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Processo n.º 98/09
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
 
  
 ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 I. Relatório
 
  
 
 1. Por sentença de 14 de Novembro de 2008, o Tribunal Administrativo e Fiscal de 
 Sintra julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida por A., S.A. 
 contra o acto de liquidação da taxa de regulação e supervisão efectuada pela 
 Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), relativa ao ano de 2007, 
 incidente sobre os operadores de comunicação social da categoria de televisão, 
 por considerar que a referida taxa prevista na alínea a) do n.º 3, do artigo 3.º 
 e artigo 4.º do Regime de Taxas da ERC (Anexo I do Decreto-Lei n.º103/06, de 7 
 de Junho) “ao ter sido criada pelo Governo sem autorização legislativa da 
 Assembleia da República, encontra-se ferida de inconstitucionalidade, por 
 violação do princípio da legalidade tributária expresso nos art.ºs 165.º, n.º 1, 
 alínea i), e 103.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.”
 Diz-se na sentença, para o que agora releva, o seguinte:
 
  
 
 “ [...]
 Foi o Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, que aprovou o Regime de Taxas da 
 ERC, que estabeleceu um sistema de taxas tripartido: a taxa de regulação e 
 supervisão, a taxa por serviços prestados e a taxa por emissão de títulos 
 habilitadores.
 No caso colocado à consideração do tribunal está em causa a denominada “taxa” de 
 regulação e supervisão prevista no art. 3º, nº 3, al. a), dispondo o art. 4º 
 sobre a epígrafe “Taxa de regulação e supervisão”:
 
 “1 - Ao abrigo da alínea b) do artigo 50.º e do n.º 1 do artigo 51.º dos 
 Estatutos da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovados pela 
 Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, a taxa de regulação e supervisão visa 
 remunerar os custos específicos incorridos pela ERC - Entidade Reguladora para a 
 Comunicação Social no exercício da sua actividade da regulação e supervisão 
 contínua e prudencial. 
 
 2 - Estão sujeitas à taxa de regulação e supervisão todas as entidades que 
 prossigam, sob jurisdição do Estado Português, actividades de comunicação 
 social, sendo o quantitativo da taxa calculado em conformidade com a categoria 
 em que se inserem e com a subcategoria de intensidade reguladora necessária.”
 Importa pois proceder à qualificação jurídica do tributo denominado taxa de 
 regulação e supervisão da ERC, sendo certo que é hoje em dia pacificamente 
 aceite pela doutrina e jurisprudência que a circunstância do legislador ter 
 qualificado determinada figura jurídica como taxa não é relevante, devendo antes 
 verificar-se se substancialmente ela se reconduz a essa figura ou se se trata de 
 um imposto, ou como defendem certos autores como um “tertium genus”.
 A resposta a dar a esta questão torna-se necessária para se aferir da 
 constitucionalidade das normas que enquadram a criação da taxa de regulação e 
 supervisão, face  ao disposto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.ºs 
 
 2 e 3, da Constituição. 
 De acordo com estes normativos constitucionais, a criação de impostos, bem como 
 a definição dos seus elementos essenciais (incidência, taxa, benefícios fiscais 
 e garantias dos sujeitos passivos) são matéria da reserva relativa de 
 competência legislativa da Assembleia da República, só podendo os mesmos ser 
 estabelecidos por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei do Governo 
 por aquela autorizado.
 Vejamos.
 O conceito de taxa tem sido alvo de ampla discussão doutrinal e jurisprudencial, 
 encontrando-se hoje definidos, com suficiente base dogmática, os seus elementos 
 essenciais.
 A título de exemplo, fazendo apelo à fundamentação constante de outras decisões, 
 cita-se o douto acórdão do Tribunal Constitucional, nº 68/2007: 
 
