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Processo n.º 967/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, o arguido A., ao abrigo do disposto no artigo 405.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, deduziu reclamação do despacho de não admissão do recurso que interpôs da sentença proferida pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo em 25 de março de 2004, que o condenou pela prática de um crime de condução ilegal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 3/98, de 3 de janeiro, na pena de seis meses de prisão.
A reclamação foi julgada improcedente, por decisão proferida pelo Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto em 21 de junho de 2013.
2. Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, invocando, em paralelo, as vias de impugnação previstas nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional - LTC).
3. Neste Tribunal, foi proferida a decisão sumária n.º 604/13, concluindo pelo não conhecimento do recurso, pela seguinte ordem de razões:
«(...) 4. No caso presente, o recorrente, invocando, em paralelo, as vias de fiscalização concreta da constitucionalidade previstas na alínea b) e na alínea g), ambas do n.º 1 do artigo 70.º da LTC., pretende que o Tribunal Constitucional proceda à fiscalização da “interpretação tecida pelo Tribunal da Relação do Porto ao facto de o prazo de recurso conta a partir do depósito da sentença pelo juiz na secretária, em caso de sentença condenatória e não com a efetiva notificação da mesma ao arguido” e a “interpretação tecida pelo Tribunal da Relação do Porto, pelo facto de vir em sede de reclamação apontar que não há direito ao recurso, quando o tribunal a quo autorizou previa e corretamente o direito ao recurso, através de despacho devidamente transitado em julgado, após notificação pessoal ao arguido”.
Assim delineado o objeto do recurso, verifica-se que o recorrente não especificou a base legal à qual imputa as interpretações cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, sendo certo que essas interpretações são identificadas, em primeira linha, pelos preceitos legais a que se reportam e que constituem a respetiva fonte. Para além disso, conforme decorre do requerimento de interposição do recurso, o recorrente não indicou a peça processual em que suscitou durante o processo a questão de inconstitucionalidade, assim incumprindo os requisitos formais constantes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 75º-A da LTC.
Porém, in casu, não é equacionável facultar ao recorrente a possibilidade de suprir as referidas deficiências, mediante o convite ao aperfeiçoamento a que se reporta o n.º 6 do referido artigo 75.º-A da LTC, atenta a inverificação de pressupostos de admissibilidade dos recursos, que não podem ser supridos e que sempre determinariam a impossibilidade de conhecimento de mérito.
Senão vejamos.
5. No sistema português, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade têm necessariamente objeto normativo, devendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, e não sobre a apreciação de alegadas inconstitucionalidades imputadas pelo recorrente às decisões judiciais, em si mesmas consideradas, atenta a inexistência no nosso ordenamento jurídico-constitucional da figura do recurso de amparo contra atos concretos de aplicação do Direito.
Nas palavras do Acórdão n.º 138/2006, a “distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.”
Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a jurisprudência constitucional vem entendendo, de modo reiterado e uniforme, que são pressupostos específicos deste tipo de recurso, de verificação cumulativa, (i) a suscitação pelo recorrente da questão de inconstitucionalidade “durante o processo” e “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), (ii) a efetiva aplicação, expressa ou implícita, da norma ou interpretação normativa, em termos de a mesma constituir ratio decidendi ou fundamento jurídico da decisão proferida no caso concreto, e (iii) o esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam.
Por sua vez, sendo o recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, é seu pressuposto específico a identidade entre a norma efetivamente aplicada na decisão recorrida e a norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
Tem, contudo, este Tribunal entendido que, para efeitos desta via de fiscalização concreta da constitucionalidade, devem equiparar-se as situações em que o tribunal recorrido aplicou uma dimensão interpretativa expressamente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional e aquelas em que, divergindo do decidido em precedente decisão interpretativa, acolhe e aplica um sentido normativo manifestamente colidente com a interpretação conforme à Constituição realizada no acórdão-fundamento. Nas palavras do Acórdão n.º 289/02, “é inegável que, ao proceder a uma interpretação conforme à Constituição, nos termos do artigo 80º nº 3 da LTC, o Tribunal Constitucional afasta a aplicação da norma interpretada, com sentido diverso, sendo aquela interpretação a única que permite salvar a constitucionalidade da norma; implicitamente, não deixa o Tribunal Constitucional de fazer um juízo de inconstitucionalidade da norma tal como é interpretada na decisão impugnada e é por isso que esta terá que ser reformada com a aplicação da norma tal como o Tribunal Constitucional a interpreta, em conformidade com a Constituição”.
