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Processo n.º 581/2013
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., S.A., ré no processo base, recorreu para o Tribunal da Relação de Évora da sentença do tribunal de primeira instância que julgou procedente ação contra si instaurada por B., condenando-a, em consequência, no pagamento da quantia de €217,36, acrescida dos respetivos juros, vencidos e vincendos, que a autora peticionou a título de retribuição devida por trabalho prestado.
O tribunal de primeira instância rejeitou o recurso, por legalmente inadmissível, atento o valor da sucumbência, tendo a ré reclamado do respetivo despacho nos termos do artigo 82.º do Código de Processo do Trabalho. O relator no tribunal da relação decidiu confirmar a decisão de rejeição do recurso mas a ré, ainda inconformada, deduziu reclamação para a conferência contra a decisão do relator, que veio a ser indeferida por Acórdão de 2 de maio de 2013.
A ré interpôs deste último aresto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) – que foi admitido pelo tribunal recorrido –, a fim de ver apreciada a inconstitucionalidade da «interpretação e aplicação que o Tribunal a quo efetua dos artºs. 721.º-A, n.º 1, als. a) e b), do Código de Processo Civil e dos artºs 678.º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Civil e 79.º do Código de Processo do Trabalho e, por outro lado, a interpretação e aplicação que o tribunal de primeira instância efetua dos artºs. 510.º, n.º 1, al. b), 511.º, 659.º e 668.º, n.º 1, al. d), todos do Código de Processo Civil, bem como dos artigos 536.º, 539.º e 541.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro».
O relator no Tribunal Constitucional proferiu decisão sumária de não conhecimento do recurso (decisão sumária n.º 497/13) porque entendeu que a recorrente não observou o ónus de prévia suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade que tivesse por objeto os sindicados normativos legais ou interpretação neles fundada, não se justificando, em face disso, por inútil, convidá-la a suprir a irregularidade formal do requerimento de interposição do recurso, indicando as interpretações que constituem o respetivo objeto.
A recorrente, não se conformando com o assim decidido, reclama para esta conferência, invocando que suscitou, no momento próprio e pela forma processualmente adequada, a questão de inconstitucionalidade da «interpretação normativa extraída dos artigos 678.º, nºs. 1, 2 e 3, e 712.º-A do CPC, e 79.º do CPT, que nega às partes o direito a uma segunda instância de recurso, por falta de verificação do requisito quantitativo da sucumbência, quando em causa esteja o exercício de um direito fundamental que redunda, simultaneamente, numa questão de extraordinária relevância jurídica e que envolve interesses de elevada relevância social», demonstrando-o o facto de o tribunal recorrido a ter apreciado e julgado. Por isso, conclui, deveria ter sido convidada a concretizar qual a interpretação cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, incorrendo o próprio Tribunal Constitucional no vício de inconstitucionalidade ao extrair das normas dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 75.º-A da LTC, interpretação que, como a adotada pelo relator, veda, por demasiado restritiva, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 20.º da Constituição.
A recorrida, notificada para o efeito, não respondeu à reclamação.
2. Cumpre apreciar e decidir.
A reclamante circunscreve o objeto da presente reclamação à decisão que não conheceu do recurso, na parte atinente às normas conjugadas dos artigos 678.º, nºs. 1, 2 e 3, e 712.º-A do CPC e 79.º do CPT, pois que só em relação a estes normativos legais invoca ter observado o ónus legal de prévia suscitação, não impugnando o julgado na parte em que se entendeu não ter a recorrente suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que tivesse por objeto as normas dos artigos 510.º, n.º 1, alínea b), 511.º, 659.º e 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, e artigos 536.º, 539.º e 541.º do Código do Trabalho.
A decisão sumária transitou, pois, nessa última parte, pelo que apenas importa reapreciar o julgado em ordem a verificar se o recurso deve prosseguir para apreciação de mérito da questão de inconstitucionalidade dos artigos 678.º, nºs. 1, 2 e 3, e 712.º-A do CPC e 79.º do CPT.
