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Processo n.º 379/13
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, A. interpôs recurso, com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b), e g), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante “LTC”), do despacho do Presidente do Tribunal da Relação de fls. 113 e seguintes que confirmou decisão de não admissão de recurso com base em extemporaneidade, pelo facto de considerar aplicável, in casu, o regime vigente antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, face ao disposto no artigo 11.º, n.º 1, daquele diploma.
Pela Decisão Sumária n.º 308/2013 decidiu-se não conhecer do objeto do recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC, e negar provimento ao recurso interposto nos termos da alínea b), daquele preceito, remetendo-se, nesta parte, para jurisprudência constitucional anterior.
Foram os seguintes os fundamentos da mencionada Decisão:
« 2. O artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC permite ao relator proferir decisão sumária sempre que entenda que não se pode conhecer do objeto do recurso ou sempre que a questão objeto do recurso de constitucionalidade seja simples, designadamente por a mesma já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal Constitucional. Esta decisão sumária, no último caso, pode consistir em simples remissão para anterior jurisprudência do tribunal.
No caso em apreço justifica-se proceder desse modo e proferir uma decisão sumária pelo facto de, por um lado, não se poder conhecer do objeto do recurso e, por outro, na parte cognoscível, o mesmo dizer respeito a questão que foi já anteriormente decidida pelo Tribunal Constitucional, entendendo-se agora que tal jurisprudência é de manter.
3. Comecemos pelo recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, que diz respeito à impugnação de decisões judiciais que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal Constitucional. Um dos pressupostos de admissão deste recurso consiste na indicação, pelo recorrente, da decisão ou decisões do Tribunal Constitucional que tenham julgado inconstitucional ou ilegal a norma em questão.
3.1. No seu requerimento de recurso, a recorrente identifica, no que ora releva, por um lado, a norma cuja constitucionalidade pretende ver sindicada e, por outro, as decisões deste Tribunal que, alegadamente, julgaram a referida norma inconstitucional. A norma que integra e constitui o objeto imediato do presente recurso de constitucionalidade é o artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, interpretado “no sentido de que as disposições deste decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes cujos recursos sejam interpostos após a data da sua entrada em vigor.” Este objeto do recurso – cuja conformação é delimitada, em termos definitivos, pelo próprio recorrente no requerimento de interposição do respetivo recurso – traduz uma questão jurídico-constitucional que, para que o recurso seja devidamente admitido ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, deve ser idêntico ao objeto do aresto ou arestos que este Tribunal tenha eventualmente proferido e que surgem identificados pelo recorrente. Exige-se, por conseguinte, uma identidade entre o objeto do recurso interposto e o objeto das decisões de inconstitucionalidade que o recorrente indica enquanto acórdãos-fundamento. Isto porque a mobilização dos acórdãos anteriores como fundamento de um recurso ao abrigo da citada alínea g) pressupõe que, em concreto, o tribunal a quo tenha aplicado a mesma interpretação que foi objeto de um juízo de inconstitucionalidade anterior. Mas uma tal identidade não se verifica no presente caso.
3.2. Os acórdãos-fundamento elencados pela recorrente são os Acórdãos n.ºs 102/2010, 213/2012 e 442/2012 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
O acórdão n.º 102/2010 julgou inconstitucional a norma que decorre do n.º 2 do artigo 684.º-B e da alínea b) do n.º 2 do artigo 685.º-C do Código de Processo Civil, quando interpretados no sentido de que o requerimento de interposição do recurso deve ser indeferido quando não contenha ou junte a alegação do recorrente, ainda que contenha o protesto de apresentação da alegação dentro do prazo de interposição do recurso e esta venha a ser efetivamente apresentada dentro desse prazo e esteja já nos autos no momento em que o despacho é proferido. A questão que integra o objeto dos presentes autos de fiscalização da constitucionalidade – referente à norma transitória do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, constante do respetivo artigo 11.º, n.º 1, nos termos do qual as alterações introduzidas por aquele diploma não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor – não apresenta qualquer conotação com o problema tratado no referido aresto e que se relacionava com a questão da não apresentação concomitante (e sim em momento posterior) das alegações com o requerimento de interposição do recurso, face ao disposto nos artigos 684.º-B, n.º 2 e 685.º-C, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil, na redação resultante do referido Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto. O referido artigo 11.º, n.º 1 não foi, sequer, aflorado no mencionado acórdão.
3.3. Já pelo Acórdão n.º 213/2012 foi o artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto julgado inconstitucional, quando interpretado no sentido de que às ações executivas intentadas após o início de vigência daquele diploma e que tenham que correr por apenso à ação declarativa, não se aplica o novo regime de recursos instituído por aquele diploma. Constata-se desde logo, por conseguinte, que, embora versando sobre o mesmo preceito, a dimensão normativa que foi então objeto de fiscalização não coincide com a que integra o objeto do presente recurso, a qual se refere a tal preceito quando interpretado no sentido de que as disposições do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto não se aplicam aos processos pendentes cujos recursos sejam interpostos após a data da sua entrada em vigor.
3.4. Por fim, o Acórdão n.º 442/2012, como a própria recorrente, aliás, admite, tem um objeto distinto, com relevância no campo do processo penal. Este aresto não julgou inconstitucional a interpretação normativa extraída da conjugação entre o artigo 400.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, e o artigo 721.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. A recorrente alega que a interpretação normativa aplicada pelo tribunal a quo contraria o “entendimento persistente e reiterado deste Tribunal [Constitucional], quando aprecia o problema da sucessão de leis no tempo processuais penais que alteram o regime dos recursos… que o momento determinante para a aferição do direito fundamental ao recurso corresponde à data da prolação de decisão condenatória a quem pretende exercer o referido direito.”
