Imprimir acórdão
Processo n.º 165/14
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), em que é reclamante A. e reclamado o MINISTÉRIO PÚBLICO, o primeiro vem reclamar, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho daquele Tribunal de 13/01/2014 que não admitiu o recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 93).
2. O Tribunal da Relação de Coimbra proferiu, em 13/01/2014, despacho de não admissão do recurso para este Tribunal com o seguinte fundamento (cfr. fls. 93):
«Atento o disposto no art. 70.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15/11, não admito o recurso interposto» (…).
3. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da LTC, com os seguintes fundamentos (cfr. fls. 2 a 4.º-v.º):
«(…) Porquanto,
1. Por douto despacho proferido, foi decidida a não admissão do recurso interposto pelo Recorrente, ora Reclamante, para esse Venerando Tribunal Constitucional.
2. Decisão fundamentada, apenas, nos seguintes termos: li Atento o disposto no artigo 70.º, n.º 1 da Lei 28/82, de 15/11, não admito o recurso interposto.'
3. Sem indicar, sequer alínea.
4. Ora, com todo o respeito e a mais subida vénia, parece ao Recorrente, que no caso concreto, o recurso apresentado para esse douto Tribunal é admissível e fundado.
5. O recurso só pode ser indeferido se uma avaliação sumária dos seus fundamentos permitir concluir, inequivocamente, pela sua inatendibilidade.
6. O recurso foi interposto para o Tribunal Constitucional com fundamento na apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na interpretação seguida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ao não apreciar criticamente a prova documental constante do parecer do INR de fls. 263 a 292, em desconformidade com a cronologia dos factos considerados provados, violando os artigos 32.º, n.º 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa. E ainda,
7. da norma constante dos artigos 70.º e 50.º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na interpretação seguida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ao não considerar a conduta posterior do Recorrente, com a violação do principio da congruência, ínsito nos artigos 20.º e o 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
8. Ora, com todo o respeito e a mais subida Vénia, parece ao Recorrente, salvo o devido respeito por opinião diferente, que no caso concreto, o recurso apresentado para esse douto Tribunal, é admissível.
Senão vejamos,
9. Não constitui objeto da presente reclamação avaliar a atendibilidade dos fundamentos do recurso, mas apenas apreciar a verificação das condições de admissibilidade do mesmo.
10. O recurso só pode ser indeferido se uma avaliação sumária dos seus fundamentos permitir concluir, inequivocamente pela sua inatendibilidade.
11. A finalidade deste pressuposto de admissibilidade do recurso é, sem dúvida, evitar recursos inúteis, com efeitos dilatórios. Todavia, não pode ser utilizado para obstar à subida de recursos cuja atendibilidade seja duvidosa, sob pena de subversão das finalidades e caraterísticas do meio processual 'reclamação'
12. O despacho reclamado, limitou-se apenas a referir: 'Atento o disposto no artigo 70.º, n.º 1 da Lei 28/82, de 15/11, não admito o recurso interposto.'!
Termos em que se requer, muito respeitosamente a Vossas Excelências Venerandos Juízes Conselheiros, que seja atendida a presente reclamação e seja revogado o despacho que Indeferiu o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ordenando-se a subida do recurso (…)».
4. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal concluiu pelo indeferimento da reclamação, nos termos seguintes:
«1. A Relação de Coimbra, por acórdão de 16 de Novembro de 2013, negou provimento ao recurso interposto por A. da decisão que, em 1.ª instância, o havia condenado em cúmulo e pela prática de um crime de falsificação e outro de burla, na pena de 3 anos de prisão efectiva.
2. O arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do art.º 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, tendo o requerimento o seguinte conteúdo:
“A fim de ver apreciada a constitucionalidade da norma constante do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na interpretação seguida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ao não apreciar criticamente a prova documental constante do parecer do INBR de fls. 263 a 292, em desconformidade com a cronologia dos factos considerados provados, violando desta forma os artigos 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
E ainda,
Da norma constante dos artigos 70.º e 50.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na interpretação seguida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ao não considerar a conduta do posterior do recorrente, com a violação do princípio da congruência, violando os artigos 20.º e o 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa”.
3. Como o recurso não foi admitido, reclamou para este Tribunal.
4. É com o requerimento de interposição do recurso que fixa o seu objecto.
5. Como se vê no requerimento, o recorrente imputa a violação dos preceitos constitucionais que invoca, à própria decisão enquanto, na sua opinião, não apreciou criticamente alguma prova documental e porque não considerou a conduta posterior do recorrente para efeitos de suspender a execução da pena.
6. Parece-nos, pois, claro que não vêm enunciadas questões de inconstitucionalidade normativa, únicas passíveis de constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
7. Podemos ainda acrescentar que o afirmado no requerimento não corresponde ao que consta da decisão recorrida.
8. Quanto á primeira questão, a Relação, apreciando a nulidade da decisão proferida em 1.ª instância “por falta de apreciação crítica da prova”, analisou essa decisão e concluiu que não ocorria a nulidade, sendo que esta é matéria insindicável por este Tribunal Constitucional.
9. Quanto á segunda questão, também o afirmado não tem qualquer suporte na decisão recorrida.
10. Demonstrativo é a seguinte passagem da decisão de 1.ª instância, que teve a concordância da Relação que, aliás, a transcreve:
“É ainda, unanimemente, entendido que a reparação do mal causado (reparar as consequências do crime, até onde for possível) constitui, no que tange à conduta posterior do agente, a mais importante circunstância atenuativa.
Que formidável relevância atenuativa teria, por exemplo, o facto de o arguido se ter interessado activamente pela reparação do dano patrimonial causado ao lesado, por exemplo, desfazendo o negócio ou aceitando reduzir o preço da compra e venda dos dois prédios.
Mas isso não fez o arguido, que, pelo contrário, procurou ocultar a comissão do crime”.
11. Por tudo o exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
5. O reclamante, por despacho da relatora, foi notificado para, querendo, se pronunciar sobre os fundamentos de não admissibilidade do recurso invocados na resposta do Ministério Público (cfr. despacho de fls. 99) e, decorrido o prazo fixado para o efeito, o reclamante não respondeu (cfr. cota de fls. 101.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. Nos presentes autos, o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 16 de novembro de 2013 (cfr. fls. 61-91), negou provimento ao recurso interposto pelo ora reclamante da decisão que, em 1.ª instância, o havia condenado em cúmulo e pela prática de um crime de falsificação e outro de burla, na pena de 3 anos de prisão efectiva.
O arguido e ora reclamante interpôs recurso daquele acórdão para o Tribunal Constitucional ao abrigo do art.º 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, tendo enunciado a questão de constitucionalidade nos termos seguintes (cfr. fls. 92 e, ainda reclamação, n.ºs 6 e 7):
«(…) A fim de ver apreciada a constitucionalidade da norma constante do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na interpretação seguida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ao não apreciar criticamente a prova documental constante do parecer do INBR de fls. 263 a 292, em desconformidade com a cronologia dos factos considerados provados, violando desta forma os artigos 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
E ainda,
Da norma constante dos artigos 70.º e 50.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na interpretação seguida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ao não considerar a conduta do posterior do recorrente, com a violação do princípio da congruência, violando os artigos 20.º e o 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. (…)».
Tal recurso não veio a ser admitido, por despacho de 13/01/2014, agora reclamado (citado em supra 2).
7. Nos termos do n.º 4 do artigo 77.º da LTC, é previsto um particular efeito de caso julgado da decisão do Tribunal Constitucional que julgue o recurso admissível, pelo que este Tribunal deve apreciar todos os pressupostos de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta.
Não tendo o despacho de não admissão reclamado indicado qualquer alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cumpre aferir da verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso interposto pelo recorrente e ora reclamante ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC por referência à identificação do objeto do recurso efetuada no seu requerimento de interposição de recurso.
Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt).
Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.
8. Verifica-se, no caso em apreço, que não se encontra preenchido o pressuposto de admissibilidade do recurso relativo à questão de inconstitucionalidade normativa, como decorre do teor da resposta do Ministério Público - e sobre a qual o reclamante, notificado para o efeito, não se pronunciou.
Com efeito, o reclamante, no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, não enuncia questões de inconstitucionalidade normativa, antes imputando a violação das normas constitucionais que invoca à própria decisão recorrida quer por, em seu entender, não ter apreciado criticamente a prova documental indicada, quer por não ter considerado a conduta posterior do recorrente para efeitos de suspensão da execução da pena.
Face ao exposto resta tão só concluir pela ausência de dimensão normativa do objeto do presente recurso em termos que obstam ao seu conhecimento.
Deve ter-se presente que a fiscalização da constitucionalidade e da legalidade da competência deste Tribunal incide sobre normas e não sobre decisões, incluindo, como se pretende no caso, decisões judiciais. Como se afirma no Acórdão n.º 526/98 deste Tribunal (II, 3):
«A competência para apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si mesmas - que é própria de sistemas que consagram o recurso de amparo - não a detém, entre nós, o Tribunal Constitucional.».
9. Não estando preenchido um dos pressupostos, cumulativos, da admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, afigura-se desnecessário aferir do preenchimento dos demais.
10. Em síntese, pelas razões apontadas, é de manter – embora com fundamento diverso – a decisão judicial reclamada que não admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
III – Decisão
11. Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC, nos termos do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 9 de abril de 2014.- Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.