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Processo n.º 722/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, A. intentou ação administrativa especial contra o Município de Elvas no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco. Por decisão singular, proferida em 29 de novembro de 2012, foi julgada improcedente a ação. Inconformada, a autora interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul, o qual foi objeto de despacho de não admissão, por se entender inadmissível o recurso de decisão sumária do relator. Reclamou, então, a autora para o Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul, peticionando a substituição daquele despacho por outro que admita o recurso interposto. Por decisão proferida em 23 de maio de 2013, foi a reclamação indeferida.
2. Veio, em seguida, a autora interpor recurso para o Tribunal Constitucional dessa decisão, ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o qual foi admitido no Tribunal a quo.
3. Neste Tribunal Constitucional, foi proferida a Decisão Sumária n.º 515/13, em que se decidiu não conhecer o recurso, com os seguintes fundamentos:
«(...)
10. Impõe-se, em primeiro lugar, afastar liminarmente a admissibilidade do recurso de constitucionalidade ao abrigo da via prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Esse preceito contempla o recurso de decisão que aplique norma constante de ato legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado, o que não se encontra aqui em equação. Em momento nenhum do requerimento surge identificado ato legislativo com tal valor, de acordo o disposto no artigo 112.º, n.º 3 da Constituição.
11. A apreciação da verificação dos pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, importa a prévia determinação do objeto, tal como delimitado pelo requerimento de interposição de recurso. Nessa peça processual, imputa-se a desconformidade constitucional a norma extraída da conjugação da alínea i) do n.º 1 e do n.º 2 do CPTA, cujo sentido é assim apresentado: “não obstante o Tribunal designar a decisão como sentença, a mesma é insuscetível de recurso, já que proferida por juiz singular (relator), com invocação da alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA, com o que era obrigatório o uso de reclamação para a conferência, sendo irrelevante a qualificação que o tribunal emissor da decisão dá à mesma, mais considerando que sob o termo «despacho» constante do n.º 2 do artigo 27.º do CPTA também se integram por interpretação extensiva as «sentenças»”.
O cotejo dessa formulação com a reclamação dirigida ao Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul permite perceber que a autora procurou retomar a argumentação de desconformidade constitucional que aí esgrimiram, através de remissão para o conteúdo de acórdão do TCAS proferido no processo n.º 6360/2010 e que sintetizaram nos seguintes termos: “24 -[p]erante a contradição no texto da decisão entre a qualificação dada de “sentença” e a invocação do art. 27.º, n.º 1 do CPTA, não pode deixar de se admitir o recurso jurisdicional tempestivamente interposto pelos ora reclamantes, sob pena de ser posta em causa a garantia da tutela jurisdicional efetiva, prevista no art. 268.º, n.º 4, o direito de acesso ao direito à justiça previsto no art. 20.º, e de ser posto em causa os ditames do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2.º, todos da CRP”.
Desde logo, denota-se que a ratio decidendi em que assentou a decisão recorrida não encontra identidade com o sentido que lhe é atribuído no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Na verdade, o critério decisório determinante para o Tribunal a quo não reside na qualificação da decisão, mormente na sua classificação como sentença, exprimindo mesmo a decisão sintonia nesse ponto com os recorrentes: “as partes não puseram em causa a emissão de sentença pelo juiz relator na 1ª instância”. Não encontra, assim, adesão na decisão recorrida a consideração de qualquer incorreção ou contradição em “qualificação dada” à decisão pelo TAF de Castelo Branco e, correspondentemente, o “apelo a um critério de nominação pelo ato do Tribunal”, como pretendem os recorrentes.
Diversamente, a decisão recorrida assentou inteiramente no entendimento de que, sendo a sentença proferida por órgão singular, nos termos consentidos pelo disposto no art.º 27.º, n.º 1, alínea i) do CPTA, tem aplicação o estabelecido no n.º 2 do artigo 27.º do CPTA, cabendo dessa decisão reclamação para a formação de três juízes prevista no n.º 3 do artigo 40.º do mesmo código, e não recurso jurisdicional imediato. De acordo com esse entendimento, a impugnação recursória apenas cabe do acórdão que aprecie a reclamação para a referida formação de juízes, o que comina de inadmissível o recurso interposto para o TCAS de sentença proferida nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA.