Ora, este aresto não é apto a servir de fundamento ao recurso interposto com base na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º, por diversos motivos. Desde logo, o aresto não julgou inconstitucional qualquer norma. Por outro lado, o objeto do recurso então decidido em nada se identifica com o problema que se apresenta nos presentes autos, os quais se debruçam sobre um certo sentido do artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto. O que a recorrente invoca, contudo, é que tal interpretação se apresenta em desconformidade com o entendimento adotado pelo Tribunal Constitucional no citado Acórdão n.º 442/2012. Mesmo que se admitisse que tal desconformidade seria apta a fundamentar um recurso de constitucionalidade deste tipo – o que não procede uma vez que aquele “entendimento” não integrou a ratio decidendi do aresto em questão – ainda assim o mesmo não seria admissível. Na verdade, se lermos na íntegra o trecho relevante do aresto verificamos que o mesmo não tem o sentido que a recorrente lhe pretende agora atribuir. Disse então o Tribunal o seguinte:
“Não se pode, portanto, sufragar o entendimento de que a aplicação da interpretação normativa objeto do presente recurso corresponderia a uma aplicação retroativa de norma restritiva do direito de acesso aos tribunais, na sua dimensão de direito a um duplo recurso, na medida em que, à data da prolação da decisão contra o recorrente, não se verificava ainda qualquer facto jurídico-processual concreto que legitimasse a constituição de um direito subjetivo ao recurso. É que, não tendo ainda sido proferida qualquer decisão desfavorável ao recorrente, não podia este invocar um direito subjetivo concreto ao recurso. Tal só ocorreria no preciso momento em que fosse proferida decisão jurisdicional desfavorável e não antes.
Aliás, esse tem sido, precisamente, o entendimento persistente e reiterado deste Tribunal, quando aprecia o problema da sucessão no tempo de leis processuais penais que alteram o regime dos recursos. A esse propósito, o Tribunal Constitucional tem decidido sempre no sentido de que o momento determinante para a aferição do direito fundamental ao recurso corresponde à data da prolação de decisão condenatória a quem pretende exercer o referido direito.”
O que o Tribunal então apreciou foi a questão relativa à formação do direito ao recurso sempre que se verifique a sucessão no tempo de leis processuais penais que alteram o regime dos recursos. Como se sabe, a ressonância destes problemas ao nível constitucional apresenta especificidades que não encontram paralelo no domínio do processo civil e que se prendem com a questão da proibição da retroatividade da lei penal e da formação do direito ao recurso de decisões condenatórias. Nos presentes autos, no entanto, a questão que se levanta é apenas a da determinação da lei processual aplicável ao recurso – para efeitos de prazo e de produção de alegações – em ação cível.
Conclui-se, portanto, pela inadmissibilidade do recurso fundamentado na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º uma vez que nenhum dos acórdãos-fundamento traduz um juízo de inconstitucionalidade não observado pelo tribunal a quo e que justificasse, in casu, uma recusa de aplicação normativa por violação de normas ou princípios constitucionais.
4. Quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, profere-se, como já se referiu, decisão sumária de mérito uma vez que o mesmo se reporta a questões que foram já objeto de apreciação e decisão por este Tribunal Constitucional.
Com efeito, pelo Acórdão n.º 429/2010 o Tribunal não julgou inconstitucional a norma do artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, quando interpretada no sentido de que o prazo para recorrer, previsto no artigo 685.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, na redação emergente do mesmo diploma legal, não ser aplicável aos processos pendentes em 31 de dezembro de 2007. A dimensão normativa então apreciada é a mesma que se suscita no presente recurso. De facto, o que então estava em causa, como agora, era a determinação do regime processual a aplicar a recurso interposto depois de 1 de janeiro de 2008, em processo iniciado em momento anterior a tal data. A data em apreço corresponde precisamente ao momento de entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, as quais introduziram modificações quanto ao prazo de interposição do recurso, aspeto regulado no artigo 685.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, bem como quanto ao modo de interposição do mesmo, uma vez que o requerimento deve agora incluir as alegações, nos termos do artigo 684.º-B, n.º 2 do mesmo Código.
O Tribunal apreciou este problema em face dos parâmetros do princípio da igualdade, da segurança jurídica e da confiança, tendo então dito o seguinte:
«6. Está em causa uma interpretação do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, segundo a qual o novo regime de recursos em processo civil fica reservado para os processos instaurados a partir de 1 de janeiro de 2008, continuando os demais, como no presente caso, submetidos ao regime anterior.
Por força da norma questionada ocorre a vigência, transitória e simultânea, de duas normas processuais que preveem prazos diferentes para a interposição de recursos em processo civil. Mas, em rigor, não se pode dizer que estejamos perante dois prazos diferentes para duas situações iguais, pois a diferença entre esses prazos (10 dias e 30 dias) resulta, como já referido, da alteração do próprio modo de interposição do recurso, que passou a concentrar no mesmo momento a interposição do recurso e a apresentação das alegações.