 “Como se sabe, existe uma abundante jurisprudência constitucional sobre a 
 distinção entre imposto e taxa (...). Para extremar a noção de ‘imposto’ 
 constitucionalmente relevante da de ‘taxa’, o Tribunal tem-se socorrido 
 essencialmente de um critério que pode qualificar-se como ‘estrutural’, porque 
 assente na ‘unilateralidade’ dos impostos (...), admitindo ainda, porém, como 
 factor adicional de ponderação, que se tome em consideração a ‘razão de ser ou 
 objectivo das receitas em causa’, quer para recusar a certas receitas o carácter 
 de imposto, quer como argumento ponderoso para afastar o carácter de taxa de uma 
 dada prestação pecuniária coactiva (...).
 
 (...)
 Tanto na jurisprudência uniforme do Tribunal, como na orientação unânime da 
 doutrina, um elemento ou pressuposto estrutural há-de, desde logo e 
 necessariamente, verificar-se, para que determinado tributo se possa qualificar 
 como uma ‘taxa’, qual seja o da sua ‘bilateralidade’: traduz-se esta no facto de 
 ao seu pagamento corresponder uma certa ‘contraprestação’ específica, por parte 
 do Estado (ou de outra entidade pública). Se tal não acontecer, teremos um 
 
 ‘imposto’ (ou uma figura tributária que, do ponto de vista constitucional, deve, 
 pelo menos, ser tratada como tal). (...) Se se não divisarem características de 
 onde decorra a ‘bilateralidade’ da imposição pecuniária, nada mais será preciso 
 indagar para firmar a conclusão de harmonia com a qual é de arredar a 
 qualificação dessa imposição como ‘taxa’”
 De acordo com a natureza da contraprestação do estado ou de outro ente público, 
 a própria lei no art. 4º, nº 2 da Lei Geral Tributária (LGT), autonomiza três 
 situações que revestem a natureza de taxa: a prestação concreta de serviços 
 públicos, a utilização de um bem do domínio público e a remoção de um obstáculo 
 jurídico à actividade dos particulares.
 Face ao que ficou dito, como caracterizar o tributo impugnado nos presentes 
 autos? 
 A doutrina e a jurisprudência recentes têm afastado este tipo tributário da 
 qualificação de taxa, em alguns casos aproximando-o da figura das contribuições 
 financeiras a favor das entidades públicas, a que se refere designadamente o 
 art.º 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, que estabelece uma reserva 
 relativa de competência legislativa da Assembleia da República quanto à “criação 
 de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições 
 financeiras a favor das entidades públicas”.
 No parecer junto aos autos da autoria do Prof. Casalta Nabais conclui-se no 
 sentido de que a taxa em causa está sujeita ao princípio da legalidade fiscal 
 decorrente dos art.ºs 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.ºs 2 e 3, da 
 Constituição, conforme a seguir se transcreve:
 
 “A “taxa de regulação e supervisão” não responde cabalmente ao teste da 
 bilateralidade, pois a sua instituição não se deve à necessidade de dar resposta 
 a uma necessidade gerada directa ou indirectamente pelos operadores do sector, 
 mas antes à satisfação de interesses gerais. (...) Com efeito, o legislador 
 prevê como fundamento da taxa os “custos específicos incorridos pela ERC” no 
 exercício da sua actividade de regulação e supervisão, sem concretizar 
 devidamente o conteúdo da expressão. (...) A circunstância de resultar do 
 próprio diploma o valor das taxas a pagar por cada operador é indício de que os 
 custos específicos não dependem da actividade que a ERC efectivamente venha a 
 prestar a cada operador. Pois não se identificam os custos especiais ocasionados 
 
 à entidade reguladora, para além do “custo zero do serviço”. (...) Também não 
 poderemos reconduzir a bilateralidade da taxa ao critério dos custos imputáveis 
 como juízo subsidiário de determinação do valor a exigir. É que o legislador 
 afasta expressamente essa possibilidade, definindo essa taxa como a distribuição 
 pelos regulados de encargos especiais de regulação segundo critérios do volume 
 de trabalho, complexidade técnica, características técnicas do meio utilizado, 
 alcance geográfico e impacte da actividade dos regulados.
 
