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Processo n.º 128/2014
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por Acórdão de 2 de setembro de 2013, o Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso de revista excecional interposto por A., ora reclamante, ao abrigo do artigo 721.º-A, n.º 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil (CPC), do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que, julgando improcedente a sua apelação, confirmara a decisão do tribunal de primeira instância que absolveu os réus do pedido indemnizatório por si formulado no processo-base.
Considerou o Supremo Tribunal de Justiça, em fundamento do julgado, para o que agora releva, que, fundando-se o recurso na alínea c) do n.º 1 do referido artigo 721.º-A do CPC (oposição de julgados), cumpre ao recorrente «juntar certidão integral do Acórdão fundamento, com a respetiva nota de trânsito», pelo que, vindo o recurso instruído, no caso concreto, com mera cópia simples de tal acórdão, extraída de sítio informático, era de rejeitar o recurso, como previsto na alínea c) do n.º 2 do referido artigo 721.º-A do CPC.
O recorrente arguiu, além do mais, nulidade processual decorrente do facto de não ter sido convidado a suprir a deficiência que determinou a imediata rejeição do recurso, como se impunha, suscitando, então, a inconstitucionalidade da «interpretação do artigo 721.º-A, n.º 2, alínea c), do ‘Antigo’ Código de Processo Civil no sentido de que a não junção de cópia do acórdão-fundamento com menção do trânsito em julgado dá lugar à imediata rejeição do recurso sem que antes o recorrente seja convidado a suprir essa deficiência», por violação, além do mais, do direito a uma tutela judicial efetiva consagrado no artigo 20.º, nºs. 4 e 5, da Constituição».
O Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a arguida nulidade processual, por Acórdão de 5 de novembro de 2013, tendo o recorrente interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a fim de ver apreciadas as seguintes questões de inconstitucionalidade:
“1.º - inconstitucionalidade do artigo 3.º, n.º 4, do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação que lhe deu a Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto) e do artigo 323.º, nºs. 2 e 3, do Código Civil, na interpretação segundo a qual a apresentação do pedido de apoio judiciário não constitui causa de interrupção do prazo de prescrição que se ache a decorrer» - artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC;
2.º - inconstitucionalidade do artigo 721.º-A, n.º 2, alínea c), do ‘Antigo’ Código de Processo Civil (…) no sentido de que a não junção de cópia do acórdão-fundamento com menção do trânsito em julgado dá lugar à imediata rejeição do recurso sem que antes o recorrente seja convidado a suprir essa deficiência» - artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da LTC”.
O Tribunal recorrido rejeitou, contudo, o requerimento de interposição do recurso, pois que a decisão recorrida - que se julgou ser, em face da argumentação usada, o referido Acórdão de 5 de novembro de 2013 - «apenas se debruçou sobre os vícios de limite das alíneas b) e d) do n.º 1 do citado artigo 668.º do anterior CPC (…), questões que o recorrente não suscitara, apodicticamente, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional». Em relação ao recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g) da LTC, considerou-se, por seu lado, não estar preenchido o requisito de anterioridade exigido pelo citado preceito legal, pois que, relevando, para o efeito, a data de publicação do Acórdão do Tribunal Constitucional invocado pelo recorrente (Acórdão n.º 620/13, apenas publicado em 12 de novembro de 2013), a decisão recorrida foi proferida em data anterior, isto é, em 5 de novembro de 2013.
É desta decisão que o recorrente reclama, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da LTC, invocando, no essencial, que interpôs recurso de constitucionalidade no momento em que o fez, isto é, após a prolação da decisão que indeferiu as nulidades apontadas ao acórdão que rejeitou o recurso de revista, pois que só assim se satisfaria o requisito de definitividade que a lei exige como condição processual do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC. Por outro lado, não lhe foi possível suscitar previamente perante o tribunal recorrido ambas as questões de inconstitucionalidade pois que as normas sindicadas apenas foram aplicadas, pela primeira vez, com a prolação do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que julgou improcedente a sua apelação, e com a prolação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que rejeitou o seu recurso excecional de revista. Acresce que, para o efeito do recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC, o que releva é a data de prolação do Acórdão do Tribunal Constitucional, e não a dada da sua publicação, pelo que, tendo o invocado Acórdão do Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 620/2013) sido proferido em 26 de setembro de 2013, é manifesto que precedeu a prolação do acórdão que rejeitou o recurso de revista, o qual, embora proferido em 2 de setembro de 2013, apenas se tornou definitivo com o indeferimento, em 5 de novembro de 2013, das arguidas nulidades.