Assim, em rigor, o que se verifica é que no quadro atual convivem dois regimes distintos de recursos, sendo um aplicável aos processos pendentes em 31.12.2007, no qual o prazo de interposição é de 10 dias, sendo o prazo para alegar de 30 ou de 15 dias, consoante esteja em causa uma apelação ou um agravo, a contar da notificação do despacho que admita o recurso (artigos 685.º, 687.º, 690.º, 698.º e 743.º do CPC, na versão anterior às alterações de 2007); e o outro, decorrente das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007 e válido para os processos entrados a partir de 1.1.2008, no qual o prazo para interposição do recurso ordinário (que foi reconduzido à apelação, extinguindo-se o agravo) é sempre de 30 dias, sendo a apresentação de alegações concomitante com a interposição do recurso (artigos 684.º-B e 685.º, n.º 1, do CPC, na redação do Decreto-Lei n.º 303/2007).
A atual concentração num momento processual único dos atos processuais de interposição do recurso e de apresentação de alegações (bem como dos despachos de admissão e expedição do recurso) insere-se num conjunto de medidas com as quais o legislador visou obter a “simplificação” do regime de recursos (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 303/2007).
Pode entender-se que esta “simplificação” contribui, de forma efetiva, para uma maior celeridade processual ou, pelo contrário, pode sustentar-se que se trata de «um pormenor que pouco adiantará aos resultados que já se conseguiram e relativamente ao qual apenas se poderá creditar a equiparação que foi feita relativamente ao regime que vigorava no processo laboral, no processo penal ou no processo administrativo» (como é defendido por Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de agosto, Coimbra, Almedina, 2007, 12).
Independentemente da avaliação que se venha a fazer dos resultados desta alteração, o certo é que do confronto entre o antigo regime de interposição do recurso e aquele que passou a vigorar para os processos intentados depois de 1.1.2008, não resulta uma diferença de tratamento processual (entre os litigantes com processos pendentes em 31.12.2007 e os litigantes que intentem processos a partir de 1.1.2008) suscetível, por si só, de pôr em risco o direito à decisão em prazo razoável, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da CRP.
Da mesma forma, tem que se concluir que a convivência transitória entre o atual e o anterior regime dos recursos em processo civil não belisca o princípio da igualdade.
O Tribunal Constitucional já por diversas vezes foi chamado a pronunciar-se sobre situações de “tratamento desigual” resultante da aplicação de leis no tempo. E a esse respeito tem reiteradamente afirmado que o princípio da igualdade não opera diacronicamente. Ou seja, o legislador não está, em regra, obrigado a manter as soluções jurídicas que alguma vez adotou, antes sendo notas típicas da função legislativa, justamente, entre outras, a liberdade constitutiva e a autorrevisibilidade (Acórdão n.º 352/91, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Assim, a criação de situações de desigualdade, resultantes da aplicação do quadro legal revogado e do novo regime, é inerente à liberdade do legislador do Estado de Direito de alterar as leis em vigor.
Como mais recentemente se salientou nos Acórdãos n.ºs 260/2010 e 153/10, na determinação do conteúdo das normas que disciplinam a sucessão de leis no tempo é reconhecida ao legislador uma apreciável margem de liberdade no que respeita ao estabelecimento do marco temporal relevante para a aplicação do novo e do velho regime legal.
No caso em apreço, nada há no sentido e alcance da norma que fixa o prazo para recorrer que leve a questionar a admissibilidade constitucional da interpretação normativa – com correspondência imediata, aliás, no enunciado do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007 - segundo a qual as disposições da lei nova, incluindo as respeitantes aos recursos, «não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor».
Não cabe ao Tribunal aferir se o critério escolhido foi a melhor opção ou se, pelo contrário, teria sido possível encontrar um outro regime de direito transitório que se traduzisse na aplicação gradual do novo regime dos recursos aos processos pendentes, à semelhança do que foi feito em anteriores reformas da lei processual civil.
Um tal critério insere-se dentro da margem de discricionariedade que assiste ao legislador, por via do mandato democrático que lhe foi conferido, e não desrespeita a segurança jurídica, nem a proteção da confiança, nem é irrazoável.»
É este o entendimento que se reitera no caso sub iudicio.»
2. Notificada desta Decisão, a recorrente apresentou reclamação nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, dizendo, no essencial, o seguinte:
«[…]
1. No que toca ao primeiro motivo, o de “não se poder conhecer do objeto do recurso”, o Exmº Conselheiro Relator assenta a sua conclusão recorrendo à análise de três decisões que considerou terem sido invocadas pela recorrente para fundamentar o seu recurso a abrigo do disposto na al.g) nº1 do citado art.70º, ou seja, como as decisões do Tribunal Constitucional que teriam julgado inconstitucional a norma em questão: o Acórdão 102/2010, o Acórdão 442/2012 e o Acórdão 213/2012, todos do Tribunal Constitucional.
Continua declarando que: no Acórdão 102/2010 não se aflora sequer o nº1 do art.11º do DL 303/2007, de 24 de agosto; no Acórdão 213/2012 a dimensão normativa que foi objeto de fiscalização não coincide com a que integra o objeto do presente recurso e no Acórdão 442/2012, por incidir sobre matéria penal não é apto para servir de fundamento ao presente recurso.
Para concluir pela inadmissibilidade do recurso com fundamento na al.g) do nº1 do art.70º da Lei 28/82,de 15.nov.