 (...)
 A referida taxa também não responde adequadamente ao teste da proporcionalidade, 
 pois fica a ideia de que o critério da proporcionalidade pretendido pelo 
 legislador corresponde, afinal, a uma forma de agravar a tributação das 
 entidades que revelam maior capacidade contributiva.
 
 (...)
 Em suma, o tributo designado por taxa de regulação e supervisão não responde 
 cabalmente aos testes da bilateralidade e da proporcionalidade, de qualquer 
 modo, de um tributo que deve ser objecto do tratamento jurídico-constitucional 
 reservado aos impostos”. devendo ser reconduzido à categoria dos tributos 
 unilaterais e ao regime jurídico-constitucional dos impostos”
 Atentemos no disposto no Artigo 7.º do Decreto-Lei nº 103/2006 que sob a 
 epígrafe “Distribuição dos encargos em sede de taxa de regulação e supervisão” 
 dispõe:
 
 “1 - O método de fixação da taxa de regulação e supervisão, constante do anexo 
 II ao presente decreto-lei e do qual faz parte integrante, assenta numa 
 distribuição dos encargos de regulação e supervisão contínuas e prudenciais 
 entre os diversos operadores de comunicação social, segundo os seguintes 
 critérios: 
 a) Volume de trabalho repercutido na actividade reguladora;
 b) Complexidade técnica da actividade reguladora;
 c) Características técnicas do meio de comunicação utilizado;
 d) Alcance geográfico do meio de comunicação utilizado;
 e) Impacte da actividade desenvolvida pelo operador de comunicação social.
 
 2 - Os critérios repercutidos no método de fixação da taxa de regulação e 
 supervisão constante do anexo II ao presente decreto-lei e do qual faz parte 
 integrante determinam o quantitativo da taxa a suportar, que será reproduzido 
 por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das 
 finanças e da comunicação social, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 51.º 
 dos Estatutos da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovados 
 pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro. “
 De facto, se tivermos em consideração esta norma, não é possível caracterizar o 
 tributo em causa como uma taxa, pois falta-lhe a contrapartida específica, 
 individualizada e concreta dirigida ao sujeito passivo operador na área da 
 comunicação social e que seria o seu beneficiário. 
 O que se verifica é que a denominada taxa de regulação e supervisão não tem como 
 fundamento a prestação de um serviço público concreto, antes visa assegurar os 
 interesses públicos que o Estado colocou a cargo da ERC, não se concretizando 
 numa utilização individualizada pelo sujeito passivo, de bens públicos ou 
 semi-públicos, como contrapartida duma actividade a ele dirigida.
 Coloca-se, no entanto a possibilidade de considerar a denominada taxa de 
 regulação e supervisão como uma contribuição financeira a favor de uma entidade 
 publica, figura que é admitida na alínea i), do nº 1 do art. 165º da CRP e, 
 assim sendo, a questão a decidir é a de saber se estará subordinada ao princípio 
 da legalidade fiscal enquanto reserva de lei formal, tal como este se configura 
 para os impostos ou, se a reserva de lei diz apenas respeito ao seu regime 
 geral.
 A propósito da figura de contribuições financeiras a favor de entidades 
 públicas, afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira In “CRP, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada”, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 
 
 2007, p. 109, o seguinte:
 
 “A mesma norma constitucional também menciona, inovadoramente, a par dos 
 impostos e das taxas, outras “contribuições financeiras a favor das entidades 
 públicas”. Com esta referência – que claramente aponta para uma terceira 
 categoria tributária, ao lado dos impostos e das taxas stricto sensu –, a 
 Constituição parece ter dado guarida ao controverso conceito de parafiscalidade, 
 que comporta certas figuras híbridas, que compartilham em parte da natureza dos 
 impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para 
 cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o 
 serviço prestado por certa instituição pública, ou dotada de poderes públicos, a 
 um certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades, que beneficiam 
 colectivamente da actividade daquela). É nesta categoria que entram 
 tradicionalmente as contribuições para a segurança social, as quotas das ordens 
 profissionais e outros organismos públicos de autodisciplina profissional, as 
 
