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Processo n.º 310/14
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, A. veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
Indica, para efeito do artigo 75.º A, n.º 3, da LTC, o Acórdão n.º 219/89, de 15 de fevereiro de 1989, “atendendo a que nele foi julgado inconstitucional o artigo 665.º do C.P.P. de 1929, o qual corresponde ao actual 410.º do C.P.P. em vigor, conforme decorre dos doutos Acórdãos nºs 264/98 (…) e 181/99 (…), também proferidos pelo Venerando Tribunal Constitucional.”
2. Por decisão de 5 de fevereiro de 2014, o Tribunal da Relação de Coimbra não admitiu o recurso de constitucionalidade, com fundamento na circunstância de “o sindicando acórdão desta Relação (de fls. 664/674) em nada colid[ir] com a resolução jurídico-constitucional emergente do referenciado aresto n.º 219/89 do TC”.
É desta decisão, proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, que o recorrente presentemente reclama.
3. Para fundamentar a reclamação apresentada, manifesta o recorrente a sua discordância relativamente à decisão reclamada, referindo que não compete ao tribunal a quo aferir da existência da colisão “com a resolução jurídico-constitucional emergente do aresto n.º 219/89 emanado pelo Tribunal Constitucional, mas sim a este último”.
Acrescenta que apenas no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC pode o tribunal a quo “indeferir o requerimento de interposição por manifestamente infundado”.
Conclui, nestes termos, que deve ser admitido o recurso.
Sem prescindir dos argumentos anteriores, refere ainda o reclamante que a decisão recorrida colide com o juízo do Acórdão n.º 219/89, na parte referente ao artigo 665.º do Código de Processo Penal de 1929, mais defendendo que tal preceito corresponde ao artigo 410.º do actual Código de Processo Penal.
Acrescenta que foi “entendimento do Tribunal a quo manter a sentença proferida por não recair sobre a mesma qualquer juízo de censura, atenta restrição que sobre si incorria no que respeita à análise da factualidade sobre juízo. Porém, “incumbia ao Tribunal a quo atentar, de igual modo, ao teor da acta materializada em sede do interrogatório judicial (…) e não apenas à sentença (…)”.
Conclui que, não tendo o tribunal a quo valorado os elementos fornecidos aquando do interrogatório judicial, verificou-se uma “violação do duplo grau de jurisdição efectiva”.
Pelo exposto, peticiona a admissão do recurso.
4. O Ministério Público, no Tribunal Constitucional, referiu, em síntese, que a norma julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 219/89 não foi aplicada na decisão recorrida.
Concluiu, nestes termos, que a reclamação deverá ser indeferida.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
5. O recurso interposto funda-se na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Nos termos de tal normativo, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem “norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional”.
A admissibilidade do recurso, nestas circunstâncias, fica dependente do facto de existir coincidência entre o critério normativo efectivamente aplicado pela decisão recorrida e aquele que foi precedentemente julgado ilegal ou inconstitucional.
Ora, no caso, é manifesto que nem a norma julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 219/89 nem qualquer norma extraível do artigo 410.º do actual Código de Processo Penal – preceito que o recorrente refere, no requerimento de interposição de recurso, - são aplicadas no acórdão recorrido, sendo certo que este corresponde ao proferido em 27 de novembro de 2013, como pressupôs a decisão reclamada.
De facto, não obstante o recorrente não ter identificado, inequivocamente, a decisão recorrida, no requerimento de interposição de recurso, apenas se referindo ao “acórdão proferido no âmbito do processo” teremos de entender – tal como fez a decisão reclamada – que tal decisão corresponde, à míngua de outro elemento identificativo, ao último acórdão de que o recorrente foi notificado, em momento prévio ao da interposição do recurso.
Tal acórdão, proferido em 27 de novembro de 2013, decidiu julgar a reclamação deduzida nula, por ineptidão, abstendo-se de se pronunciar quanto ao respectivo merecimento, não tendo convocado qualquer dos preceitos referidos no requerimento de interposição de recurso.
Assim, mostra-se inadmissível o recurso.
Face à inadmissibilidade do recurso, conclui-se, sem necessidade de outras considerações, pela improcedência da reclamação.
III
Decisão
6. Nestes termos, decide-se:
- julgar inadmissível o recurso de constitucionalidade interposto e, em consequência, julgar improcedente a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 9 de abril de 2014. – Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.