Porém, a recorrente veio interpor o recurso de inconstitucionalidade com vários fundamentos, os acima mencionados, de entre os quais apenas o que consta em último lugar se enquadra na al.g) do nº1 do art.70º da Lei 28/82,de 15.nov., ou seja:
E) a norma do nº1 do art.11º em causa foi julgada inconstitucional pelo Acórdão nº 213/2012 do Tribunal Constitucional.
A recorrente apenas refere o Acórdão nº 102/2010 para referir que aborda a questão da inconstitucionalidade da norma em análise num sentido coerente com a questão principal que ora se pede seja analisada: idêntico tratamento entre cidadãos quando interpõem recursos na mesma data – seja em termos de prazo ou de junção ou não de alegações com o requerimento de interposição (o que não pode ser ignorado como um fator de maior celeridade processual e rapidez na obtenção da justiça e, portanto, uma grande diferença no resultado da prestação da justiça entre cidadãos) e sobretudo sem qualquer motivo substancial que justifique tratamento desigual entre cidadãos.
Elenca ainda este Acórdão a propósito da invocada violação do princípio da Igualdade. É o seu fundamento do ponto:
B) viola o princípio da igualdade ínsito no art.13º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que a liberdade de estatuição do legislador está limitada pela proibição em estabelecer diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma fundamentação razoável, segundo critérios objetivos e relevantes(cfr. Acórdãos nºs 102/2010, 39/88 e 157/88 do Tribunal Constitucional);
A recorrente invoca ainda o Acórdão 442/2012, não para dizer que a norma objeto do recurso foi por ele julgada inconstitucional, mas para justificar que a norma do citado art.11º nº1 contraria o sentido que o Tribunal Constitucional tem dado ao direito fundamental ao recurso, e seja este em matéria penal ou civil, porquanto lhe é até anterior: o de que o momento determinante para a aferição desse direito fundamental ao recurso corresponde à data da prolação de decisão condenatória a quem pretende exercer o referido direito. Uma coisa é a diferença de regime de interposição de recursos em matéria civil e em matéria penal. Coisa bem diferente será o direito fundamental de garantia a recurso, comum a ambos, só nascer após a própria prolação da decisão (condenatória ou não, mas prejudicial) que está na base do recurso.
– Pelo que não é suficiente continuar afirmando, como o fez o Exmº Juiz Conselheiro, que a questão que se levanta é apenas a da determinação da lei processual aplicável ao recurso – para efeitos de prazo e de produção de alegações – em ação cível, para concluir pela inadmissibilidade do recurso fundamentado na al.g) do nº1 do citado art.70º.
Ao invés, a questão essencial para a recorrente, e o fundamento que invoca no recurso, é exatamente a da determinação da lei processual aplicável ao recurso em razão da sucessão das leis no tempo enquanto direito fundamental do cidadão no acesso equitativo ao sistema de justiça garantido constitucionalmente pelo Estado de Direito.
Se o direito ao recurso só nasce depois da prolação da decisão só deverá ser-lhe aplicável a lei vigente a essa data.
Assim, embora se buscassem nestes Acórdãos juízos de inconstitucionalidade não observados pelo tribunal a quo e que justificassem, in casu, uma recusa de aplicação normativa por violação de normas ou princípios constitucionais, não o foi no sentido de preencher a previsão daquele art.70º nº1 al.g), mas para consubstanciar a violação dos princípios constitucionais que invoca, nos termos da al.b) do nº1 do mesmo art.70º.
Já no que concerne ao Acórdão 213/2012, o que constitui afinal a decisão que baseia o presente recurso ao abrigo da al.g) do nº1 do art.70º da Lei 28/82,de 15.nov., s.m.o., a recorrente entende haver coincidência de dimensão normativa suscetível de fundamentar o recurso em questão. Tal Acórdão declarou inconstitucional o nº1 do art.11º do DL 303/2007,de 24 de agosto, quando interpretado no sentido de que às ações executivas intentadas após o início de vigência daquele diploma e que tenham que correr por apenso à ação declarativa – e portanto, da qual são dependentes, não se aplica o novo regime de recursos instituído por aquele diploma.
Ora, pretende a recorrente que o citado art.11º nº1 seja declarado inconstitucional quando interpretado no sentido de que o novo regime de recursos não se aplica aos processos pendentes cujos recursos sejam interpostos após a data da sua entrada em vigor.
A coincidência resulta afinal de tanto num caso como no outro se estar perante processos que se iniciaram antes da entrada em vigor do novo regime de recursos e de a data de interposição de recurso, ou seja, a data em que nasce o direito ao recurso, ocorrer depois da respetiva entrada em vigor. Mal se compreende o contrário.
2. Relativamente ao segundo motivo, o Exmº Juiz Conselheiro declara que na parte cognoscível, o mesmo dizer respeito a questão que já foi anteriormente decidida pelo Tribunal Constitucional e entender que tal jurisprudência é de manter.
Refere-se ao Acórdão 429/2010 que não julgou inconstitucional a norma do art.11º nº1 do DL 303/2007, de 24 de agosto, quando interpretada no sentido de o novo prazo para recorrer não ser aplicável aos processos pendentes em 31 de dezembro de 2007.
Desde logo, numa decisão mais abrangente, mas logo contrariada pelo acabado de referir Acórdão 213/2012.
