Imprimir acórdão
Processo n.º 1017/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificada nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação deduzida tem o seguinte teor:
«(…)
Segundo o artigo 70 nº1, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos Tribunais:
a) Que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade;
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
c) Que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado;
d) Que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional, com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República;
e) Que recusem a aplicação de norma emanada de um órgão de soberania, com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma;
f) Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e);
g) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional;
h) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional, nos precisos termos em que seja requerido a sua apreciação ao Tribunal Constitucional;
i) Que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo, com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a que questão pelo Tribunal Constitucional.
O artigo 70 nº2, da LTC estatui que os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência, o mesmo é dizer, que só podem ser interpostos recursos para o TC, pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a sentença recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
No caso dos autos, a arguida foi condenada pela prática de um crime, cuja moldura penal é inferior a 5 anos. Tais crimes apenas admitem recurso de apelação para o Tribunal da Relação.
Esgotados encontram-se todos os recursos que ao caso cabiam.
Assim, acresce dizer que a recorrente sustentou a inconstitucionalidade das normas no recurso de apelação, para onde se remete, e ainda suscitou a inconstitucionalidade de normas de processo penal na reclamação apresentada no Tribunal da Relação de Évora, para onde também se remete.
Salvo o devido respeito, mas ao contrário do que foi entendido na Decisão Sumária agora reclamada, à luz da Lei do Tribunal Constitucional encontram-se verificados todos os pressupostos para que seja admitido o recurso interposto pela recorrente, por terem sido suscitadas questões de inconstitucionalidade perante o tribunal A Quo e o A Quem (Tribunal da Relação de Évora), as quais foram colocadas de modo claro e percetíveis, devendo, por isso, o Tribunal Constitucional conhecer do objeto do recurso interposto.
Na verdade, in casu, quer a 1ª instância quer a 2ª instância, nas suas decisões violaram o princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32º da Constituição da Republica Portuguesa.
No que diz respeito à decisão da 1ª instância, é de julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 127; 340 do CPP e 180 nº1, 183 nº1 al. a), 184, por referência aos artigos 132 nº2 al. l) estas do Código Processo Penal, quando interpretadas no sentido da sua aplicação resultar de ser dado como provado os factos constantes da acusação, assente numa prova que não foi produzida, o que constitui uma ofensa ao artigo 32º nº 2 da CRP por ter sido posto em causa o princípio in dubio pró reo.
Do Acórdão proferido pela 2ª instância deve ainda julgar-se inconstitucionais as normas constantes dos artigos 355, 356 nºs 1, 2 al. b) e al. a) e b) do n.º1 do art. 357 do Código Processo Penal, quando interpretadas como não sendo proibida a leitura das declarações do arguido, quando remetido ao silêncio, o que também viola o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 32 da CRP..
Regressando à decisão da 1ª instância, antes de mais importa dizer que a valoração crítica da prova constitui o núcleo essencial da fase decisória, sendo através dela que o julgador, aprecia o facto em correlação com a prova produzida.
Daí que a parte final do nº 2 do art. 374 do CPP imponha o “…exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
A conjugação desta última norma com o disposto no art. 127 do CPP desenha o modo de fixação da matéria de facto, levando a que o provado se ofereça como o resultado depurado dos meios de prova produzidos em audiência ou levados aos autos nos termos legais (Ex. documentos, depoimentos entre outros meios de prova).
O produto final não pode resultar exclusivamente do puro convencimento do julgador, da sua mera intuição, vertida numa convicção subjetiva, sendo certo que o julgador também não poderá prescindir de uma análise lógica que excederá em muito a mera soma das parcelas, antes se afirmando como atividade intelectual abrangente, em que serão ponderadas as provas tanto nas suas coincidências, como nas suas incongruências, à luz da experiência comum, de um juízo de normalidade das coisas, assimilando o resultado da perceção abrangente e simultânea de vários sentidos, mas também deduzindo dos factos conhecidos os factos desconhecidos que não são ou não podem ser objeto de prova direta.
É precisamente esse trabalho de análise crítica que consolida a livre convicção do tribunal, permitindo-lhe considerar como provados os factos merecedores de uma certeza judiciária e como não provados todos aqueles que sejam inegavelmente desmentidos pelas regras da experiência ou que não se mostrem comprovadamente demonstrados. É esse convencimento racional, lógico-dedutivo e fundamentado, desde que devidamente explicitado, que permite ao juiz afirmar a verdade do caso concreto, fixando a correspondente matéria de facto. Assim se efetiva a “livre apreciação da prova” consagrada no art. 127 do CPP..
