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Processo n.º 905/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, na 3ª secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. A., S.A., reclamou perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto do despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Porto 2, de 27 de maio de 2010, que lhe indeferiu o pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda referente a Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas relativo ao ano de 1993 e que fora entretanto objeto de processo de execução fiscal.
Por sentença de 21 de dezembro de 2011, a reclamação foi julgada improcedente por se ter entendido que o prazo de prescrição, que se iniciou em 1 de janeiro de 1994, se encontrou suspenso entre 8 de março de 1999 e 8 de março de 2000, por virtude da transformação do efeito interruptivo da impugnação deduzida naquela data em efeito suspensivo pelo período de um ano, nos termos do artigo 49º, nº 2, da LGT, tendo-se mantido a suspensão do prazo prescricional, nos termos do artigo 49º, n.º 3, da mesma Lei, entre 22 de julho de 1999, data da prestação de garantia, até 29 de novembro de 2007, data do trânsito em julgado da sentença proferida no processo de impugnação judicial, e entre 14 de setembro de 2007, momento da apresentação da oposição à execução, até 30 de novembro de 2009, data do trânsito em julgado da decisão proferida nesse incidente.
Dessa decisão a reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, alegando, além do mais, a inconstitucionalidade material da norma do artigo 49º, nº 3, da LGT por violação do princípio da proteção da confiança e do princípio da proibição da normas retroativas, tal como consagrados nos artigos 2º, 18º, nº 3, e 103º, nº 3, da Constituição, e a inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 49º, nº 3, da mesma Lei, com base no facto de a respetiva lei de autorização legislativa — artigo 2º, alínea 18), da Lei nº 41/98, de 4 de agosto - apenas permitir o encurtamento do prazo de prescrição e, não o seu alargamento.
Por acórdão de 28 de março de 2012, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida, fundamentando a decisão quanto às questões de constitucionalidade nos seguintes termos:
Da não violação dos princípios da legalidade tributária, da proibição da retroatividade da lei fiscal e da certeza e segurança jurídica
Foi com a revisão constitucional de 1997 que o legislador constituinte optou por consagrar, no art. 103º, nº3, da CRP, o princípio geral da proibição de cobrança, pelo Estado, de impostos retroativos. Note-se, porém, que, como vem afirmando o Tribunal Constitucional (Acórdão nº 85/2010, proc. 653/09), o preceito abrange apenas a retroatividade “própria” ou “autêntica”. “Ou seja, proíbe-se a retroatividade que se traduz na aplicação da lei nova a factos (no caso, factos tributários) antigos (anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova)”.
[…]
Assim sendo, para haver violação do princípio da proibição da retroatividade, consagrado no art. 103º, nº 3, da CRP, era necessário que ocorresse retroatividade autêntica, isto é, que a lei nova tivesse sido aplicada a um facto passado, inteiramente decorrido ao abrigo da lei antiga, o que como se demonstrou, não sucedeu.
Do mesmo modo, não subsiste qualquer violação do princípio da proteção da confiança, na vertente da segurança jurídica.
Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 28/9/2011, seguindo jurisprudência do Tribunal Constitucional, para averiguar se há violação destes princípios há que proceder “«a um justo balanceamento entre a proteção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam 'tocadas' relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte». “Sendo que só uma retroatividade intolerável, que afete de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio de proteção da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito”.
No caso em apreço, tal como se conclui no mencionado Acórdão, não se pode dizer que a afetação das expectativas do recorrente quanto ao cômputo do prazo da prescrição tenha sido arbitrária ou deva considerar-se demasiado onerosa. Como pondera JORGE DE SOUSA (Cfr. ob. cit., p. 68.), reportando-se à sucessão de regimes combinando causas de interrupção com causas de suspensão, “(…) compreende-se que o efeito interruptivo cesse por paragem do processo por mais de um ano por facto imputável ao contribuinte, pois essa paragem será imputável aos serviços estaduais que devem fazer tramitar atempadamente os processos administrativos e judiciais. Mas, também se compreende que, sendo o fundamento da prescrição das obrigações a negligência do credor em cobrar a dívida, não se deixe correr o prazo de prescrição enquanto estes credor está legalmente impossibilitado de providenciar no sentido de a cobrança ser efetuada”.
A solução dada ao caso pela Mmª Juíza a quo também não se afigura intolerável e constitucionalmente inadmissível, pois tal só sucederia, voltando à jurisprudência do Tribunal Constitucional, vazada no Acórdão citado, se não houvesse fundamento material (um interesse público relevante) capaz de justificar a mutação operada na ordem jurídica - uma mutação que, então, se apresentaria como imprevisível e injustificada, não podendo os cidadãos contar com ela.
Não se verifica, pois, a invocada inconstitucionalidade do sentido decisório da sentença recorrida, pelo que improcede, também, nesta parte, a argumentação da recorrente.
Quanto à alegada inconstitucionalidade orgânica do n.° 3 do artigo 49.° da LGT
[…]
O art. 103º da CRP ao estabelecer, no seu nº 2, que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”, procede, desta forma, à delimitação, do âmbito da reserva parlamentar no tocante aos impostos e aos seus elementos essenciais.
Cumpre começar por realçar que sobre a questão de saber se esta reserva abrange os próprios prazos de prescrição e de caducidade, como normas que delimitam poderes da Administração fiscal em relação aos direitos dos contribuintes, não existe sequer uniformidade na doutrina (Em sentido afirmativo, cfr. SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p.118. Em sentido contrário, cfr. SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p. 283, nota (453).).
A questão não se coloca, porém, no caso em apreço, porque a lei de autorização da LGT (Lei 41/98, de 4/8), no artigo 2.°/17/18, autorizou o Governo a rever o prazo de prescrição das obrigações tributárias, podendo-os encurtar de modo consentâneo com as possibilidades e o aumento de eficiência da Administração e a rever os pressupostos da interrupção da prescrição.
Ora, como bem sublinha a Mmª Juíza “a quo” “o legislador, através do artigo 48.° da LGT procedeu ao encurtamento do prazo de prescrição previsto no regime anterior (C.P.T), de 10 para 8 anos, não se podendo inferir que a previsão de causas de suspensão (no nº 3 do artigo 49º) corresponde a um alargamento do prazo, pois o quantum do prazo prescricional e as causas de interrupção e suspensão constituem realidades diversas, estando, mesmo, sujeitas a regras distintas no que concerne à aplicação da lei no tempo”.
“Efetivamente o nº 3 do artigo 49º não estabelece qualquer prazo de prescrição, apenas se limita a dispor sobre a suspensão do seu decurso, influindo, assim, no modus de contagem do prazo, mas não no prazo em si mesmo, não se afigurando poder concluir, como defende a Reclamante, que esse normativo alargou o prazo de prescrição”.
Recorda, ainda, a Mmª Juíza “a quo” que no âmbito do CPT a simples instauração do processo de execução fiscal determinava um efeito interruptivo que se mantinha até ao termo do processo, efeito que deixou de existir com a LGT, dado que esta apenas atribui efeito suspensivo à paragem do processo de execução, enquanto esta se mantiver inerte, deixando assim a instauração da execução de possuir qualquer efeito no decurso do prazo prescricional. Donde se conclui, ao contrário do alegado pela recorrente, que da comparação dos dois regimes (“efeito interruptivo da instauração da execução versus efeito suspensivo da paragem da execução)”, a virtualidade do termo da prescrição ser mesmo “antecipado e não “prolongado”.
Finalmente, aderindo de novo à argumentação da sentença recorrida, afigura-se carecer de autorização expressa da AR a estatuição da causa de suspensão do prazo de prescrição prevista no artigo 49.°/3 da LGT, pois que tal solução “correspondia a uma solução jurídica exigida pela lógica do sistema tributário, perfeitamente justificada, não fazendo sentido que a prescrição corresse durante um período em que o credor tributário se encontra legalmente cerceado da prática de qualquer ato concreto atinente à cobrança da dívida”.
Acresce que, sendo a exigibilidade da dívida requisito da contagem do prazo de prescrição, em caso de impedimento legal à exigibilidade da dívida, não pode contar-se o prazo de prescrição, daí que sempre teria de dar-se à norma em causa caráter interpretativo e não inovador (Neste sentido, cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, 2001, Rei dos Livros, p. 231. citado na douta sentença recorrida, fls. 357 nota (29)).
Assim sendo, improcede igualmente a tese da inconstitucionalidade orgânica do normativo do artigo 49.°/3 da LGT.
A interessada interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, tendo por objeto a constitucionalidade orgânica e material do n.º 3 do artigo 49º da Lei Geral Tributária, por violação dos princípios da legalidade tributária, da proibição da retroatividade fiscal, da certeza e segurança ¡jurídica, plasmados nos artigos 2º., 18.º n.º 3, e 103.º nº 3 da CRP.
Notificada pelo relator para concretizar a interpretação normativa que pretende ver apreciada, a recorrente aperfeiçoou o requerimento de interposição de recurso nos seguintes termos.
[…]
2. Materialmente, está concretamente em causa a interpretação daquele normativo no sentido de que: (i) a apresentação de impugnação judicial protela o início do prazo de prescrição para o momento em que a impugnação judicial transitar em julgado, designadamente atendendo ao disposto no nº 1 do artigo 327º do Código Civil; e (ii) que aquele preceito é aplicável a factos tributários e prazos prescricionais ocorridos e iniciados antes da sua entrada em vigor.
3. Organicamente, está em causa o facto da respetiva lei de autorização legislativa (Lei n 41/98, de 4/8), por um lado, (i) não ter autorizado o legislador ordinário a regular inovadoramente sobre as causas de suspensão do prazo de prescrição, e, por outro, (ii) ter apontado para um encurtamento do prazo de prescrição, quando este mesmo preceito (artigo 492 da LGT), na interpretação segundo a qual a prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da impugnação judicial, ou segundo a qual o prazo prescricional suspende-se enquanto o processo de execução fiscal estiver suspenso, implica, outrossim, que o prazo de prescrição é estendido ad eternum - na medida em que, fruto dessas dimensões normativas conferidas àquela norma legal, na prática a prescrição jamais ocorre, seja em que circunstância for.
[…]
Tendo prosseguido o processo para conhecimento do mérito, a recorrente apresentou alegações em que formulou as seguintes conclusões:
i. Está em causa a apreciação da constitucionalidade orgânica e material do artigo 49.º n.º 1 e 3 da LGT, na redação anterior à da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, se interpretado no sentido de que a apresentação de impugnação judicial, para além de interromper o decurso do prazo de prescrição, suspende ou protela o início desse prazo para o momento em que transitar em julgado a respetiva decisão.
ii. A prescrição é questão de direito material, substantivo, e assenta em razões de certeza e segurança jurídica, constituindo, por isso, uma garantia material dos contribuintes – estando subordinada ao princípio da legalidade e tipicidade, consagrado no artigo 103.º n.º 2 da CRP, constituindo matéria sujeita a reserva de lei parlamentar.
iii. Daí advindo a inadmissibilidade legal da integração de quaisquer eventuais lacunas em matéria de prescrição tributária por via da aplicação analógica de normas de outros ramos de direito, designadamente do direito civil e do disposto no artigo 327.º n.º 1 do Código Civil
iv. A proibição da integração analógica de quaisquer lacunas no domínio das matérias tributárias abrangidas pelo princípio da legalidade advém do próprio princípio constitucional da legalidade, atentas as razões de segurança jurídica que lhe subjazem.
v. A letra do disposto no n.º 3 do artigo 49.º da LGT não permite a interpretação preconizada no douto Acórdão recorrido - decorrente de aplicação analógica do disposto no n.º 1 do artigo 327.º do CC, porquanto em lugar algum se afirma que, no caso da impugnação judicial, o reinício do prazo de prescrição não ocorre na data da apresentação da impugnação, mas apenas a partir da data do trânsito em julgado da respetiva decisão.
vi. Sendo certo que, nos termos do artigo 9.º n.º 2 do CC, ex vi do artigo 11.º n.º 1 da LGT, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso.
vii. Sobre questões de “suspensão” do prazo de prescrição, regia, à data, o n.º 3 do artigo 49.º da LGT – que constituía, assim, “norma especial quanto à suspensão do prazo de prescrição” e, por isso, prevalecente e aglutinadora do respetivo regime legal , e daí não se extraía a suspensão do reinício do prazo de prescrição por todo o período em que durar a impugnação judicial – desde a sua apresentação e até ao seu trânsito em julgado.
viii. Sem prejuízo, diga-se que o artigo 326.º n.º 1 do CC é claro ao afirmar que a interrupção (da prescrição) inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo” – “in casu”, o ato de apresentação de impugnação judicial, em 18.12.2001.
ix. E que o artigo 327.º n.º 1 do CC determina que “o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo” única e exclusivamente nos casos em que a interrupção da prescrição resulte de “citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral” – o que não é, manifestamente, o caso.
x. Aliás, sempre estariam em causa obrigações jurídicas e ramos de direito completamente distintos, com normativos, objetos de regulação e ratios completamente distintas, pelo que sempre faleceria a coexistência de “situações análogas”, ou mesmo a identidade de “razões justificativas” de regulamentação .
xi. Do princípio da legalidade tributária e concomitante reserva da lei formal advém que, impreterivelmente, todos os pressupostos da prescrição, incluindo, necessariamente, os relativos ao regime do seu prazo, têm de constar da legislação tributária, não sendo admissível a integração das suas lacunas por via analógica, muito menos de ramos de Direito que nada têm que ver com o Direito Tributário.
xii. Também do disposto no artigo 8.º n.º 1 e n.º 2 a) da LGT resulta que estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e de caducidade - ou seja, todos os pressupostos da prescrição, incluindo, necessariamente, os relativos ao regime do seu prazo, têm de constar da legislação tributária, não sendo admissível a integração das suas lacunas por via analógica.
xiii. A prescrição das obrigações tributárias representa uma garantia dos contribuintes por constituir uma «segurança» jurídica para estes, na medida em que estabelece um limite temporal para cobrar os impostos, determinando a extinção das obrigações tributárias pelo decurso de um determinado prazo fixado na lei, ficando o contribuinte com jus à não exigibilidade do tributo.
xiv. Deste modo, todas as normas que regem o instituto da prescrição das obrigações tributárias, o que abrange, inevitavelmente, as normas que disciplinam o prazo para a sua verificação, e tudo o que contende com esse prazo (como acontece com o elenco das causas da sua interrupção ou suspensão), contende com as “garantias dos contribuintes” - logo, está igualmente abrangido pelo princípio constitucional da legalidade.
xv. As normas que criam situações interrupção e/ou suspensão da prescrição têm o mesmo efeito prático daquelas que alongam o prazo de prescrição, pelo que não há razão para efetuar aqui qualquer distinção - tanto se legisla sobre prazos de prescrição ao estabelecer diretamente a sua duração global, como ao estabelecer as causas de interrupção e de suspensão, que influenciam decisivamente aquela duração.
xvi. O artigo 49.º n.º1 da LGT estabelece um elenco fechado das causas de suspensão e/ou interrupção da prescrição, como era entendido para os artigos 27.º, parágrafo 1.º, do C.P.C.I., e 34.º, número 3, do C.P.T., sendo, por isso, insuscetível de integração analógica.
xvii. De qualquer forma, o conteúdo da referência a «garantias dos contribuintes» que consta do artigo 103.º, n.º 2, da CRP, não tem de ser aferido em face do ter da LGT, já que, sendo este um diploma posterior àquela norma constitucional (que já vem da redação originária da CRP), não se pode sequer aventar uma interpretação no sentido de se ter constitucionalmente utilizado os conceitos adotados naquela LGT.
xviii. A finalidade das garantias dos contribuintes é protegê-los contra pretensões de cobrança de tributos fora das condições previstas na lei – logo, entre as normas que melhores garantias fornecem aos contribuintes incluir-se-ão, necessariamente, aquelas que estabelecem o regime da extinção da obrigação tributária sem que o pagamento esteja efetuado.
xix. E é de notar que, no domínio do direito tributário, a prescrição é uma forma de extinção da obrigação e não apenas um obstáculo à sua cobrança coerciva, como patenteia o regime de conhecimento oficioso e a inclusão do respetivo regime num Capítulo da LGT que tem por epígrafe a «extinção da relação jurídica tributária».
xx. Como se afirma no Acórdão deste TC n.º 555/2009, Processo n.º 14/09: “O n.º 2 do artigo 103.º da Constituição estabelece uma “reserva de lei formal e parlamentar” que abrange «não somente os elementos intrusivos ou “agressivos” do imposto (criação, incidência, taxa), mas também os seus elementos favoráveis, como os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes» (cfr. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª edição revista, Coimbra, 2007, 1091). (cfr. tb., entre outros, o Acórdão do TC n.º 168/2002 e demais arestos nele citados, bem como o Acórdão do TC nº 280/10, in Processo n.º 133/10, do Plenário) - o que se justifica, segundo este Tribunal, por força dos princípios da igualdade, da justiça e da transparência fiscal.
xxi. Partindo da ideia de que a prescrição extingue o direito de exigir o pagamento da dívida e faz nascer para o contribuinte o direito de recusar a correspondente prestação, é porque incide, portanto, sobre um aspeto essencial da relação jurídica tributária, consubstanciando uma garantia material ou não meramente procedimental para o contribuinte.
xxii. E, na regulação geral da prescrição das dívidas tributárias, não menos decisivo do que o estabelecimento do prazo de prescrição, é a identificação das causas suscetíveis de interromper ou suspender a sua contagem.
xxiii. O decurso de um certo lapso de tempo sem que a dívida seja cobrada deixa de produzir o efeito extintivo inerente se tiver ocorrido algum facto a que a lei reconheça a virtualidade de inutilizar o tempo decorrido ou de suspender a respetiva contagem - logo, a fixação de quais sejam esses eventos é um aspeto nuclear das relações entre o credor e devedor fiscal, no que respeita a este modo de extinção da dívida tributária.
xxiv. O princípio constitucional da legalidade fiscal, ao exigir que a disciplina dos elementos essenciais dos impostos conste da lei (parlamentar), obsta a que o legislador deixe para o aplicador das leis – a administração tributária ou o juiz – qualquer possibilidade de colmatação de lacunas, seja através do recurso à analogia, seja por qualquer outro modo de preenchimento de lacunas.
xxv. Estas “lacunas”, caso se verifiquem, hão de considerar-se como domínios que o legislador não quis disciplinar, isto é, como lacunas políticas, e não como lacunas jurídicas.
xxvi. Os contribuintes têm necessidade de saber qual a tributação a que estão sujeitos, quer no plano pessoal – tutelando as respetivas garantias – quer no plano económico – por permitir a gestão dos negócios, daí decorrendo a indispensabilidade de se respeitar o princípio da legalidade e o subprincípio da tipicidade - de os elementos essenciais do imposto, designadamente a prescrição das dívidas tributárias, constarem da lei.
xxvii. Sendo certo que não estamos perante quaisquer “situações iguais ou similares” – a interrupção da prescrição motivada pela apresentação de impugnação judicial contra ato de liquidação nada tem que ver com a interrupção da prescrição motivada por “citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral” .
xxviii. A funcionalidade da prescrição é, como já se disse, essencialmente, a de dar segurança ao devedor tributário quanto a não ser incomodado a todo o tempo pelo credor - sendo assim, ela integra-se no elemento essencial dos impostos designado por “garantias dos contribuintes” a que alude o n.º 2 do art. 103.º da Constituição da República Portuguesa.
xxix. A subordinação da prescrição a este princípio fundamental da Constituição fiscal postula que vigore inteiramente nesta matéria o princípio da tipicidade fiscal: elementos como a fixação do prazo, a definição do “dies a quo” em função do tipo de imposto como periódico ou de obrigação única, e enunciação das causas de interrupção ou suspensão da prescrição, a relevância ou irrelevância da citação para quaisquer desses efeitos, etc., têm de constar da lei com tal valor, e só poderá atender-se, para o efeito, aos aí tipificados.
xxx. Nem sequer estamos verdadeiramente perante uma lacuna do direito tributário, dado que, ao apelar-se ao Código Civil, a pretensa falta de normação não corre dentro do sistema normativo tributário - sendo, por isso, impossível apelar-se a situações de “eadem ratio”, ou de identidade essencial de interesses a acautelar em situações de facto semelhantes.
xxxi. Só dessa forma se confere sentido útil ao prescrito nos n.º 1 e 2 do preceito (artigo 49.º da LGT), dado que a instauração dos processos aí identificados – designadamente de impugnação judicial - não tem o condão legal de suspender, só por si, a eficácia do ato tributário e de evitar a instauração do processo executivo.
xxxii. Com efeito, essa suspensão apenas ocorre por virtude do facto cumulativo da prestação de garantia.
xxxiii. Ora, tendo a instauração de tal processo de impugnação judicial efeito interruptivo do prazo de prescrição, e tendo-se previsto a degeneração de tal efeito em simples suspensão por um ano na eventualidade apontada no n.º 2 do artigo 49.º da LGT, seria retirar sentido útil a esta limitação legal caso se viesse a admitir a suspensão do prazo por todo o tempo que durasse tal processo, sabido que a sua proposição não impede a instauração da execução fiscal:
xxxiv. Só este entendimento respeita o sentido da respetiva lei de autorização, que apontou para a redução efetiva do prazo de prescrição, e não para o seu aumento - como decorreria da suspensão da prescrição por períodos superiores a um ano, em função do período de duração do processo de impugnação.
xxxv. Esta reserva da lei formal em matéria da prescrição dos créditos tributários é uma reserva absoluta, na medida em que, relativamente aos elementos essenciais dos impostos, se está perante uma lex stricta - a lei formal não deve conter apenas o fundamento da conduta da administração, mas todos os elementos que permitam tomar ume decisão no caso concreto.
xxxvi. Não havendo, em consequência, qualquer margem para “discricionariedade ou disponibilidade” do órgão encarregado de aplicar a norma – está-lhe vedada qualquer valoração pessoal, já que a decisão obtém-se por dedução da própria lei, “subsumindo o facto na norma”.
xxxvii. E a razão de ser desta reserva de lei reside na necessidade de segurança jurídica, cujo conteúdo material se relaciona com a proteção da confiança dos particulares.
xxxviii. E a principal garantia dos contribuintes é o princípio da legalidade que resulta dos art. 103.º, n.º 2, e art. 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República - trata-se, para usar a expressão feliz de PAMPLONA CORTE-REAL, da “garantia das garantias dos contribuintes”.
xxxix. E estas garantias dos contribuintes, para alguma Doutrina, são recondutíveis aos direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição, o que justifica a existência de um direito de resistência ao pagamento de impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.
xl. Constitui uma garantia dos contribuintes e uma fonte decisiva de segurança jurídica para este o facto de a partir de determinado momento a administração tributária deixar de poder cobrar o imposto ou outra prestação tributária – a prescrição encerra em si, com efeito, um objetivo de certeza e segurança para os contribuintes.
xlii. Por todo o exposto, resulta, assim, que o artigo 49.º da LGT (redação anterior da Lei nº 53-A/2006, de 29.12), na interpretação segundo a qual a apresentação de impugnação judicial protela o reinicio do prazo de prescrição para o momento em que aquela transitar em julgado, padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 103.º n.º 2 da CRP.
xlii. Só com o aditamento do novo n.º 4 ao artigo 49.º da LGT, por meio do artigo 89.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29.12, é que o legislador, inovadoramente, veio considerar que o prazo de prescrição legal se suspende enquanto não houver decisão transitada em julgado – contudo, aquele preceito é inaplicável ao caso, porque entrado em vigor posteriormente à data da apresentação da impugnação judicial.
xliii. Se fosse já esta a interpretação que se deveria retirar, certamente que o legislador não teria “sentido” necessidade de aditar, por meio da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, aquele novo n.º 4 ao artigo 49.º da LGT – este, sim, veio consagrar, expressa e claramente, que o prazo de prescrição legal não se reinicia enquanto não houver decisão transitada em julgado.
xliv. A questão da prescrição das dívidas tributárias é (deve ser) matéria não regulada por normas civis, não só pela natureza da relação (pública) de imposto, mas, sobretudo, porque, diferentemente dos créditos civis, os créditos tributários são indisponíveis e irrenunciáveis.
xlv. No caso de impugnação judicial, é manifesto que a interrupção da prescrição, à luz do artigo 49.º n.º 1 da LGT, e respeitado o princípio da legalidade, advém da instauração daquela, e não de qualquer “citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral”.
xlvi. O entendimento propugnado pelo Tribunal “a quo” viola os princípios da certeza, da segurança e da paz jurídicas, porquanto, na dimensão normativa conferida ao artigo 49.º n.º 3 da LGT, aqui concretamente recorrida, a prescrição jamais ocorreria.
xlvii. Como acima se disse, com a apresentação de impugnação judicial e prestação de garantia, suspende-se o processo de execução fiscal emergente da liquidação impugnada, até trânsito em julgado da decisão a proferir sobre a impugnação .
xlviii. Se a decisão judicial da impugnação for procedente, a execução fiscal extingue-se por anulação da liquidação e a questão da prescrição, obviamente, não se coloca .
xlix. Contudo, se ocorrer o trânsito em julgado de decisão de improcedência da impugnação judicial, isso acarreta necessariamente o pagamento imediato (voluntário ou por execução da garantia entretanto prestada) da liquidação exequenda, com a consequente extinção da execução fiscal.
l. Assim sendo, e na interpretação do artigo 49.º n.º 1 da LGT aqui contestada, o prazo de prescrição só se reiniciaria no momento em que o contribuinte é forçado a pagar a liquidação exequenda.
li. Ora, uma vez paga a liquidação exequenda, a invocação da prescrição da obrigação tributária entretanto paga deixa de ter qualquer utilidade – com o pagamento da dívida exequenda, a execução fiscal extingue-se, e não há lugar à “repetição do indevido” .
lii. Deste modo, a dimensão normativa conferida pela decisão recorrida viola os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança e das legítimas expectativas, imanências do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da CRP. liii. A constatação de que a prescrição tributária virtualmente não existe, se vingar a tese aqui recorrido, está em contraciclo com a evolução legislativa e, mesmo, com a vontade sucessivamente manifestada pelo legislador, no sentido do encurtamento dos prazos de caducidade e prescrição – atenta a modernização da administração tributária.
liv. No entendimento do douto Acórdão recorrido, passados 20 anos dos factos (que são de 1993) - ultrapassado que está, portanto, o próprio prazo ordinário de prescrição dos créditos cíveis, previsto no artigo 309.º do Código Civil - a prescrição ainda não decorreu.
lv. Aliás, há muito que decorreu o próprio prazo legal de 10 anos, de arquivo dos documentos e registos contabilísticos - o que pode colocar sérios problemas a muitos contribuintes que porventura sejam confrontados com cobranças de tributos num momento em que já não dispõem, nem têm obrigação de dispor, da respetiva documentação de suporte, designadamente dos comprovativos de eventuais pagamentos que entretanto hajam efetuado.
lvi. Poder-se-ia dizer que o artigo 49.º n.º 2 da LGT, na redação em vigor em 2001, na medida em que estipula o reinicio do prazo de prescrição assim que o processo complete um ano de paragem, por motivo não imputável ao contribuinte, atenuaria este adiamento eterno da verificação da prescrição.
lvii. Contudo, na prática não é isso que se verifica, de que é caso sintomático o dos autos, já que ficou provado que a impugnação judicial esteve parada por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte (cfr. a) e g) dos factos provados), e nem por isso a interpretação que se preconiza deixa de ser a de que a prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão proferida sobre a impugnação judicial.
lviii. Sendo certo, de todo o modo, que aquele artigo 49.º n.º 2 da LGT, embora admita a suspensão do prazo de prescrição entre a data da apresentação da impugnação e o momento em que se perfizer um ano de paragem da impugnação por motivo inimputável ao contribuinte, não admite, de todo, que o prazo de prescrição fique “em suspenso” durante todo o período de duração do processo de impugnação judicial, ou seja, deste a data da sua apresentação e até à data do trânsito em julgado da decisão que lhe puser termo – o que pode corresponder a décadas, como é o caso.
lix. O artigo 49.º n.º 1 da CRP, na interpretação aqui recorrida, está inclusivamente em contravenção com as mais elementares regras de celeridade processual e do direito a uma decisão judicial célere e em tempo útil, em violação do artigo 20º nº 4 da CRP.
lx. Com efeito, e nessa interpretação legal, a prescrição deixa de constituir fonte de pressão da celeridade processual e da obtenção de uma decisão judicial em tempo útil e razoável, já que a prescrição só se inicia após o trânsito em julgado da decisão judicial a proferir no processo judicial onde se discute a legalidade da liquidação exequenda, independentemente da duração que tiver esse processo judicial.
lxi. Ficando o contribuinte, indefinidamente, refém de uma dívida fiscal com várias dezenas de anos - como é o caso dos autos -, com o agravamento financeiro decorrente da morosidade na resolução do litígio, designadamente ao nível do empolamento dos juros de mora e dos encargos com a garantia que foi obrigado a prestar, e mesmo com a diminuição das suas garantias de defesa, atento o injustificável lapso de tempo decorrido.
lxii. O artigo 49.º n.º 1 da LGT, na redação acima mencionada, e na interpretação sufragada no douto Acórdão recorrido, é organicamente inconstitucional, por violação da respetiva lei de autorização legislativa - Lei n.º 41/98, de 4/8.
lxiii. Pois faz corresponder a lei, na prática, a um alargamento do prazo de prescrição, senão à impossibilidade desta alguma vez se verificar, seja em que circunstância for (vide supra), quando aquela lei apontou, outrossim, e ao invés, para um encurtamento desse mesmo prazo.
lxiv. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, a interpretação do artigo 49.º n.º 1 da LGT preconizada no Acórdão recorrido representa um alargamento do prazo de prescrição, ou, mais precisamente, a impossibilidade da prescrição alguma vez ocorrer.
lxv. Contrariamente ao douto Acórdão recorrido, e por força do princípio de legalidade, o n.º 1 do artigo 49.º da LGT não pode ser interpretado “de acordo com a filosofia do instituto da prescrição” – ou seja, de acordo com as normas do Código Civil - particularmente em matérias que contendem efetivamente com a duração da prescrição.
lxvi. Contrariamente ao aí decidido, também, a LGT previa e tipificava todos os factos interruptivos e suspensivos da prescrição, não admitindo, aquele princípio constitucional da legalidade, a possibilidade de “recorrer às normas dos artigos 326º e 327º do Código Civil”.
lxvii. Nos termos da lei, em matéria de IRC, o facto tributário considera-se verificado no último dia do exercício a que respeita – que, in casu (IRC do exercício de 1993), corresponde a 31.12.1993 .
lxviii. Atento o disposto no artigo 34.º do Código de Processo Tributário (CPT), em vigor em 31.12.1993, o prazo de prescrição era de 10 anos, contando-se desde o início do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário , pelo que o referido prazo de prescrição iniciou a sua contagem em 01.01.1994 e, atento o sobredito prazo legal de prescrição, terminaria em 01.01.2004.
lxix. Quer à luz do artigo 34.º n.º 3 do CPT (em vigor à data do facto tributário, como se disse), quer sob a égide do artigo 49º nº 1 da LGT, a apresentação de impugnação judicial interrompia a prescrição, pelo que a dedução de Impugnação Judicial contra a liquidação exequenda, em 08.03.1999, interrompeu a prescrição.
lxx. Nos termos dos artigos 34.º n.º 3 do CPT e 49.º n.º 2 da LGT (redação aplicável), este efeito interruptivo da prescrição cessa se o processo de impugnação estiver parado durante mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte, somando-se, ao tempo que decorrer após este período, o que tiver decorrido até à data da autuação do processo interruptivo.
lxxi. O processo de impugnação judicial esteve parado entre 08.03.1999 e 16.05.2002, pelo que, para efeitos do cômputo da prescrição, haveria de considerar todo o tempo decorrido entre 01.01.1994 e 08.03.1999, por um lado, e, por outro, todo o tempo decorrido depois de 08.03.2000 – pelo que, quando a Recorrente solicitou ao órgão de execução fiscal a declaração da prescrição, já haviam decorrido mais de 15 anos desde a ocorrência do facto tributário.
lxxii. Entende o Tribunal a quo, que o facto de a Recorrente ter prestado garantia em 22.07.1999, conjuntamente com o facto de pender impugnação judicial, determinou a suspensão da contagem do prazo de prescrição - mas como é entendimento do mesmo Supremo Tribunal Administrativo, só são admissíveis as interrupções sucessivas da prescrição, em virtude da sucessão temporal de factos interruptivos, se anteriormente cessar o efeito interruptivo da prescrição motivado por facto interruptivo precedente.
lxxiii. Ora, quer aquando da instauração da execução fiscal, quer aquando da citação para a execução fiscal, em abril e maio de 1999, quer aquando da prestação de garantia, em julho de 1999, o processo de impugnação judicial ainda não havia estado parado por mais de um ano.
lxxiv. O processo de impugnação judicial só completou um ano de paragem em 08.03.2000, e a garantia foi prestada anteriormente, em 22.07.1999, de modo que, naquelas datas, ainda não havia cessado o efeito interruptivo da prescrição decorrente da instauração da impugnação judicial.
lxxv. A prestação de garantia (em 27.07.1999) não pode representar uma nova e sucessiva interrupção do prazo prescricional que, à data, já estava interrompido, por virtude da apresentação da impugnação judicial em 08.03.1999.
lxxvi. Só com o aditamento de um novo n.º 4 ao artigo 49.º da LGT, por meio do artigo 89.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 - entrado em vigor em 01.01.2007, conforme o respetivo artigo 163º - é que o legislador, inovadoramente, veio considerar que o prazo de prescrição legal se suspende enquanto não houver decisão transitada em julgado, no caso de impugnação judicial, pelo que esta nova lei é inaplicável ao caso, de ocorrência claramente anterior a 01.01.2007.
lxxvii. Não é possível considerar a pendência de impugnação judicial como uma causa de interrupção e suspensão do prazo de prescrição, quando o preceito aplicável, à data da apresentação da impugnação, não referia aquele facto interruptivo como uma causa de suspensão do início do prazo de prescrição, até ao trânsito em julgado da respetiva decisão, não sendo também possível invocar o disposto no artigo 327.º do Código Civil, como faz o Tribunal a quo, uma vez que em matéria de garantias dos contribuintes, é vedada a aplicação analógica.
lxxviii. Caso contrário, atropelam-se as legítimas expectativas e garantias dos contribuintes anteriormente constituídas, e o princípio da confiança e segurança jurídica, ínsitos ao princípio do Estado de Direito, além de ser violado o princípio geral da irretroatividade das leis, designadamente daquelas que são restritivas dos direitos, liberdades e garantias, previsto, entre outros, nos artigos 12º da LGT, 12º do CC e 103º nº 3 da CRP.
lxxix. O artigo 49º nº 3 da LGT (na redação anterior à Lei nº 100/99, de 26/7), enquanto lei “restritiva” de uma “garantia” dos contribuintes, se interpretado no sentido de que é aplicável a factos tributários e, por isso, a prazos prescricionais, ocorridos e iniciados anteriormente à sua entrada em vigor, padece de inconstitucionalidade material, por violação do primado da proteção da confiança e das garantias anteriormente constituídas, emergentes do ideal de segurança jurídica que subjaz ao princípio constitucional do Estado de Direito Democrático, e por violação do princípio fundamental da proibição da normas retroativas restritivas de garantias .
lxxx. Refere o Tribunal a quo que o prazo de prescrição se suspendeu em virtude da apresentação, pela Recorrente, de oposição à execução fiscal - entre 14.09.2007 e 30.11.2009, entendendo, ainda, que o prazo de prescrição se suspendeu em virtude da apresentação, pela Recorrente, de reclamação contra ato do órgão de execução fiscal.
lxxxi. Não pode o Tribunal a quo conferir efeito suspensivo à prestação da garantia com a impugnação e, simultaneamente, atribuir-lhe o mesmo efeito, com o mesmo fundamento, pela apresentação de reclamação e oposição.
lxxxii. À data da prestação da garantia, 22.07.1999, ainda não tinha cessado o efeito interruptivo da prescrição motivado pela apresentação da IJ (que só cessou em 08.03.2000), pelo que a prestação da garantia não pode voltar a interromper/suspender o prazo de prescrição.
lxxxiii. Ainda que se admitisse a suspensão da contagem do prazo prescricional, pela apresentação, em 14.09.2007, de oposição à execução fiscal, contata-se que, nessa altura, já havia decorrido o prazo de prescrição.
lxxxiv. Efetivamente, entre 01.01.1994 até 08.03.1999 decorreram quatro anos e dois meses, e entre 08.03.2000 até 14.09.2007 decorreram sete anos e dois meses – o que perfaz o total de onze anos e quatro meses.
lxxxv. Aliás, nunca poderia ser conferido efeito interruptivo à reclamação e, posteriormente, à oposição, porquanto o artigo 49.º n.º 3 da LGT veio estabelecer que a interrupção se dá uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
lxxxvi. A consideração de uma pluralidade de factos suspensivos/interruptivos do prazo de prescrição, viola frontalmente as razões de certeza e segurança jurídica que estão na base do regime da prescrição fiscal, a qual, a ser assim, se pode prolongar indefinidamente - em claro prejuízo do Contribuinte, e em violação dos princípios da certeza e segurança jurídica
lxxxvii. Também após a revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT, é virtualmente impossível ocorrer a prescrição de uma dívida tributária, uma vez que i) se for prestada garantia, como o prazo de prescrição está interrompido até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo, no final desse processo a garantia será executada; ii) se não for prestada garantia, o processo segue para penhora e, após trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo, para venda.
lxxxviii. Na interpretação da sentença recorrida, a prescrição, em matéria tributária, deixou de ser possível; é adiável ad eternum - contrariando todos os ideais de segurança e paz jurídica que estão, e sempre estiveram, na génese do instituto da prescrição
lxxxix. O artigo 49º nº 3 da LGT, é organicamente inconstitucional, já que a respetiva lei de autorização legislativa – artigo 2º, alínea 18) da Lei nº 41/98, de 4/8 - apenas facultava o encurtamento do prazo de prescrição e, não, na prática, o seu alargamento - que é, efetivamente, o que passou a suceder a suceder com essa “novidade” que foi passar a prever a suspensão do decurso do prazo de prescrição em consequência da suspensão do processo de execução fiscal.
xc. É despiciendo, saber se o prazo de prescrição é de 10 ou 8 anos, ou até um prazo inferior porque, com a citação, por exemplo, fica interrompido o prazo de prescrição, bastando que o Contribuinte se lhe oponha ou que reclame de um ato do órgão executivo para que a dívida jamais prescreva - ainda que o processo fique indefinidamente parado por facto não imputável ao Contribuinte.
xci. Uma leitura atenta daquela norma de autorização legislativa permite inferir que o Governo só havia ficado autorizado a regular a suspensão do prazo de caducidade, e não na “suspensão” do prazo de prescrição.
xcii. A possibilidade do credor tributário poder influir o decurso do prazo de prescrição, por meio da suspensão do processo de execução fiscal, que conduz e do qual é titular, ofende de forma intolerável os ditos princípios da segurança jurídica e proteção da confianças imanentes ao dito princípio constitucional fundamental do Estado de Direito Democrático.
xciii. A revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT, que estabelecia o levantamento da suspensão da prescrição no caso de paragem do processo por um prazo superior a um ano, por facto não imputável ao Contribuinte, equivale a terminar com uma garantia com tradição no ordenamento jurídico tributário – na medida em que gozava de previsão legal no artigo 27.º n.º 1 CPCI e no artigo 34.º n.º 3 do CPT.
xciv. A revogação de uma norma que gozava, há muito, de uma implantação consolidada no nosso ordenamento jurídico - a qual se conjugava com a evolução legislativa, no sentido da redução do prazo de prescrição – veio colocar em causa o princípio da segurança jurídica, defraudando as legítimas expectativas dos destinatários da norma, pela simples razão de que, como se disse, com as alterações legislativas em causa o que se fez foi acabar com o instituto da prescrição em matéria tributária, imputando ao Contribuinte os encargos da morosidade na resolução dos litígios tributários, ainda que tal morosidade não lhe seja atribuível, e premiando-se injustificadamente a inércia do Estado na cobrança dos tributos e na atempada resolução dos litígios fiscais.
xcv. A revogação do artigo 49.º n.º 2 da LGT, ainda que se justificasse como necessária para evitar que algumas dívidas tributárias ficassem por executar devido a prescrição, restringe desproporcionalmente as garantias dos Contribuintes, e é demasiadamente gravosa, mesmo em face do interesse creditório do Estado, uma vez que deixa os Contribuintes indefinidamente onerados com a dívida fiscal, mesmo que o respetivo processo se mantenha por vários anos sem qualquer movimentação processual; agora, com a contínua oneração de juros de mora ; e com a oneração dos encargos da garantia prestada, sem possibilidade de caducidade da mesma .
xcvi. Em suma: expurgadas do nosso ordenamento jurídico as normas sobre a cessação do efeito interruptivo da prescrição, da caducidade da garantia e do levantamento da penhora, o Estado Fiscal não se sente minimamente pressionado a decidir os litígios jurídico tributários, ficando o Contribuinte, indefinidamente, refém de uma dívida fiscal com várias dezenas de anos - como é o caso dos autos - e com o agravamento financeiro decorrente da morosidade na resolução do litígio (de juros de mora e encargos com garantia) que, naturalmente, não consegue controlar e que não lhe é imputável, e com o efetivo risco de diminuição das suas garantias de defesa, na medida em que, fruto do tempo decorrido, não possa fazer prova da ilegalidade ou inexigibilidade da dívida de imposto, por já não poder produzir prova testemunhal, e, inclusivamente, por já não ter em seu poder qualquer prova documental que entendesse necessário juntar ao processo para sua defesa.
xcvii. O próprio Tribunal Constitucional, a propósito da conformidade com a Constituição da interpretação dada ao n.º 3 do artigo 34.º do CPT, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 154/91, de 23 de abril, no sentido de a interrupção da prescrição tributária nele prevista ter natureza duradoura e não instantânea, entendeu que: «(…) ao fazer depender o reinício do curso do prazo de prescrição da verificação de uma situação de inércia processual, durante mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte, o legislador está justamente a introduzir um mecanismo que visa tutelar o direito a obter uma decisão em prazo razoável e mediante um processo equitativo.».
xcviii. Assim se conclui que o artigo 49.º n.º 3 da LGT, na redação e interpretação acima mencionadas, sufragadas no acórdão recorrido, é materialmente inconstitucional, por violação das normas e princípios supra referidos – da proporcionalidade, da justiça, da certeza, segurança jurídica e proteção da confiança, da proibição do retrocesso social, da congruência, do acesso à justiça, e do direito a uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso e, por conseguinte, considerando o artigo 49º nº 3 da LGT, na redação legal e na dimensão normativa que lhe foi conferida pelo douto Acórdão recorrido, como material e organicamente inconstitucional, designadamente por violação das ditas normas e princípios jurídico-constitucionais, V. Exas. farão, como sempre, inteira Justiça.
A representante da Fazenda Pública contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
A) Foi o presente recurso interposto, pela ora recorrente, A., SA, do Acórdão do STA, de 28/03/12, proferido nos autos de recurso n° 213/12, o qual veio a confirmar a decisão da 1ª Instância, concluindo que a dívida exequenda relativa a IRC do exercício de 1993 e respetivos juros compensatórios não se encontra prescrita considerando, para tanto, no que aqui importa, que a solução dada ao caso pela Mma Juíza a quo não se afigura intolerável e constitucionalmente inadmíssivel.
B) Pretende a recorrente, face ao deliberado pelo STA, que seja apreciado o art. 49° n° 1 e 3 da LGT, na redação anterior à da Lei n° 53-A/2006, de 29/12, uma vez que entende que a interpretação que dos mesmos artigos é feita pelo Acórdão recorrido, de que a apresentação de impugnação judicial, para além de interromper o decurso do prazo de prescrição, suspende ou protela o início desse prazo para o momento em que transitar em julgado a respetiva decisão, viola os princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade, da certeza, da segurança e da proteção da confiança, bem como, do acesso à justiça da celeridade processual e do direito a uma decisão judicial célere e em tempo útil, em violação do artigo 20° n° 4 da CRP e que, especificamente, o n° 3 do art. 49° da LGT é organicamente inconstitucional.
C) Quanto à alegada inconstitucionalidade do no 1 do art. 49° da LGT, na redação anterior à da Lei n° 53-A/2006, de 29/12, refira-se que, segundo o recente Acórdão n° 441/12 desse Alto Tribunal, de 26/09/12, proferido no Processo n° 890/11, tal norma foi julgada não inconstitucional quando interpretada no sentido de que a apresentação de impugnação judicial, para além de interromper o decurso do prazo de prescrição, suspende ou protela o início desse mesmo prazo para o momento em que transitar em julgado a respetiva decisão.
D) Donde, tendo em conta os factos e argumentos ora submetidos à apreciação desse Tribunal Constitucional remetemos, com a devida vénìa, para tudo quanto aí foi concluído.
E) Quanto à invocada inconstitucionalidade orgânica do n° 3 do art. 49° da LGT, há que referir, antes de mais, que tal artigo não estabelece qualquer prazo de prescrição, apenas se limita a dispor sobre a suspensão do seu decurso, não influenciando o prazo em si.
F) Depois, a estatuição da causa de suspensão do prazo de prescrição prevista no art. 49° n° 3 da LGT correspondia, como se diz na sentença proferida nos autos no Tribunal de 1ª Instância a uma solução jurídica exigida pela lógica do sistema tributário, perfeitamente justificada, não fazendo sentido que a prescrição corresse durante um periodo em que o credor tributário se encontra legalmente cerceado da prática de qualquer ato concreto atinente à cobrança da dívida.
G) Daí que, como também se diz ín Lei Geral Tributária, Anotada por António Lima Guerreiro, 2001, Rei dos Livros, pág. 231 e 232, O número 3 tem caráter interpretativo, se se entender que é requisito da contagem do prazo de prescrição a exigibilidade da dívida, que se suspende nas circunstâncias desenhadas por essa norma. Em caso de impedimento legal à exigibilidade da dívida, não pode, na verdade, contar-se o prazo de prescrição.
H) E isto tendo em consideração, como é óbvio, que não é toda a reclamação, impugnação ou recurso que tem eficácia interruptiva da prescrição, mas apenas a reclamação, impugnação ou recurso com eficácia suspensiva da execução fiscal e apenas enquantoa suspensão se mantiver.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de Vossas Excelências, devem as questões de inconstitucionalidade suscitadas pela recorrente serem julgadas improcedentes, devendo, em consequência, ser julgada conforme à Constituição a interpretação feita, pelo Acórdão recorrido, do artigo 49° n° 1 e3 da LGT.
Após a apresentação das alegações, o relator notificou as partes para se pronunciarem quanto à possibilidade do não conhecimento do objeto do recurso quanto à norma do artigo 49º, n.º 3, da LGT na redação anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, por virtude de a decisão recorrida ter antes adotado como ratio decidendi a norma do artigo 49º, n.º 4, dessa Lei, na redação resultante deste último diploma.
A recorrente, em resposta, explicitou que o acórdão recorrido aplicou o artigo 49º da LGT, na redacção anterior à da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, porque todos os factos que considerou relevantes ocorreram antes de 1 de Julho de 2007 (data da entrada em vigor daquela Lei) – foram os casos da impugnação judicial, apresentada em 8 de Março de 1999, e da prestação da garantia, em 12 de Julho de 1999, e aplicou o mesmo artigo, na redacção introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, apenas no que concerne a um dos factos que considerou interruptivos da prescrição – a apresentação de oposição à execução fiscal -, a qual foi apresentada em 14 de Setembro de 2007, propugnando a apreciação do mérito do recurso também quanto à referida norma do artigo 49º, na redacção anterior àquela referida Lei.
Cabe apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2. São relevantes para a apreciação das questões de constitucionalidade os seguintes factos:
A) Em 8 de março de 1999, a recorrente deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1993;
B) Em 28 de abril de 1999, foi instaurado processo de execução fiscal para cobrança coerciva de dívida resultante de liquidação adicional de IRC para o qual a recorrente foi citada em 11 de maio seguinte;
C) Em 22 de julho de 1999, a recorrente prestou garantia destinada a cobrir a dívida exequenda, que determinou, nos termos do despacho do Chefe da Repartição de Finanças do 6.° Bairro Fiscal do Porto, de 26 de julho de 1999, a suspensão da execução fiscal em aplicação do disposto no artigo 255º do Código de Processo Tributário”;
D) A impugnação judicial foi julgada improcedente por decisão transitada em julgado em 29 de novembro de 2007;
E) Em 14 de setembro de 2007, a recorrente deduziu oposição à execução fiscal ao abrigo do artigo 204.° n.° 1, alínea d), do Código de Procedimento e Processo Tributário, que foi rejeitada liminarmente por decisão que transitou em julgado em 30 de novembro de 2009;
F) Em 25 de janeiro de 2010, a recorrente requereu a declaração da prescrição da dívida exequenda o que foi indeferido por despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Porto de 27 de maio de 2010;
G) Contra esse despacho, a recorrente deduziu reclamação judicial em 11 de junho de 2010;
H) A reclamação foi julgada improcedente por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 21 de setembro de 2011, confirmada pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de março de 2012, ora recorrido.
É dado como assente que o prazo de prescrição aplicável à dívida fiscal em causa é de 10 anos a contar do início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário (1 de janeiro de 1994), em aplicação do disposto no artigo 34º, n.ºs 1 e 2, do CPT, tendo em linha de conta que ao novo prazo de prescrição fixado pelo artigo 48º da LGT, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1999, é aplicável o disposto no artigo 297º do Código Civil, pelo qual, estabelecendo a lei um prazo mais curto do que o fixado em lei anterior, a contagem continua fazer-se segundo a lei antiga quando «falte menos tempo para o prazo se completar» (artigo 5º, n.º 1, do diploma preambular da LGT).
Nesse pressuposto, e à luz da factualidade descrita, o acórdão recorrido considerou que se não tinha ainda verificado a prescrição por dever atribuir-se efeito suspensivo a diversos atos processuais praticados na sequência da liquidação adicional de IRC que originou a dívida exequenda, adquirindo relevo, nesse particular, a impugnação judicial apresentada contra o ato de liquidação, que data de 8 de março de 1999, a prestação de garantia para satisfazer as importâncias em dívida, formalizada em 22 de julho de 1999, a oposição à execução fiscal deduzida em 14 de setembro de 2007, e a reclamação judicial contra o despacho que indeferiu o pedido de declaração da prescrição da dívida, que teve lugar em 11 de junho de 2006.
Nesse contexto, o tribunal recorrido considerou que a suspensão do prazo de prescrição operou entre:
- 8 de março de 1999 e 8 de março de 2000, por virtude de o processo de impugnação judicial ter estado parado por um período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, caso em que o efeito interruptivo da prescrição, resultante da interposição da impugnação, se transforma em efeito suspensivo, permitindo que o prazo prescricional decorra após esse período de um ano e até ao momento em que a impugnação foi apresentada (artigo 49º, n.º 2, da LGT, na redação originária);
- 22 de julho de 1999 e 29 de novembro de 2007, por efeito da prestação de garantia da cobrança da prestação tributária, que determina a suspensão da execução fiscal até ao trânsito em julgado da decisão proferida no processo de impugnação judicial (artigo 49º, n.º 3);
- 14 de setembro de 2007 e 30 de novembro de 2009, em consequência do efeito suspensivo resultante da oposição à execução e até ao trânsito em julgado da decisão proferida nesse incidente (artigo 49º, n.º 4, na redação dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro).
Nesses termos, ainda segundo o acórdão recorrido, à data da apresentação da reclamação contra o despacho da Administração Tributária que indeferiu o pedido de declaração de prescrição – que determinou um novo efeito suspensivo -, o prazo de prescrição tinha decorrido entre 1 de janeiro de 1994 e 7 de março de 1999 e a partir de 1 de dezembro de 2009, e não se tinha ainda completado num momento em que foi formulado aquele pedido.
Por outro lado, e para assim concluir, o tribunal recorrido teve em consideração que aos factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição se aplicam as normas que vigoram no momento em que esses factos ocorrem, e não a lei vigente à data do facto tributário.
3. Impugnando esta decisão em recurso para o Tribunal Constitucional, a recorrente invoca dois vícios de inconstitucionalidade: a inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 49º, n.º 3, da LGT, considerando que a respetiva lei de autorização legislativa não autorizou o legislador ordinário a regular inovadoramente sobre as causas de suspensão do prazo de prescrição, e tinha pressuposto, não um alongamento, mas um encurtamento do prazo prescricional; e a inconstitucionalidade material da mesma norma, quando interpretada no sentido de que a apresentação de impugnação judicial protela o início do prazo de prescrição para o momento em que a impugnação judicial transitar em julgado e de que tal preceito se torna aplicável a factos tributários e prazos prescricionais ocorridos e iniciados antes da sua entrada em vigor, por violação do princípio da legalidade fiscal consagrado no artigo 103º da Constituição, da proibição da retroatividade do imposto e do princípio da proteção da confiança.
Deve começar por dizer-se que, embora a recorrente tenha invocado no requerimento de interposição de recurso que a norma cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada é a do artigo 49º da LGT, e particularmente o seu n.º 3, nas suas sucessivas versões, o certo é que as normas efetivamente aplicadas pelo tribunal recorrido foram as do n.º 2 desse artigo 49º, na parte em que determina a transformação do efeito interruptivo resultante da impugnação judicial em efeito suspensivo no caso de paragem do processo por período superior a um ano, a do nº 3, na parte em que determina a suspensão do prazo de prescrição por motivo de paragem do processo de execução fiscal, e a do n.º 4 desse artigo, já na redação dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, quando determina a suspensão do prazo de prescrição, no caso de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado que ponha termo ao processo.
Além de serem essas as normas expressamente invocadas pela decisão recorrida como ratio decidendi, a sua aplicação ao caso é também a necessária decorrência do entendimento aí formulado no sentido de que é aplicável a lei vigente no momento em que ocorre o facto supensivo.
Daí que a decisão recorrida tenha atendido ao disposto no artigo 49º, n.º 2, para efeito de considerar verificada suspensão do prazo prescricional entre 8 de março de 1999 e 8 de março de 2000, ao seu n.º 3, para considerar verificada a suspensão a partir de 12 de julho de 1999 e até 29 de novembro de 2007, e ao estabelecido no n.º 4 desse artigo, na redação da Lei n.º 53-A/2006, para efeito de considerar verificada a suspensão a partir de 14 de setembro de 2007 e até 30 de novembro de 2009.
É pois com esta necessária delimitação que há de apreciar-se o objeto do recurso.
4. A Lei nº 41/98, de 4 de agosto, autoriza o Governo «a publicar uma lei geral tributária donde constem os grandes princípios substantivos que regem o direito fiscal português e a articulação dos poderes da Administração e das garantias dos contribuintes» e que visará aprofundar «as normas constitucionais tributárias e com relevância em direito tributário, nomeadamente no que se refere à relação tributária, ao procedimento e ao processo, com reforço das garantias dos contribuintes, da participação destes no procedimento, da igualdade das partes no processo e da luta contra a evasão fiscal, definindo os princípios fundamentais em sede de crimes e contraordenações tributárias» (artigo 1º).
Para prossecução dos fins indicados, o artigo 2º dessa Lei veio especificar o sentido e extensão da autorização legislativa, consignando nas alíneas 17 e 18 o seguinte:
[…]
17) Rever os prazos de caducidade do direito de liquidar os tributos e de prescrição das obrigações, harmonizando-os com o prazo de reporte ou podendo-os encurtar de modo consentâneo com as possibilidades e o aumento de eficiência da Administração;
18) Rever os pressupostos da suspensão do prazo de caducidade e da interrupção da prescrição, podendo o primeiro ser dilatado nos casos de contratos fiscais no período a que os respetivos benefícios se aplicam e o segundo ser encurtado de modo consentâneo com as possibilidades e o aumento de eficiência da Administração;
[…]
No quadro da autorização legislativa assim concedida, o Governo editou o Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, que aprova a Lei Geral Tributária, e contém uma norma de direito transitório material, no que se refere ao novo prazo de prescrição fixado nessa Lei, que remete a contagem do prazo para os termos previstos no artigo 297º do Código Civil (artigo 5º, n.º 1).
De facto, a LGT fixou para as dívidas tributárias um prazo de prescrição de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, encurtando o prazo geral de prescrição de dez anos que constava do artigo 34º, n.º 1, do CPT.
E em matéria de «interrupção e suspensão da prescrição», o artigo 49º dessa Lei, na sua redação originária, veio dispor o seguinte:
1 — A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 — A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 — O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.
Em apreciação parlamentar, os n.ºs 1 e 3 desse artigo foram alterados pela Lei n.º 100/99, de 26 de julho, passando a dispor nos seguintes termos:
[…]
1 — A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2— . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3 — O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.
Entretanto, a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2007, revogou o n.º 2 desse artigo 49º (artigo 90º), aditou um n.º 4 e introduziu nova redação ao n.º 3 (artigo 89º), passando a norma a estatuir do seguinte modo:
[…]
1 — ..............................................................................
2 — (Revogado)
3 — Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 — O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.
O acórdão recorrido, seguindo o entendimento sufragado pela jurisprudência administrativa, segundo o qual é aplicável às causas interruptivas e suspensivas do prazo de prescrição a lei vigente à data do facto que como tal possa ser caracterizado, veio a aplicar, na apreciação do caso concreto, as normas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 49º da LGT, para considerar verificada a suspensão do prazo de prescrição entre 8 de março de 1999 e 8 de março de 2000, em consequência da paragem do processo de execução fiscal por período superior a um ano por motivo não imputável ao sujeito passivo, e a partir de 12 de julho de 1999, em resultado da paragem do processo de execução fiscal por efeito da prestação de garantia e até à decisão do pleito no âmbito da impugnação judicial, e ainda a norma do artigo 49º, n.º 4, na redação da Lei n.º 53-A/2006, para efeito de considerar verificada a suspensão do prazo de prescrição até ao trânsito em julgado da decisão proferida relativamente à oposição à execução.
Partindo da ideia de que a prescrição extingue o direito de exigir o pagamento da dívida e faz nascer para o contribuinte o direito de recusar a correspondente prestação, e incide, portanto, sobre um aspeto essencial da relação jurídica tributária, consubstanciando uma garantia material ou não meramente procedimental, poderá entender-se que integra uma garantia dos contribuintes, que como tal respeita a reserva parlamentar, em aplicação dos artigos 103º, n.º 2, e 165º, n.º 1, alínea i), da Constituição (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 280/10, e na doutrina, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, A Prescrição no Direito Tributário, in «Problemas Fundamentais do Direito Tributário», Lisboa, 1999, págs. 261 e segs.; CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5ª edição, Coimbra, pág. 347).
Por outro lado, sabe-se que os decretos-leis autorizados que estejam em desconformidade com os termos da autorização, como é o caso em que excedam os limites da autorização e legislem sobre matéria diferente ou em sentido divergente do autorizado, incorrem em direta violação da competência legislativa da Assembleia da República e, logo, em inconstitucionalidade orgânica, total ou parcial (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, II vol., Coimbra, pág. 341).
Nesse plano, como se assinalou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 168/02, a eventual dissonância do decreto-lei autorizado relativamente à autorização legislativa depende da aplicação das regras de interpretação jurídica, cabendo ao Tribunal Constitucional avaliar o sentido e alcance da credencial legislativa e determinar se as disposições editadas pelo Governo se incluem ainda dentro da competência legislativa que foi especialmente concedida por efeito da autorização.
Acresce que os decretos-leis autorizados só mediante nova autorização legislativa é que podem ser alterados por novo decreto-lei, embora possam ser a todo o tempo alterados por uma lei da Assembleia da República, na medida em que têm por objeto matéria que é da sua competência legislativa originária (idem, pág. 480).
No caso vertente, constata-se que as normas que poderiam ter sido aplicadas na sua versão primitiva, e, portanto, com o conteúdo que resultou da inicial intervenção legislativa do Governo no uso da autorização legislativa concedida pela Lei nº 41/98, de 4 de Agosto, foram as dos n.ºs 2 e 3 do artigo 49º. A disposição do n.º 4 desse artigo, que o tribunal recorrido também invocou para definir a solução jurídica do caso, resulta já de uma alteração legal que foi introduzida por lei parlamentar e relativamente à qual se não pode colocar uma questão de inconstitucionalidade orgânica. E assim se deve concluir também no que se refere à norma do artigo 49º, n.º 3, quando se entenda que o tribunal recorrido aplicou essa norma na redacção dada pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho, visto que a alteração então introduzida foi já efectuada em apreciação parlamentar.
Por outro lado, com referência às únicas normas que interessa considerar - artigo 49º, n.ºs 2 e 3, admitindo que esta última foi também aplicada na sua versão inicial -, não se vê em que termos é que possa ter ocorrido o alegado excesso do decreto-lei autorizado por confronto com a lei de autorização.
O legislador governamental estava autorizado a rever os prazos de prescrição das obrigações e os pressupostos da interrupção da prescrição, podendo encurtá-los de modo consentâneo com as possibilidades e o aumento de eficiência da Administração (artigo 2º, alíneas 17 e 18 da Lei n.º 41/98).
O que veio a instituir, em concretização desse objetivo, foi o encurtamento do prazo de prescrição relativamente ao anteriormente estabelecido no CPT - que passou a ser de oito anos contados, no caso dos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (artigo 48º da LGT) -, com a concomitante adoção de mecanismos de interrupção e de suspensão do respetivo prazo.
Relativamente a estes outros aspetos, os n.ºs 1 e 2 do artigo 49º da LGT, na sua redação originária, reproduzem a anterior disposição do artigo 34º, n.º 3, do CPT, que igualmente previa a interrupção do prazo de prescrição com a apresentação de impugnação e a cessação desse efeito quando o processo estivesse parado durante mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte. A única medida inovadora é a que resulta do n.º 3 desse artigo, que adita uma outra forma de suspensão do prazo de prescrição por efeito da paragem do processo de execução fiscal e que decorre da possibilidade de a cobrança da prestação tributária no processo de execução fiscal se suspender quando tenha sido deduzida impugnação judicial e prestada garantia idónea, em conformidade com o disposto nos artigos 169º, n.º 1, do CPPT e 52º, n.ºs 1 e 2, da LGT.
Deve notar-se, no entanto, que esta suspensão, que está relacionada com o processo de execução fiscal, só tem efeito útil quando, nos termos do n.º 2, tenha ocorrido também a paragem do processo que originou a interrupção da prescrição por período superior a um ano, caso em que cessa o efeito interruptivo que é conferido pelo n.º 1. Fora desta hipótese, a interrupção do prazo da prescrição mantém-se com as consequências que resultam da lei civil: ou seja, com a interposição de reclamação, recurso hierárquico, impugnação ou pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo fica inutilizado para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo (artigos 326 do Código Civil).
É a paragem do processo por mais de um ano por motivo não imputável ao sujeito passivo que faz cessar esse efeito interruptivo, permitindo que ao prazo já decorrido desde o termo do ano em que se verificou o facto tributário se possa somar o tempo que decorrer após o processo ter parado por mais de um ano, implicando a substituição da interrupção por uma mera suspensão do prazo prescricional (neste sentido, DIOGO LEITE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 4ª edição, Lisboa, pág. 406). Quando essa modificação do efeito interruptivo tenha ocorrido é que releva a suspensão por motivo de paragem do processo de execução fiscal, caso em que essa suspensão se acrescenta à que resulte da paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
Embora esta seja, de facto, uma solução inovadora – que entretanto veio a ser revogada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro -, ela não representa um excesso relativamente aos limites da autorização legislativa. A lei de autorização legislativa não impõe uma redução dos prazos de prescrição e de interrupção da prescrição, limitando-se a permitir que se preveja o encurtamento desses prazos «de modo consentâneo com as possibilidades e o aumento de eficiência da Administração». O legislador governamental dispunha, neste campo, de discricionariedade legislativa, sendo que as soluções que viesse a adotar dependiam também de certos elementos de avaliação extrajurídica que o intérprete não pode controlar.
No caso, o decreto-lei autorizado determinou um encurtamento do prazo de prescrição, mas contrabalançou o resultado dessa opção legal com um novo mecanismo de suspensão do prazo prescricional destinado a funcionar quando tenha cessado o efeito interruptivo do prazo, que está tradicionalmente associado à interposição de um meio processual. Este efeito interruptivo é mais favorável à Administração, na medida em que inutiliza o prazo de prescrição já decorrido. A substituição do efeito interruptivo por um efeito suspensivo tem subjacente a ideia de que a demora processual excessiva que seja imputável aos serviços não deve agravar a posição jurídica do sujeito passivo. É, no entanto, aceitável, dentro da liberdade conformativa que foi conferida ao Governo, que, tendo sido prevista uma redução do prazo de prescrição, se contemple simultaneamente uma causa suspensiva resultante da impossibilidade de a Administração poder efetivar a cobrança coerciva do imposto por virtude da suspensão do processo de execução fiscal.
Não procede, pois, o falado vício de inconstitucionalidade orgânica.
5. A recorrente invoca ainda a inconstitucionalidade material das normas do artigo 49º da LGT, quando interpretadas no sentido de que a apresentação de impugnação judicial protela o início do prazo de prescrição para o momento em que a impugnação judicial transitar em julgado e de que tal preceito se torna aplicável a factos tributários e prazos prescricionais ocorridos e iniciados antes da sua entrada em vigor.
Importa recordar que o efeito suspensivo da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão proferida no processo, que o tribunal recorrido considerou aplicável, decorre de dois diferentes preceitos legais e reporta-se a dois distintos meios processuais: a suspensão por efeito da interposição da impugnação judicial associada a prestação de garantia, em aplicação do disposto no artigo 49º, n.º 3, na redacção anterior à Lei n.º 53-A/2006, que determina a suspensão do prazo de prescrição enquanto se mantiver parado o processo de execução fiscal; a suspensão por efeito da oposição à execução, que entrou em juízo em 14 de setembro de 2007, que se prolongou até ao trânsito em julgado da decisão proferida nesse processo, em aplicação do disposto no artigo 49º, n.º 4, na redacção da Lei n.º 53-A/2006.
Na verdade, a suspensão do prazo de prescrição em consequência da paragem do processo de execução fiscal associada à interposição de reclamação, impugnação ou recurso, provinha já da primitiva redação do n.º 3 do artigo 49º, e manteve-se, com ligeiras alterações, na redação introduzida pela Lei n.º 100/99. Sendo que a suspensão do prazo prescricional até à decisão definitiva do processo, quando tenha sido deduzida, designadamente, uma impugnação judicial, é uma decorrência do disposto no artigo 169º, n.º 1, do CPPT, que determina que «a execução ficará suspensa até à decisão do pleito […] desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195º ou prestada nos termos do artigo 199º […]»
Trata-se, por isso, de uma suspensão do prazo de prescrição que está ligada à suspensão do processo de execução fiscal e pelo prazo durante o qual essa suspensão ocorrer.
Entretanto, a norma do n.º 4 do artigo 49º da LGT, na redação introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, foi também aplicada ao caso mas com o sentido interpretativo de que a suspensão do prazo de prescrição por efeito da dedução da oposição à execução fiscal se mantém «enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo».
Por outro lado, a segunda interpretação normativa que a recorrente argui de inconstitucionalidade (pela qual o preceito se torna aplicável a factos tributários e prazos prescricionais ocorridos e iniciados antes da sua entrada em vigor) está necessariamente ligada a esta última disposição. De facto, ao discutir a aplicabilidade de uma nova lei a factos tributários e prazos prescricionais ocorridos e iniciados antes da sua entrada em vigor, a recorrente apenas pode ter tido em conta o mencionado artigo 49º, n.º 4, da LGT, cuja redação foi introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, sendo que as outras disposições legais também aplicadas pelo tribunal recorrido o foram na respetiva versão originária, relativamente à qual se não colocaria o problema da pretendida aplicação retroativa.
Quanto a qualquer destes sentidos interpretativos, a recorrente alega a violação do princípio da legalidade fiscal consagrado no artigo 103º, n.º 2, da Constituição, bem como do princípio da proibição da retroatividade do imposto, a que se refere o n.º 3 desse artigo, e do princípio da proteção da confiança.
6. Quanto ao primeiro dos parâmetros de constitucionalidade, importa começar por notar que a argumentação da recorrente parte sempre da ideia de que o tribunal recorrido, ao considerar verificada a suspensão do prazo prescricional até ao trânsito em julgado da decisão a proferir relativamente à impugnação judicial, efetuou uma interpretação da norma do artigo 49º, n.º 3, da LGT, na redação anterior à Lei n.º 53-A/2006, por recurso a analogia, tornando aplicável à suspensão prevista nessa disposição o regime do artigo 327º, n.º 1, do Código Civil.
Mas vimos já que a instância se não limitou a aplicar a referida disposição do artigo 49º, n.º 3, mas também a do n.º 4 desse artigo, na redacção da Lei n.º 53-A/2006.
O acórdão recorrido aplicou efetivamente a norma do n.º 4 do artigo 49º, na redação resultante daquela Lei, mas por referência à oposição à execução que foi deduzida pela recorrente em 14 de Setembro de 2007. E dela resulta, com toda a evidência, do seu próprio sentido literal, que o prazo de prescrição legal se suspende nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida, «enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo».
O princípio da legalidade fiscal exige, de facto, numa das usas dimensões jurídicas, a tipicidade legal dos impostos, implicando a conformação por parte da lei dos elementos modeladores do tipo tributário, abrangendo a incidência objetiva e subjetiva, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (cfr., entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 127/2004), E, como se deixou já esclarecido, poderá incluir-se entre as garantias dos contribuintes, como tal coberta pela tipicidade legal, o prazo respeitante à prescrição da obrigação tributária.
O ponto é que o tribunal recorrido respeitou os limites da interpretação da lei fiscal decorrentes do princípio da tipicidade, atribuindo ao inciso «enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado», que consta da referida norma do artigo 49º, n.º 4, o significado jurídico que comummente lhe é conferido, sem necessidade de qualquer aplicação analógica de princípios jurídicos provenientes de outros ramos do direito.
Tendo a decisão recorrida efetuado uma interpretação normativa que se enquadra nos cânones da hermenêutica jurídica e que é compatível com o teor verbal da norma, não lhe pode ser imputada a violação do princípio da legalidade fiscal (em sentido idêntico, ainda que com referência ao princípio da legalidade penal, o recente acórdão n.º 186/2013).
E o mesmo é possível dizer quanto à norma do n.º 3 do artigo 49º, na redação primitiva, quando interpretada no sentido de protelar a suspensão do prazo de prescrição até à decisão final a proferir na impugnação judicial, em consequência da paragem do processo de execução fiscal. Tendo sido prestada garantia idónea no âmbito do processo de impugnação judicial, fica suspensa a cobrança coerciva através do processo de execução fiscal, pelo que a suspensão do prazo prescricional fica necessariamente associada à impossibilidade de a autoridade tributária satisfazer o seu crédito enquanto não vier a ser produzida, naquele processo, uma decisão definitiva.
E, sendo assim, também neste caso, o prolongamento do efeito suspensivo, com base na conjugação dessa disposição com a dos artigos 169º, n.º 1, do CPPT e 52º,n.º 2, da LGT, corresponde a uma interpretação sistemática da lei que não envolve qualquer violação do princípio da tipicidade.
7. Num segundo momento, a recorrente invoca que a suspensão do prazo de prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que recaia sobre a impugnação judicial viola o princípio da proteção da confiança, na medida em que, na prática, determina a inviabilidade de uma obrigação tributária vir a ser declarada prescrita.
Como tem já sido afirmado, a garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa vertente subjetiva, a uma ideia de proteção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica e trata-se assim de um princípio que exprime a realização imperativa de uma especial exigência de previsibilidade, protegendo sujeitos cujas posições jurídicas sejam objetivamente lesadas por determinados quadros injustificados de instabilidade (BLANCO DE MORAIS, Segurança Jurídica e Justiça Constitucional, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLI, n.º 2, 2000, pág. 625).
Nesse sentido, a violação do princípio da proteção da confiança não pode ser imputado ao regime jurídico que em si resulta da nova disposição do artigo 49º, n.º 4, mas a esse regime na medida em que represente um agravamento da posição jurídica dos contribuintes, em relação ao sistema legal anteriormente vigente, com o qual se não pudesse legitimamente contar.
Nesse contexto, o Tribunal Constitucional tem também já considerado que não há «um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados», para concluir que o legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, por ser essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis (acórdão nº 287/90).
O que se impõe averiguar é, assim, se poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção de um determinado regime legal e se não poderá haver, em contraposição, um primacial interesse de ordem pública que possa justificar a alteração.
Ora, cabe recordar, revertendo ao caso concreto, que o mecanismo de interrupção do prazo de prescrição que consta do n.º 1 do artigo 49º desde a sua versão originária, implicava já a possibilidade de o prazo interrompido pela interposição de algum dos meios processuais aí previstos não se reiniciar antes do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo, por ser um dos efeitos normais da interrupção (artigo 327º, n.º 1, do Código Civil). Isso porque a utilização pelo legislador tributário da figura da interrupção da prescrição sem qualquer outra especificação não pode deixar de ser entendida, no quadro de uma interpretação sistemática da lei, como correspondendo a uma remissão para as disposições da lei civil que regulam o instituto, mormente no que se refere aos respetivos efeitos (neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., pág. 405).
A especificidade que o n.º 1 do artigo 49º introduziu, nesse plano, foi apenas quanto à natureza do ato que é suscetível de provocar o efeito interruptivo, que foi aí caracterizado como correspondendo a qualquer dos atos processuais ou procedimentais que permitam discutir a legalidade do ato de liquidação do imposto. A referência feita, na redação introduzida pela Lei n.º 100/99, à citação apenas pretendeu aditar a qualquer das situações em que o impulso processual ou procedimental pertence ao particular, aquelas outras em que a iniciativa é da própria Administração Tributária, pretendendo-se abarcar, desse modo, o caso em que seja instaurada execução fiscal contra o sujeito passivo do imposto.
Ao permitir que a interrupção ocorresse por efeito de reclamação, recurso, hierárquico, impugnação ou pedido de revisão oficiosa, o legislador pretendeu que qualquer desses atos desencadeasse os efeitos jurídicos que resultam da lei geral, incluindo quanto ao prolongamento da interrupção até ao julgamento da causa.
A nova redação dada ao artigo 49º pela Lei n.º 53-A/2006, ainda que tenha deixado intocado o referido n.º 1, afastou-se, no entanto, do regime precedente: além de ter revogado o antigo n.º 2, que permitia a transformação do efeito interruptivo em efeito supensivo, veio determinar que «a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar» (n.º 3) e que o prazo de prescrição legal se suspende «em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida» (n.º 4).
Nestes termos, a interrupção opera, não sucessivamente, com qualquer dos meios processuais previstos no n.º 1, mas apenas com aquele que for primeiramente acionado. Em contrapartida, qualquer dos outros meios que forem utilizados complementarmente implica a suspensão do prazo de prescrição, com um efeito similar ao que já anteriormente resultava da interrupção.
Ou seja, funciona agora um sistema articulado de mecanismos de interrupção e de suspensão do prazo, que substitui o anterior regime que permitia que o efeito interruptivo desencadeado por qualquer dos meios previstos no n.º 1 se transmudasse em efeito suspensivo quando se verificasse a situação mencionada no n.º 2: a paragem do processo por mais de um ano.
Note-se, em todo o caso, que atual regime, salvo a situação anómala em que ocorresse uma excessiva demora do processo, não é essencialmente mais gravoso que o que resultava da primitiva versão da norma, que permitia que, sucessivamente, o prazo prescricional pudesse considerar-se interrompido até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo, quando fossem utilizados pelo interessado diversos meios processuais. E, por outro lado, o prolongamento da suspensão até à decisão definitiva do processo não é também uma solução jurídica que fosse inteiramente estranha ao sistema legal.
Na verdade, essa mesma solução já resultava do disposto no artigo 49º, n.º 3, da LGT, na sua redacção primitiva, no ponto em que a suspensão do prazo de prescrição que aí se previa já devia entender-se como correspondendo à duração da paragem do processo execução em resultado de uma impugnação judicial que fosse acompanhada de prestação de garantia, e que, por efeito do artigo 169º, n.º 1, do CPPT, se mantinha até à decisão do pleito.
E quanto a esta última norma não pode sequer invocar-se uma qualquer violação do princípio da segurança jurídica, visto que ela já vigorava à data da interposição da impugnação judicial, que remonta a 8 de Março de 1999.
Resta considerar, por fim, que o regime legal se mostra justificado por razões de interesse público relacionadas com a necessidade de obtenção de receitas fiscais que resultem de impostos que tenham sido já objeto de liquidação. Nos termos do n.º 4 do artigo 49º da LGT, a suspensão do prazo de prescrição opera apenas nos casos em que se verifique a suspensão da cobrança da dívida, e, por conseguinte, durante aquele período de tempo em que a própria Administração Tributária se encontra impedida de arrecadar, ainda que coercivamente, as importâncias que se encontram em dívida, e nos casos em que essa impossibilidade é determinada por um impulso processual do sujeito passivo. O mesmo sucede quanto à suspensão do prazo determinada pela disposição do artigo 49º, n.º 3, na redacção anterior àquela, que, como se anotou, apenas ocorre por efeito da paragem do processo de execução fiscal.
8. A recorrente alude ainda à violação do princípio da não retroatividade do imposto, alegação que parece ter apenas cabimento quando referida ao sentido interpretativo - que se extrai da decisão recorrida -, segundo o qual a norma do n.º 4 do artigo 49º se torna aplicável a factos tributários e prazos prescricionais ocorridos e iniciados antes da sua entrada em vigor.
Esta questão foi, no entanto, já analisada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 592/12, ainda que por referência a uma idêntica interpretação normativa extraída dos artigos 12º e 49º, n.º 3, da LGT, na sua versão originária.
E não há motivo para alterar o julgado.
O Tribunal tem vindo a entender a proibição de impostos retroativos resultante do n.º 3 do artigo 103º da Constituição no sentido de abarcar apenas as situações de retroatividade autêntica ou em sentido próprio, explicitando-se no acórdão n.º 399/2010, com apoio nos trabalhos preparatórios da revisão constitucional de 1997, em que se introduziu essa disposição, não se ter pretendido «integrar no preceito as situações em que o facto tributário que a lei nova pretende regular não ocorreu totalmente ao abrigo da lei antiga, antes continuando a formar-se na vigência da lei nova», pelo menos quando estejam em causa impostos periódicos (ainda neste sentido, os acórdãos n.ºs 128/2009 e 85/2010).
Admitindo que a proibição constitucional respeita aos elementos essenciais do imposto que tenham caráter retroativo e constituindo a prescrição das obrigações tributárias e as respetivas causas de interrupção e suspensão verdadeiras garantias dos contribuintes, há que concluir que a aplicação de causas de interrupção ou suspensão introduzidas pela lei nova a prazos de prescrição que já haviam começado a correr ao abrigo da lei antiga é assimilável a uma situação de aplicação retrospetiva de norma fiscal desfavorável.
Na verdade, a prescrição constitui uma causa de extinção da obrigação tributária de formação contínua, prevendo a lei que, no decurso desse período de formação, possam ocorrer factos ou serem praticados atos suscetíveis de causar a sua interrupção ou suspensão. O regime de suspensão do prazo prescricional resultante de nova lei não deixa de ser aplicado a factos ocorridos após a sua entrada em vigor, quando o prazo em causa tenham começado a correr na vigência da lei antiga e ainda se não encontre terminado no momento em que se deu a cessação da sua vigência. Trata-se, portanto, de uma norma fiscal com natureza retrospetiva.
Tendo em conta que a suspensão por paragem do processo de execução fiscal se manteve até 29 de novembro de 2007, data do trânsito em julgado da decisão proferida na impugnação, é de concluir que, no momento em que entrou em vigor a novo regime decorrente da Lei n.º 53-A/2006, ainda não estava extinto o prazo prescricional, pelo que a causa suspensiva consignada naquele artigo 49º, n.º 4, se tornou aplicável a prazo de prescrição ainda em curso.
III – Decisão
Termos em que se decida negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 7 de janeiro de 2014. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.