Vejamos se, no caso presente, se encontram preenchidos tais pressupostos.
6. Começando pelo recurso interposto ao abrigo da alínea g) e no tocante à primeira questão de inconstitucionalidade colocada, se bem entendemos o requerimento em análise, o recorrente invoca como fundamento do presente recurso os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 429/03 e 274/03.
Quanto ao primeiro, o Acórdão n.º 429/03 não julgou inconstitucional a norma aplicada pela decisão recorrida, nem qualquer outra. Esse aresto ponderou norma extraída do n.º 3 do artigo 373º do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, cuja aplicação fora recusada pela decisão recorrida, e concluiu que não afrontava a Constituição.
Por sua vez, o Acórdão n.º 274/03, fixando interpretação normativa conforme à Constituição, nos termos do artigo 80.º, n.º 3, da LTC, determinou que, «sejam os preceitos constantes dos artigos 334º, nº 8, e 113º, nº 7, da versão do Código de Processo Penal emergente da Lei nº 59/98, de 25 de agosto, correspondentes às dos artigos 334º, nº 6, e 113º, nº 9, daquele Código resultante do Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de dezembro, conjugadas com o nº 3 do artº 373º, ainda do mesmo Código, interpretados no sentido de que consagram a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo, enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso ou requerido novo julgamento». Estava aí em causa saber se o arguido que não esteve presente, nem na audiência de julgamento, nem na sessão em que se realizou a leitura da sentença, pode ser notificado desta na pessoa do seu defensor ou por qualquer outro meio que não a sua notificação pessoal.
No caso presente, decorre do teor da decisão recorrida que esta, como ratio decidendi da improcedência da reclamação, aplicou a norma dos artigos 373.º, n.º 3, e 411.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o prazo de interposição do recurso se conta a partir do depósito da sentença condenatória na secretaria, independentemente da notificação pessoal do arguido, nos casos em que este, tendo estado presente na audiência de produção de prova na qual foi marcada a data da leitura da sentença, apenas não assistiu à sessão de leitura de sentença, onde foi representado pelo seu defensor.
É, pois, manifesto que a decisão recorrida não aplicou norma em sentido diverso da interpretação normativa fixada no Acórdão n.º 274/03.
Quanto à segunda questão de inconstitucionalidade, considerando, por um lado, a determinante judicativa da decisão recorrida e, por outro, o Acórdão n.º 80/2013, que julgou “inconstitucional a norma extraída do artigo 411º, n.º 1 do CPP conjugado com o n.º 4 do mesmo diploma legal no sentido de que é extemporâneo o recurso interposto para além do 20º dia depois da leitura de sentença (e até ao 30º dia) quando venha a ser rejeitado o recurso sobre a matéria de facto”, mostra-se claro que a decisão recorrida não fez aplicação da norma que aí se julgou inconstitucional.
Não basta, para que se possa aceder ao Tribunal Constitucional ao abrigo da via de recurso prevista alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que se trate do mesmo problema essencial de constitucionalidade ou, como diz o recorrente, que “sendo em si uma decisão similar, deve aplicar-se mutatis mutandis os mesmos princípios ao caso em apreço”. É necessário que a norma (alojada no mesmo preceito ou noutro com o mesmo conteúdo) submetida a apreciação seja precisamente aquela que foi anteriormente julgada inconstitucional e que essa norma tenha sido aplicada pela decisão recorrida como fundamento determinante da decisão. O que aqui não acontece.
Importa, pois, concluir pela não verificação dos pressupostos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
7. Vejamos agora o recurso na perspetiva do impulso fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
De acordo com ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo de modo procedimentalmente adequado, exige-se que o recorrente coloque a questão “de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir”, o que passa pela identificação, de modo claro e percetível, da norma ou interpretação normativa que tem por violador da Lei Fundamental (Acórdão n.º 269/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Constituindo orientação pacífica deste Tribunal que - utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94, disponível no mesmo sítio da internet, “esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-se ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição.”