Vem tudo isto a propósito do recurso, pela recorrente, da matéria de facto que em primeira instância se teve como provada que levou a uma decisão fundamentada no direito das normas acima referidas, mas que é inconstitucional quando interpretadas no sentido em que os factos da acusação estão provados.
Nos autos temos a prova testemunhal conjugada com os documentos das operadoras e nada mais.
Assim na 1ª instância e em sede de julgamento, quanto à prova testemunhal sempre teria este Tribunal de desvalorizar os depoimentos mais emotivos e menos objetivos dos familiares do assistente. Sempre teria de considerar como duvidoso o facto imputado à arguida, quando uma das testemunhas, aquela que o Tribunal considerou fundamental e onde fez assentar a sua decisão de condenação, refere que desconhece se foi a arguida que postou as expressões no fórum, e ainda quando dos elementos objetivos constantes dos autos se retira, que as entidades operadoras desconhecem quem postou tais afirmações difamatórias no fórum, por serem vários os utilizadores do computador. Isto está claro.
Aliás, na sequência da prova produzida, nem com recurso às chamadas presunções judiciais, como meio de prova lícito (artigo 349 e 351 do Código Civil) que são, e, como tal, admissível em processo penal (art. 125 do CPP) - não sendo meio de prova proibido por lei, poderia levar o julgador de 1ª instância a condenar a recorrente, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção. De resto, este é um mecanismo recorrente na formação da convicção.
Na verdade, não se consegue retirar dos factos conhecidos em sede de julgamento as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados. Assim, como acima foi referido, de acordo com os elementos de prova existentes nos autos, que foram apreciados em sede de julgamento, para onde se remete, mesmo conjugados entre si, nem pela via das presunções judiciais podia a 1ª Instância ter ficado convencida sobre se foi a arguida quem escreveu as expressões difamatórias. Isto porque, quer pela prova testemunhal, quer pela prova documental junta aos autos, não se sabe quem postou as expressões injuriosas no fórum, por ser mais do que uma pessoa a utilizar o computador. Isto está no processo.
Só um convencimento racional, lógico-dedutivo e fundamentado, desde que devidamente explicitado permite ao juiz afirmar a verdade do caso concreto, fixando a correspondente matéria de facto, o que não acontece no caso dos autos.
A Constituição da República Portuguesa, no artigo 32, nº 2, estabelece que todo “o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”; reza o artigo 32, nºs 1, 5 e 8, que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa”, bem como que a audiência de julgamento e os atos instrutórios estão “subordinados ao princípio do contraditório” e que “são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”.
O princípio da presunção de inocência significa que o arguido não precisa de provar a sua inocência (ela é presumida à partida), além de não ter sequer que fazer prova em tal sentido, muito menos pela sua palavra (o direito de defesa do arguido abrange o direito de se calar, de não responder a perguntas, de guardar silêncio sobre a matéria do facto).
Voltando ao caso dos autos, não tendo o acusador carreado para o processo prova bastante que sustentasse a acusação, como acontece no caso dos autos, significa que estamos no mínimo perante a dúvida. Na presença da dúvida o arguido só pode ser absolvido, por outras palavras, a dúvida sobre a matéria da acusação ou da suspeita não pode virar-se contra o arguido, não pode prejudicá-lo, mas favorecê-lo (in dubio pro reo, como se costuma dizer). Isto é elementar.
Em síntese, o princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.
Na sequência do supra exposto o Tribunal de 1ª Instância não podia ter essa certeza. Mas, ao condená-la, este princípio está violado.
Deste modo, não tendo existido um ónus de prova que recaísse sobre os factos imputados à recorrente, devia o tribunal investigar autonomamente a verdade, e não concluindo sobre a verdade dos factos da acusação deveria este ter favorecido a arguida por não ter logrado a prova do facto.
Sendo o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, isto é impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, como acontece no caso dos autos, o tribunal a quo tinha de decidir pro reo pois em caso de dúvida, não podia decidir contra o arguido.
Violado está inequivocamente o princípio in dubio pró reo, pois a prova produzida em audiência de julgamento não é firme.
Salvo o devido respeito, mas a violação é evidente.