S.M.O., tal decisão é já de 2010 e naturalmente sobre situação de data anterior e mais próxima do próprio regime transitório instituído pelo DL 303/2007, de 24 de agosto. A situação da ora recorrente é de dezembro de 2012 e estamos em meados de 2013, passados 6 anos sobre instituição daquele regime transitório. O direito é dinâmico e não pode deixar de sê-lo sob pena de não conseguir acompanhar a veloz mudança da realidade para cuja regulação é instituído, se não caindo em desuso, pelo menos ficar desfasado do seu destino-objeto e, portanto, sem utilidade, favorecendo o surgimento e crescimento de inúmeros casos de desigualdade, desproteção e injustiça, causando a insegurança e o descrédito entre os cidadãos a quem se destina.
E se ao legislador cabe a alteração das normas de modo a adaptar o direito à realidade, ao Julgador cabe a máxima tarefa de promover a sua aplicação da forma mais adequada à mesma mudança.
No caso concreto porque razão disporia a recorrente, 6 anos depois de instituído um regime provisório (ele próprio questionável), de um prazo de apenas 10 dias para recorrer e só podendo apresentar as suas alegações de recurso alguns meses depois (quando notificada da admissão do recurso) quando, na mesma data, os seus concidadãos dispõem de 30 dias e têm a oportunidade acrescida de apresentar logo as alegações (o que, aliás, a recorrente logo fez ao interpor o recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do qual se levantou a questão da inconstitucionalidade)?
Que igualdade? Que justiça? Que motivo maior existe que justifique a supremacia da liberdade de estatuição do legislador, para manter este regime transitório em vigor por seis e mais anos? Que prejuízo e para quem adviria da decisão de inconstitucionalidade da questionada norma do nº1 do art.11º do DL 303/2007e 24 de agosto, e em que medida a pretensão da recorrente contrariaria a dimensão normativa deste diploma?
O Acórdão 429/2010 não julgou inconstitucional a norma do art.11º nº1 do DL 303/2007, de 24 de agosto, quando interpretada no sentido de o novo prazo para recorrer não ser aplicável processos pendentes em 31 de dezembro de 2007, no entanto daquele nº1 do art.11º consta simplesmente “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as disposições do presente decreto- lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor”.
E parece igualmente ignorar o sentido que o legislador pretendeu efetivamente estabelecer neste diploma que, afinal, consagrou um regime transitório bastamente complexo, sobre o que muito resumidamente se pode dizer que, elencando no nº2 desse art.11º aquelas disposições que afinal se aplicam aos processos pendentes nessa data, parte das regras estatuídas se aplicam aos processos pendentes e outras não. Após análise das inúmeras novas regras conclui-se que umas eram ou outras não eram aplicáveis ao caso dos autos e sempre necessariamente de acordo com a data em que se estava a praticar o ato processual.
Acresce que a aludida norma do nº1 do art.11º em causa foi já considerada inconstitucional por esse Tribunal, pelo menos na situação muito concreta do recurso acima referenciada no Acórdão 213/2012, com cuja dimensão normativa contraria o sentido deste Acórdão anterior de 2010 – o 429/2010.
Por outro lado, o Acórdão 213/2012 vai no exato sentido ora pretendido pela recorrente, o de a norma do nº1 do art.11º do DL 303/2007, de 24 de agosto ser declarado inconstitucional quando interpretada no sentido de que as disposições deste decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes cujos recursos sejam interpostos após a data da sua entrada em vigor.
Há suficiente coincidência normativa para que a questão seja considerada por esse Douto Tribunal, mormente se analisada a demais fundamentação que a recorrente pretende apresentar nas suas alegações, nomeadamente por considerar que a aplicação da referida norma ao caso dos autos, além do já exposto, constituirá uma violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança que a mesma deposita nos meios de defesa dos seus direitos do Estado de Direito consagrado no art.2º da Constituição da República Portuguesa; e põe em causa o direito a obter uma decisão em prazo razoável e a um processo justo e equitativo, consagrado no art.º20º nºs 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, além de ir contra o art.6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem quando declara que “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal...”.
Nas suas alegações – que a recorrente nem teve oportunidade de apresentar – expõe toda a motivação pela qual considera que, de facto as diferenças entre os dois regimes de recurso não são de somenos importância para a simplicidade, celeridade processual e rapidez em obter uma decisão em tempo razoável – se disso ainda se pudesse falar no caso dos autos, de 2000, cuja demora se ficou a dever na sua maior parte à demora do Tribunal em solucionar, acabando por determinar uma repetição de julgamento – e que constitui uma verdadeira diferença de tratamento processual, pois aquele que utilizar as novas regras de recurso (processo instaurado depois de agosto de 2007) receberá obrigatoriamente a decisão mais cedo que a recorrente e a sua ação judicial é muito anterior (2000), pelo simples facto de que as suas alegações só serão entregues no Tribunal alguns meses depois de ter recorrido.
Novamente, que igualdade? Que justiça?
Ao Julgador cabe agora concluir a tarefa iniciada pelo Legislador, em nome daqueles para quem as regras são estabelecidas e com respeito pelos princípios e normas constitucionais ao abrigo das quais todos devem subsistir com segurança, confiança, igualdade e justiça!
Manter em vigor este duplo regime, impedindo-se liminarmente a análise e discussão dos efeitos da coexistência de um regime comum e um transitório, que já vai em mais de 6 anos, só para alguns cidadãos, apenas porque resulta “da margem de discricionariedade que assiste ao legislador, por via do mandato democrático que lhe foi conferido”, o que não é aceitável nem razoável.