 “taxas” dos organismos reguladores, etc.” 
 O Tribunal Constitucional tem concluído no sentido de que as imposições 
 tributárias a favor de organismos de coordenação económica são equiparáveis aos 
 impostos (por exemplo, Acórdão n.º 1239/96), aplicando-se-lhes o princípio da 
 legalidade fiscal. 
 Vejamos.
 Do que vem sendo dito, é certo que a denominada taxa de regulação e supervisão 
 não se enquadra na definição doutrinal e jurisprudencial de imposto ou de taxa, 
 antes constituindo uma contribuição financeira a favor de uma entidade pública. 
 Ora, o regime geral das contribuições financeiras a favor de entidades públicas 
 não foi ainda objecto de regulamentação nos termos do art. 165º, nº 1, al. i) da 
 CRP, isto é através de lei ou decreto-lei autorizado. 
 Assim sendo, embora a taxa de regulação e supervisão se encontre prevista no 
 art. 51º da Lei nº 53/2005 de 08/11 (diploma que criou a ERC), referindo-se a 
 uma contribuição financeira em favor de uma entidade pública, cujo regime geral 
 não se encontra regulamentado, deverá submeter-se ao princípio de reserva de 
 competência parlamentar quanto à determinação da sua taxa e da sua incidência, 
 bem como dos respectivos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes. 
 Em conclusão, por razões de segurança jurídica as designadas receitas 
 parafiscais devem ser criadas nos moldes constitucionais previstos para os 
 impostos, obedecendo ao princípio da legalidade tributária, o que não obsta a 
 que tais contribuições se venham a enquadrar num regime geral, cuja definição 
 legal cabe à Assembleia da República nos termos previstos no art. 165º, nº 1, 
 al. i) da CRP.
 No caso dos autos, o que se verifica é que a incidência, montante, isenções e 
 garantias dos sujeitos passivos da denominada taxa de regulação foram definidos 
 por diploma governamental – Decreto-Lei n.º 103/2006 – sem o suporte de uma lei 
 parlamentar que habilitasse o Governo a aprovar essa legislação. 
 Também não pode considerar-se que o artigo 51º, nºs 1 e 2 dos Estatutos da ERC, 
 contém uma autorização legislativa para o efeito, pois o legislador refere-se 
 expressamente a “taxas devidas como contrapartida dos actos praticados pela ERC” 
 e como decorre de todo o exposto, a figura tributária a que se deu o nome de 
 
 “taxa de regulação” não se inclui na categoria das taxas.
 Nos termos supra expostos, a taxa de regulação e supervisão impugnada nos 
 presentes autos, ao ter sido criada pelo Governo sem autorização legislativa da 
 Assembleia da Republica, encontra-se ferida de inconstitucionalidade, por 
 violação do princípio da legalidade tributária expresso nos art.ºs 165.º, n.º 1, 
 alínea i), e 103.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
 
 [...]”
 
  
 Desta sentença recorreu o Ministério Público, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, por ter sido julgada 
 inconstitucional “a taxa prevista na alínea a), do n.º 3, do artigo 3.º e artigo 
 
 4.º, do Regime de Taxas da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, 
 resultante do Decreto-Lei n. 103/2006, de 7 de Junho, por violação do disposto 
 nos artigos 103.º, n.º 2 e 3 e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da 
 República Portuguesa”.
 
