graciosa tem os mesmos fundamentos da impugnação judicial, e que, sem prejuízo do princípio da dispensa de formalidades essenciais (artigo 69.º, alínea b), do CPPT), valem para aquela plenamente as regras fundamentais do processo administrativo e tributário, tais como o dever de fundamentação e o direito de audiência prévia (v., neste sentido, Rui Duarte Morais, ob. cit., p. 183). O mesmo é dizer que nem o caráter desfavorável da decisão nem os fundamentos em que a mesma se louve poderão constituir uma “surpresa” para o contribuinte, daí defluindo que o prazo de 15 dias, em absoluto, não inviabiliza nem torna particularmente oneroso o exercício do direito (fundamental) de impugnação contenciosa.
Em segundo lugar, não vinga a argumentação do recorrente no sentido de que constitui uma violação do princípio da proporcionalidade a fixação, pelo legislador, de um prazo de caducidade que não preclude em definitivo o acesso à via judicial e, por isso, não assegura a estabilidade da situação tributária. Este raciocínio não sobreleva adequadamente os dados do problema.
Efetivamente, o legislador estabeleceu, no artigo 102.º, n.º 2 do CPPT, um prazo de caducidade que, pelas razões já enunciadas, não impede que, em termos absolutos e de acordo com um juízo de razoabilidade, o contribuinte conteste, em juízo, a validade do ato tributário. Indubitavelmente, melhor seria que o prazo para a impugnação judicial da reclamação graciosa (objeto de decisão expressa) coincidisse com o prazo para a interposição de recurso hierárquico, por forma a que, transcorrido esse prazo, fosse possível concluir definitivamente pela estabilidade da situação tributária. Contudo, da inexistência de tal coincidência não decorre automaticamente a inadequação ou a excessiva exiguidade do prazo estabelecido para a prossecução dos interesses públicos visados com a sua fixação. Aquela pode indiciar, quando muito, a existência de uma ordenação sistémica deficiente e suscetível de ser manipulada pelo contribuinte impugnante com prejuízo para os interesses da celeridade procedimental e da estabilidade das relações jurídicas tributárias.
Assim sendo, é de afastar a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, porquanto do mesmo não resulta qualquer violação dos princípios do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 20.º, 18.º, n.º 2 e 268.º, n.º 4 da CRP.
III. Decisão
9. Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 25 (vinte e cinco) UCs..
Lisboa, 21 de janeiro de 2014. – José da Cunha Barbosa – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.