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Processo n.º 989/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Na ação administrativa especial que corre termos no TAF de Castelo Branco, com o n.º 158/11.OBECTB, em que é autor A. e Réu o Município de Elvas, veio a ser proferida sentença pelo relator a julgar a ação improcedente, com a consequente absolvição do Réu do pedido.
Inconformado com esta decisão, dela recorreu o Autor para o Tribunal Central Administrativo Sul.
O recurso foi rejeitado pelo juiz que proferiu a sentença recorrida, com fundamento em que da mesma não cabia recurso, mas sim reclamação para a conferência.
O Autor apresentou reclamação desta decisão no Tribunal Central Administrativo Sul, a qual foi indeferida por acórdão proferido em 6 de junho de 2013.
O Autor recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
“1 – Têm os presentes autos origem na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente a ação administrativa especial instaurada contra o Município de Elvas e em que peticionou a anulação dos atos administrativos pelos quais foi revogada a alteração de posicionamento remuneratório de que havia sido objeto e determinada a reposição das importâncias pagas a mais em consequência das ditas alterações;
2 – Inconformado com esta decisão, o recorrente dela recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, tendo o Juiz a quo não admitido tal recurso, indeferindo, por isso, conferidos ao relator pelo art. 27.º, n.º 1, alínea i) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (CPTA), da mesma cabendo não recurso mas antes reclamação para a conferência nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, sendo inadmissível a convolação por se mostrar precludido o respetivo prazo;
3 – Desse despacho, e por dele não concordar, reclamou o ora recorrente nos termos do art. 688.º do Código do Processo Civil para esse Venerando Tribunal, alegando que a interpretação nele seguida é manifestamente inconstitucional, por atentar contra os princípios do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 268.º, n.º 4 da Constituição e seus corolários ao nível dos princípios derivados de confiança e estabilidade e acesso ao direito e justiça vertidos nos artigos 2.º e 20.º da Constituição (CRP);
4 – Na verdade - mesmo que se admitisse que o n.º 2 do art. 27.º do CPTA permite uma interpretação extensiva, ao ponto de abarcar sob o termo despachos, as sentenças, ou seja, usar o termo despachos, num sentido idêntico ao de decisões na alínea i) do n.º 1 – é uma aplicação inconstitucional do n.º 2 e da alínea i) do art. 27.º do CPTA, aplicar os mesmos no sentido de considerar que apesar do tribunal apelidar o seu ato de sentença e essa ser uma decisão de mérito que remete para um regime de recurso jurisdicional, entender o tribunal superior que a qualificação dada não estava, afinal correta, e que, como tal, a reação jurisdicional dessa não se poderia ter conformado com a qualificação que o próprio tribunal havia dado;
5 – Porém, esse Venerando Tribunal decidiu manter a decisão de inadmissibilidade do recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco.
6 – Por todo o exposto, e face ao que vem estabelecido nos n.ºs 2 a 4 do art. 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei n.º 28/82 de 15 de novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, pela Lei n.º 89/95, de 1 de setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro), encontra-se agora o recorrente face à situação de que é inequívoco que nos presentes autos se encontram já para si irremediável e completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários, que lhe possibilitem, de acordo com a previsão do art. 280.º da Constituição, reagir contra a decisão de aplicação do n.º 2 do art. 27.º do CPTA, e de cuja inconstitucionalidade continua inabalavelmente persuadido.