O Tribunal, maxime o Constitucional – até porque é igual Órgão de Soberania e a sua legitimidade democrática é indiscutível, tem o poder, a competência, dir-se-á mesmo, o dever, de velar para que o direito legislado seja concretamente aplicado a todos os cidadãos em condições de igualdade, segurança, confiança, celeridade e justiça.
Só após uma análise mais pormenorizada dos vários aspetos que se podem colocar relativamente à suscitada inconstitucionalidade, e para os quais a recorrente pretende dar o seu contributo nas alegações a apresentar no âmbito deste recurso para o Tribunal Constitucional, permitirá concluir se esta existe ou não.
Note-se que por mais de uma vez tem sido abordada a questão da inconstitucionalidade da norma em causa e até com decisões que a têm julgado inconstitucional, como se viu, o que constitui circunstância que, por si só, legitima, justifica e até impõe, que a mesma seja novamente escrutinada nesta sede.
A recorrente entende que a norma do nº1 do art.11º do DL 303/2007, de 24 de agosto, é inconstitucional quando interpretada no sentido de que as disposições deste decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes cujos recursos sejam interpostos após a data de sua entrada em vigor, porque desrespeita os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança que deposita nos meios de defesa do seus direitos do Estado de Direito consagrado no art.2º da Constituição da República Portuguesa, viola o princípio da igualdade ínsito no art.13º da Constituição da República Portuguesa e põe em causa o direito a obter uma decisão em prazo razoável e a um processo justo e equitativo, consagrado no art.2º nºs 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, além de ir contra o art.6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem quando declara que “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal...”.
A decisão sumária o Exmº Juiz Conselheiro Relator, sem ter dado a oportunidade à requerente de apresentar a suas razões e, em simultâneo, não ter permitido qualquer análise sobre a questão de fundo que se coloca, para além de, tendo circunscrito a decisão a uma parte da matéria, se não pronunciou sobre todos os princípios e normas constitucionais que a recorrente alega terem sido violadas pela decisão recorrenda, deve ser alterada.”
Na sequência da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, a recorrente veio, em requerimento superveniente, aduzir o seguinte:
«- O Novo Código de Processo Civil (lei 41/2013, de 26.jun) está em vigor desde 1 de Setembro de 2013 e do respetivo regime transitório resulta que é de aplicação imediata aos processos em curso nos tribunais, apenas com as exceções indispensáveis à compatibilização de regimes;
- Ora, o nº1 do art.7º da citada Lei 41/2013 vem estabelecer expressamente que, afinal, aos recursos interpostos de decisões proferidas em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 se aplica o regime de recursos decorrente do DL 303/.2007de 24.ago, com as alterações ora introduzidas pelo novo regime, revogando o regime da norma transitória daquele DL 303/2007;
- O prazo geral de interposição de recursos passa a ser de 30 dias, que é o previsto no art.638º do novo Código de Processo Civil e o aplicável desde 1 de janeiro de 2008 (o estabelecido pelo DL 303/2007, de 24.ago);
- O legislador veio, afinal, a consagrar expressamente aquele que é o regime mais justo, aquele que não faz distinções infundadas, permitindo que todos os cidadãos tenham presentemente o mesmo prazo para recorrer independentemente da data em que interpuseram a sua ação ou Tribunal demorou a julgá-la;
Este novo regime vem, pois, reforçar totalmente a posição que a recorrente vem defendendo como a mais coerente com os princípios basilares do Direito para a prestação da justiça.
Termos em que, pela pertinência que a consagração expressa da posição defendida pela reclamante no Novo Regime do Processo Civil e entretanto já em vigor, pode ter para decisão do presente recurso, conclui como anteriormente, pedindo a V. Exªs se dignem substituir a decisão sumária do Exmº Juiz Conselheiro Relator por outra que mande conhecer do objeto do recurso, ordenando o respetivo prosseguimento, com a notificação do recorrente para apresentar alegações.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
3. A decisão reclamada determinou o não conhecimento, em parte, do objeto do recurso pelo facto de não se encontrar preenchido pressuposto específico do recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC; na parte cognoscível – respeitante ao recurso constante da alínea b), do mesmo preceito – negou provimento ao mesmo, acolhendo e aderindo a fundamentação constante de jurisprudência constitucional anterior.
A recorrente não se conforma com este desfecho: não aceita, por um lado, o não conhecimento do recurso interposto com base na alínea g); e não se conforma, por outro, com o juízo de não inconstitucionalidade que foi proferido no âmbito do recurso previsto na alínea b).
Vejamos, separadamente, os fundamentos do dissídio da recorrente de modo a apreciar a procedência das suas pretensões.
A) Quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea g)
4. O não conhecimento do recurso fundou-se na conclusão de que não se verificava identidade entre a questão a decidir nos presentes autos e o objeto dos recursos analisados no âmbito da jurisprudência constitucional cotejada pela recorrente enquanto fundamento do recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
A recorrente começa por dizer que a decisão ora reclamada errou ao analisar a admissibilidade do recurso face aos Acórdãos n.ºs 102/2010 e 442/2012, uma vez que o cotejo de tais arestos apenas relevaria no plano do recurso deduzido com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC. Ora, se assim era, competia-lhe então, no cumprimento de um dever de clareza na exposição dos fundamentos da sua pretensão de interposição do recurso de constitucionalidade, a formulação de um requerimento de recurso em que constasse, de modo inequívoco, o preenchimento, in casu, dos pressupostos das impugnações que pretendia ver apreciadas por este Tribunal Constitucional. Não o fez.
