Imprimir acórdão
Processo n.º 1158/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã foi proferido despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que havia sido condenado o arguido A..
O arguido recorreu desta decisão, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão proferido em 3 de julho de 2013, negado provimento ao recurso.
O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, requerendo que fosse apreciada a inconstitucionalidade das normas disciplinadas pelos artigos 14.º, 105.º, do RGIT, 50.º a 57.º, do Código Penal, 339.º, 494.º, n.º 1 e 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, 1.º, do Protocolo CDEH e 18.º, 271.º, n.º 1 e 280.º, n.º 1, b), da Constituição, com a interpretação como tais normas foram aplicadas na decisão recorrida, tendo alegado que tal inconstitucionalidade foi suscitada na motivação e respetivas conclusões do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo, ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço, com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente processo –, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade deva, em princípio, ter sido colocada ao tribunal a quo, além de que permitir o acesso a este Tribunal com base numa invocação da inconstitucionalidade unicamente após a prolação da decisão recorrida, abriria o indesejável caminho à sua utilização como expediente dilatório. Daí que só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade de uma norma quem tenha suscitada previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.
O Recorrente no requerimento de interposição de recurso não explicita qual foi a interpretação sustentada na decisão recorrida dos artigos 14.º, 105.º, do RGIT, 50.º a 57.º, do Código Penal, 339.º, 494.º, n.º 1 e 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, 1.º, do Protocolo CDEH e 18.º, 271.º, n.º 1 e 280.º, n.º 1, b), da Constituição, que entende violar parâmetros constitucionais.
Apesar dessa insuficiência poder ser suprível através da utilização do mecanismo previsto no n.º 5, do artigo 75.º-A, da LTC, convidando-se o Recorrente a enunciar essa interpretação, tal diligência revela-se inútil, uma vez que não foi suscitada perante o tribunal recorrido a inconstitucionalidade de qualquer interpretação normativa, tendo o Recorrente, nas alegações de recurso dirigidas ao Tribunal da Relação de Coimbra, se limitado a dizer que o despacho recorrido havia violado os artigos 14.º, 105.º, do RGIT, 50.º a 57.º, do Código Penal, 339.º, 494.º, n.º 1 e 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, 1.º, do Protocolo CDEH, e 18.º, 271.º, n.º 1 e 280.º, n.º 1, b), da Constituição (ponto XXXIV das conclusões).
Daí que a decisão recorrida não tenha apreciado qualquer questão de constitucionalidade.
A falta de suscitação adequada perante o Tribunal recorrido da questão de constitucionalidade que se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie já não é suprível, pelo que não é possível conhecer do objeto do recurso, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos permitidos pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.”
O Recorrente reclamou desta decisão, expondo o seguinte:
“A Douta Decisão Sumária que rejeitou conhecer do recurso interposto pelo aqui reclamante assenta na consideração do recorrente não ter suscitado questões de inconstitucionalidade durante o processo.
Com o devido respeito, que é muito, o ora reclamante desde logo no recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, quer na Motivação quer nas Conclusões suscitou a inconstitucionalidade, quer de normas quer de princípios constitucionais no sentido de ter sido violado os artigos 18.º, 27.º e 280.º n.º 1 alínea h) da Constituição da República Portuguesa e artigo 1.º do Protocolo n.º 4 da CEDH, por entender não terem sido observados os princípios da igualdade, adequação e proporcionalidade na ótica dos interesses do arguido que os artigos 14.º n.º 1 e 2, 105.º n.º 1 ambos do RGIT; artigos 51.º n.º 3 , 52.º n.º 3, 50.º a 57.º todos do Código Penal e artigos 339.º n.º 4, 494.º e 495.º n.º 1 do Código de Processo Penal prescrevem, e que no nosso modesto entendimento, salvo melhor douta opinião, não foram interpretados e aplicados conforme Lei.
Acresce que
O reclamante não podia razoavelmente contar com a aliás douta Decisão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra ao negar-lhe provimento ao recurso por si interposto, atento que dos autos consta prova documental (declarações do IRS) que atestam os seus baixos rendimentos e da sua impossibilidade objetiva de angariar rendimentos que lhe permitissem cumprir com a condição da suspensão da pena de prisão, pese embora a sua confissão em sentido contrário, - diga-se feita em momento de profunda depressão nervosa- que o Tribunal na sua livre apreciação da prova levou em consideração preterindo toda a prova documental dos autos.
Além das questões de inconstitucionalidade suscitadas «durante o processo» o reclamante no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional arguiu as inconstitucionalidades em causa devendo o recurso ser admitido, aliás como tem sido Jurisprudência defendida em vários acórdãos pelo Tribunal Constitucional.
Assim sendo,
E sempre com o devido respeito, não tem razão a Douta Decisão Sumária ao não conhecer do objeto do recurso por falta de requisito processual.”
O Ministério Público respondeu, pronunciando-se pelo indeferimento da reclamação.
*
Fundamentação
O Recorrente nem no requerimento de interposição de recurso dirigido ao tribunal recorrido, nem no requerimento de interposição de recurso dirigido ao Tribunal Constitucional, nem na presente reclamação, identifica qual o critério normativo cuja constitucionalidade pretende ver fiscalizada, pelo que é patente que não suscitou adequadamente perante o tribunal recorrido uma questão de constitucionalidade, nem é possível verificar a imprevisibilidade da aplicação de um critério que se desconhece por ausência de indicação do Recorrente.
Por estas razões deve ser indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A..
*
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 28 de novembro de 2013. – João Cura Mariano - Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.