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Processo n.º 141/2014
2ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, A. veio reclamar, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional (de ora em diante, apenas designada por LTC) de despacho proferido pelo Juiz-Relator junto da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, em 06 de novembro de 2013 (fls. 111 a 113), que não admitiu recurso de constitucionalidade por aquele interposto, quer por falta de suscitação processualmente adequada da questão que se pretende ver agora apreciada, quer por falta de aplicação efetiva, quer ainda por intempestividade.
Com vista à impugnação daquela decisão, foi apresentada a seguinte reclamação, que ora se sintetiza:
«18 - O T.R.C. não admitiu o recurso argumentando que devia ter sido apresentada reclamação para a conferência, fundamentando o despacho no n.º 8 do art.º. 417.º do CPP;
19 - Tal despacho violou a parte final do n.º 4 do art.º 29.º da Constituição;
20 - Não cabia qualquer reclamação para a conferência. O n.º 8 do art.º 417.º do CPP não era aplicável ao arguido por não estar em vigor em 09/05/98 (foi introduzido no CPP pelo D.L. n.º 48/2007, de 29 de agosto) e por lhe não ser a lei mais favorável, apesar de processual;
21 - O recurso não deveria ter sido apreciado pelo Relator (e objeto de decisão sumária) mas sim julgado em conferência em que interviriam o Presidente da Secção, o Relator e dois Juízes-Adjuntos, de acordo com o expresso nos nºs 4 e 1 do art.º 419.º do CPP em vigor em 09/05/98;
22 - Tal não aconteceu e prejudicou o arguido pois é sua forte convicção, enormes eram as suas expectativas, de que o RECURSO SERIA ADMITIDO;
23 - No 3º Parágrafo, diz o Sr. Relator que o arguido «recorreu novamente para o STJ (onde aflora APENAS a invocação anterior de inconstitucionalidade»);
24 - Ora, o verbo aflorar significa «trazer ao mesmo nível» e foi isso que o arguido fez;
25 - Aliás, o n.º 1 do art.º 70.º da LOFPTC estabelece que «Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:
b) «Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada DURANTE O PROCESSO;»
26 - Ainda no mencionado 3º parágrafo consta que o recurso não foi admitido porque, em vez dele, devia ter sido apresentada reclamação para o Presidente do STJ;
27 - Deste despacho de não admissão não cabia recurso ordinário:
28 - O arguido não concorda, pois os 2 recursos deviam ter sido admitidos já que, em ambos, se suscita a inconstitucionalidade do n.º 3 do art.º 376.º do CPP e se invocam inconstitucionalidades, muito especialmente, a do n.º 1 do art.º 32.ºda CRP;
29 - Aliás, se o 1º não tivesse sido rejeitado, com violação do CPP em vigor em 09/05/98, e da parte final do n.º 4 do art.º 29º da CRP, não haveria 2º;
30 - Diz-se também, no citado parágrafo, que «está em causa um recurso de despacho que não admitiu recurso...» e que, quando este foi interposto, ainda decorria o prazo da reclamação para o Presidente do STJ;
31 - O «recurso em apreço» é o que o arguido interpôs para esse venerando Tribunal Constitucional por se terem esgotado todos os recursos ordinários que, no caso, cabiam;
32 - No 6º parágrafo, referindo-se à reclamação para o STJ, afirma-se que ela é «incidente também sobre recurso de despacho que não admitiu recurso»;
33 - Assim sendo, o despacho de que se reclama é o que TORNA DEFINITIVA a decisão que não admite recurso;
34 - Tal despacho impediu:
- a apreciação da inconstitucionalidade do n.º 3 do art.º 376.º do CPP;
- a não reapreciação das matérias de facto e de direito que é garantida pela Constituição ao arguido;
- que sejam verificadas as violações da lei e da C.R.P, quer na 1ª instância, quer na 2ª instância;
35 - A propósito do parágrafo 8º., o arguido refere que recorreu para o STJ de uma decisão que aplicou norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada no próprio recurso;
36 - Acrescenta-se que, de acordo com o nº. 2 do art.º 70º da LOFPTC, foram esgotados todos os recursos que no caso cabiam;
37 - Com efeito, o referido recurso para o STJ foi retido pelo Tribunal da Relação de Coimbra assim como o 2º., também dirigido ao STJ, e que versava a mesma matéria;
38 - Se se considerar que, em lugar deste 2º recurso, deveria ter sido interposta reclamação para o Presidente do STJ, continua a verificar-se que foram esgotados todos os recursos, de acordo com o n.º 4 do art.º 70.º da LOFPTC;
39 - Além disso, a não interposição anterior «de recurso para o Tribunal Constitucional não faz precludir o direito de interpô-lo de ulterior decisão que confirme a primeira», conforme o n.º 6 do art.º 70.º da LOFPTC;
40 - O recurso interposto pelo arguido para esse venerando Tribunal Constitucional é tempestivo, conforme o expresso no n.º 2 do art.º. 75.º da LOFPTC;
41 - A decisão recorrida é a que CONFIRMA a PRIMEIRA, ou seja, a DECISÃO DE REJEITAR o 1.º RECURSO PARA O STJ no qual se suscita a inconstitucionalidade do n.º 3 do art.º. 376.º do CPP;
42 - E tanto assim é que o Sr. Relator, no parágrafo 9º do seu despacho, afirma «que está em causa um recurso de despacho que não admitiu recurso para o STJ»;
43 - O 1º recurso para o STJ (rejeitado com violação do CPP em vigor em 09/05/98 e da parte final do n.º 4 do art.º 29.º da CRP) foi interposto da decisão sumária que, fundamentada no n.º 3 do art.º 376º do CPP vigente, rejeitou o recurso interposto da decisão da 1ª instância;
44 - Foi, portanto, uma sucessão de rejeições, violando leis e preceitos e artigos da Constituição da República;
45 - Contesta-se, assim, o conteúdo dos parágrafos 9º., 10º. e 11º. do despacho em apreço;
46 - Contesta-se também o parágrafo 12º pois não se verifica nenhuma das condições previstas no n.º 2 do art.º 76.º da LOFPTC que permitissem indeferir o requerimento de interposição do recurso;
47 - O despacho de que agora se reclama, violou a alínea b) do n.º 1 e os nºs 2, 3, 4 e 6 do art.º 70.º, o n.º 2 do art.º 75.º, e o N.º 2 DO ART.º 76.º, todos da LOFPTC - Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (…).» (fls. 17 a 21)
2. Em sede de vista, ao abrigo do n.º 2 do artigo 77º da LTC, o Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se nos seguintes termos:
«1. Por decisão sumária proferida na Relação de Coimbra, foi rejeitado o recurso interposto por A., arguido no processo, da decisão proferida em 1.ª instância.