Quanto à segunda inconstitucionalidade alegada pela recorrente, na sequência do Acórdão da Relação de Évora, ao contrário do referido na decisão sumária, importa recordar que o Senhor Relator neste acórdão escreve o seguinte:
“ Não valem em julgamento, nomeadamente para a formação da convicção do Tribunal, as declarações prestadas pela arguida na fase de instrução (artºs 357 nº1 e 355 nºs 1 e 2 do CPP) sendo certo que em julgamento se remeteu ao silêncio, o que todavia não obsta a que o Tribunal, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e da lógica do homem médio, aprecie e valore o comportamento que assumiu durante o processo, concretamente, a posição que assume no requerimento de abertura de instrução, onde reconhece a veracidade dos factos, pretendendo que denunciou comportamentos que são verdadeiros “ cuja veracidade quer ver demonstrada, e que a sua conduta se encontra justificada. Ora desta conduta da arguida resulta, objetivamente, que esta no exercício do seu direito de defesa, de acordo com a estratégia que delineou, mas da qual o Tribunal não se pode alhear, não negou a autoria dos factos, antes pretendeu demonstrar a veracidade das afirmações que produziu e que a sua conduta era licita”.
“Esta conduta da arguida, não podendo só por si, levar à conclusão que a arguida é a autora dos factos, não podem deixar de ser apreciada e valorada…”.
Antes de mais há que dizer que o Tribunal de 2ª instância manteve o decidido pela 1ª instância.
No entanto reexaminou provas que não podiam ser reexaminadas em audiência e manteve a sentença, tudo a coberto das novas alterações do Código de Processo Penal, quando bem sabe que isso lhe estava vedado ao tempo, por ser proibido. O Tribunal da Relação, apenas podia reexaminar as provas que foram produzidas em audiência de julgamento, os documentos e nada mais.
A recorrente em sede de julgamento remeteu-se ao silêncio.
O direito ao silêncio, não se encontra expressamente previsto na Constituição Portuguesa. Todavia, a doutrina e jurisprudência reconhecem-no como princípio constitucional implícito.
E se a Constituição da República Portuguesa (CRP) não tutela expressamente o nemo tenetur, a consagração expressa do princípio surge no Código de Processo Penal (CPP), na vertente do direito ao silêncio (arts. 61º, nº 1, al. d), 132º, nº 2, 141º, nº 4, a), e 343º, n. 1, do CPP).
Maugrado a ausência de previsão na CRP, tanto a doutrina como a jurisprudência portuguesa são unânimes quanto à natureza constitucional implícita do nemo tenetur. O princípio nemo tenetur goza de consagração
Constitucional implícita no Direito português, e desdobra-se numa série de corolários, o mais importante dos quais é o direito ao silêncio.
Como se sabe, de acordo com o regime do processo penal aplicável ao caso em análise, diz o nº 1 do art. 355 do CPP, ' Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiver sido produzido ou examinado em audiência.' ressalvando o n.º 2 '... as provas contidas em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.'.
Mais resulta das alíneas a) e b) do n.º1 do art. 357, que a leitura das declarações prestadas pelo arguido em fases anteriores do processo só é permitida com o acordo do próprio arguido, pois, na situação da alínea a) tal leitura é realizada a solicitação do próprio arguido.
E, no caso da alínea b), 'Quando, tendo sido feitas perante o juiz, houver contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência.', o acordo do arguido também está presente, dado que se o mesmo, no decurso do julgamento, tiver exercido o direito de se remeter ao silêncio, então não haverá possibilidade de haver contradições com declarações anteriormente prestadas perante o juiz e, portanto, também não será possível efetuar a leitura de tais declarações feitas perante o juiz.
É assim manifesto que, na situação prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 357 do CPP, é ainda necessário que o arguido tenha aceitado e concordado com a prestação de declarações em julgamento, pois só se tiver querido prestar declarações é que se poderá gerar a situação de eventual discrepância com declarações que anteriormente tiver prestado.
A arguida por ter-se remetido ao silêncio, não aceitou nem concordou com a prestação de declarações em audiência de julgamento, mas mesmo assim, apesar de ser proibido, o Tribunal A Quem apreciou as declarações da arguida proferidas em sede de instrução, conjugou-as com os restantes elementos de prova e sem mais, manteve a condenação.
A génese do direito ao silêncio não assenta num intuito de beneficiar o arguido, antes decorrendo do princípio do acusatório, que impõe à acusação o dever de provar os factos que lhe são imputados, facultando ao arguido um comportamento que, em última análise, poderá obstar a que se autoincrimine.
