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Processo n.º 964/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 21 de março de 2013, foi negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e ora recorrente A. e, consequentemente, confirmado o acórdão da 3.ª Vara Criminal de Lisboa que o havia condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão.
2. Inconformado, o arguido interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b,) do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), através de requerimento com o seguinte teor:
«(…) O recurso é interposto no sentido de ser declarada a inconstitucionalidade do art. 21 do DL 15/93 por violação dos arts. 1º, 27, 32-1 e 58 da Lei Fundamental na hermenêutica expendida no Acórdão recorrido a fls. 227 e 228.
A inconstitucionalidade foi suscitada nas conclusões nºs 14 e 15 no recurso interposto da Douta Decisão da 3ª Vara Criminal Lisboa para o TRL. »
3. Neste Tribunal, foi proferida a decisão sumária n.º 597/2013, nos termos da qual foi decidido não conhecer do recurso, em virtude de ilegitimidade do recorrente, por não ter sido suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa perante o Tribunal a quo.
Diz-se na referida decisão:
«(...)
6. No caso presente, o recorrente não suscitou perante o tribunal recorrido de forma processualmente adequada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Pode ler-se nas conclusões da motivação de recurso para o tribunal a quo:
“14- O Princípio da Humanidade das Penas impõe que, face às circunstâncias atenuantes, a pena seja reduzida para 4 anos e suspensa na sua execução por igual período: GIORGIO DEL VECCHIO: .. Direito e Paz 1968, Scientia Jurídica, p. 41, BECCARIA:. Dos Delitos e Penas- 1764; Prof. Figueiredo Dias, DPP, Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Ed. Notícias, 1993; 843.
15- Uma hermenêutica que pugne pela prisão efetiva traduz a inconstitucionalidade dos art. 21 do DL 15/93 por violação dos arts. 1º, 27, 32-1 e 58 da Lei Fundamental.”
Da transcrição que antecede não resulta especificado qualquer critério ou padrão normativo da decisão extraível do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, enquanto regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica. Ao invés, ressalta que o recorrente procura colocar em crise a própria decisão judicial recorrida, na vertente da escolha e determinação concreta da pena. Trata-se, assim de questionar a subsunção do caso ao Direito que se tem como ajustado, julgamento irremediavelmente ligado à específica e casuística ponderação de todas as circunstâncias do facto. A apreciação da bondade desse juízo não encontra inscrição na competência de fiscalização normativa cometida pela Constituição ao Tribunal Constitucional no artigo 280.º, n.º1, al. b), e concretizada na al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Assim, inverificado o pressuposto insuprível de suscitação de questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, determinante da ilegitimidade do recorrente, há que concluir, desde já, pela inadmissibilidade do recurso e, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, pela prolação de decisão sumária.»
4. Veio o recorrente reclamar da decisão sumária para a Conferência, através de requerimento com o seguinte conteúdo:
«(...)
O recorrente dá aqui por reproduzidos os argumentos já vertidos no recurso.
O art. 21 do DL 15/93 foi aplicado in casu, na dimensão de 4 a 12 anos de prisão.
O recorrente coloca em crise esta norma, por violação dos arts. 1º, 27º, 32.-1 da Lei Fundamental. Os argumentos foram invocados nas conclusões 14 a e 15 do recurso interposto para o Tribuna1 da Relação Lisboa.
O não conhecimento do recurso traduz negação da mais elementar Justiça e um erro colossal só comparável a um terramoto na Vida do recorrente, tal como alertava o Mestre Cunha Gonçalves, em 1954:
Mestre CUNHA GONÇALVES: “... os Juízes têm e devem ter a faculdade de julgar segundo os ditames da sua consciência, que se presume inflexível e reta, conforme o critério da sua razão, que se supõe lúcida e esclarecida e as diretivas da sua inteligência, que mercê de prévios estudos se reputa culta e abarrotada de ciência jurídica. Podem estes postulados falhar na prática; mas os erros da justiça esgotados todos os recursos, devem ser tidos por mazelas incuráveis, que os litigantes vencidos hão de suportar como suportariam o cancro ou um terramoto...”. Cunha Gonçalves In Tratado de Direito Volume XIII - pag 492.»
5. Em resposta, o Ministério Público tomou posição, no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
6. Vem o recorrente reclamar da decisão sumária que, com fundamento na sua ilegitimidade, concluiu pelo não conhecimento do recurso de constitucionalidade.
Confrontado o teor da reclamação apresentada, constata-se, como assinala o Ministério Público, que nenhum argumento votado a contrariar os fundamentos da decisão reclamada é apresentado, limitando-se o recorrente a manifestar a sua discordância e a suscitar a intervenção da Conferência.
Ora, como se explicitou na decisão reclamada, com a qual se concorda inteiramente, o recorrente não colocou perante o Tribunal a quo qualquer questão normativa de constitucionalidade; antes procurou convencer da suficiência casuística – “face às circunstâncias atenuantes” - de reação sancionatória não privativa da liberdade, questão aplicativa do direito infraconstitucional que não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar. E, porque a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa constitui pressuposto do recurso e condição de legitimidade do recorrente, o recurso não é admissível.
Cumpre, assim, confirmar a decisão sumária que, com fundamento na ilegitimidade da recorrente, não conheceu do recurso interposto.
III. Decisão
7. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada; e
b) Condenar o reclamante nas custas, fixando-se em 20 (vinte) Ucs a taxa de justiça devida, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido pelo reclamante.
Lisboa, 28 de novembro de 2013.- Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.