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Processo n.º 463/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, o recorrente A., inconformado com o despacho de não admissão do recurso que havia interposto da sentença proferida em 1.ª instância, deduziu reclamação do mesmo, ao abrigo do disposto no artigo 688.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. O relator do Tribunal da Relação de Guimarães, em despacho singular proferido em 12 de junho de 2012, julgou a reclamação improcedente, mantendo o despacho reclamado.
Novamente inconformado, o recorrente deduziu reclamação para a conferência, nos termos do disposto no artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20 de novembro de 2012 foi julgada improcedente a reclamação e mantido o despacho reclamado.
Irresignado, o recorrente interpôs recurso de revista excecional ao abrigo do disposto no artigo 721.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil. Por despacho do relator do Tribunal da Relação de Guimarães de 5 de fevereiro de 2013, o recurso não foi admitido.
De novo inconformado, o recorrente deduziu reclamação ao abrigo do disposto no artigo 688.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Por decisão do relator do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de abril de 2013, a reclamação foi julgada improcedente.
2. Na sequência desta decisão, o recorrente interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC), o qual foi admitido pelo Tribunal a quo.
3. Neste Tribunal Constitucional foi proferida a Decisão Sumária n.º 513/13, em que se decidiu não conhecer o recurso, com os seguintes fundamentos:
«(...)
6. Importa desde logo considerar que, no aperfeiçoamento apresentado, o recorrente limita-se a reproduzir, de forma sintetizada, o requerimento de interposição de recurso e a concluir, referindo que “[a] questão da inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente ao reclamar do despacho proferido pela 1ª Instância de não admissibilidade do recurso» e «[q]uer na decisão singular quer no acórdão proferido pela 2ª Instância foi julgada improcedente a reclamação tendo sido, expressamente, declarado não ter havido “qualquer violação do princípio da igualdade das partes””, o que se traduz numa forma claramente insuficiente de resposta à solicitação de aperfeiçoamento que lhe foi dirigida.
A leitura do alegado requerimento aperfeiçoado denota a ausência de adequada identificação da decisão recorrida, lançando a dúvida de saber se o recorrente dirige o impulso recursório à decisão singular proferida pelo relator do Tribunal da Relação de Guimarães em 12 de junho de 2012 ou ao acórdão do mesmo Tribunal de 20 de novembro de 2012.
Contudo, a indicação de que a questão de constitucionalidade foi suscitada “pelo recorrente ao reclamar do despacho proferido pela 1ª Instância de não admissibilidade do recurso” parece deixar perceber que o recurso incide sobre a decisão singular proferida em 12 de junho de 2012 pelo relator do Tribunal da Relação de Guimarães.
Ora, caso assim seja, o recurso não pode ser conhecido, uma vez que não tem por objeto uma decisão definitiva.
Conforme se referiu, no sistema de recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, vigora o princípio da exaustão das instâncias, que visa limitar o acesso ao Tribunal Constitucional apenas às pretensões que já tenham sido previamente analisadas pela hierarquia judicial correspondente, devendo ser objeto de recurso apenas as decisões definitivas. Assim, se é apresentada reclamação da decisão do relator que manteve o despacho de rejeição do recurso, que é apreciada por acórdão da conferência, aquela decisão reclamada já não pode ser objeto de recurso para o Tribunal Constitucional, devendo este recair sobre o acórdão da conferência.
7. A entender-se que o recurso incide sobre o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 20 de novembro de 2012, sempre se diga que o recorrente, mesmo após o convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido, persistiu na ausência de indicação, com o mínimo de precisão e clareza, da norma cuja desconformidade constitucional pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Na verdade, pretendendo o recorrente questionar a conformidade constitucional de uma determinada interpretação normativa do artigo 3.º-A do Código de Processo Civil, competia-lhe enunciar, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional.
Segundo jurisprudência pacífica deste Tribunal e utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), “ao questionar-se a compatibilidade de uma dada interpretação de certo preceito legal com a Constituição, há de indicar-se um sentido que seja possível referir ao teor verbal do preceito em causa. Mais ainda: esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de tanto os destinatários desta como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, afrontar a Constituição'.
8. Acresce que a ausência de um objeto normativo também é patente na reclamação para a conferência, ora junta pelo recorrente, onde, em momento algum, é autonomizado um qualquer critério normativo, entendido como regra abstrata vocacionada para uma aplicação genérica, suscetível de vir a ser utilizado na decisão a proferir pelo tribunal, problematizando a sua constitucionalidade, o que determina, por inverificação do pressuposto de suscitação adequada da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, a ilegitimidade do recorrente.
Ao invés de delimitar a interpretação normativa que se reputa desconforme com a constituição, o recorrente elabora sobre a bondade do decidido no plano infraconstitucional e, tomando como pressuposto a incorreção, na sua ótica, da operação subsuntiva efetuada, conclui pela arbitrariedade, não constituindo a atividade revisora da correção aplicativa do direito ordinário tarefa cometida ao Tribunal Constitucional, porquanto alheia à fiscalização concreta da constitucionalidade compreendida na al. b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição.