No caso, o Tribunal de 1ª Instância em sede de julgamento e quanto à prova produzida sobre os factos da acusação, constata-se que esta é frágil e oferece dúvidas para que tivesse havido condenação.
Como acima já foi referido, mas que nunca é demais repetir, a valoração crítica da prova constitui o núcleo essencial da fase decisória, sendo através dela que o julgador aprecia o facto em conexão com a prova produzida.
Daí que a parte final do nº 2 do art. 374 imponha o “…exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
A conjugação desta última norma com o disposto no art. 127 desenha o modo de fixação da matéria de facto, levando a que o provado se ofereça como o resultado depurado dos meios de prova produzidos em audiência ou levados aos autos nos termos legais (documentos, depoimentos entre outros meios de prova).
O produto final resulta exclusivamente do puro convencimento do julgador, da sua mera intuição, vertida numa convicção subjetiva, que também não poderá prescindir de uma análise lógica que excederá em muito a mera soma das parcelas, antes se afirmando como atividade intelectual abrangente, em que serão ponderadas as provas tanto nas suas coincidências como nas suas incongruências, à luz da experiência comum, de um juízo de normalidade das coisas, assimilando o resultado da perceção abrangente e simultânea de vários sentidos, mas também deduzindo dos factos conhecidos os factos desconhecidos que não são ou não podem ser objeto de prova direta sendo de resto, este é um mecanismo recorrente na formação da convicção do julgador, que no caso se verificou de forma deficiente, quer pelo julgador da 1ª instância quer pela 2ª instância, esta porque ao reexaminar o processo ainda alinhou por outro caminho, tão inconstitucional como o primeiro, sendo este absolutamente proibido em processo penal (art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).
É precisamente esse trabalho de análise crítica que consolida a livre convicção do tribunal, o que foi feito de modo imperfeito pela 1ª instância e corroborado pela 2ª instância, quando esta faz um reexame das provas produzidas antes da audiência de julgamento, o que é proibido, e manteve a decisão.
Ao primeiro permitiu-se-lhe considerar como provado os factos que não eram merecedores de uma certeza judiciária pelas regras da experiência, mediante uma prova testemunhal sem certezas, feita em sede de julgamento conjugados com elementos objetivos que em nada contribuem para a descoberta da verdade; ao segundo por manter uma decisão, a coberto de um reexame de provas que estava proibida de apreciar, mas usou-as para manter a decisão.
Salvo o devido respeito, mas a solução preconizada pelo Tribunal da Relação de Évora, fundamentada no que a recorrente acima transcreveu e que consta no acórdão é inconstitucional, na medida em que ao arrepio das normas do Código de Processo Penal, então vigentes, permitiu-se-lhe decidir usando as anteriores declarações da arguida, quando esta exerceu no seu próprio julgamento o direito ao silêncio.
Está violada a norma do nº1 do art. 32º da Constituição, que determina que o processo criminal assegura ao arguido todas as garantias de defesa.
Ao ter reapreciado e decidido da forma como o fez o Tribunal da Relação de Évora, são de julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 357 nº1, 355 nºs 1 e 2 e alíneas a) e b) do n.º1 do art. 357 do CPP., quando interpretadas como não sendo proibida a leitura das declarações da arguida em sede de audiência de julgamento, pois este usou, para manter a condenação da recorrente, a leitura das declarações prestadas em sede de instrução pela arguida, apesar desta se ter remetido ao silêncio e nunca o ter autorizado.
Deste modo, o Tribunal da Relação de Évora no seu acórdão esvaziou e afrontou, de forma intolerável, o direito ao silêncio que, indubitavelmente é uma garantia de defesa do arguido e nem se diga o contrário, sendo bastante apreciar o processo para onde se remete.
Termos em que se entende, por todo o exposto, ser de necessidade absoluta que o Tribunal Constitucional tome posição firme sobre as questões suscitadas, uma vez que as decisões das instâncias estão eivadas de ilegalidade e de deficiente interpretação das normas supra referidas, daí a sua inconstitucionalidade, pois violaram o princípio constitucional consagrado no artigo 32, sendo por isso de tomar conhecimento do objeto do recurso.
(…)»
3. No seu parecer (fls. 801), o Ministério Público pugnou pelo indeferimento da reclamação apresentada.
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem a seguinte redação:
«(…)
1. A., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de 5 de março de 2013, que negou provimento ao recurso interposto.
2. Como se lê no requerimento de recurso, a recorrente pretende:
«(...)