O Ministério Publico, na resposta que apresentou à reclamação, pugnou pelo seu deferimento, apenas na parte em que nela se pugna pela admissão do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, para apreciação da inconstitucionalidade do artigo 721.º-A, n.º 2, alínea c), do CPC, na dimensão sindicada, pois que, entendendo-se como plausível que o recurso de constitucionalidade vem interposto do Acórdão de 2 de setembro de 2013, que rejeitou, com esse fundamento, o recurso excecional de revista, como defende o reclamante, verificam-se os pressupostos de admissão do recurso de constitucionalidade, em face da sua utilidade e da circunstância de não ser exigível ao recorrente que observasse o ónus de prévia suscitação, pelas razões já invocadas por esta conferência, em caso idêntico, no seu Acórdão n.º 333/2013, para que remete. No mais, defende, deve ser confirmado o julgado, por inutilidade do recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, em relação às normas do artigo 3.º, n.º 4, do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, e do artigo 323.º, nºs. 2 e 3, do Código Civil, que não foram de todo aplicadas pelo tribunal recorrido, em qualquer dos acórdãos referenciados no requerimento de interposição do recurso, e por não verificação do pressuposto de anterioridade exigido pelo artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC, atenta a data do invocado Acórdão do Tribunal Constitucional (26 de setembro de 2013) e a data de prolação da decisão que aplicou a interpretação reputada inconstitucional (2 de setembro de 2013).
2. Cumpre apreciar e decidir.
Embora o reclamante não tenha indicado, com clareza, no requerimento de interposição do recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, qual a decisão de que interpõe o presente recurso de constitucionalidade, nele referenciou, quer o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de setembro de 2013, que rejeitou o seu recurso excecional de revista, quer o Acórdão da mesma instância de 5 de novembro de 2013, que indeferiu o requerimento de arguição de nulidades.
Parece decorrer da reclamação ora em apreciação que pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional da primeira das referidas decisões, que apenas se tornou definitiva com o indeferimento do incidente pós-decisório que deduziu nos autos, pelo que, afigurando-se tal hipótese plausível, em face do teor do requerimento de interposição do recurso, que a ela expressamente alude, apreciar-se-á a presente reclamação nesse mesmo pressuposto, que se dá por assente.
Assim sendo, no que concerne à pretensão de ver admitido o recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, na parte referente às normas dos artigos 3.º, n.º 4, do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação que lhe deu a Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto) e do artigo 323.º, nºs. 2 e 3, do Código Civil, é manifesto que a reclamação não pode ser deferida.
A decisão de rejeição do recurso excecional de revista, de que o reclamante recorreu para o Tribunal Constitucional, não aplicou, como é evidente, quaisquer dos referidos preceitos legais, pois que, em face da decisão liminar de indeferimento, não se pronunciou sobre as questões de mérito para cuja resolução poderia relevar tal enquadramento jurídico.
Assim, e como sustentado pelo Ministério Público, o recurso, nesta parte, é inútil, pelo que foi bem rejeitado.
Quanto à questão de inconstitucionalidade subsistente, que tem por objeto norma extraída, por via interpretativa, do artigo 721.º-A, n.º 2, alínea c), do CPC, o reclamante interpôs, com vista à sua apreciação, dois recursos distintos: o recurso previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, invocando, para o efeito, que tal norma foi já julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 620/2013; e o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
No que respeita à primeira modalidade de recurso (artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC), não é, desde logo, possível sustentar que a decisão recorrida aplicou «norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional», que é seu pressuposto processual básico, pois que, à data em que foi proferida (2 de setembro de 2013), o Tribunal Constitucional não tinha ainda julgado inconstitucional «a norma constante do artigo 721º-A, n.º 1, c), e n.º 2, c), do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de que no recurso de revista excecional cabe ao recorrente juntar certidão do acórdão-fundamento, com o requerimento de interposição de recurso, sob pena deste ser liminarmente rejeitado», o que apenas veio a ser decidido em 26 de setembro de 2013.
Não se verifica, pois, como entendeu o Tribunal recorrido, na decisão ora em reclamação, o pressuposto de anterioridade exigido como condição processual desse recurso, não sendo demonstração do contrário a circunstância de a arguição de nulidade da decisão recorrida ter sido indeferida já após a prolação do acórdão do Tribunal Constitucional.
Mas já quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, com esse mesmo objeto normativo, parecem estar reunidos os seus pressupostos processuais de admissão.
Com efeito, inexistindo dúvidas que o Supremo Tribunal de Justiça, na decisão recorrida, aplicou a norma do artigo 721.º-A, n.º 2, alínea c), do CPC, na interpretação sindicada, o que confere utilidade ao recurso, não parece exigível ao recorrente que suscitasse, em momento prévio ao da rejeição do recurso excecional de revista, a questão de inconstitucionalidade a ela atinente, apesar da existência de jurisprudência anterior sobre a matéria.
Como esta conferência teve oportunidade recente de afirmar, no seu Acórdão n.º 333/2013, em caso idêntico:
“O STJ sustenta que a recorrente deveria ter arguido anteriormente a inconstitucionalidade da interpretação sindicada, aquando da interposição de recurso para o STJ, porque sabia ser a interpretação sindicada a posição do coletivo; pelo contrário, a ora reclamante entende tratar-se de uma «decisão-surpresa», pelo que não poderia ter suscitado a questão antes da prolação desta.
Coloca-se, pois, a questão de saber se a presente situação é uma daquelas em que deve admitir-se o recurso de constitucionalidade apesar de a questão só ter sido suscitada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, posterior ao acórdão em que a aplicação da norma com o sentido ora sindicado se revelou e que não admitiu o recurso de revista excecional.
A questão respeita ao sentido do n.º 1, alínea c), e do n.º 2, alínea c), do artigo 721.º-A do CPC, estando em causa a interpretação normativa segundo a qual (cfr. Ac. do STJ de 28/11/2012, a fls. 547) «e) Fundando-se o recurso na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 721.º-A do CPC, cumpre ao recorrente juntar certidão ou cópia mecânica integral, sempre com nota de trânsito em julgado, de um único Acórdão fundamento, motivando os aspetos de identidade que justificam a contradição de julgados» e «f) A instrução deste requisito não se basta com uma mera reprodução mecânica de um texto extraído de uma base de dados e muito menos com a transcrição de um sumário».
No caso, a «posição do Coletivo» (Coletivo/Formação a que se refere o n.º 3 do artigo 721.º-A do CPC) a que alude o STJ – que segundo este consta dos acórdãos citados no acórdão recorrido e publicados em base de dados (acórdão de 6 de maio de 2008 (P. 08A660, disponível em http://www.dgsi.pt) e outros citados naquele aresto do STJ que não admitiu o recurso de revista excecional) – reportam-se a uma mera exigência formal ou requisito processual e não à resolução de uma questão de fundo a que se reporta a jurisprudência deste Tribunal relativa à dispensa do ónus de suscitação adequada da questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
A interpretação com que as normas sindicadas foram aplicadas não corresponde, assim, a uma corrente jurisprudencial e suficientemente instalada e de conhecimento acessível sobre uma questão de mérito, pelo que não era razoavelmente exigível que a recorrente suscitasse a questão de inconstitucionalidade relativamente ao sentido normativo efetivamente adotado pelo STJ aquando da interposição do recurso excecional de revista – configurando-se, assim, uma situação que justifica a dispensa do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado.”
De modo que, e pelas razões acima transcritas, é de deferir a reclamação, nessa parte, impondo-se a admissão do recurso de constitucionalidade interposto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de setembro, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, para apreciação da inconstitucionalidade do artigo 721.º-A, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de que «a não junção de cópia do acórdão-fundamento com menção do trânsito em julgado dá lugar à imediata rejeição do recurso sem que antes o recorrente seja convidado a suprir essa deficiência». No mais, confirma-se o julgado.
3. Pelo exposto, decide-se deferir parcialmente a reclamação, impondo-se, por isso, a admissão do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, com tal específico objeto.
Sem custas.
Lisboa, 26 de fevereiro de 2014. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.