  
 O recurso foi admitido. O Ministério Público apresentou alegação e concluiu: 
 
  
 
 “1.º
 A parte final da alínea i) do nº 1, do artigo 165º da Constituição da República 
 Portuguesa prevê a existência de uma terceira categoria tributária, ao lado das 
 taxas “stricto sensu” e dos impostos, permitindo incluir nas contribuições 
 financeiras a favor de entidades públicas as “taxas colectivas” que funcionam 
 como contrapartida do serviço prestado — embora em termos não estritamente 
 individualizáveis — por uma entidade pública a favor de um círculo ou categoria 
 de pessoas, que beneficiam colectivamente da actividade daquela. 
 
 2º
 A taxa de regulação e supervisão, criada e regulada pelos artigos 50º, alínea 
 b), e 51.º dos Estatutos Anexos à Lei nº 53/05, de 08/11, e pelos artigos 3º, nº 
 
 3, alínea a), e 4.º do Regime de Taxas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 103/06, de 
 
 7 de Junho, insere-se na figura dos referidas “taxas colectivas”, estando 
 consequentemente sujeita a reserva de lei parlamentar apenas quanto ao 
 respectivo “regime geral”. 
 
  
 
 3º
 Os traços fundamentais de tal taxa resultam, em termos bastantes, da Lei nº 
 
 53/05, suportando o respectivo desenvolvimento em diploma editado pelo Governo, 
 no exercício da sua competência legislativa própria. 
 
 4.º
 Termos em que deverá proceder o presente recurso.” 
 
  
 A recorrida A., S.A. não apresentou alegação.
 
  
 II.  Fundamentação
 
  
 
 2. O presente recurso, interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º 
 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, tem 
 por objecto a apreciação da conformidade constitucional das normas constantes 
 dos artigos 3º n.º 3 alínea a), e 4º do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 103/06 de 7 
 de Junho, que definem o regime da taxa de regulação e supervisão devida à 
 Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e que o Tribunal Administrativo e 
 Fiscal de Sintra considerou inconstitucionais, por violação do disposto no 
 artigos 103.º nº 2 e 3 e alínea i) do nº 1 do art. 165.º da Constituição.
 A questão de constitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso já 
 foi apreciada pelo Tribunal nos Acórdãos n.º s 365/08 de 2 de Julho e 613/08 de 
 
 10 de Dezembro, juízo depois reiterado nas Decisões Sumárias n.ºs 66/2009 e 
 
 87/2009 e no Acórdão n.º 261/2009, de 26 de Maio, todos disponíveis para 
 consulta em www.tribunalconstitucional.pt, tendo sido claramente adoptado um 
 juízo de não inconstitucionalidade de tais normas.
 Pode ler-se no Acórdão n.º 613/08 o seguinte:
 
 “ [...]
 
 6. Ora, o grau de autonomia financeira não pode deixar de se afigurar como um 
 dos critérios decisivos na aferição da efectiva independência de uma entidade 
 administrativa não sujeita a qualquer tipo de poderes de controlo por parte do 
 Governo. O regime de financiamento instituído pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, de 
 
 07 de Junho, traduz pois a própria natureza mista da ERC – Entidade Reguladora 
 para a Comunicação Social.
 Na medida em que todos os membros da comunidade residente em território nacional 
 são beneficiários directos da actividade administrativa da ERC, enquanto pessoa 
 colectiva pública especialmente vocacionada para a protecção dos direitos, 
 liberdades e garantias nos meios de comunicação social, é a própria lei [cfr. 
 alínea a) do artigo 50º dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 
 