Ver declarada a inconstitucionalidade das normas jurídicas e interpretações normativas referente aos artigos 180º nº 1; 183º nº 1 al. a) e 184º, por referência aos artigos 132º nº 2 al. l) todos do Código Penal; 127.º, 355º, 356º, n.º 1, 2, al. b) e 340.º todos do CPP, segundo a interpretação dada pela 1.ª e 2.ª instância, por violação do artigo 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que determina que o processo criminal assegura ao arguido todas as garantias de defesa, mas quando interpretadas esvaziaram e afrontaram, de forma intolerável, o direito ao silêncio que, indubitavelmente, é uma garantia de defesa do arguido, no sentido de que tendo a arguida se remetido ao silêncio na audiência de discussão de julgamento, ficou proibida a leitura de declarações suas e a prestação de depoimentos sobre tais declarações, por força do disposto no artº 356º nº 2, devidamente conjugado com o art.º 355º nº 1, ambos do CPP, não podendo, por isso, ter lugar a sua apreciação, por não valerem em julgamento, nomeadamente para efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência e ainda quando as provas contidas em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição em sede de julgamento não foram permitidas pela arguida.
O vício das normas questionadas foi suscitado pela recorrente durante o processo – artigo 280º, nº 1, al. b) e nº 2, alínea d) da CRP.
(...)»
3. Resulta dos autos que a recorrente foi condenada, em primeira instância, pela prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido nos termos dos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, alínea a) e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 6, num total de € 1.500. Inconformada, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, em requerimento do qual constam as seguintes conclusões:
«(...)
1) Nos termos do disposto no artigo 412 n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto que determinou a condenação da arguida A. pela prática, como autora material, de um crime de difamação agravada (...), por ter apreciado erradamente a prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
2) Da leitura da sentença recorrida, conjugada com as regras da experiência comum, a lógica intrínseca dos fenómenos da vida e ainda da análise da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, da prova documental junta aos autos, documentada com recurso a gravação, verifica-se que o tribunal a quo apreciou erradamente a prova.
(...)
6) Pelo menos, a prova produzida devia ter criado no espírito da julgadora uma dúvida de tal forma insanável que a Mm.ª Juiz deveria ter lançado mão ao princípio in dubio pro reo; a prova produzida aponta nesse exato sentido, ou seja, da aplicação do princípio in dubio pro reo, nomeadamente a partir dos depoimentos das testemunhas B, e C., conjugados com a demais prova testemunhal produzida e documentada.
7) A julgadora não usou das regras de experiência, de senso comum e da lógica intrínseca dos fenómenos da vida, conforme deveria, e não fez uma apreciação racional e crítica da prova.
8) De facto, a Mm.ª Juiz do tribunal a quo assenta a condenação da arguida no depoimento da testemunha C., quando esta diz que, a partir de uma mensagem eletrónica, em que foram utilizados os nicknames “até que a voz me doa” e “habitante de Vale de Santi”, em que ambas se deram a conhecer e combinaram encontrar-se, apurou-se que o primeiro nickname era o da arguida.
9) Porém, a testemunha C. afirmou, de seguida, que não sabe quem se identificava do outro lado no decurso das mensagens eletrónicas.
10) Com que objetivo um indivíduo, que não identifica a pessoa com quem está a dialogar, por não reconhecer a sua identidade, mesmo que por hipótese se dessem a conhecer, se deslocaria aproximadamente 160 Km para falar pessoalmente com a arguida, sobre as questões postadas no fórum, quando o podiam continuar a fazer por mensagem eletrónica?
11) E ainda quando as questões que eram postadas no fórum coincidiam sobre o assunto que a testemunha diz ter falado pessoalmente com a arguida.
(...)
18) Da conjugação deste com outros elementos de prova não existe razão para que a arguida escrevesse expressões difamatórias no fórum contra a pessoa do assistente. Esta é a resposta objetiva.
19) Também o depoimento da testemunha D. sai desvalorizado, por ser proibido por violação do artigo 355 do Código Penal, quando a mesma diz a dado passo que teve conhecimento de que era a arguida que tinha escrito as expressões no fórum por as ter lido no processo, no auto de declarações da arguida.