O requerimento de recurso limitou-se a indicar as alíneas ao abrigo das quais o mesmo era interposto, sendo seguido de diversas linhas de motivação que se desenvolveram sem especificação concreta quanto aos tipos de recurso (dos dois recursos que pretendia interpor) visados por cada uma delas. Aliás, não só a recorrente não se dignou prestar tal esclarecimento, como a formulação textual por si utilizada induz o leitor na conclusão precisamente oposta face à intenção que agora vem «clarificar». Assim, defende a recorrente que, quanto ao recurso interposto nos termos da alínea g), apenas indicou como acórdão-fundamento o Acórdão n.º 213/2012. Se assim é, como interpretar então o que disse na alínea D) do seu requerimento de recurso, nos termos da qual a interpretação conferida à norma constante do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, “contraria o Tribunal Constitucional que no seu Acórdão n.º 442/2012 (ainda que em sede de processo penal) declara ser “entendimento persistente e reiterado deste Tribunal, quando aprecia o problema da sucessão de leis no tempo processuais penais que alteram o regime dos recursos… que o momento determinante para a aferição do direito fundamental ao recurso corresponde à data da prolação de decisão condenatória a quem pretende exercer o referido direito”?
É bom de ver que estamos a tratar de uma modalidade de recurso de constitucionalidade que visa, precisamente, permitir a fiscalização, pelo Tribunal Constitucional, de decisões judiciais que procedem à aplicação de normas ou interpretações normativas anteriormente julgadas inconstitucionais, assim garantindo a possibilidade de reexame de decisões que, por essa via, contrariem jurisprudência constitucional anterior.
E que dizer, do mesmo modo, do que disse a recorrente na alínea E) do mesmo requerimento de recurso, nos termos da qual, “além de ter sido abordada a questão da sua inconstitucionalidade [i.e. da inconstitucionalidade da interpretação do referido artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007] no Acórdão n.º 102/2010 do mesmo Tribunal, a norma do n.º 1 do artigo 11.º em causa foi julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 213/2010 do Tribunal Constitucional”? Nesta alínea a recorrente engloba a referência a dois arestos deste Tribunal Constitucional sem cuidar de especificar a que título o mesmos eram por si cotejados. Sendo que vem agora defender que o único acórdão-fundamento que pretendia invocar, para efeitos da intenção de recorrer ao abrigo da alínea g), era o Acórdão n.º 213/2012, então não se percebe como é que a referência ao mesmo surge assim, de modo tão «desligado» daquele tipo de recurso, e em tratamento sistemático conjunto com a referência ao Acórdão n.º 102/2010 (o qual afinal, segundo sustenta agora a recorrente-reclamante, é cotejado apenas enquanto argumento abonatório do mérito do recurso interposto ao abrigo da alínea g)).
5. Relativamente ao referido Acórdão n.º 213/2012, a reclamante sustenta “haver coincidência de dimensão normativa suscetível de fundamentar o recurso em questão. Tal Acórdão declarou inconstitucional o n.º 1 do art 11º do DL 303/2007, de 24 de agosto, quando interpretado no sentido de que às ações executivas intentadas após o início de vigência daquele diploma e que tenham de correr por apenso à ação declarativa – e portanto, da qual são dependentes, não se aplica o novo regime de recursos instituído por aquele diploma. (…) A coincidência resulta afinal de tanto num caso como no outro se estar perante processos que se iniciaram antes da entrada em vigor do novo regime de recursos e de a data de interposição de recurso, ou seja, a data em que nasce o direito ao recurso, ocorrer depois da respetiva entrada em vigor. Mal se compreende o contrário”.
Não lhe assiste razão. Disse-se na decisão reclamada o seguinte, no ponto 3.3.: «Já pelo Acórdão n.º 213/2012 foi o artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto julgado inconstitucional, quando interpretado no sentido de que às ações executivas intentadas após o início de vigência daquele diploma e que tenham que correr por apenso à ação declarativa, não se aplica o novo regime de recursos instituído por aquele diploma. Constata-se desde logo, por conseguinte, que, embora versando sobre o mesmo preceito, a dimensão normativa que foi então objeto de fiscalização não coincide com a que integra o objeto do presente recurso, a qual se refere a tal preceito quando interpretado no sentido de que as disposições do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto não se aplicam aos processos pendentes cujos recursos sejam interpostos após a data da sua entrada em vigor.»
O fundamento para a não admissão do recurso, quanto a esta parte, residiu na constatação da ausência de identidade entre o objeto do presente recurso e o que está na base da prolação daquele aresto: embora, se verificasse, em ambos os casos, identidade formal quanto ao preceito legal em causa, não procedia uma identidade material (isto é: referente ao critério normativo) entre os dois casos uma vez que, em concreto, o Tribunal Constitucional apreciou uma dimensão normativa que não coincide com aquela que foi aplicada na decisão recorrida. No Acórdão n.º 213/2012, o Tribunal Constitucional foi confrontado com um caso em que, tratando-se de ação executiva intentada na sequência de ação declarativa, o julgador não atribuiu relevância autónoma a esta vicissitude processual, enquadrando-a como operação subsumível no âmbito da ação declarativa para efeitos de determinação do regime legal recursório aplicável. Ora, essencial para o juízo de inconstitucionalidade que foi então proferido foi precisamente a circunstância de se tratar de ação executiva intentada após o início de vigência do Decreto-Lei n.º 303/2007 e que correu por apenso à ação declarativa. Para comprovar esta asserção, atente-se no seguinte trecho da referida decisão:
«Na verdade, considerar a ação executiva como pendente à data da entrada em vigor da nova lei, não obstante ter sido instaurada posteriormente, pelo simples facto de correr por apenso a uma prévia ação declarativa, iniciada anteriormente àquela data, implica a rejeição de autonomia do processo executivo que obedeça a essa característica. E esse passo foi expressamente dado, quer pelo despacho de não admissão do recurso, quer pela decisão recorrida, que indeferiu a subsequente reclamação.
