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Processo n.º 725/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 30 de novembro de 2011, foi negado provimento ao recurso e confirmada integralmente a sentença proferida pelo 4.º Juízo Criminal do Tribunal de Comarca de Matosinhos que condenou, entre outro, o arguido e ora recorrente A. pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses, subordinada a condições.
Por requerimento remetido em 10 de janeiro de 2012, o arguido requereu a aclaração do referido acórdão. Em 8 de fevereiro de 2012, o Juiz Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto decidiu não admitir o requerimento aos autos.
Inconformado, em 6 de março de 2012 o arguido requereu que sobre a matéria do despacho recaísse um acórdão. Por despacho de 28 de março de 1012, o Juiz Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto decidiu indeferir o requerido.
De novo irresignado, em 20 de abril de 2012 o arguido voltou a requerer que sobre a matéria do despacho recaísse um acórdão. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de julho de 2012 foi confirmada a não admissão aos autos do requerimento remetido em 10 de janeiro de 2012 e o indeferimento do requerido em 6 de março de 2012.
2. É na sequência deste acórdão que vem interposto o recurso de constitucionalidade, através de requerimento com o seguinte teor:
«1. O Recurso é interposto ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei 28/82 de 15 de setembro;
2. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação feita nos autos do art. 113º n.º 2 do Código de Processo Penal no sentido em que tendo-se demonstrado, por prova documental, que a notificação foi efetuada após a data da presunção legal, o prazo para reagir ao decidido se conta não da data da efetiva receção, mas da data da presunção;
3. A interpretação efetuada viola os artigos 13º e 32º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;
4. A questão da inconstitucionalidade de tal interpretação foi levantada oportunamente;
5. O recurso sobe imediatamente, nos autos, com efeito suspensivo.»
3. Neste Tribunal, pela decisão sumária n.º 582/13, foi decido não conhecer do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(...)
6. Segundo decorre do requerimento de interposição de recurso, o recorrente peticiona a fiscalização da constitucionalidade da norma do artigo 113.º, n.º 2, do Código de Processo Penal “no sentido em que tendo-se demonstrado, por prova documental, que a notificação foi efetuada após a data da presunção legal, o prazo para reagir ao decidido se conta não da data da efetiva receção, mas da data da presunção”.
Ora, da leitura do acórdão recorrido, verifica-se que a norma do artigo 113.º, n.º 2, do Código de Processo Penal não foi aí aplicada com o sentido inconstitucional que lhe foi assacado pelo recorrente. Com efeito, na apreciação da tempestividade do requerimento do recorrente remetido em 10 de janeiro de 2012, foi entendimento do acórdão recorrido que, face à regra extraída das disposições conjugadas dos artigos 113.º, n. 2, do Código de Processo Penal e 254.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, este aplicável ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal, ainda que a notificação tenha sido efetuada em data posterior à presumida, caso o notificado não prove que tal se deveu a razões que não lhe são imputáveis, é de considerar o terceiro dia útil da presunção.
Sempre se diga que, ainda que assim não fosse, resulta do acórdão recorrido que a ponderação do terceiro dia útil da presunção – dia 12 de novembro de 2011 – ou do dia seguinte, como pretende o recorrente, conduz invariavelmente à mesma conclusão e sentido decisório: extemporaneidade do recurso.
Pode ler-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto:
“(…) No silêncio da lei penal sobre a questão, é de se entender que a norma do n.º 6 do art.º 254.º, acabada de citar, se aplica ao processo penal, ex vi do disposto no art.º 4.º do CPP.
De posse de todos os elementos, vejamos, agora, o que se passou, concretamente, com a notificação, aqui em crise, do acórdão de 2011/11/30:
- O acórdão foi notificado, por carta registada em 2011/12/06, terça feira.
Temos entendido que, nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 113.º do CPP, a notificação se presume feita no terceiro de três dias úteis, após o dia de postagem no correio. Sendo o dia 8 de dezembro feriado, e tendo sido os dias 10 e 11 respetivamente, Sábado e Domingo, a notificação presumir-se-ia feita em 12 de novembro de 2011.
E, devendo o pedido de esclarecimento ser apresentado no prazo de 10 (dez) dias, do art.º 105.º, n.º 1, do CPP, o termo deste prazo caiu nas férias judiciais, ou seja, em 22 de dezembro, pelo que passou para o primeiro dia útil a seguir às férias, 4 de janeiro.
Com multa, nos termos do disposto no art.º 145.º, n.º 5, do CPC, o ato poderia ter sido praticado até 9 de janeiro, tendo 7 e 8 sido em fim de semana.