Face aos termos do requerimento, verifica-se que a recorrente questionou junto deste Tribunal a correção de tal entendimento infraconstitucional e a aplicabilidade no caso do n.º 2 do artigo 27.º do CPTA - ainda que, em certo passo, aceitem argumentar a partir dessa premissa (cfr. ponto 4) – imputando à aplicação de tal interpretação desconformidade constitucional. Ou seja, procura ver apreciada a bondade da decisão, e do resultado que determina, imputando diretamente ao ato jurisdicional a infração dos artigos 2.º e 20.º da Constituição, e não a qualquer critério ou padrão normativo extraído do preceituado na alínea i) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 27.º do CPTA, com carácter de generalidade e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações.
Ora, saber se, como pretende a recorrente, no âmbito do CPTA, uma decisão de mérito remete imediatamente para “um regime de recurso jurisdicional” para Tribunal Superior, sem que caiba prévia reclamação para órgão coletivo composto por três juízes do mesmo Tribunal, ou, ao invés, essa via impugnatória antecede necessariamente o recurso para instância superior, como se afirma na decisão recorrida, constitui questão situada no plano da definição do melhor entendimento e aplicação do direito ordinário, insuscetível de conhecimento por parte do Tribunal Constitucional ao abrigo da via de recurso aberta pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, em concretização do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição, circunscrita à apreciação de questões normativas de constitucionalidade.
Face ao exposto, por inidoneidade do seu objeto, cumpre concluir pela inadmissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto e decidir pelo seu não conhecimento.»
4. A recorrente não se conformou com essa decisão e dela apresentou reclamação para a Conferência, nos seguintes termos:
«(...)
4. Contrariamente ao que se afirma naquela douta decisão, a questão colocada não pretende suscitar o mero controlo pelo Tribunal Constitucional da decisão recorrida;
5. A ora reclamante não submeteu à apreciação do Tribunal Constitucional um processo interpretativo utilizado pontualmente na decisão recorrida, mas antes o conteúdo interpretativo atribuído ao art. 27.º, n.ºs 1, alínea i) e 2 do CPTA, o qual é identificado;
6. Questiona-se, sem dúvida, se a constitucionalidade daquelas normas quando interpretadas em qualquer uma das seguintes interpretações normativas:
a) no sentido de considerar que, apesar do tribunal apelidar o seu ato de sentença e essa ser uma decisão de mérito que remete para um regime de recurso jurisdicional, entender o tribunal superior que a qualificação dada não estava correta, e que, como tal, a reação jurisdicional dessa não se poderia ter conformado com a qualificação que o próprio tribunal havia dado;
b) no sentido de que, não obstante o tribunal designar a decisão como sentença, a mesma é insuscetível de recurso, já que proferida por juiz singular (relator) com invocação da alínea i) do n.º 1 do art. 27º do CPTA, com o que era obrigatório o uso de reclamação para a conferência, sendo irrelevante a qualificação que o tribunal emissor da decisão dá à mesma, mais considerando que sob o termo 'despacho' constante do n.º 2 do art. 27.º do CPTA também se integram por interpretação extensiva as 'sentenças';
7. A ora reclamante impugnou, efetivamente, a decisão judicial, mas por ela ter aplicado uma norma, de modo a ultrapassar o sentido possível das palavras da lei, uma vez que julgou que uma interpretação normativa do termo 'despacho' referida no n.º 2 do art. 27.º abrange as 'decisões' a que se refere a alínea i) do seu n.º 1;
8. Assim é que a ora reclamante, na reclamação que apresentou no Tribunal Central Administrativo Sul colocou este tribunal perante a exata e específica questão de inconstitucionalidade normativa que pretende ver apreciado no recurso interposto para o Tribunal Constitucional. Com efeito,
9. Logo no n.º 4 daquela reclamação, relativamente ao despacho de não admissão do recurso ao abrigo dos artigos 27.º, n.º 1, alínea i) e 29º, n.º 1 do CPTA, escreveu expressamente que:
'É deste despacho que se reclama por, no entender da ora reclamante, ser ilegal por representar uma completa dissonância com o sistema de recursos vertido no art. 142.º, n.º 1 do CPTA, e por a interpretação nele seguida ser manifestamente inconstitucional, por atentar contra os princípios derivados de confiança e estabilidade e acesso ao direito e justiça vertidos nos artigos 2º e 20º da CRP';
10. Tendo densificado essa sua alegação na matéria vertida nos números 16 a 24 dessa mesma peça processual, onde se pode ler: 'Ainda que se entenda que o n.º 2 do art. 27.º CPTA permite uma interpretação extensiva, ao ponto de abarcar sob o termo 'despachos', as sentenças, ou seja, usar o termo 'despachos', num sentido idêntico ao de 'decisões' na alínea i) do n.º 1 do art. 27.º CPTA (...) é uma aplicação inconstitucional do n.º 2 do art. 27.º do CPTA e da alínea i) do n.º 1 do art. 27º do CPTA, aplicar os mesmos no sentido de considerar que apesar de um Tribunal apelidar certo ato seu de sentença e essa ser uma decisão de mérito que remete para um regime de recurso jurisdicional, entender um Tribunal superior que a qualificação dada não estava, afinal, correta e que, como tal, as reações jurisdicionais dessas não se poderiam ter conformado com essa qualificação que os próprios tribunais haviam dado';
'Esse entendimento atenta, designadamente, contra os princípios do Estado de Direito Democrático (art. 2.º CRP) e seus corolários ao nível dos princípios derivados de confiança e estabilidade e acesso ao direito (art. 20.º CRP), já que a confiança das partes processuais se vê posta em causa perante quaisquer decisões jurisdicionais, já que deixam de poder confiar na qualificação que os tribunais - órgãos de soberania com competência para administrar a justiça - fazem dos seus próprios atos;'
' A enveredar-se pelo entendimento defendido no despacho de que se reclama, estar-se-ia «(...) perante a imposição de um ónus processual às partes no processo de ultrapassarem as qualificações que os próprios tribunais façam dos seus atos, obrigando a que, mesmo sem que essa qualificação tenha sido posta em causa por tribunal superior, as partes julguem e apurem o erro do julgador e enveredem por meio de reação em discordância com o que o próprio tribunal que terá de admitir o meio de reação dispôs em qualificação desse ato»':
'Enveredar e consagrar tal imposição às partes no processo é claramente inconstitucional por criação de um sistema de indefesa face às garantias de acesso ao direito e justiça (art. 20.º CRP) e ulteriormente face à própria garantia da tutela jurisdicional efetiva (art. 268.º, n.º 4), por violação de um parâmetro de proporcionalidade nas imposições colocadas às partes no processo, quanto às condições em que podem utilizar os meios de reação'; (...) É claramente abusivo e coloca em causa o uso das garantias recursivas ou de reação, colocar a obrigação às partes de usarem meios contenciosos em discordância com a qualificação do ato que o próprio órgão de soberania que julga a questão impôs, quando o nosso sistema de reação contra decisões judiciais assente exclusivamente no pressuposto de qualificação do ato como “despacho” ou “sentença” para conduzir as partes no processo aos meios que poderão usar; (...)'; Defronta o princípio da confiança e da estabilidade jurídica do processo - o due process - definir em lei processual que a seleção de meios contenciosos se faz por apelo a um critério de nominação do ato pelo tribunal, para, posteriormente, quando o particular se conforma com essa nominação não vincula e há mesmo o dever de contrariar uma qualificação jurisdicional' ;
(...) a interpretação e aplicação das normas de processo e que é seguida pelo despacho reclamado, «leva a conclusões contrárias aos ditames do Estado de Direito, em que os princípios pro actione não habilitam tais condutas processuais que promovam a indefesa e incerteza das partes que recorrem ao processo para a sua tutela»;
'Perante a contradição no texto da decisão entre a qualificação dada de 'sentença' e a invocação do art. 27.º, n.º 1 do CPTA, não se pode deixar de se admitir o recurso jurisdicional tempestivamente interposto pelos ora reclamantes, sob pena de ser posta em causa a garantia da tutela jurisdicional efetiva, prevista no art. 268.º, n.º 4, o direito de acesso ao direito e à justiça previsto no art. 20.º, e de ser posto em causa os ditames do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2.º, todos da CRP'.
