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Processo n.º 1377/2013
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. e outros, expropriados no processo-base e ora reclamantes, recorreram para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que julgou improcedente o recurso de apelação que interpuseram da sentença que fixou a indemnização devida pela expropriação da totalidade do imóvel expropriado, identificado nos autos.
Pretendiam, através do recurso de constitucionalidade, ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 3.º e 55.º, n.º 1, do Código das Expropriações (CE), interpretados «no sentido de possibilitar que através do requerimento de expropriação total do imóvel – com que o expropriado visava, nos termos dispostos naqueles artigos, a expropriação total para afastar o prejuízo resultante da desvalorização da parcela sobrante – se inicie processo de expropriação litigiosa – segundo a tramitação regulada pelos artigos 38.º e seguintes do Código de Expropriações – que dê lugar a nova avaliação e culmine com a fixação de montante indemnizatório, relativo à totalidade do imóvel, de valor inferior ao que havia sido proposto a título indemnizatório de expropriação de apenas uma parcela», por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, decorrentes do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP,) e do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da mesma Lei Fundamental.
O relator no Tribunal Constitucional, pela decisão sumária n.º 100/2014, não conheceu do recurso porque a norma a apreciar não foi, na sua plenitude, aplicada em fundamento jurídico da decisão recorrida, considerando-se, por isso, inútil a apreciação do mérito do recurso. Sustentou-se, em concreto, que o Tribunal recorrido não interpretou os preceitos legais sindicados no sentido de ser possível dar início a um processo de expropriação litigiosa, nos termos dos artigos 38.º e seguintes do Código das Expropriações, através de um pedido de expropriação total, formulado ao abrigo do n.º 1 do 55.º do mesmo código, pois que, na perspetiva expressa do Tribunal recorrido, a decisão final proferida sobre o valor indemnizatório devido pela expropriação decorreu do impulso processual dos expropriados, que optaram por recorrer da decisão arbitral e, simultaneamente, formular um pedido de expropriação total.
Os recorrentes, inconformados com a decisão sumária do relator, dela reclamaram para esta conferência, invocando, em síntese, que apenas recorreram da decisão arbitral, nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CE, porque veio a ser fixado pelos árbitros, para efeitos de cálculo da indemnização devida, um preço por m2 inferior àquele que a entidade expropriante havia proposto, com expressa aceitação dos expropriados, quando decorria o processo de expropriação amigável, pelo que não foi por sua livre opção que interpuseram recurso da decisão arbitral, sendo certo que apenas pretendiam ver decidida a questão da expropriação total que, por controvertida, inviabilizou a efetivação da expropriação amigável (parcial) pelos valores antes acordados, os quais, sob pena de inconstitucionalidade, devem ser mantidos na decisão que fixa a indemnização devida pela expropriação total. Concluem que isso mesmo justifica a apreciação do mérito do recurso, pois que, contrariamente ao sustentado pelo relator, a sua eventual procedência implicará modificação do julgado.
A recorrida B., SA, notificada da reclamação, não apresentou resposta.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Para aferição da utilidade do recurso, o que importa verificar é se a norma, ou interpretação normativa dela extraída, que constitui objeto do recurso, foi efetivamente aplicada pela decisão recorrida em fundamento jurídico do julgado. Por isso, é irrelevante que o tribunal recorrido, defendendo entendimento diferente daquele que a parte reputa inconstitucional, tenha errado na avaliação jurídica do processado e dos factos dele emergentes, matéria que ao Tribunal Constitucional não compete sindicar.
No caso vertente, o recurso tem por objeto norma que, ademais, permite a aplicação (oficiosa) dos artigos 38.º e seguintes do CE, que regula o processo de expropriação litigiosa, por efeito da dedução de um pedido de expropriação total, o que, na avaliação insindicável do Tribunal recorrido, não foi o que ocorreu, em face da opção cumulativa dos expropriados em recorrer da decisão arbitral que fixou a indemnização devida pela expropriação e formular um pedido de expropriação total. A circunstância, ora alegada, de os expropriados se terem visto obrigados a recorrer da decisão arbitral, pelo facto de o preço por m2 fixado pelos árbitros ser inferior àquele que havia sido acordado entre expropriante e expropriados, no pressuposto da expropriação parcial, não confere utilidade ao recurso, pois que tais elementos de facto, respeitantes ao caso concreto, não integram a dimensão normativa sindicada.
O certo é que, como sustentou o relator, o Tribunal recorrido não acolheu interpretação que possibilita que, através do requerimento de expropriação total do imóvel, se inicie processo de expropriação litigiosa – segundo a tramitação regulada pelos artigos 38.º e seguintes do Código de Expropriações – que dê lugar a nova avaliação e culmine com a fixação de montante indemnizatório, relativo à totalidade do imóvel, de valor inferior ao que havia sido proposto a título indemnizatório de expropriação de apenas uma parcela. Na perspetiva incontrovertível, nesta sede, do Tribunal recorrido, a nova avaliação, que culminou com a fixação judicial de uma indemnização pela expropriação total (com base em valores inferiores àqueles que haviam sido propostos para a expropriação de uma parcela), não teve origem no pedido de expropriação total mas no recurso que os expropriados, por opção sua, cumulativamente interpuseram da decisão arbitral, sendo indiferente, para o efeito de conferir utilidade ao recurso de constitucionalidade, a bondade das razões que levaram os expropriados, ora reclamantes, a acionar um tal meio processual de reação.
Ora, não tendo o Tribunal recorrido sufragado o entendimento que os ora reclamantes reputam inconstitucional, é efetivamente inútil verificar, em apreciação de mérito, se uma tal interpretação da lei viola ou não a Constituição.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 9 de abril de 2014. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.