20) Além disso, o depoimento de D. contraria o depoimento de E. e, por isso, estão desvalorizados, porque se contradizem quanto à certeza de quem escrevia as expressões difamatórias no fórum. Ambas dizem ter visto a mesma coisa, o nome da arguida, mas tiveram certezas diferentes sobre quem era a pessoa que escrevia as expressões difamatórias. Uma coisa é ver um nome escrito, outra coisa é saber quem é o autor, quem é a pessoa que subscreve a mensagem. São coisas diferentes.
21) Mesmo sem que nenhuma das testemunhas tenham referido que foi a arguida quem escreveu as expressões no fórum, a Mm.ª Juiz a quo deu como provado que o crime foi cometido por aquela, por ter dado como apurado que o nickname “até que a voz me doa” pertencia à arguida, mas sem nunca saber com segurança quem é o autor do facto.
(...)
24) Como pode ter o tribunal a certeza que não estamos perante um ilícito cometido por um terceiro, quando por autenticação, por ter visto ou por estar memorizada, ter utilizado a palavra-chave, nickname e username da arguida e tenha escrito expressões difamatórias no fórum, a coberto do nome desta?
(...)
29) O tribunal para apurar quem era o autor das difamações tinha de utilizar, entre outros, meios de prova que dependem de um conjunto de prova digital, a produzir imediatamente, da qual nasce a existência do crime e a identificação do autor(a), sendo esta constituída pelos dados do conteúdo, dados de tráfego e dados de base. Porém, a prova pericial não foi solicitada nem pelo Ministério Público nem pelo Juiz de Instrução Criminal e, por isso, nada se apurou quanto ao autor do facto.
30) Não se compreende como o tribunal a quo pode ter posto em crise a tese defendida pela arguida ao referir-se a e-mails, mensagens eletrónicas e até à plataforma citius, para fundamentar que em “princípio”, por ex., será sempre o advogado que faz e envia a peça processual.
(...)
34) O tribunal, na sua douta sentença, não pode fazer tábua rasa àquilo que é do conhecimento de todos, em geral, e em particular, isto é, que através de acesso remoto a outro sistema informático, mediante autenticação da password, o username e o nickname, permite-se que um terceiro, a coberto da identificação de outro, escreva aquilo que entenda, sendo este autor(a) do facto. Esta é uma realidade atual que não podia passar desapercebida ao tribunal, quando sobre ele recai a responsabilidade de decidir.
(...)
41) De todo o expendido não resulta uma certeza sobre quem foi o autor das expressões difamatórias proferidas no fórum.
(...)
43) Pelo que deveria, como acima se disse, a Mm.ª Juiz sindicada ter utilizado como critério de decisão, pelo menos, o aludido princípio do in dubio pro reo.
44) Impõe-se, consequentemente, renovar a prova sustentada no depoimento da testemunha C., conjugada com a demais prova testemunhal produzida. os documentos juntos nos autos e ainda com este fenómeno intrínseco da vida.
45) De facto, no nosso sistema, vigora o princípio da livre apreciação, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, o qual nos indica um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
46) O Juiz a quo contrariou as regras da experiência, pois violou as regras da experiência comum, da normalidade da vida e a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, porquanto o tribunal, e ao contrário do decidido, devia ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, devia ter decidido a favor da arguida.
47) A liberdade não significa o arbítrio ou impressionismo emocional ou a decisão puramente assente no subjetivismo alheio à fundamentação e comunicação – Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, pág. 43.
48) Decidindo pela forma em que o fez, a decisão recorrida violou, inter alia, disposto nos citados art.ºs 180 n.º 1, 183 n.º 1 al. a) e 184, por referência ao artigo 132 n.º 2 al. l), todos do Código Penal, 127 e 340, estes do Código de Processo Penal, e necessariamente o disposto nos art.º 483 e seguintes do Código Civil, como, por fim, violadas estão ainda as normas do artigo 32 n.º 2 e 205 da CRP, cuja inconstitucionalidade quer ver apreciada, segundo a interpretação que lhes foi dada pela 1.ª instância e que constitui uma afronta ao artigo 32 n.º 2 da CRP, por afastar o princípio in dubio pro reo.
49) Nestes termos, nos melhores de direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso, absolvendo a recorrente do crime por que foi condenada e, por via disso, ser revogada a decisão recorrida ou, não sendo possível decidir da causa, ordenar a repetição do julgamento em 1.ª instância, o que se requer.
50) Mais se requer que seja apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 180 n.º 1, 183 n.º 1 al. a) e 184, por referência aos artigos 132 n.º 2 a. l), todos do Código Penal, 127 e 340, estes do Código de Processo Penal, e o disposto nos art.º 483 e seguintes do Código Civil, segundo a interpretação dada pela 1.ª instância que constitui uma ofensa ao artigo 32 n.º 2 da CRP.