Nestes termos,
7 - E porque, como referido, o recorrente continua inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul que decidiu julgar conforme com o texto constitucional a interpretação seguida pelo Tribunal Fiscal e Administrativo de Castelo Branco relativamente à alínea i) do n.º 1 e n.º 2 do art. 27.º do CPTA, dela vem agora o recorrente, porque está em tempo e para tal tem legitimidade (cfr. alínea b) do art. 72.º da Lei 28/82),
Interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
8 – Que deverá subir imediatamente e nos próprios autos (cfr. n.º 4 do art. 78.º da Lei n.º 28/82)
De facto,
9 – E de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 75.º-A da Lei n 28/82, desde já o recorrente esclarece que, com o presente recurso, pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a desconformidade de tal decisão com os mais básicos princípios constitucionais, atento o disposto na alínea b) e f) do n.º 1 do art. 70.º da mesma Lei, ao abrigo da qual o presente recurso é interposto, designadamente:
10 – A inconstitucionalidade das normas conjugadamente contidas na alínea i) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 27.º do CPTA de que se fez aplicação, interpretadas no sentido de que não obstante o tribunal designar a decisão como sentença, a mesma é insuscetível de recurso, já que proferida por juiz singular (relator) com invocação da alínea i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA, com o que era obrigatório o uso de reclamação para a conferência, sendo irrelevante a qualificação que o tribunal emissor da decisão dá à mesma, mais considerando que sob o termo «despacho» constante do n.º 2 do art. 27.º do CPTA também se integram por interpretação extensiva as «sentenças»;
11 – Por se entender que ao enveredar e consagrar tal imposição às partes no processo tal interpretação é claramente inconstitucional por criação de um sistema de indefesa face às garantias de acesso ao direito e à justiça (art. 20.º da CRP) e à garantia de tutela jurisdicional efetiva (art. 268.º, n,º 4 da CRP), por violação de um parâmetro de proporcionalidade nas imposições às partes no processo, quanto às condições em que podem usar dos meios de reação;
12 - E é claramente abusivo e coloca em causa o uso das garantias recursivas ou de reação, a obrigação às partes de usarem meios contenciosos em discordância com a qualificação do ato que o próprio órgão de soberania que julga a questão impôs e defronta o princípio da confiança e da estabilidade jurídica do processo definir em lei processual que a seleção de meios contenciosos se faz por apelo a um critério de nominação pelo ato do tribunal, para, posteriormente, quando o particular se conforma com essa nominação que lhe empresta a própria instância que deve admitir o meio, poder essa instância ou a superior rejeitar o meio de reação com fundamento em que a nominação não vincula;
13 – A interpretação e aplicação das normas de processo e que é seguida pelo acórdão impugnado leva a conclusões contrárias aos ditames do Estado de Direito, em que os princípios pro actione não habilitam tais condutas que promovem a indefesa e incerteza das partes que recorrem ao processo para sua tutela (art. 2.º da CRP)…”
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento, com os seguintes fundamentos:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente processo –, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade deva, em princípio, ter sido colocada ao tribunal a quo, além de que permitir o acesso a este Tribunal com base numa invocação da inconstitucionalidade unicamente após a prolação da decisão recorrida, abriria o indesejável caminho à sua utilização como expediente dilatório. Daí que só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade de uma norma quem tenha suscitada previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.
A adequação da suscitação exige que a questão de constitucionalidade que se pretende que o Tribunal Constitucional haja sido colocada anteriormente ao tribunal recorrido, em termos perfeitamente identificáveis.
Ora, em sede de reclamação para o Tribunal Central Administrativo Sul, peça onde deveria ter sido colocada a questão de constitucionalidade agora apresentada ao Tribunal Constitucional, o Recorrente limitou-se às seguintes referências genéricas:
«4 – É deste despacho que se reclama por, no entender dos ora reclamantes, ser ilegal (….) e por a interpretação nele seguida ser manifestamente inconstitucional, por atentar contra os princípios do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 268.º, n.º 4 da CRP e seus corolários ao nível dos princípios derivados de confiança e estabilidade e acesso ao direito e justiça vertidos nos artigos 2º e 20º da CRP.» (fls. 2)
…
«24 – Perante a contradição no texto da decisão entre a qualificação dada de “sentença” e a invocação do art. 27.º, n.º 1 do CPTA, não pode deixar de se admitir o recurso jurisdicional tempestivamente interposto pelos ora reclamantes, sob pena de ser posta em causa a garantia da tutela jurisdicional efetiva, prevista no art. 268.º, n.º 4, o direito de acesso ao direito e à justiça previsto no art. 20.º, e de ser posto em causa os ditames do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2.º, todos da CRP» (fls. 7 e 8).
Ou seja, relativamente a despacho de não admissão de recurso de decisão individualmente tomada pelo juiz de primeira instância, o Recorrente limitou-se a aludir a uma (alegada) inconstitucionalidade de “interpretação nele seguida”, mas nunca chegou a precisar ou a detalhar que interpretação normativa seria essa. E muito menos densificou essa interpretação normativa nos mesmos termos que só agora vieram a fazer, através de requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade.
Tanto assim é que a decisão recorrida nunca chegou a decidir – ou sequer a ponderar – qualquer questão de inconstitucionalidade normativa relacionada com a aplicação da regra que impõe a reclamação para a conferência de decisão individual proferida por juiz de primeira instância, ainda que esta tenha sido denominada de “sentença”. Bem pelo contrário, a decisão recorrida cinge-se a decidir a questão no plano da legalidade infraconstitucional, fazendo apelo a jurisprudência anterior à apresentação da reclamação, pelo Recorrente, quer do Tribunal Central Administrativo Sul, quer do Supremo Tribunal Administrativo.
Os Recorrentes em nenhum momento da reclamação por si apresentada equacionaram a específica configuração que vem agora emprestar à norma extraída do artigo 27º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do CPTA, ou seja quando interpretada no sentido de considerar que apesar do tribunal apelidar o seu ato de sentença e essa ser uma decisão de mérito que remete para um regime de recurso jurisdicional, entender o tribunal superior que a qualificação dada não estava correta, e que, como tal, a reação jurisdicional dessa não se poderia ter conformado com a qualificação que o próprio tribunal havia dado; ou no sentido de que não obstante o tribunal designar a decisão como sentença, a mesma é insuscetível de recurso, já que proferida por juiz singular (relator) com invocação da alínea i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA, com o que era obrigatório o uso de reclamação para a conferência, sendo irrelevante a qualificação que o tribunal emissor da decisão dá à mesma, mais considerando que sob o termo “despacho” constante do n.º 2 do art. 27.º do CPTA também se integram por interpretação extensiva as “sentenças”.
Assim sendo, torna-se evidente que não só os Recorrentes não suscitaram a inconstitucionalidade destas específicas interpretações normativas, de modo processualmente adequado – conforme lhes era imposto pelo n.º 2, do artigo 72.º, da LTC –, como, por consequência dessa ausência de suscitação, também a decisão recorrida não chegou a equacionar aquelas específicas interpretações normativas como aplicáveis, sujeitando-as ao necessário juízo de conformidade com o bloco de normatividade constitucional vigente.
Por conseguinte, mais não resta que concluir pela impossibilidade de conhecimento do objeto do presente recurso, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.”
O Recorrente reclamou desta decisão, expondo as seguintes razões:
1. Indeferiu o Exmo. Juiz Relator o recurso interposto pelo Recorrente por entender que, durante o processo, não precisou de modo processualmente adequado perante o Tribunal Central Administrativo Sul a questão da inconstitucionalidade da norma do art. 27.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 do CPTA, quando interpretada no sentido de considerar que, não obstante o tribunal designar a decisão como sentença, a mesma é insuscetível de recurso, já que proferida por juiz singular (relator) com a invocação da alínea i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA, com o que era obrigatório o uso da reclamação para a conferência, sendo irrelevante a qualificação que o tribunal emissor da decisão dá à mesma, mais considerando que sob o termo “despacho” constante do n.º 2 do art. 27.º do CPTA também se integram por interpretação extensiva as 'sentenças'.
2. Não se pode, no entanto, o ora reclamante conformar com esta decisão, porquanto considera preenchido o requisito previsto no art. 72.º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional, por entender que,
3. Contrariamente ao que se afirma naquela douta decisão, na reclamação para o Tribunal Central Administrativo Sul que apresentou colocou este tribunal perante a exata e específica questão de inconstitucionalidade normativa que pretende ver apreciado no recurso interposto para o Tribunal Constitucional, não se tendo limitado às 'referências genéricas' constantes dos números 4 e 24 do seu articulado;
4. Assim é que, logo no n.º 4 daquela reclamação, relativamente ao despacho de não admissão do recurso ao abrigo dos artigos 27.º, n.º 1, alínea i) e 29º, n.º 1 do CPTA, o Recorrente escreveu expressamente que:
“É deste despacho que se reclama por, no entender dos ora reclamantes, ser ilegal por representar uma completa dissonância com o sistema de recursos vertido no art. 142.º, n.º 1 do CPT A, e por a interpretação nele seguida ser manifestamente inconstitucional, por atentar contra os princípios derivados de confiança e estabilidade e acesso ao direito e justiça vertidos nos artigos 2º e 20º da CRP';
5. Tendo densificado essa sua alegação na matéria vertida nos números 16 a 24 dessa mesma peça processual, onde se pode ler:
6. No n.º 16 da reclamação:
'Ainda que se entenda que o n.º 2 do art. 27.º CPTA permite uma interpretação extensiva, ao ponto de abarcar sob o termo 'despachos', as sentenças, ou seja, usar o termo 'despachos', num sentido idêntico ao de 'decisões' na alínea i) do n.º 1 do art. 27. º CPTA (...) é uma aplicação inconstitucional do n. º 2 do art. 27.º do CPTA e da alínea i) do n.º 1 do art. 27º do CPTA, aplicar os mesmos no sentido de considerar que apesar de um Tribunal apelidar certo ato seu de sentença e essa ser uma decisão de mérito que remete para um regime de recurso jurisdicional, entender um Tribunal superior que a qualificação dada não estava, afinal, correta e que, como tal, as reações jurisdicionais dessas não se poderiam ter conformado com essa qualificação que os próprios tribunais haviam dado';
7. E no n.º 17:
'Esse entendimento atenta, designadamente, contra os princípios do Estado de Direito Democrático (art. 2.º CRP) e seus corolários ao nível dos princípios derivados de confiança e estabilidade e acesso ao direito (art. 20.º CRP), já que a confiança das partes processuais se vê posta em causa perante quaisquer decisões jurisdicionais, já que deixam de poder confiar na qualificação que os tribunais - órgãos de soberania com competência para administrar a justiça -fazem dos seus próprios atos;'
8. Tendo, ainda, referido no n.º 18 do mesmo articulado que:
“A enveredar-se pelo entendimento defendido no despacho de que se reclama, estar-se-ia «(...) perante a imposição de um ónus processual às partes no processo de ultrapassarem as qualificações que os próprios tribunais façam dos seus atos, obrigando a que, mesmo sem que essa qualificação tenha sido posta em causa por tribunal superior, as partes julguem e apurem o erro do julgador e enveredem por meio de reação em discordância com o que o próprio tribunal que terá de admitir o meio de reação dispôs em qualificação desse ato»';
9. E no n.º 19 que:
'Enveredar e consagrar tal imposição às partes no processo é claramente inconstitucional por criação de um sistema de indefesa face às garantias de acesso ao direito e justiça (art. 20.º CRP) e ulteriormente face à própria garantia da tutela jurisdicional efetiva (art. 268.º, n.º 4), por violação de um parâmetro de proporcionalidade nas imposições colocadas às partes no processo, quanto às condições em que podem utilizar os meios de reação'; (...) É claramente abusivo e coloca em causa o uso das garantias recursivas ou de reação, colocar a obrigação às partes de usarem meios contenciosos em discordância com a qualificação do ato que o próprio órgão de soberania que julga a questão impôs, quando o nosso sistema de reação contra decisões judiciais assente exclusivamente no pressuposto de qualificação do ato como 'despacho' ou 'sentença' para conduzir as partes no processo aos meios que poderão usar; (...)'; Defronta o princípio da confiança e da estabilidade jurídica do processo - o due process - definir em lei processual que a seleção de meios contenciosos se faz por apelo a um critério de nominação do ato pelo tribunal, para, posteriormente, quando o particular se conforma com essa nominação não vincula e há mesmo o dever de contrariar uma qualificação jurisdicional' ;
10. E no n.º 20 que:
(...) a interpretação e aplicação das normas de processo e que é seguida pelo despacho reclamado, «leva a conclusões contrárias aos ditames do Estado de Direito, em que os princípios pro actione não habilitam tais condutas processuais que promovam a indefesa e incerteza das partes que recorrem ao processo para a sua tutela»;
11. Para concluírem no n.º 24 que:
'Perante a contradição no texto da decisão entre a qualificação dada de 'sentença' e a invocação do art. 27.º, n.º 1 do CPTA, não se pode deixar de se admitir o recurso jurisdicional tempestivamente interposto pelos ora reclamantes, sob pena de ser posta em causa a garantia da tutela jurisdicional efetiva, prevista no art. 268. º, n. º 4, o direito de acesso ao direito e à justiça previsto no art. 20.º, e de ser posto em causa os ditames do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2.º, todos da CRP'.
12. De tais referências resulta que, relativamente ao despacho de não admissão de recurso de decisão individualmente tomada pelo juiz de primeira instância, o ora reclamante suscitou concretamente a questão da inconstitucionalidade da interpretação das normas convocadas para a decisão da causa e por ela aplicadas, tendo-o feito de modo direto, explícito e percetível através da indicação das disposições legais sobre cuja interpretação se faz recair a suspeita do vício de inconstitucionalidade; 13. O recorrente colocou, assim, o tribunal recorrido perante a exata e específica questão da inconstitucionalidade normativa que pretende ver agora apreciada, ou seja: a apreciação da constitucionalidade da norma extraída do art. 27.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do CPTA, quando interpretada em qualquer uma das seguintes interpretações normativas:
a) no sentido de considerar que, apesar do tribunal apelidar o seu ato de sentença e essa ser uma decisão de mérito que remete para um regime de recurso jurisdicional, entender o tribunal superior que a qualificação dada não estava correta, e que, como tal, a reação jurisdicional dessa não se poderia ter conformado com a qualificação que o próprio tribunal havia dado;
b) no sentido de que, não obstante o tribunal designar a decisão como sentença, a mesma é insuscetível de recurso, já que proferida por juiz singular (relator) com invocação da alínea i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA, com o que era obrigatório o uso de reclamação para a conferência, sendo irrelevante a qualificação que o tribunal emissor da decisão dá à mesma, mais considerando que sob o termo 'despacho' constante do n.º 2 do art. 27.º do CPTA também se integram por interpretação extensiva as 'sentenças'.
14. Deste modo, deve considerar-se que o ora reclamante suscitou a inconstitucionalidade destas específicas interpretações normativas, de modo processualmente adequado, respeitando o que lhe era imposto pelo n.º 2 do art. 72.º da LCT, e, em consequência, admitir-se o recurso interposto.
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Fundamentação
A decisão reclamada não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por ter considerado que não se mostrava adequadamente cumprido o requisito de suscitação prévia perante o tribunal recorrido da questão de constitucionalidade normativa que os Recorrentes agora colocam ao Tribunal Constitucional.
Conforme consta do requerimento de interposição de recurso os Recorrentes pretendem que o Tribunal Constitucional verifique a constitucionalidade das normas conjugadamente contidas na alínea i) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 27.º do CPTA de que se fez aplicação, interpretadas no sentido de que não obstante o tribunal designar a decisão como sentença, a mesma é insuscetível de recurso, já que proferida por juiz singular (relator) com invocação da alínea i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA, com o que era obrigatório o uso de reclamação para a conferência, sendo irrelevante a qualificação que o tribunal emissor da decisão dá à mesma, mais considerando que sob o termo «despacho» constante do n.º 2 do art. 27.º do CPTA também se integram por interpretação extensiva as «sentenças».
Conforme se refere na decisão reclamada a adequação da suscitação exige que a questão de constitucionalidade que se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie haja sido colocada anteriormente ao tribunal recorrido, em termos perfeitamente identificáveis, devendo ser enunciada de forma expressa, clara e percetível, em ato processual e segundo os requisitos de forma que criam para o tribunal a quo um dever de pronúncia sobre a matéria a que tal questão se reporta.
Acresce que, no caso de se pretender questionar apenas certa interpretação de uma dada norma, como ocorre no presente caso, deverá o recorrente especificar claramente qual o sentido ou dimensão normativa do preceito ou “arco normativo” que tem por violador da Constituição, enunciando cabalmente e com precisão e rigor todos os pressupostos essenciais da dimensão normativa tida por inconstitucional.
Ora, os Recorrentes perante o tribunal recorrido limitaram-se a alegar o seguinte nesta temática:
«4 – É deste despacho que se reclama por, no entender dos ora reclamantes, ser ilegal (….) e por a interpretação nele seguida ser manifestamente inconstitucional, por atentar contra os princípios do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 268.º, n.º 4 da CRP e seus corolários ao nível dos princípios derivados de confiança e estabilidade e acesso ao direito e justiça vertidos nos artigos 2º e 20º da CRP.
…
20.º…a interpretação e aplicação das normas de processo e que é seguida pelo despacho reclamado, «leva a conclusões contrárias aos ditames do estado de Direito, em que os princípios pró actione não habilitam tais condutas processuais que promovam a indefesa e incerteza das partes que recorrem ao processo para a sua tutela.
…
24 – Perante a contradição no texto da decisão entre a qualificação dada de “sentença” e a invocação do art. 27.º, n.º 1 do CPTA, não pode deixar de se admitir o recurso jurisdicional tempestivamente interposto pelos ora reclamantes, sob pena de ser posta em causa a garantia da tutela jurisdicional efetiva, prevista no art. 268.º, n.º 4, o direito de acesso ao direito e à justiça previsto no art. 20.º, e de ser posto em causa os ditames do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2.º, todos da CRP» (fls. 7 e 8).
Como se verifica os Recorrentes, embora enunciando a existência de uma interpretação seguida pelo despacho reclamado que violaria normas constitucionais, nunca a explicitam, não cumprindo os requisitos mínimos de uma suscitação que vincule o tribunal recorrido ao conhecimento de uma determinada questão de constitucionalidade normativa.
E o que agora dizem constar dos pontos 16.º a 19.º da reclamação dirigida ao tribunal recorrido são meras transcrições de excertos de um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, não podendo essa transcrição valer como um ato próprio de vontade de suscitação pelos Recorrentes de uma questão de constitucionalidade que o tribunal recorrido devesse apreciar.
Não tendo os Recorrentes colocado o tribunal recorrido perante a necessidade de avaliar da constitucionalidade do critério geral e abstrato que agora pretendem que o Tribunal Constitucional fiscalize, o que, aliás, justifica que a decisão recorrida se tenha limitado a referir genericamente que a posição adotada no despacho reclamado não feria qualquer parâmetro constitucional, conclui-se que a suscitação da questão de constitucionalidade não foi efetuada em termos adequados perante o tribunal recorrido, pelo que a reclamação apresentada deve ser indeferida.
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Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A..
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Custas da reclamação pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, da LTC (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 28 de novembro de 2013. – João Cura Mariano - Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.