No caso presente, o recorrente não suscitou perante o tribunal recorrido de forma processualmente adequada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Pode ler-se na reclamação apresentada pelo arguido, onde se faz menção ao artigo 32.º, n.º 1, da Constituição:
«(…) 7º- Assim, essa decisão de 19/04/2004 [presumindo nós que o recorrente terá querido dizer 19/04/2012, data da decisão reclamada], está ferida de ilegalidade, como vimos e de inconstitucionalidade, pois que o art. N.º 32º, n.º 1 da C.R.P., garante também o direito ao recurso, o Ac. Do Tribunal Constitucional 429/03, in DR II Série, de 21 de novembro de 2003 e o Ac. N.º 274/03, de 28 de maio de 2003, DR II e Ac. Rl. Porto de 13-10-2004, processo n.º 0344547, in dgsi
8º- Ora, se se permite que um arguido seja encarcerado sem que seja notificado da decisão condenatória que o levou à cadeia, o seu direito de recurso é inexistente!
9º- Por isso, na nossa ótica e salvo melhor opinião, a decisão em transitar o presente processo em 19/04/2004, é ilegal, inconstitucional e inexistente.(…)»
Da transcrição que antecede ressalta que o recorrente, ao invés de enunciar, em termos de generalidade e abstração, um qualquer critério normativo, limita-se a colocar em crise a própria decisão judicial reclamada. Ora, apreciação da correção do ato de julgamento, enquanto tal considerado, não cabe competência ao Tribunal Constitucional atribuída pelo artigo 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição e concretizada pelo recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC.
Mostra-se, assim, inverificado o pressuposto insuprível de suscitação adequada da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, do que resulta ilegitimidade do recorrente, o que basta para se concluir pela impossibilidade de conhecer do objeto do recurso, também face à alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC. »
4. Novamente inconformados, o recorrente veio reclamar para a Conferência, através de requerimento com o seguinte teor:
«1º
O aqui recorrente não aceita a conclusão do Relator no sentido em deu como assente no 2º parágrafo da fundamentação que aquele não especificou a base legal à qual imputa a inconstitucionalidade.
2º
Pois que para tanto remete para o Ac., Tribunal Constitucional - 429/03 in DR II Série, de 21 novembro de 2003 e o Ac., nº 274/03, de 28 maio de 2003, DR II, onde está plasmada essa mesma base legal.
3º
Sem necessidade de grandes fundamentações legais, pois o requerimento é apenas um requerimento e não uma peça com alegações e conclusões mas outrossim uma peça simples.
4º
O aqui recorrente pode não ter expressamente indicado a peça processual onde invocou a inconstitucionalidade.
5º
Mas tal invocação decorre tacitamente do próprio recurso, ou seja da reclamação para o Tribunal da Relação do Porto da não subida do recurso do Tribunal de 1ª instância 'a quo'.
6º
Pois basta uma leitura atenta do processo para se concluir por tal indicação tácita da peça onde se invocou prévia e expressamente a inconstitucionalidade.
Ainda assim,
7º
O art. 78º-A n.º 2 da LTC é cristalino, o recorrente deve ser notificado para aperfeiçoar o seu requerimento caso falhem alguns dos requisitos formais do 75º-A da LTC.
8º
Não fala em exceções a tal notificação.
9º
Não se pode em sede de interpretação jurisprudencial restringir um direito que o legislador concedeu aos recorrentes.
10º
Tal interpretação é, em si inconstitucional pela violação do princípio da legalidade, art. 29º da C.R.P.
11º
Na mesma linha de pensamento do já referido Ac., n.º 80/2013 deste mesmo Tribunal Constitucional.
12º
Ou seja, para além da violação do princípio da legalidade viola, também o próprio princípio da segurança jurídica e da confiança jurídicas decorrentes do princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2º da CRP) bem como do princípio do processo equitativo (artigo 20º, nº 4, da CRP) e das garantias de defesa do arguido consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
13º
Bem como nega o direito a justiça no caso concreto, já dentro do Tribunal Constitucional.
14º
Pois consagra a justiça formal sobre a material de uma forma insustentável e espoliadora de um direito legalmente consagrado
15º
Orientação jurisprudencial que o próprio TEDH tem vindo a rebater e a combater na última década.
Assim, e nestes termos e nos demais que V·s, Exas., doutamente suprirão, se requer a notificação do aqui recorrente nos termos do art., 75º-A, n.º 5 e 6; ou pelo contrário, caso esta reclamação seja considerada suficiente, requer-se o recomeço do itinerário processual normal e o avançar para as fases das alegações.»
5. Em resposta, o Ministério Público pronunciou-se pela improcedência da reclamação, dizendo:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 604/2013, não se conheceu do objeto do recurso interposto, para o Tribunal Constitucional, pelo arguido A., ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC).