(...)»
O Tribunal da Relação de Évora, em acórdão com data de 5 de março de 2013, negou provimento ao recurso. Na sequência, o recorrente veio arguir a nulidade do acórdão, em requerimento de fls. 746, seguido de um aditamento, apresentado em 18 de março de 2013. Com relevo para o caso vertente, lê-se no primeiro o seguinte:
«(...)
29. Ainda da leitura do Acórdão em apreço resulta que não vale em julgamento, nomeadamente para a formação da convicção do Tribunal, as declarações da arguida prestadas em sede de Instrução (arts 355º nº 1 e 2 do CPP e artº 357º do CPP) quando a arguida se remeteu ao silêncio, no entanto mais à frente vem dizer que nada obsta ao Tribunal poder apreciar e valorar o comportamento da arguida durante o processo.
30. Como se sabe e de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 355º do CPP, “Não valem em julgamento, nomeadamente para efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas e examinadas em audiência”, ressalvando o n.º 2 “as provas contidas em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes”.
31. Ora, no regime em vigor resultante das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 357º do CPP, que a leitura das declarações prestadas pelo arguido em fases anteriores ao processo só é permitida com o acordo do próprio arguido, pois, na situação da alínea a) tal leitura é realizada a solicitação do próprio arguido.
32. E, no caso da alínea b), “Quando, tendo sido feitas perante o juiz, houver contradições ou discrepâncias entre elas e feitas em audiência”, o acordo do arguido também está presente, dado que se o mesmo, no decurso do julgamento, tiver exercido o direito de se remeter ao silêncio, então não haverá possibilidade de haver contradições com declarações anteriormente prestadas perante o juiz e, portanto, também não será possível efetuar a leitura de tais declarações feitas perante este.
(...)
39. Salvo melhor opinião, mas não se pode valorar, como elemento de prova, a leitura de declarações que a arguida tenha prestado em fases anteriores do processo, como o fez a 2.ª Instância.
40. Ao fazê-lo, a 2.ª Instância violou o disposto nos artigos 355º e 357º do CPP..
41. A apreciação feita pelo Tribunal de recurso, salvo o devido respeito, configura excesso de pronúncia, por ter apreciado ou conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, por a arguida nunca as ter colocado, o que acarreta a nulidade nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, sendo, por isso, um conhecimento proibido porque resulta de decisão não compreendida pelo objeto do recurso.
(...)»
No segundo, o recorrente acrescenta que:
«(...)
No seguimento do já referido, o douto acórdão da Relação de Évora sub judicio considerou, a coberto do artigo 180º nº 1 al. a) e 184º, conjugado com o artigo 132º nº 2 al. l, todos do Código Penal em manter a decisão recorrida e desvalorizou o erro na interpretação dada pela 1.ª instância a estas normas jurídicas.
(...)
Salvo o devido respeito, mas ao contrário do entendimento deste douto tribunal, os preceitos citados que fizeram vencimento no douto acórdão sindicado, tendo em conta a interpretação dos artigos supra citados com o sentido e alcance que lhes atribuíram, ofende o princípio constitucional in dubio pro reo, plasmado no artigo 32º da CRP. O princípio in dubio pro reo é um princípio geral do direito processual penal, sendo expressão, em matéria de prova, do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido (art. 32.º, n.º 2, da CRP), como tal, objeto de controlo por parte do Tribunal.
(...)
Por outras palavras, na dúvida, deve o Tribunal julgar a favor do réu.
(...)
Assim sendo, na sequência do já requerido, ao contrário do decidido, deve ainda julgar-se inconstitucional por violação do artigo 32º da Lei Fundamental, as normas constantes dos artigos 180º nº 1, 183º nº 1 al. a) e 184º ex vi 132º nº 2 al. l) todos do Código Penal, quando interpretadas no sentido de se considerar afastada (como no caso dos autos), o princípio do in dubio pro reo e na sequência dar-se provimento à arguição das alegadas nulidades.
(...)»
Em acórdão de 18 de junho de 2013, o Tribunal da Relação de Évora indeferiu o requerido, motivando o recurso de constitucionalidade que ora se aprecia.
4. O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. Contudo, em face do disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
5. Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, necessário se mostra que se achem preenchidos um conjunto de pressupostos processuais. A par do esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão recorrida, exige-se que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma adequada, uma questão de constitucionalidade, questão essa que deverá incidir sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi daquela decisão.