 8 de Novembro] que determina que uma parte substancial do orçamento próprio 
 daquela entidade seja assegurada mediante verbas a transferir do Orçamento de 
 Estado, de cada ano, ou ainda mediante a participação nas taxas de utilização do 
 espectro radioeléctrico pagas ao ICP-ANACOM, a título de remuneração por 
 utilização de um bem do domínio público [cfr. alínea a) do artigo 50º dos 
 Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro]. Como é 
 evidente, ao contrário do que sucede com outras entidades administrativas 
 reguladoras, não seria expectável – ou sequer compatível com o princípio da 
 proporcionalidade – que os regulados pela ERC fossem exclusivamente onerados com 
 os custos financeiros (“excessive burden”) da sua actuação. Pelo contrário, no 
 caso da ERC, a actividade administrativa desempenhada vai muito para além de uma 
 clássica função de mera regulação e supervisão económica do mercado da 
 comunicação social, pelo que sempre será exigível que toda a comunidade 
 contribua, através dos impostos liquidados por cada contribuinte, para suprir os 
 custos financeiros da actividade daquela entidade administrativa independente.
 Mas, para além de assumir a sua função de entidade administrativa de defesa dos 
 direitos e liberdades fundamentais, a ERC actua igualmente enquanto entidade 
 encarregue da regulação e da supervisão do sector económico da comunicação 
 social. Como tal, outra parcela significativa do orçamento próprio da ERC não 
 pode deixar de ser sustentada por taxas (e outras contribuições financeiras) a 
 cobrar junto das entidades que prosseguem actividades de comunicação social e, 
 como tal, se encontram sujeitas à actividade reguladora daquela entidade 
 administrativa independente. Na medida em que a actividade da ERC também visa 
 assegurar a promoção de um mercado mais eficiente, transparente e de sã 
 concorrência, torna-se inevitável que os próprios regulados participem nos 
 custos financeiros daquela actividade.
 Resta assim verificar se, tal como entendido pela decisão recorrida, a 
 participação dos regulados não pode ser feita mediante pagamento de uma “taxa de 
 regulação e supervisão”, na medida em que as normas constantes dos artigos 3º, 
 n.º 3, alínea a), e 4º do Anexo I que consagra o Regime de Taxas da ERC – 
 Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 
 
 103/2006, de 7 de Junho, são inconstitucionais, por violação do artigo 103º, nºs 
 
 2 e 3, e da alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
 7. Antes de avançar, importa transcrever os preceitos legais em apreciação:
 
 “Artigo 3.º
 
 (Natureza e espécies de taxas da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação 
 Social)
 
 (…)
 
 3 - As taxas da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social integram-se 
 nas seguintes categorias: 
 a) Taxa de regulação e supervisão;
 
 (…)
 Artigo 4.º
 
 (Taxa de regulação e supervisão)
 
 1 - Ao abrigo da alínea b) do artigo 50.º e do n.º 1 do artigo 51.º dos 
 Estatutos da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovados pela 
 Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, a taxa de regulação e supervisão visa 
 remunerar os custos específicos incorridos pela ERC - Entidade Reguladora para a 
 Comunicação Social no exercício da sua actividade da regulação e supervisão 
 contínua e prudencial. 
 
 2 - Estão sujeitas à taxa de regulação e supervisão todas as entidades que 
 prossigam, sob jurisdição do Estado Português, actividades de comunicação 
 social, sendo o quantitativo da taxa calculado em conformidade com a categoria 
 em que se inserem e com a subcategoria de intensidade reguladora necessária. 
 Ora, a decisão recorrida afirmou que:
 
 “Dificilmente se poderá considerar o tributo em causa como uma taxa atent[a] a 
 falta de uma contrapartida específica e individualizada em relação ao seu 
 sujeito passivo e em concreto, na pessoa do respectivo operador da área da 
 comunicação social sua beneficiária. Efectivamente, aquela não tem por 
 fundamento a prestação concreta de um serviço público, antes visam assegurar os 
 interesses públicos postos a seu cargo pelo Estado, não se concretizando numa 
 utilização individualizada pelo sujeito passivo de bens públicos ou 
 semi-públicos, com contrapartida numa actividade do credor especialmente 
 dirigida ao mesmo.” (fls. 189 a 190).
 Tal concepção de “taxa”, exclusivamente ancorada na verificação de uma 
 contrapartida expressa através da prestação de um serviço público, aparenta 
 desconsiderar que o n.º 2 do artigo 4º da Lei Geral Tributária configura como 
 taxa não só aqueles tributos que visam retribuir a prestação de um serviço 
 público, mas também a utilização de um bem do domínio público ou a remoção de um 
 obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares. Porém, não cabe, neste 
 momento, aprofundar um juízo sobre a qualificação jurídico-tributária a atribuir 
 