11. De tais referências resulta que, relativamente ao despacho de não admissão de recurso de decisão individualmente tomada pelo juiz de primeira instância, a ora reclamante suscitou concretamente a questão da inconstitucionalidade da interpretação das normas convoca das para a decisão da causa e por ela aplicadas, tendo-o feito de modo direto, explícito e percetível através da indicação das disposições legais sobre cuja interpretação se faz recair a suspeita do vício de inconstitucionalidade;
12. A ora reclamante colocou, assim, o tribunal recorrido perante a exata e específica questão da inconstitucionalidade normativa que pretendem ver agora apreciada, ou seja: a apreciação da constitucionalidade da norma extraída do art. 27.º, n.º 2 do CPTA, quando interpretada no sentido que o legislador ao usar aí o termo 'despacho' pretendeu abarcar as 'decisões' a que se refere a alínea i) do seu n.º 1;
13. E o Tribunal Central Administrativo Sul embora não se tenha pronunciado sobre a inconstitucionalidade expressamente suscitada pela ora reclamante, sufragou interpretação de que, do confronto da expressão 'proferir decisão', constante da alínea i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA, com a expressão 'despachos', contida no n.º 2 do mesmo artigo, não se pode retirar que o legislador utilizou tais conceitos em sentido diferente;
14. Pelo que o recurso interposto para o Tribunal Constitucional tem por objeto a inconstitucionalidade da referida norma, quando aplicada e interpretada com aquele sentido e alcance;
15. Com efeito, o art. 27.º, n.º 1, alínea i) do CPTA, dispõe: 'Compete ao relator, sem prejuízo dos demais poderes que lhe são conferidos neste Código: (...) proferir decisão quando entenda que a questão a decidir é simples, designadamente por já ter sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada';
16. E o n.º 2 do mesmo artigo dispõe: 'Dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência, com exceção dos de mero expediente, dos que recebam recursos de acórdãos do tribunal e dos proferidos no Tribunal Central Administrativo que não recebam recursos de acórdãos desse tribunal';
17. No confronto da expressão 'proferir decisão' constante da alínea i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA, com a norma contida no n.º 2 do mesmo artigo é evidente o uso deliberado do legislador de diferentes expressões para designar atos de decisão jurisdicional (numa usa-se a expressão vaga 'decisão' - alínea i) do n.º 1 -, na outra a aceção concreta de 'despachos' - n.º 2 - obrigando o n.º 2 a submeter a conferência os 'despachos do relatar';
18. Ora, 'despachos' e 'sentenças' são atos proferidos pelos tribunais que se quadram no conceito de 'decisão', mas enquanto a 'sentença' sempre decide, ou julga, a questão ou a causa trazida ao conhecimento do juiz, o 'despacho' ordena factos relativos ao procedimento, determinando medidas, dispondo sobre atos que se devam praticar como necessários ao andamento do pleito;
19. Nada se refere no n.º 2 do art. 27.º do CPTA quanto à obrigação de atos que seja sentenças serem submetidos a conferência pela via da reclamação, o que se terá de assumir ter significado e ser opção legislativa ponderada;
20. Daí que não esteja em causa a validade formal da norma aplicada, mas a interpretação dada à norma pela decisão;
21. Assim, a questão da inconstitucionalidade em causa no presente processo não é dos n.ºs 1, alínea i) e 2 do art. 27.º do CPTA, mas a interpretação que o Tribunal Central Administrativo Sul consagrou no seu Acórdão, por se entender claramente inconstitucional por criação de um sistema de indefesa face às garantias de acesso ao direito e à justiça (art. 20.º da CRP), por violação de um parâmetro de proporcionalidade nas imposições às partes no processo, quanto às condições em que podem usar dos meios de reação;
22. A interpretação seguida é claramente abusiva e coloca em causa o uso das garantias recursivas e leva a conclusões contrárias aos ditames do Estado de Direito, em que os princípios pro actione não habilitam tais condutas que promovem a indefesa e incerteza das partes que recorrem ao processo para sua tutela (art. 2.º da CRP);
23. Requer-se, deste modo, a revogação da decisão reclamada e, em consequência, que seja ordenado o prosseguimento dos autos.»