2. Dessa decisão, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
3. O recurso não foi admitido porque da decisão sumária proferida pelo Senhor Desembargador Relator cabia reclamação para a conferência (artigo 417º, nº 8, do CPP) e não diretamente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
4. Notificado dessa decisão, o arguido, dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando, entre o mais, que o regime atual do artigo 417.º, n.º 8, do CPP não lhe era aplicável porque os “crimes em apreciação ocorreram eventualmente em 09-05-1998”.
5. O recurso não foi admitido, por decisão de 25 de setembro de 2012, porque dessa decisão de não admissão cabia reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso s dirigia, no caso o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 405º, n.º1, do CPP.
6. Vem então, o arguido interpor recurso para o Tribunal Constitucional do “despacho do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 25-09-2013”, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade “do artigo 376.º, n.º 3, do CPP”.
7. Ora, a decisão recorrida não aplicou o artigo 376.º, n.º 3, do CPP, que apenas foi aplicado pela decisão sumária que rejeitou o recurso (vd. nº 1).
8. Efetivamente, o recurso não foi admitido por qualquer razão relacionada com irrecorribilidade que se extraia do disposto no artigo 376.º, n.º 3, do CPP, mas sim, e exclusivamente, porque dessa decisão cabia reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 405.º, nº 1, do CPP.
9. Note-se, por outro lado, que o regime estabelecido no artigo 405.º, n.º 1, do CPP, vigora desde a versão inicial do Código, ou seja, desde 1 de janeiro de 1988.
10. Tal significa que já da anterior decisão que não admitiu o recurso, a proferida em 21 de março de 2013 (vd. nº 3), cabia reclamação nos termos do artigo 405.º, nº 1, do CPP, podendo nela o recorrente suscitar a questão respeitante à aplicação no tempo das alterações introduzidas no artigo 417.º do CPP.
11. Por tudo o exposto, deve indeferir-se a reclamação.» (fls. 117 e 118)
Posto isto, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. O Tribunal Constitucional só pode conhecer da constitucionalidade de normas jurídicas que tenham sido efetivamente aplicadas pelos tribunais recorridos, conforme lhe impõe o artigo 79º-C da LTC. Conforme bem nota a decisão reclamada, o recurso que deu causa à presente reclamação foi dirigido contra o despacho do Juiz-Relator junto do Tribunal da Relação de Coimbra, que não admitiu recurso ordinário interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, por ter considerado que o meio adequado de impugnação era a reclamação prevista pela conjugação entre os artigos 405º, n.º 1, 414º, nº 2 e 432º, todos do CPP (vide fls. 113). Daqui decorre que a decisão recorrida nunca aplicou, efetivamente, o artigo 376º, n.º 3, do CPP, como “ratio decidendi”. Na verdade, esta última norma só foi aplicada pela decisão sumária, proferida no Tribunal da Relação de Coimbra, que rejeitou o recurso originariamente interposto da decisão do tribunal de 1ª instância.
Assim sendo, o reclamante só poderia ter interposto recurso relativamente a norma ou interpretação extraída dos artigos 405º, n.º 1, 414º, nº 2 e 432º, todos do CPP. E isto, apenas se tivesse suscitado, prévia e adequadamente, a inconstitucionalidade da mesma, conforme lhe impunha o n.º 2 do artigo 72º da LTC. O que, manifestamente, também não sucedeu.
Pelo exposto, mais não resta do que corroborar o sentido da decisão reclamada, mantendo-se a rejeição do recurso de constitucionalidade anteriormente interposto.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro, sem prejuízo do apoio beneficiário de que goza, na modalidade de dispensa de pagamento de custas judiciais.
Lisboa, 6 de Março de 2014.- Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.