 à “taxa de regulação e supervisão”, prevista artigos 3º, n.º 3, alínea a) e 4º 
 do Anexo I relativo ao Regime de Taxas da ERC – Entidade Reguladora para a 
 Comunicação Social, aprovado Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho.
 Independentemente de tal qualificação ser susceptível de controvérsia – tendo, 
 aliás, sido colocada em causa pela recorrente ERC, em sede de alegações –, não 
 cabe, nos presentes autos, desenvolver este tema. É que, por força do artigo 
 
 79º-C da LTC, o Tribunal Constitucional apenas pode apreciar a 
 constitucionalidade de normas que tenham sido efectivamente desaplicadas pelos 
 tribunais recorridos. Ora, neste caso concreto, a decisão recorrida apenas 
 desaplicou as normas constantes dos referidos artigos 3º, n.º 3, alínea a) e 4º, 
 quando interpretadas no sentido de que a referida “taxa de regulação e 
 supervisão” se reconduz a uma “contribuição financeira” a favor de uma entidade 
 pública e não a uma “taxa”.
 Procede-se, então, ao conhecimento da questão de inconstitucionalidade suscitada 
 pela desaplicação normativa adoptada pela decisão recorrida.
 
 8. Qualquer que seja a terminologia adoptada pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, ou a 
 conclusão a que se chegue acerca da discussão sobre a natureza de “taxa” – em 
 função da sua maior ou menor sinalagmaticidade –, importa notar que a actual 
 redacção da alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da CRP, após a revisão 
 constitucional de 1997, distingue claramente “impostos”, de uma parte, de 
 
 “taxas” e “demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”, de 
 outra parte (para um maior desenvolvimento, veja-se o Acórdão n.º 365/2008, 
 disponível in www.tribunalconstitucional.pt).
 Se quanto aos “impostos”, é fixada uma reserva de competência legislativa 
 parlamentar quanto à respectiva criação, já quanto às “contribuições financeiras 
 a favor das entidades públicas” apenas é exigível a fixação parlamentar do 
 respectivo regime geral, aproximando-as, a final, do regime aplicável às 
 
 “taxas”.
 
 9. Ora, como já notado por este Tribunal (cfr. Acórdão n.º 365/2008, disponível 
 in www.tribunalconstitucional.pt), na falta de um regime geral fixado por lei 
 parlamentar, deve dar-se por suficientemente protector da reserva de lei 
 parlamentar o preceituado na própria lei de valor reforçado que criou a ERC – 
 Entidade Reguladora para a Comunicação Social. É que o legislador parlamentar, 
 através do n.º 1 do artigo 51º dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 
 