Pelo exposto, por inverificação dos seus pressupostos formais de admissibilidade, não se poderá tomar conhecimento do objeto do presente recurso.»
4. O recorrente não se conformou com essa decisão e dela apresentou reclamação para a Conferência, nos seguintes termos:
«(...)
O recorrente deu a saber no dia 1 de julho de 2013, embora reconheça não ter sido de forma sucinta, que, em 20 de novembro de 2012, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente a reclamação tendo declarado em conclusão que:
“1) A pretensão de interpor recurso subordinado deve ser expressamente manifestada no requerimento de interposição de recurso, sob pena de, nada se referindo se dever considerar tratar-se de um recurso independente, que é o recurso regra.
2) O princípio da igualdade das partes visa o tratamento igualitário das partes para as mesmas situações e não o tratamento diferente para situações diferenciadas”.
Dispõe o nº 1 do artigo 682 do Cód. Proc. Civil que “se ambas as partes ficarem vencidas, cada um das partes pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado”.
No referido acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães foi defendido que a pretensão de interpor recurso subordinado deve ser expressamente manifestada no requerimento de interposição de recurso não havendo essa obrigatoriedade, no recurso independente.
Consideramos, conforme foi dito no requerimento datado de 1 de julho de 2013, que a interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Guimarães viola o princípio de igualdade dado que quer o recorrente quer a recorrida interpuseram recurso não tendo nenhum deles expressamente manifestado no requerimento de interposição de recurso, a espécie do recurso interposto.
A entender-se que a pretensão de interposição de recurso subordinado deve ser expressamente manifestada no requerimento de interposição de recurso, esta exigência deve estender-se à pretensão de interposição de recurso independente.
As situações são as mesmas uma vez que recorrente e recorrida interpuseram recurso, a espécie de recurso é que é diferente.
Rejeitar o recurso interposto pelo recorrente pelo facto de este não ter indicado que se tratava de um recurso subordinado quando, na verdade, a recorrida também não indicou que o recurso que interpunha era independente constitui, em nosso entender, um tratamento desigual das partes processuais tendo por isso, havido violação do principio da igualdade prevista no artigo 3-A do Cód. Proc. Civil, com uma interpretação que torna tal preceito inconstitucional por violação, entre outros, do que se dispõe nos artigos 13 e 20 da C.R.P..
Consideramos que a interpretação correta deveria ser no sentido de que a pretensão de interposição de recurso subordinado ou de recurso independente deve ser expressamente manifestada no requerimento de interposição de recurso”
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente, ao reclamar do despacho proferido pela 1ª Instância de não admissibilidade do recurso.
Quer na decisão singular quer no acórdão proferido pela 2ª Instância foi julgada improcedente a reclamação tendo sido, expressamente, declarado não ter havido “qualquer violação do princípio da igualdade das partes”.
Todos os elementos propostos no despacho datado de 14 de junho de 2013 foram indicados pelo recorrente no requerimento apresentado em 1 de julho de 2013.
É assim que se entende que deverá ser recebida a presente reclamação para a Conferência – nos termos dos artigos 77 nº 1 e 78 nº 3 e 4 da Lei nº 28/82 de 15 de novembro, seguindo-se os ulteriores termos até final, com efeito suspensivo, nos termos prescritos nos nº 1, 3 e 4 do referido artigo 78.»
Cabe decidir.
II. Fundamentação
5. Vem o recorrente reclamar da decisão sumária, em que se entendeu que, por o recurso não comportar objeto normativo, adequado à fiscalização concreta da constitucionalidade, não podia ser conhecido.
Quanto a esse fundamento, o recorrente nada diz, limitando-se a indicar que foi confrontado com exigência procedimental que não incidiu nos mesmos termos para com a parte contrária.
Ora, e como se refere na decisão sumária, o recorrente não coloca nesse ponto – e não colocou desde logo perante o Tribunal recorrido – qualquer questão normativa de constitucionalidade. Pretende, sim, encontrar no Tribunal Constitucional instância revisora da aplicação do direito ordinário efetuada pelo Supremo Tribunal de Justiça, função que não encontra arrimo na competência de fiscalização da constitucionalidade concretizada na alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da LTC, circunscrita à apreciação de normas ou interpretações normativas aplicadas como determinantes do julgado.
Saber se, no caso vertente, ocorreu tratamento judicial desigual entre as partes não integra questão normativa, pois não interpela qualquer regra abstrata vocacionada para uma aplicação genérica, extraída de um concreto preceito ou da articulação de vários preceitos.
Cumpre, pelo exposto, confirmar, por acertada, a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
6. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada; e
b) Condenar o reclamante nas custas, fixando-se em 20 (vinte) Ucs a taxa de justiça devida, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido pelo reclamante.
Lisboa, 28 de novembro de 2013.- Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.