Cabe decidir.
II. Fundamentação
5. Vem a recorrente reclamar da decisão sumária que, por não comportar objeto normativo, adequado à fiscalização concreta da constitucionalidade prevista nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, concluiu pelo não conhecimento do recurso.
Verifica-se, em primeiro lugar, que os recorrentes nada opõem ou argumentam em contrário da falência do impulso mobilizador do recurso por via da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, conformando-se com a decisão nessa vertente.
Por outro lado, tomando o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a recorrente sustenta, no essencial, que questionou a constitucionalidade de interpretação que ultrapassou “o sentido possível das palavras da lei”. Pronunciou-se igualmente quanto a outro pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, pois dedica boa parte da reclamação à defesa (antecipada) da suscitação prévia de questão de constitucionalidade e da sua legitimidade para o recurso, com transcrição de segmentos da reclamação apreciada pela decisão recorrida, o que faculta a sua apreciação.
6. Começando por este último pressuposto, importa dizer que a recorrente, embora enuncie a presença de interpretação seguida pelo despacho reclamado que, em seu entender, violaria normas constitucionais, nunca explicitou perante o Tribunal Central Administrativo Sul o sentido ou dimensão material de tal interpretação, incumprindo os requisitos mínimos de uma suscitação que vincule o tribunal recorrido ao conhecimento de uma determinada questão de constitucionalidade normativa.
Compreende-se assim, que a decisão reclamada tenha tomado posição genérica, afastando a violação pela decisão de qualquer parâmetro constitucional, pois o Tribunal não fora confrontado com a concretização de critério ou padrão normativo, geral e abstrato, que deveria ser afastado, por contrariar a Constituição.
Nessa medida, não tendo a recorrente suscitado em termos adequados perante o Tribunal recorrido qualquer questão normativa de constitucionalidade, sempre cumprirá afastar a admissibilidade do recurso, por ilegitimidade da recorrente, face ao disposto na parte final da alínea b) do n.º1 do artigo 70.º e no n.º 2 do artigo 72.º, ambos da LTC (neste sentido, perante recurso e reclamação idênticos aos aqui em presença, decidiram os Acórdãos n.ºs 727/13, 728/13, 724/13 e 729/13).
7. Mesmo que assim não se entenda, decorre do requerimento de interposição de recurso, e encontra confirmação na reclamação em apreço, que a recorrente, apesar de anunciarem o contrário, procuram ver sindicar o processo interpretativo acolhido na decisão recorrida e encontrar no Tribunal Constitucional instância revisora da correção aplicativa do direito infraconstitucional.
Quando se sustenta que “nada se refere no n.º 2 do artigo 27.º do CPTA quanto à obrigação de atos que sejam sentenças”, ou se alude ao “significado” desse preceito, para concluir que “a interpretação seguida é claramente abusiva”, visa-se diretamente o ato de julgamento, na definição do sentido aplicado de determinado preceito, e não critério ou padrão normativo dele extraído interpretativamente, com carácter de generalidade e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações. Aliás, a recorrente explicita na reclamação que “a questão da inconstitucionalidade em causa no presente processo não é dos n.ºs 1, alínea i) e 2, do art. 27.º do CPTA”, evidenciando que o objeto da apreciação de constitucionalidade visada incide sobre o ato judicativo, em si mesmo considerado, pese embora com apelo ao respeito por normas constitucionais.
8. Cumpre, pelo exposto, concluir pela procedência do juízo constante da decisão sumária reclamada e pelo indeferimento da reclamação.
III. Decisão
9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada;
b) Condenar a reclamante nas custas, fixando-se em 20 (vinte) Ucs a taxa de justiça devida, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido.
Lisboa, 28 de novembro de 2013.- Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.