Mas negar, nessas circunstâncias, a independência do processo executivo contraria frontalmente dados normativos e de dogmática processual bem consolidados. “As ações são declarativas ou executivas”, proclama categoricamente o n.º 1 do artigo 4.º do Código de Processo Civil. Cada uma destas distintas categorias de ação tem natureza, função e regimes próprios, cabendo à ação executiva a “reparação efetiva do direito violado”. Não pode, sequer, falar-se de um vínculo de dependência da ação executiva em relação à declarativa, tida como a ação principal, pois, como bem anota LEBRE DE FREITAS, «as duas ações coordenam-se funcionalmente, mas sem subordinação duma à outra» (A ação executiva, 4.ª ed., Coimbra, 2004, p. 21, n. 35-A).
E nada muda pelo facto de o título executivo advir de uma ação declarativa, contrariamente ao sustentado no acórdão recorrido, para o qual « (…) tal autonomia não se verifica, designadamente por o título executivo, a tomar em consideração em sede de execução, estar contido na ação declarativa».
Não se pode, por conseguinte, aderir ao entendimento simplista de que, em ambos os casos, se está «perante processos que se iniciaram antes da entrada em vigor do novo regime de recursos e de a data de interposição de recurso, ou seja, a data em que nasce o direito ao recurso, ocorrer depois da respetiva entrada em vigor.» Num caso, está-se perante um recurso interposto no âmbito de ação executiva instaurada posteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 303/2007, tendo esta circunstância sido determinante para o juízo de inconstitucionalidade então proferido. No presente caso, não se vislumbra uma situação semelhante pois trata-se de recurso interposto no âmbito de ação declarativa pendente à data da entrada em vigor daquele diploma, não ocorrendo qualquer vicissitude que se possa considerar análoga à hipótese apreciada e decidida no âmbito do Acórdão n.º 213/2012.
Improcede, por conseguinte, a pretensão da recorrente quanto à admissibilidade do recurso interposto com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC.
B) Quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea b)
6. A Decisão reclamada negou provimento ao recurso deduzido ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, considerando que a questão tinha sido já objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional e que era de aderir, in casu, a tal jurisprudência. Convocou-se, por conseguinte, o Acórdão n.º 429/2010, já referido supra.
A reclamante discorda do assim decidido invocando, em síntese, os seguintes argumentos: (i) tal decisão foi contrariada pelo [posterior] Acórdão n.º 213/2012; (ii) trata-se de decisão de 2010, pelo que, a maior distância temporal da situação presente nos autos face ao regime transitório estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007 justifica uma diferente ponderação dos aspetos ligados à desrazoabilidade e desigualdade do regime transitório então aprovado; (iii) a Decisão sumária reclamada não se «pronunciou sobre todos os princípios e normas constitucionais que a recorrente alega terem sido violadas pela decisão recorrenda».
Começando por este terceiro aspeto: a Decisão ora reclamada cotejou os fundamentos do Acórdão n.º 429/2010. Este aresto não julgou inconstitucional o artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, nos termos do qual as alterações introduzidas por aquele diploma não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, em face dos princípios constitucionais da confiança e da igualdade e do direito fundamental a uma decisão em prazo razoável. Ora, estes foram precisamente os parâmetros constitucionais cotejados pela recorrente na conformação do objeto do presente recurso.
Por outro lado, a distância temporal assinalada pela recorrente não pode relevar com os efeitos que pretende uma vez que, como se sabe, o objeto da presente impugnação é exclusivamente normativo: apenas interessa, para estes efeitos, a determinação da interpretação e aplicação do direito infra-constitucional e não quaisquer outros elementos relacionados com a decisão recorrida, os quais apenas poderiam relevar no âmbito de um controlo direcionado à mesma (e não à interpretação legal concretamente aplicada). Por fim, e na sequência do que já se explanou supra a propósito do recurso interposto ao abrigo da alínea g), o Acórdão n.º 102/2010 não foi contrariado posteriormente pelo Acórdão n.º 213/2012: foram abordadas questões de constitucionalidade distintas e o circunstancialismo valorado de modo decisivo pelo Tribunal Constitucional na segunda pronúncia referida encontrava-se ausente na situação patente no primeiro aresto mencionado. O objeto deste aresto é replicável na situação que se apresenta nos autos sub judicio pelo que se entendeu remeter para os respetivos fundamentos, negando-se, por essa via, provimento ao presente recurso. É esta a decisão que agora cumpre manter, uma vez que os argumentos aduzidos pela recorrente na sua reclamação não lograram afastar a conclusão que então se alcançou.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar a reclamante nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 7.º do mesmo diploma)
Lisboa, 28 de novembro de 2013. – Pedro Machete - Fernando Vaz Ventura - Joaquim de Sousa Ribeiro.