In casu, porém, não é isso que sucede. Com efeito, é evidente que as diversas questões de constitucionalidade levantadas nas conclusões de recurso para o Tribunal da Relação de Évora não assumem recorte normativo, isto é, não têm que ver com a eventual desconformidade entre certas normas de direito infraconstitucional e o conjunto das normas e princípios que enformam o parâmetro constitucional. Na verdade, apesar do levantamento formal dos preceitos a que se assaca aquela desconformidade, o que aí está em causa é, verdadeiramente, a apreciação, pelo juiz, da prova produzida no processo, e da respetiva suficiência na formação da convicção do julgador quanto à condenação da arguida. Acresce que, mesmo que às diversas questões levantadas estivesse subjacente natureza normativa, sempre haveria que destacar a suscitação débil e processualmente inadequada empreendida pela recorrente, que se limita a invocar uma série de preceitos legais sem nunca cuidar de esclarecer qual o entendimento normativo deles extraído suscetível de consubstanciar uma violação do parâmetro constitucional.
Juízo semelhante vale também para os demais preceitos mencionados no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, mormente os artigos 355.º, n.º 1 e 356.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. De facto, não só a recorrente não suscitou previamente qualquer questão de constitucionalidade incidente sobre estas normas – conclusão que vale tanto para o requerimento de recurso para o Tribunal da Relação de Évora, quanto para o requerimento de arguição de nulidades – como o entendimento que se assaca ao tribunal recorrido não tem qualquer respaldo nos autos, não se assumindo, destarte, como ratio decidendi da decisão recorrida. Na verdade, no acórdão de 18 de junho de 2013, esclarece-se que contrariamente ao alegado, o tribunal “não se pronunciou, não tomou em consideração nem se serviu das declarações prestadas anteriormente à audiência de julgamento para formar a sua convicção”.
Há que concluir, portanto, no sentido de que não se encontram preenchidos os pressupostos de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
6. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objeto do recurso.
(…)»
5. A reclamação apresentada pela reclamante não coloca minimamente em crise a decisão sumária proferida. Recorde-se que o juízo de não conhecimento agora objeto de reclamação fundou-se no não preenchimento, pelo recurso de constitucionalidade interposto, dos pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
Ora, a primeira questão de constitucionalidade delineada no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional tem por objeto “as normas constantes dos artigos 127; 340 do CPP e 180 nº1, 183 nº1 al. a), 184, por referência aos artigos 132 nº2 al. l), estas do Código Processo Penal, quando interpretadas no sentido da sua aplicação resultar de ser dado como provado os factos constantes da acusação, assente numa prova que não foi produzida, o que constitui uma ofensa ao artigo 32º nº 2 da CRP por ter sido posto em causa o princípio in dubio pro reo”. Talqualmente se avançou na decisão sumária reclamada, é patente que tal questão não assume caráter normativo, não integrando, por conseguinte, o objeto de controlo subjacente ao nosso modelo de justiça constitucional. A reclamação deduzida confirma esta conclusão, porquanto aí fica limpidamente demonstrado que o que está em causa é - tão-só - a apreciação, pelo juiz, da prova produzida no processo e a respetiva suficiência na formação da convicção do julgador quanto à condenação da arguida.
Já a segunda questão de constitucionalidade enunciada prende-se com “as normas constantes dos artigos 357 nº1, 355 nºs 1 e 2 e alíneas a) e b) do n.º1 do art. 357 do CPP., quando interpretadas como não sendo proibida a leitura das declarações da arguida em sede de audiência de julgamento, pois este usou, para manter a condenação da recorrente, a leitura das declarações prestadas em sede de instrução pela arguida, apesar desta se ter remetido ao silêncio e nunca o ter autorizado”. Sucede, porém, que esta questão não foi objeto de suscitação tempestiva por parte da reclamante - que a enunciou pela primeira vez, nos seus precisos termos, no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional - e que interpretação normativa que lhe subjaz não tem qualquer respaldo na decisão recorrida, não constituindo, nessa medida, o seu fundamento determinante (fls. 767).
Assim sendo, nada avançando a presente reclamação que permita obstar às conclusões vertidas na decisão sumária, cumpre reiterar o juízo de não conhecimento do objeto do recurso que nela foi proferido.
III. Decisão
6. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada, e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 17 de dezembro de 2013. – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.