Defende a recorrente que, contrariamente ao ajuizado pelo relator, observou o ónus de prévia suscitação, nos termos legalmente exigidos, pelo que se deve tomar conhecimento do recurso.
Vejamos.
Invocou a recorrente, na reclamação para a conferência apreciada pela decisão recorrida, que «a questão em apreciação nos presentes autos, atenta a sua extrema complexidade jurídica e séria relevância social (…) tem de poder ser submetida a um duplo grau de jurisdição. Interpretação distinta, como a decisão reclamada, determinaria a aplicação de normas ou adotaria interpretações normativas desconformes com a CRP, designadamente no que respeita aos artºs. 678.º, n.º 1, do CPC, e 79.º do CPT, porque contrária ao preceituado no artigo 20.º da CRP, que consagra o princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional, na medida em que coartará o direito a um duplo grau de jurisdição num pleito em que se discutem os contornos do exercício do direito à greve – matéria relativa a direitos fundamentais e que, no caso em apreço, se mostra de extraordinária relevância jurídica, além de envolver interesses de notória relevância social» (cf. pontos 43, 44 e 76 da reclamação). E mais adiante, depois de invocar a garantia constitucional do direito a um segundo grau de jurisdição: «Ora, in casu, atenta a inalterabilidade do valor da sucumbência (…) impõe-se, com base numa interpretação adequada ao disposto no art.º 20.º da CRP, devidamente conjugado com uma interpretação analógica do disposto nos artºs. 79.º do CPT, 678.º, n.º 1, e 721.º-A, n.º 1, do CPC (…) conferir às partes a possibilidade excecional de, numa causa como a dos autos, poderem submeter à apreciação de um tribunal superior uma causa de tão elevada complexidade jurídica e relevância social» (cf. ponto 72 da mesma peça processual).
Não se afigura que a recorrente, suscitando a questão de inconstitucionalidade nos termos em que o fez, tenha observado pela forma processualmente adequada o ónus de prévia suscitação que a lei impõe como condição de conhecimento do recurso.
Com efeito, toda a argumentação usada pela recorrente para fundamentar a reclamada admissibilidade do recurso centra-se na concreta questão em discussão nos autos e na sua qualificação como sendo questão de elevada complexidade jurídica e relevância social. Por isso, equaciona, a dado passo da reclamação dirigida contra a rejeição do recurso, a questão de saber «se os critérios quantitativos do nosso ordenamento jurídico (valor da sucumbência) são, na sua aplicação concreta no caso sub judice, tolerados pelo juízo constitucional» (itálico nosso - cf. ponto 62 da reclamação), não se descortinando nas considerações esse propósito formuladas a enunciação de questão de inconstitucionalidade que tivesse por objeto norma ou interpretação claramente definidos no seu conteúdo, como decorre das passagens acima transcritas.
Ora, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que foi o acionado pela recorrente, só pode ser interposto «pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade (…) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). É, pois, condição que a parte deve observar, neste sentido, condição subjetiva do recurso, pelo que não releva para esse efeito o facto de o tribunal recorrido, não estando a tanto obrigado, em face das deficiências de suscitação, se ter pronunciado, como será o caso, sobre questão de inconstitucionalidade que tem por objeto a forma como as instâncias decidiram o caso concreto ou interpretação não devidamente concretizada no seu conteúdo.
Não tendo a recorrente observado nos termos legalmente exigidos o ónus de prévia suscitação, que é pressuposto processual insuprível do recurso, não se justificava, como efeito, convidá-la a suprir irregularidades formais do requerimento de interposição do recurso nos termos do invocado artigo 75.º-A, nºs. 5 e 6, da LTC, em ordem à concretização do respetivo objeto. É, pois, de confirmar a decisão sumária que assim entendeu, sendo certo que o direito de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º da CRP) não veda a possibilidade legal de disciplinar as condições processuais do respetivo exercício, desde que, como é o caso, elas não se apresentem injustificadas ou desproporcionais.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 7 de janeiro de 2014. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.