Esta é a contagem feita pela secção de processos e está indiscutivelmente correta.
E em nada esta contagem é alterada pelo facto de a notificação ter ocorrido em 13 e não em 12.
Considerando o dia 13, a contagem de dez dias terminaria em 23 de dezembro - sempre nas férias judiciais - e como tal, o termo do prazo continuaria a ocorrer no mesmo dia 4 de janeiro.
Pelo que, no caso concreto, é totalmente irrelevante que a notificação tenha efetivamente ocorrido no período de três dias úteis da presunção ou, como aconteceu, um dia mais tarde.
Resta acrescentar que, mesmo que assim não fosse, nunca o dia em que a notificação ocorreu deveria ser considerado - e sim, como foi, o terceiro dia útil da presunção, porque o requerente não provou que a notificação não ocorreu em data posterior à presumida por razões, que lhe não fossem imputáveis. Bem ao contrário, o atraso na notificação deu-se por culpa da, à data, Exmª mandatária judicial do arguido, que não informou o tribunal, como devia, da mudança do seu domicílio profissional, para que as notificações passassem a ser feitas para o novo domicílio.
(…)
Seja como for, os mesmos factos nunca apagariam aqueles que foram considerados no despacho de 2012/03/28, ou seja, em suma, que a sua, à época, mandatária judicial, mudou o local do escritório sem anda comunicar ao tribunal e, com isso, causou um atraso na notificação do acórdão de 2011/11/30 que só pode ser imputado a essa decisão.
Que não lhe era humanamente exigível que procedesse de outro modo é uma conclusão, muito conveniente para quem a tira e anuncia, mas que não convence nem vincula este tribunal.
Dito isto, há que deixar claro que o fundamento último da decisão de 2012/03/28 não foi o de o requerimento de 2012/01/11 ter sido apresentado fora de prazo em razão de a notificação do acórdão de 2011/11/30 ter ocorrido após os três dias úteis de dilação postal e ter-se contado o prazo para a apresentação do requerimento a partir do termo da referida dilação - notificação na data legalmente presumida - e não da notificação efetivamente realizada.
Como se demonstrou na referida decisão - e se repetiu na presente - mesmo da
contagem do prazo com início no dia seguinte ao da notificação efetivamente feita resulta que o requerimento foi apresentado depois de terminado a prazo legal para a sua apresentação, acrescido do prazo de três dias para a mesma apresentação com multa. Em qualquer caso o requerimento foi extemporâneo, por tardio.
A referência ao prazo contado a partir da data da notificação legalmente presumida nos termos do art.º 113.º, n.º 2, do CPP não traduziu mais do que uma tomada de posição - um esforço de esclarecimento - determinado pela alegação do requerente, mas que claramente era supérfluo relativamente aos motivos da decisão.
Ora, o requerente, ignorou completamente o teor integral da fundamentação da decisão de 2012/03/28, isolando um argumento complementar como se aquela neste se baseasse decisivamente e com isso a atacando.
Não tem, portanto, qualquer razão, porque mesmo que a tivesse quanto à questão de elisão da presunção do art.º 113.º, n.º 2, do CPP, isso em nada alteraria a circunstância decisiva de o requerimento não ter entrado no tribunal em prazo. (…).”
Significa isto que, mesmo que o recorrente lograsse êxito quanto à questão de constitucionalidade dirigida a interpretação normativa do artigo 113.º, n.º 2, do CPP, a decisão deste Tribunal não conduziria à reforma da decisão recorrida, em virtude da afirmação de fundamento alternativo, apontado pelo Tribunal recorrido como capaz de, por si só, suportar o decidido. O que importa a inutilidade do recurso de constitucionalidade.
7. Assim sendo, por a questão normativa colocada pelo recorrente não corresponder ao arco normativo efetivamente aplicado, como ratio decidendi, na decisão recorrida e, ainda que assim não fosse, por a questão de constitucionalidade não revestir utilidade processual, cumpre concluir pelo não conhecimento do recurso interposto.»
4. Inconformado, o recorrente veio reclamar para a Conferência, nos seguintes termos:
«(...)
II
O Recorrente interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11/07/2012, que confirma a não admissão aos autos do requerimento de 11/01/2012 (fls. 799 e ss), e o indeferimento do requerimento de 06/03/2012.
Porque, se manifestavam inconstitucionalidades, nas dimensões interpretativas acolhidas nas referidas decisões, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional da decisão.