 53/2005, de 8 de Novembro, não se limitou a remeter para o legislador 
 governamental a fixação das taxas (e demais contribuições financeiras – 
 acrescenta o Tribunal) devidas àquela “entidade administrativa independente”.
 A criação de taxas e demais contribuições financeiras, para efeitos de inclusão 
 nas receitas da ERC, consta expressamente da alínea b) do artigo 50º dos 
 Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro. Sucedeu 
 apenas que, nos termos do já referido n.º 1 do artigo 51º do mesmo diploma, se 
 remeteu para decreto-lei do Governo a determinação de: i) critérios de 
 incidência; ii) requisitos de isenção; iii) valor das taxas. Daqui decorre que 
 foi a Assembleia da República quem, mediante lei de valor reforçado [cfr. n.º 3 
 do artigo 112º e alínea a) do n.º 6 do artigo 168º, ambos da CRP] criou 
 expressamente as taxas e demais contribuições financeiras a suportar pelas 
 entidades sujeitas à regulação e supervisão da ERC, remetendo para decreto-lei a 
 sua concretização.
 Mas, ainda mais relevante, o próprio legislador parlamentar não se furtou a 
 fixar estritos limites de conteúdo ao diploma legal regulamentador das taxas e 
 demais contribuições financeiras. Pelo contrário, o legislador parlamentar fixa 
 os princípios fundamentais a respeitar pela legislação densificadora, a saber:
 a) Critérios para fixação das taxas (e demais contribuições financeiras), de 
 acordo com princípios de objectividade, transparência e proporcionalidade – cfr. 
 n.º 2 do artigo 51º dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 08 
 de Novembro;
 b) Delimitação dos sujeitos passivos das taxas (e demais contribuições 
 financeiras) – cfr. n.º 4 do artigo 51º dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei 
 n.º 53/2005, de 08 de Novembro;
 c) Tendencial sinalagmaticidade entre a actividade de regulação gerada pelo 
 sujeito passivo e o montante da taxa (e demais contribuições financeiras) a 
 suportar – cfr. n.º 4 do artigo 51º dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 
 
 53/2005, de 08 de Novembro;
 d) Periodicidade da liquidação e pagamento das taxas (e demais contribuições 
 financeiras) – cfr. n.º 5 do artigo 51º dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei 
 n.º 53/2005, de 08 de Novembro.
 Em suma, da análise da concreta configuração da lei de valor reforçado que criou 
 a ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, resulta que deve dar-se 
 por preenchida a exigência de previsão parlamentar de um regime geral das 
 contribuições financeiras, sendo que – neste caso concreto – a definição 
 parlamentar dos princípios gerais aplicáveis ao regime de taxas e demais 
 contribuições financeiras se apresenta até mais pormenorizado do que seria 
 exigível a um regime geral fixado por lei parlamentar (neste sentido 
 pronunciou-se este Tribunal, no já citado Acórdão n.º 365/2008, disponível in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 Assim, independentemente da discussão sobre a natureza jurídico-tributária da 
 
 “taxa de regulação e supervisão”, e apreciando exclusivamente a interpretação 
 normativa desaplicada pela decisão recorrida, que considerou que aquela 
 integraria a categoria de “contribuição financeira devida a entidade pública”, 
 conclui-se que as normas extraídas dos artigos 3º, n.º 3, alínea a) e 4º do 
 Anexo I que consagra o Regime de Taxas da ERC – Entidade Reguladora para a 
 Comunicação Social, aprovado Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, não são 
 inconstitucionais, pois não violaram os nºs 2 e 3 do artigo 103º e da alínea i) 
 do n.º 1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa, nem se 
 vislumbram outros fundamentos de inconstitucionalidade, pelo que deve ser 
 concedido provimento aos recursos interpostos, com a necessária reforma da 
 decisão recorrida, nos termos do n.º 2 do artigo 80º da LTC.
 
  […]”
 
  
 Não havendo razões para divergir da solução adoptada pelo Tribunal, é a esta 
 jurisprudência que se adere, concluindo-se também no sentido da não 
 inconstitucionalidade das normas que constituem o objecto do presente recurso.
 
  
 III.   Decisão
 
  
 
 3. Nestes termos, o Tribunal Constitucional julga procedente o recurso e, em 
 consequência, decide: 
 a) Não julgar inconstitucionais as normas extraídas dos artigos 3º n.º 3 alínea 
 a) e 4º do Anexo I que consagra o Regime de Taxas da ERC – Entidade Reguladora 
 para a Comunicação Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 103/2006 de 7 de Junho; 
 
 
 b) Determinar a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o 
 precedente juízo de constitucionalidade.
 Sem custas. 
 
  
 Lisboa, 9 de Julho de 2009
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos