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Processo n.º 1161/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificada nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 4, do artigo 76.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 3 de julho de 2013, pelo qual não se admitiu o recurso de constitucionalidade previamente interposto pela (ora) reclamante.
2. A reclamação para a conferência tem o seguinte teor:
«(...)
A Autora elaborou requerimento de recurso para o TC, ao abrigo da alínea b), n.º 1 do art.º 70º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), conforme requerimento de fls. 149/150 dos autos.
Tal pretensão veio a ser indeferida pela meritíssima Juiz a quo (cfr. despacho de fls. XX), sustentado, em súmula, o seguinte:
a) A questão da inconstitucionalidade só foi suscitada pela A., no requerimento de reforma da sentença;
b) Tal mecanismo processual permite ao juiz reformar a sentença quando tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
c) A sentença não sofria de erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
d) A questão da inconstitucionalidade não foi suscitada de modo processualmente adequado;
e) De tal modo, a A. o “(...)podia e devia ter feito na petição inicial, lugar e momento próprios para apresentar os argumentos que sustentam a pretensão que pretendia fazer valer em tribunal.”
f) Com efeito, indefere o requerimento de interposição de recurso, nos termos dos artigos 72º, n.º 2 e 76º, n.º 2 da LTC
Ora, discordamos integralmente dos argumentos e conclusões aduzidos pela meritíssima Juiz a quo, no mencionado despacho.
Efetivamente a A. suscitou a questão da inconstitucionalidade, no pedido de reforma de sentença - e mais não lhe seria exigível. Pois, vejamos.
A conjugação dos normativos previstos nos artigos 70º, n.º 1, al. b) e 72, n.º 2 da LTC, obriga a que o recorrente suscite a inconstitucionalidade durante o processo e de modo processualmente adequado.
Tais conceitos implicam a existência de um tempo e de um modo adequados para levantar, no processo base a questão da inconstitucionalidade.
“Na verdade, sempre entendeu o Tribunal Constitucional, em jurisprudência reiterada e uniforme, que deve interpretar-se esta exigência de suscitação da inconstitucionalidade “durante o processo” não num sentido formal (de ta! modo que a referida questão pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas num sentido “funcional” carecendo a invocação da inconstitucionalidade de ter sido feita em momento processual em que ainda fosse possível ao tribunal “a quo” conhecer de tal questão juridico-constitucional, tomando sobre ela posição, por não estar esgotado o seu poder jurisdicional sobre a matéria a que diz respeito a questão de constitucionalidade a que o recurso se reporta.”[1]
Ora, com a prolação da sentença, não seria em princípio admissível a suscitação da questão de inconstitucionalidade num “incidente pós-decisório” como é o caso da reforma da sentença.
Todavia, a jurisprudência constitucional sempre acolheu a tese de que, perante situações excecionais ou anómalas, fossem admitidos a recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, questões de inconstitucionalidade levantadas em momento posterior à prolação da sentença.
Nomeadamente, nos casos em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade, antes de ser proferida a decisão recorrida.
E ainda, por se tratar de uma decisão-surpresa, imprevisível e de conteúdo insólito, tornando inexigível a prévia suscitação de tal questão, antes da parte ter sido confrontada com o teor da decisão proferida.[2]
Com efeito, os presentes autos correm em forma sumaríssima, em que apenas são admitidas duas peças processuais (petição inicial e contestação), pelo que a recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar anteriormente a questão da inconstitucionalidade.
Diga-se, aliás, que é muito fácil advertir a A. de que a mesma deveria ter suscitado a questão, na petição inicial, de uma hipotética, futura e pessoal interpretação (em nosso entender, inconstitucional), quando esta mesma questão não foi levantada pela Ré.
E ainda que tivesse sido levantada, nem tão pouco se admitiria tal advertência, quando a meritíssima Juiz a quo decide UNILATERALMENTE preterir da audiência de julgamento, porquanto, “os autos contêm todos os elementos necessários para ser proferida decisão sobre o mérito da pretensão formulada pela autora, não carecendo da realização de quaisquer diligências de prova.”
Momento este, processualmente adequado, para que a A. eventualmente suscitasse tal questão, se e tão-só viesse a ser confrontada com aquela nova interpretação.
Pois, acresce que tal interpretação, apenas emanada na sentença, constituiu uma surpresa para a A.
Na medida em que aquele Tribunal emitiu decisões, cujas sentenças[3] apontam para uma interpretação normativa, em sentido diametralmente oposto[4].
A consagração, no art.º 3, n.º 3 do Código Processo Civil, do princípio da proibição de “decisões surpresa” vem reforçar a tutela da regra do contraditório e criar para os tribunais o dever de prévia audição das partes sobre um enquadramento jurídico objetivamente inovatório e surpreendente do pleito.[5]
Em conclusão, não só a A. não teve oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade por, antes de ser proferida a decisão final, não lhe ter sido facultada qualquer possibilidade para intervir no processo.
Bem como, não lhe era exigível que antevisse a possibilidade de tal interpretação normativa, na dirimição da causa, constituído a decisão final, uma verdadeira “decisão-surpresa”.
Por fim, o pedido de reforma da sentença permite, se verificados determinados pressupostos, a alteração da própria decisão de mérito.
Pelo que não se esgota o poder jurisdicional do juiz, aquando da prolação da sentença.
Não obstante, incumbe à A. o esgotamento de todos os mecanismos legais que permitam a alteração material da sentença, designadamente, o pedido de reforma da sentença.
No entanto, ainda que por mera hipótese se considerasse que o pedido de reforma de sentença não constituiu o momento processual adequado para suscitar a inconstitucionalidade, tal recurso deveria ser efetivamente admitido.
Pois, quando não tenha efetiva oportunidade processual ou quando “o decidido constitua total surpresa, com o que o recorrente não poderia razoavelmente contar, pode admitir-se que a inconstitucionalidade seja suscitada em momento posterior inclusive no requerimento de interposição do recurso”[6]
No mesmo sentido: “A suscitação atempada, ou seja, durante o processo, significa que a questão deve ser levantada, em princípio, em momento anterior ao de o tribunal recorrido proferir a decisão final, de modo a ser-lhe ainda possível pronunciar-se a seu respeito. A inconstitucionalidade há de suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a questão de constitucionalidade versa, entendendo-se, por conseguinte, a locução durante o processo não em sentido formal que permita equacionar o problema até à extinção da instância, mas sim em sentido funcional, determinante de a invocação ocorrer em momento em que o tribunal recorrido ainda possa conhecer da questão.”[7]
(...)»
3. A ora reclamante intentou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, ação administrativa especial contra o Ministério da Educação, com vista a obter a condenação deste último no pagamento da quantia de € 2.587,61, sendo € 1.676,77 a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho em funções públicas que celebrou em 14 de maio de 2009 com a Escola Secundária de S. Pedro da Cova, e € 910,84 a título de férias e subsídio de férias. Por despacho de fls. 71/72, o tribunal suscitou a eventual ocorrência da exceção de erro na forma de processo, ordenando, depois de ouvidas as partes, a respetiva convolação em ação administrativa comum com processo na forma sumaríssima.
Na petição inicial, invocou a ora reclamante os seguintes fundamentos:
«(...)
I – Dos factos
1.º
A autora celebrou um Contrato de Trabalho – conforme Contrato de Trabalho outorgado que se junta como doc. 1 – a termo resolutivo certo, a fim de desempenhar funções públicas inerentes à categoria profissional de Assistente Técnico, na Escola Secundária de S. Pedro da Cova, mas tutelada diretamente pela Ré, administrativa e financeiramente, ora Entidade Empregadora Pública.
2.º
O presente contrato decorre do Procedimento Concursal, publicado em Diário da República, 2.ª série – n.º 65 – 2 de abril de 2009, sob o Aviso n.º 7244/2009, conforme cópia que se junta como doc. 2.
3.º
O supracitado teve início em 14 de maio de 2009 e termo em 31 de agosto de 2011 – (cfr. cláusula Primeira, n.º 2 do doc. 1).
4.º
A R. nunca comunicou à A. vontade de o renovar.
5.º
E, caducado o contrato, não remunerou a A. pelo período de férias, bem como, não lhe atribuiu o respetivo subsídio de férias, ambos referentes ao ano de 2011 (cfr. recibo de vencimento de agosto de 2011 que se junta como doc. 3).
6.º
Da mesma forma, não procedeu ao pagamento do valor correspondente à compensação por caducidade, que é devido à A.
7.º
Acresce que em setembro de 2011 é publicado em Diário da República, 2.ª Série – N.º 170 – 5 de setembro de 2011, sob o Aviso n.º 17190/2011, novo concurso público que visa uma nova oferta de trabalho para a R., conforme cópia que se junta como doc. 4.
8.º
No seguimento deste, a A. candidata-se, preenche os requisitos e obtém o lugar, celebrando novo Contrato de Trabalho com a R. em 28 de setembro de 2011, conforme Contrato de Trabalho outorgado que se junta como doc. 5.
9.º
No mês de dezembro, a A. recebe o subsídio de Natal correspondente ao primeiro e segundo contratos de trabalho celebrado no ano de 2011 (cfr. recibo de vencimento de novembro de 2011 que se junta como doc. 6).
10.º
Inconformada com o incumprimento dos demais créditos laborais, a A., representada por Advogada, dirigiu requerimentos à Direção Geral dos Recursos Humanos da Educação e à Escola Secundária de S. Pedro da Cova, que se juntam como doc. 7 e doc. 8, tendo sido, no entanto, indeferida a sua pretensão, conforme carta que se junta como doc. 9.
II – Do Direito
11.º
Face ao exposto, torna-se impreterível a discussão de duas questões distintas: por um lado, a compensação pela caducidade do contrato a termo certo, não renovado, e por outro, o direito da A., enquanto trabalhadora, a ser remunerada pelas férias e correspondente subsídio de férias, vencidas e não gozadas em 2011.
12.º
No que concerne à primeira questão, estatui o art.º 252º, n.º 3 da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro que aprova o Regime e Regulamento do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (doravante, RRCTFP) que,
13.º
“A caducidade do contrato a termo certo que decorra da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a três ou dois dias de remuneração base por cada mês de duração do vínculo, consoante o contrato tenha durado por um período que, respetivamente, não exceda ou seja superior a seis meses.”
14.º
Assim sendo, a cessação do contrato por caducidade, sem qualquer comunicação à A., configura uma indemnização, calculada mediante o recebimento de dois dias de remuneração base por cada mês de duração do vínculo contratual.
(...)
17.º
Por conseguinte, tem a A. direito a uma compensação computada em € 1.676,77, a ressarcir pela R.
18.º
No que diz respeito à segunda questão, não se concebe a razão pela qual a R. se furtou ao pagamento decorrente do período de férias, no ano de cessação do contrato de trabalho.
19.º
Prevê o RRCTFP, no art.º 180º, 1º que “Cessando o contrato, o trabalhador tem direito a receber a remuneração correspondente a um período de férias proporcional ao tempo de serviço prestado até à data da cessação, bem como ao respetivo subsídio.”
(...)
23.º
Acresce que, às quantias peticionadas nesta ação, acumulam-se os devidos juros de mora desde a data de vencimento, isto é, desde agosto de 2011, nos termos do art.º 244 do RRCTFP – “Se a entidade empregadora pública faltar culposamente ao cumprimento de prestações pecuniárias constitui-se na obrigação de pagar os correspondentes juros de mora.”
24.º
Todavia, não se pode deixar de ressalvar a incongruência de que padece a posição da R., no que concerne este assunto. Pois, vejamos.
25.º
Estranhamente, a R. pagou à A. a proporção do subsídio de Natal referente aos 8 meses de vínculo contratual em 2011, nos termos do art.º 207.º, n.º b) do RRCTFP (cfr. doc. 6).
26.º
(...)
27.º
Maior é a admiração quando, face ao novo contrato de trabalho (acima referenciado como doc. 5) e em tudo semelhante ao contrato ora decorrente do presente litígio, a R. vem assumir uma postura diametralmente oposta e, diga-se, correta.
28.º
Porquanto, na iminência da cessação do mesmo, em 31 de agosto de 2012, emite um despacho em que atribui à A. uma quantia a título de compensação e de créditos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho – conforme despacho que se junta como doc. 10.
29.º
Contudo, ainda que a R. venha justificar tal disparidade de decisões com os argumentos patentes na Circular n.º B11075804B, da Direção Geral dos Recursos Humanos da Educação, que desde já se junta como doc. 11.
30.º
Não logram ser procedentes, na medida que,
31.º
O contrato de trabalho da A. não se enquadra nos Decretos-Leis n.º 20/2006, de 31 de janeiro, e n.º 35/2007, de 15 de fevereiro.
32.º
Pois ambos regulam os concursos para a seleção e recrutamento de pessoal docente, assim como aos seus contratos de trabalho – o que desde logo não se enquadra no objeto de contrato da A. (Assistente Técnica).
33.º
Ou seja, o âmbito material daqueles diplomas visa meramente suprir a falta de professores e não de outros quaisquer profissionais.
34.º
O contrato de trabalho em causa não foi celebrado ao abrigo daqueles decretos, mas sim nos termos das disposições normativas do RRCTFP, como de resto resulta da sua leitura.
35.º
E o mesmo poderá dizer do Aviso n.º 7244/2009, supra mencionado, publicado em Diário da República.
36.º
Na mesma linha de raciocínio, não deverá ter provimento o motivo invocado na comunicação do Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Educação e Ciência, dirigido ao estabelecimento de ensino em causa, que se junta como doc. 12.
37.º
Porquanto, a A. candidatou-se a um novo concurso público e celebrou novo contrato de trabalho, conforme o já elencado nos quesitos 7.º e 8.º.
38.º
A este respeito, poder-se-á afirmar que é transitória a necessidade concreta de anualmente colmatar a ausência de técnicos.
39.º
Ora, o facto de ser precedida de concurso e poder concretizar-se numa nova colocação para satisfação da necessidade transitória naquele ano concretamente aferida, não obsta a que a renovação da colocação se opere mediante renovação do contrato já existente,
40.º
O que, para todos os efeitos, não aconteceu!
41.º
Por último, no que à jurisprudência respeita, registe-se que exatamente sobre esta mesma questão foram já proferidas, no corrente ano, duas sentenças que condenaram a Ré ao pagamento da compensação pela caducidade de contratos de trabalho a termo certo, designadamente, a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, proferida a 14/06/2011 no Processo 39/11 e a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco proferida a 28/06/2011 no Processo n.º 684/10.
(...)»
O TAF do Porto, em decisão de 27 de fevereiro de 2013, julgou a ação improcedente, louvando-se nos seguintes argumentos:
«(...)
Como referimos atrás a questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se a autora tem direito a que lhe seja paga uma compensação pela caducidade do contrato de trabalho em funções públicas que celebrou em 14/05/2009 com a Escola Secundária de S. Pedro da Cova, bem como as férias e o subsídio de férias.
(...)
A lei é absolutamente clara ao fazer depender a atribuição duma compensação ao trabalhador pela caducidade do contrato de trabalho a termo da inexistência de comunicação por parte da entidade empregadora pública da vontade de o renovar.
Mas se assim é, coloca-se então a questão de saber se o trabalhador tem direito a essa compensação nos casos em que os contratos não são suscetíveis de ser automaticamente renovados – quer por impossibilidade legal, quer porque o próprio contrato prevê expressamente a sua não renovação – e, por isso, a vontade da Administração na renovação dos mesmos não opera.
(...)
Em jeito de conclusão podemos dizer que o artigo 252º, n.º 3 do RCTFP concede ao trabalhador contratado a termo uma compensação na eventualidade de caducidade, mas apenas nos casos em que a caducidade do contrato decorra da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar; contudo, se no próprio contrato a termo se prever que o mesmo não se renova ou se a impossibilidade de renovação resultar da própria lei, não será necessária qualquer declaração do empregador nesse sentido e, consequentemente, não será devida qualquer compensação.
(...)
E bem se compreende que assim seja pois que nos contratos a termo irrenováveis o trabalhador não tem qualquer expectativa na sua renovação, pois sabe ab initio que os mesmos terminarão no final do prazo acordado.
(...)
Não é essa, contudo, a situação em causa nos autos, uma vez que a possibilidade de renovação do contrato resulta expressamente da cláusula nona do mesmo, a qual determina a sua cessação no dia 31/08/2011, desde que a entidade empregadora pública não comunicasse a vontade de o renovar, o que poderia suceder por duas vezes e até ao limite de três anos.
Assim e ao contrário do que o réu sustenta, o contrato em causa nos autos era suscetível de ser renovado.
Deste modo e considerando, por um lado, que o contrato em causa nos autos podia ser renovado e, por outro, que o mesmo caducou sem que a entidade empregadora tivesse comunicado a vontade de o renovar, à partida pareceria que a autora teria direito à compensação pela sua caducidade.
Acontece, porém, que, no dia 28/09/2011 a autora celebrou novo contrato a termo resolutivo certo com a mesma entidade empregadora pública (cfr. ponto 5 da matéria de facto assente).
Será que ainda assim assiste à autora o direito a que lhe seja paga a compensação pela não renovação do primeiro contrato?
Entendemos que não.
Como atrás referimos, a mesma tem em vista compensar o trabalhador pela frustração da expectativa em ver o contrato renovado. Ora, essa situação não ocorre nos casos em que o trabalhador celebra novo contrato de trabalho em condições de vigência não menos favoráveis das que poderiam resultar da renovação do primitivo contrato. Nesses casos não se pode falar, em rigor, em frustração da expectativa que o trabalhador tinha na renovação do contrato, pois que acabou por celebrar com a entidade empregadora pública novo contrato. E se assim é, deixa de fazer sentido e não se justifica a atribuição duma compensação pela caducidade do contrato.
Concluímos assim pela improcedência da pretensão da autora no sentido de lhe ser paga tal compensação.
O mesmo sucede no que concerne ao pedido de condenação do réu a pagar-lhe a importância correspondente às férias e ao subsídio de férias, pois que não resultou provado que a mesma não lhe tivesse sido paga.
(...)»
Inconformada, veio a reclamante requerer reforma da sentença e/ou nulidade da mesma, nos termos dos artigos 669.º, n.º 2, alíneas a) e b), 668.º, n.º 1, alínea c), e 201.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, em requerimento onde se pode ler, com relevo para o caso vertente, o seguinte:
«(...)
20.º
Pelo que se assim fosse, se colocaria a questão: Quanto tempo pode distar entre a cessação do antigo contrato e a celebração do novo, para que os factos não se subsumam à previsão do art.º 252.º n.º 3 do RCTFP e logo não sujeitem a administração pública ao cumprimento da obrigação de compensar?
21.º
Um dia...? Um mês...? Um ano...?
22.º
Ora, a A. entende que a interpretação da citada norma, no sentido em que se faz depender a atribuição da compensação, da frustração da expectativa do trabalhador, entendendo-se, por sua vez, esta afastada quando celebrado novo contrato autónomo, mesmo quando o empregador público não tenha comunicado ao trabalhador a vontade de não renovar, é ofensiva a princípios fundamentais, constitucionalmente consagrados.
23.º
Nomeadamente, das disposições dos artigos 12.º-1, 13.º-1, 53.º, 58.º, 1 e 59.º-1-a), todos da Constituição da República Portuguesa, cuja violação desde já se invoca.
(...)»
Em decisão de 5 de junho de 2013, o TAF do Porto indeferiu os pedidos formulados, circunstância que levou a (ora) reclamante a interpor recurso para o Tribunal Constitucional, em requerimento de fls. 149, com o seguinte teor:
«(...)
a) Vem interpor recurso ao abrigo da alínea b), n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro.
b) Suscitou a inconstitucionalidade da interpretação normativa do disposto no art.º 252º, n.º 3 da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro (RCTFP).
c) Entende que a interpretação da citada norma, no sentido em que se faz depender a atribuição da compensação, da frustração da expectativa do trabalhador, entendendo-se, por sua vez, esta afastada quando celebrado novo contrato autónomo, mesmo quando o empregador público não tenha comunicado ao trabalhador a vontade de não renovar, é ofensiva a princípios fundamentais, constitucionalmente consagrados.
d) Invocou naquela peça processual, a violação das disposições constitucionais consagradas nos artigos 12.º-1, 13-º-1, 53.º, 58.º-1, e 59.º-1-a), todos da Constituição da República Portuguesa.
e) Vem indicar que os presentes autos correm em forma sumaríssima, pelo que apenas são admitidas duas peças processuais (petição inicial e contestação). Ora, a recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar anteriormente a questão da constitucionalidade, a que acresce ainda o facto de se tratar de uma “decisão surpresa”, dada a jurisprudência diametralmente oposta do tribunal a quo. Neste sentido, apenas lhe poderia ser exigível a invocação da referida inconstitucionalidade no requerimento do pedido de reforma da sentença, o que fez, aguardando pela decisão final.
(...)»
O requerimento de recurso foi indeferido pelo TAF do Porto, em despacho com data de 3 de julho de 2013 (fls. 152), com fundamento no facto de a questão de constitucionalidade em causa nos autos não ter sido suscitada de modo processualmente adequado, leia-se, durante o processo, em termos de o tribunal estar obrigado a dela conhecer. Acrescentou ainda aquele Tribunal que:
«(...)
E nem se diga, como faz a Autora, que correndo os presentes autos na forma sumaríssima “não dispôs de oportunidade processual para suscitar anteriormente” essa questão, pois que o podia e devia ter feito na petição inicial, lugar e momento próprios para apresentar os argumentos que sustentam a pretensão que pretendia fazer valer em tribunal.
(...)»
Seguiu-se, finalmente, a reclamação para conferência que ora se aprecia.
4. No seu parecer, o Ministério Público pugnou pelo deferimento da reclamação apresentada.
II. Fundamentação
5. Sendo o recurso de constitucionalidade vertente interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, necessário se verifica que se achem preenchidos uma série de pressupostos processuais – a saber, o esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão, aliado à arguição tempestiva e adequada de uma questão de constitucionalidade incidente sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi da decisão recorrida. In casu, a não admissão do recurso de constitucionalidade ficou a dever-se ao facto de o levantamento da questão de constitucionalidade não ter ocorrido em momento processualmente adequado, entenda-se, durante o processo, o que é o mesmo que dizer em momento em que o tribunal recorrido ainda pudesse dela conhecer.
Com efeito, é tida, via de regra, por extemporânea a arguição ocorrida em incidentes pós-decisórios, como, por exemplo, o requerimento de reforma ou de arguição de nulidade da decisão. Sucede, porém, que a jurisprudência constitucional consolidada vem admitindo algumas excepões a esta regra, constituindo uma delas as chamadas “decisões-surpresa”, as quais têm lugar quando «a aplicação de uma norma pelo tribunal “a quo” ou a interpretação dada no processo aplicativo à mesma norma por aquele tribunal, assuma um caráter objetivamente insólito, inesperado ou imprevisível» (Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional, Tomo II, Coimbra Editora, 2011, p. 767).
Cumpre apurar, portanto, se no caso vertente se encontram verificados os requisitos que permitem qualificar a decisão do tribunal recorrido como uma “decisão-surpresa”. Exigindo a jurisprudência constitucional consolidada nesta matéria que o recorrente “formule um juízo de prognose relativo às possíveis alternativas que subjazem à referida aplicação ou interpretação” (cfr. acórdão n.º 479/89, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), tudo está em saber se, no caso vertente, seria exigível à reclamante que, antecipando o entendimento extraído do artigo 252.º, n.º 3, da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro (RCTFP), pelo TAF do Porto, houvesse suscitado o incidente de inconstitucionalidade na petição inicial – tese sufragada pelo tribunal recorrido.
Desde já se avança que tal antecipação não lhe era exigível, porquanto o entendimento normativo adotado pelo tribunal recorrido, a partir da norma constante do artigo 252.º, n.º 3, do RCTFP, deve ser tido como surpreendente. Recorde-se que o TAF interpretou este normativo no sentido de que do mesmo não decorre o dever de atribuição de compensação em caso de cessação de contrato de trabalho a termo quando o trabalhador em causa venha a celebrar novo contrato autónomo, e ainda que o empregador público não lhe tenha comunicado a vontade de não renovar. Ora, mesmo admitindo que incumbe à reclamante o ónus de antecipar as diversas alternativas interpretativas que um dado preceito é suscetível de tolerar, a interpretação normativa que fez vencimento nos autos não integra esse círculo de tolerância.
Por um lado, trata-se de uma opção hermenêutica inédita, não constando do acervo de entendimentos doutrinal e jurisprudencialmente “adquiridos”. Por outro, dificilmente pode ser tida como uma mera decorrência ou adaptação daquela outra interpretação referida nos autos – que, apesar de controvertida, tem sido convocada pelos tribunais (v., por ex., o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 20 de dezembro de 2012, processo n.º 09330/12, e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de setembro de 2013, processo n.º 01132/13, ambos disponíveis em www.dgsi.pt) - nos termos da qual não será devida compensação por caducidade de contrato de trabalho a termo certo nos casos em que o próprio contrato preveja a impossibilidade de renovação ou esta decorra da lei, por aí não ter o trabalhador qualquer expectativa na sua renovação.
Assim sendo, entende-se que o despacho proferido pelo tribunal recorrido, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto, é desprovido de fundamento, visto que tal recurso dá preenchimento cabal àqueles que são os pressupostos processuais inferidos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC.
III. Decisão
6. Destarte, o Tribunal Constitucional decide dar provimento à reclamação apresentada, e, por conseguinte, admitir o recurso de constitucionalidade interposto.
Sem custas.
Lisboa, 17 de dezembro de 2013. – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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[1] In Rego, Carlos Lopes do, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, pág. 83 e ss.;
[2] Vide Rego, Carlos Lopes do, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, pág. 78-79;
[3] A matéria de facto e de direito dos respetivos processos é intimamente idêntica, porquanto as autoras são colegas de trabalho da A., nas mesmas condições laborais que esta.
[4] A título de exemplo, Processo n.º 2012/12.2BEPRT e Processo n.º 1776/12.8BEPRT, cujas cópias das sentenças se juntam.
[5] Vide Rego, Carlos Lopes do, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, pág. 77;
[6] Acórdão n.º 74/00 do Tribunal Constitucional
[7] Acórdão n.º 155/00 do Tribunal Constitucional