2º
Como nos parece evidente, a decisão recorrida, proferida pelo Senhor Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto, não aplicou qualquer norma que, anteriormente, já tivesse sido julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, designadamente, pelos acórdãos identificados como acórdãos-fundamento.
3º
Falta assim um requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
4º
Quanto ao recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, também nos parece evidente que no momento processual próprio – a reclamação apresentada nos termos do artigo 405.º do CPP – não foi adequadamente suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa.
5º
A parte dessa peça que vem transcrita na douta Decisão Sumária é elucidativa da ausência de normatividade da questão suscitada.
6.º
Na reclamação, o reclamante nada diz de concreto que possa abalar os fundamentos da decisão reclamada.
7.º
Quanto ao não ter sido proferido o despacho-convite a que alude o artigo 78.º-A, n.ºs 5 e 6 da LTC, as razões encontramo-las na própria Decisão Sumária.
8.º
Efetivamente após se referirem as diversas insuficiências de que o requerimento de interposição do recurso padecia, diz-se:
“Porém, in casu, não é equacionável facultar ao recorrente a possibilidade de suprir as referidas deficiências, mediante o convite ao aperfeiçoamento a que se reporta o n.º 6 do referido artigo 75.º-A da LTC, atenta a inverificação de pressupostos de admissibilidade dos recursos, que não podem ser supridos e que sempre determinariam a impossibilidade de conhecimento de mérito”.
9.º
Assim, ficando a dever-se o não conhecimento do objeto do recurso à inverificação dos requisitos de admissibilidade, não se revestiria de qualquer utilidade o recorrente ser notificado para suprir as deficiências formais do requerimento.
10.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. Vem o arguido/recorrente reclamar para a Conferência da decisão sumária que decidiu não conhecer do recurso que interpusera, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
6.1. Tomando os termos da reclamação, fica a dúvida sobre quais os argumentos que o recorrente avança relativamente à via de recurso prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Nada se diz quanto à apontada ausência do pressuposto específico dessa espécie de recurso, a saber, a desconformidade entre a questão normativa apreciada nos arestos que indicou no requerimento de interposição de recurso e a ratio decidendi da decisão aqui recorrida, pelo que se admite o abandono pelo recorrente da discussão sobre o conhecimento do recurso por essa via, conformando-se nessa parte com a decisão sumária reclamada.
Em todo o caso, perante a alusão à “linha de pensamento” do Acórdão n.º 80/2013, cabe referir, como se diz na decisão reclamada, que a mencionada via de recurso não se basta com uma relação de proximidade, ou mesmo de similitude, entre a questão normativa de constitucionalidade apreciada no Acórdão-fundamento e a norma ou interpretação normativa efetivamente aplicada pelo Tribunal a quo nos presentes autos. Exige-se uma relação de identidade material entre os objetos normativos dos recursos, pretérito e atual, manifestamente ausente no caso em apreço, como se demonstra na decisão sumária reclamada.
6.2. Também no que concerne à via de recurso prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o recorrente é parco de argumentos. Avança tão somente com discordância quanto à circunstância de não ter sido proferido convite ao aperfeiçoamento.
Ora, constitui entendimento uniforme deste Tribunal que a notificação do recorrente prevista nos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º A da LTC – e não, como aponta o recorrente, no n.º 2 do artigo 78.ºA, que regula as consequências de não ser correspondido o convite – apenas tem lugar quando o vício em presença seja suprível, pois, de outro modo, daria lugar à prática de ato inútil. Qualquer que fosse a resposta do recorrente, sempre o recurso estaria votado ao não conhecimento.
A situação em presença reveste, precisamente, essas condições, pois o recorrente não assegurou a sua legitimidade para o recurso perante o Tribunal Constitucional, suscitando previamente questão normativa de constitucionalidade em termos de vincular o Tribunal a quo ao seu conhecimento. E, naturalmente, não o tendo feito previamente à decisão recorrida, como exigido, essa omissão torna-se irreversível uma vez proferida tal pronúncia judicial.
Improcede, assim, a reclamação apresentada.
III. Decisão
7. Pelo exposto, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada;
b) Condenar o reclamante nas custas, fixando-se em 20 (vinte) Ucs a taxa de justiça (conjunta) devida, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido pelo reclamante.
Lisboa, 10 de dezembro de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.