Recurso este que foi admitido pelo Tribunal da Relação do Porto e ordenada a subida.
III
O recurso para este Tribunal destinado à fiscalização concreta da inconstitucionalidade, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, al. b) da LOFPTC, indicava que se pretendia ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação feita nos autos do art.º 113º n.º 2 do Código de Processo Penal, no sentido em que, tendo-se demonstrado, por prova documental, que a notificação foi efetuada após a data da presunção legal, o prazo para reagir ao decidido, se conta não da data da efetiva receção, mas da data da presunção; uma vez que a interpretação efetuada viola os artigos 13º e 32º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e ter sido levantada a questão da inconstitucionalidade levantada oportunamente.
IV
Expressa-se na decisão reclamada que não se conhece do recurso por falta de interesse processual e da sua inutilidade, por alegadamente se tratar de uma fiscalização à decisão judicial em si mesma considerada, e não a normas, tratando-se de um recurso de amparo, que não existe no ordenamento jurídico português.
V
Não obstante não se concordar com tal interpretação, sempre se dirá que é «nota característica dos tribunais “administrar justiça”. E isso reside, para além de um contorno teórico, na defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, em reprimir a violação da legalidade democrática, e em dirimir os conflitos públicos e privados» (CRP artº 205º e 206º).
Tal é realizado por todos os tribunais, não sendo o Tribunal Constitucional exceção, pois o Tribunal Constitucional, como os demais – é um órgão jurisdicional, porém também um Tribunal – igualmente defende, reprime e ajuda a dirimir alguns conflitos.
VI
Não se desiste, pois, de um último esforço para tentar compreender as razões legais, se existirem, subjacentes à decisão recorrida.
Posto isto, e não se conformando o arguido com o não conhecimento do recurso, ora reclama-se, questionando-se qual a norma ao abrigo da qual foi tomada tal decisão e qual o fundamento factual concreto indicado com clareza na decisão para suportar tal decisão.
Termos em que, se reclama para a Conferência pedindo a V. Exas. se dignem conhecer do recurso oportunamente interposto, por estarem reunidos todos os requisitos legais de admissibilidade previstos no artigo 70º nº 1, al. b), 72º, 75º e 75º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro.
No caso de não revogarem a decisão reclamada, o Reclamante pede a V. Exas. se dignem esclarecer em termos compreensíveis, o seguinte:
1º As razões de facto que justificam o não conhecimento do recurso;
2º As normas legais aplicáveis que permitem ao Tribunal Constitucional não conhecer o recurso com fundamento em tais factos.
5. O Ministério Público tomou posição, no sentido do indeferimento da reclamação, dizendo que o recorrente tece considerações gerais sobre a competência do Tribunal Constitucional e reafirma a inconstitucionalidade, nada dizendo sobre os fundamentos que levaram ao não conhecimento do recurso
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. Vem o recorrente A. reclamar da Decisão Sumária n.º 582/13. Porém, e como bem refere o Ministério Público, não se encontra no requerimento que apresentou argumentação dirigida a afastar os fundamentos em que assentou a conclusão pela inadmissibilidade do recurso.
Na verdade, o recorrente limita-se a recolocar a questão de constitucionalidade, aduzindo considerações sobre a correção da decisão recorrida, e a manifestar inconformidade quanto à decisão reclamada, sobre a qual diz questionar-se quanto ao respetivo fundamento.
Ora, a decisão sumária é clara na indicação de que o recurso não pode ser conhecido porque dirigido a sentido normativo extraído do artigo 113.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que não encontra identidade com aquele efetivamente aplicado em primeira linha na decisão recorrida, como exigido pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC.
Mesmo que assim não fosse, comportando a decisão recorrida dois fundamentos alternativos para a intempestividade declarada, como resulta cristalino do segmento transcrito na decisão sumária, sempre subsistiria aquele que permanece inteiramente fora do perímetro da questão colocada.
O que determina, como se deixou esclarecido, a inutilidade do recurso de constitucionalidade, pois este apenas pode prosseguir quando comporte a virtualidade de alterar a decisão recorrida.
Assim, não sendo oferecidos argumentos que posterguem este entendimento, com o qual se concorda, cumpre manter a decisão sumária e concluir pela improcedência da reclamação apresentada.
III. Decisão
7. Pelo exposto, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária n.º 582/13 reclamada;
b) Condenar o reclamante nas custas, fixando-se em 20 (vinte) Ucs a taxa de justiça devida, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido pelo reclamante.
Lisboa, 28 de novembro de 2013.- Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.