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Processo n.º 1056/13
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se o seguinte:
“(…) O recorrente identifica a decisão recorrida como correspondendo ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que se pronunciou sobre o recurso intercalar interposto a fls. 648, ou seja, o acórdão de 14 de maio de 2013.
Tendo como referência tal acórdão, apreciaremos, de seguida, a questão do preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso.
(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
(…) O recurso de constitucionalidade apenas pode ter como objeto normas ou interpretações normativas.
Em conformidade, incumbe ao recorrente autonomizar e enunciar um verdadeiro critério normativo, que tenha sido utilizado como ratio decidendi pela decisão recorrida, reportando-o a uma determinada disposição ou conjugação de disposições legais.
Tal enunciação terá necessariamente de corresponder a um dos sentidos extraíveis da literalidade do(s) preceito(s) escolhido(s) como suporte da norma ou interpretação normativa colocada em crise, devendo ser apresentada, em termos tais que o Tribunal Constitucional, no caso de concluir pela sua inconstitucionalidade, possa reproduzir tal enunciação, de modo a que os respetivos destinatários e operadores do direito em geral fiquem cientes do concreto sentido normativo julgado desconforme com a Lei Fundamental.
Ora, no presente caso, o recorrente repetidamente se refere à inconstitucionalidade da decisão, assacando, de forma expressa, a violação de princípios e normas da Lei Fundamental ao próprio acórdão recorrido e não a específicos critérios normativos que o mesmo tenha convocado.
Ensaia, ainda assim, o recorrente uma tentativa de enunciar uma “interpretação” do artigo 113.º, n.os 3 e 4, do Código de Processo Penal, referindo que pretende a apreciação da inconstitucionalidade do sentido interpretativo que conclui que, “por haver TIR prestado, [é] na prática, inilidível a presunção de notificação aí estabelecida ainda que nos autos haja indícios suficientes de que tal notificação não terá ocorrido efetivamente”. Tal enunciação, porém, não traduz um critério normativo extraível do preceito legal indicado, sendo manifesto que é construída com base na apreciação subjetiva dos factos, por parte do recorrente – ou seja, na sua convicção de que há nos autos indícios suficientes da não ocorrência efetiva da notificação – independentemente da adesão que tal apreciação mereça na decisão recorrida.
Na verdade, analisado o acórdão recorrido, facilmente se constata que não existe correspondência entre os fundamentos da decisão e a questão enunciada pelo recorrente, que – note-se - não se apresenta depurada do seu subjetivo juízo de valoração dos factos concretos, como já se referiu.
Por ser particularmente demonstrativo de tal falta de correspondência, transcreve-se o excerto seguinte:
“O arguido prestou TIR a fls. 96 e ficou ciente do que decorria das obrigações dessa medida de coação (mais sendo advogado).
No entanto, terá aparentemente mudado de residência sem disso dar conhecimento ao Tribunal, como se impunha e decorre das obrigações constantes do TIR (cfr. o disposto no art. 196º do Cód. Proc. Penal).
Assim, as notificações feitas por prova de depósito para a morada constante do TIR mostram-se corretas e legais, porque em conformidade com o disposto no nº 3 do art. 113º do Cód. Proc. Penal, presumindo-se o arguido notificado. (…) Mais, a devolução das cartas depois de feito o depósito é irrelevante.
(…) ainda que houvesse contrato de reexpedição válido à data da notificação, não estava o carteiro obrigado a proceder como previsto no nº 4 do art. 113º do Cód. Proc. Penal, pois que as notificações não estão abrangidas em contrato de reexpedição.
O arguido/recorrente é que não cumpriu com as obrigações decorrentes da prestação de TIR, não indicando ao Tribunal a sua nova morada, e não pode agora pretender que o contrato de reexpedição equivale a essa comunicação ao Tribunal – acresce que nada nos autos leva à conclusão de que o arguido desconhecia que as notificações não estão abrangidas em contrato de reexpedição.
Pelo que inexiste qualquer nulidade na notificação e o recorrente também não ilidiu a presunção resultante do nº 3 do art. 113º do Cód. Proc. Penal.
Esta interpretação não viola qualquer artigo da Constituição da República, nomeadamente os que têm subjacentes o princípio da jurisdição, do processo equitativo do contraditório e da presunção de inocência, pois que os direitos do arguido se mostram assegurados desde que cumpra as regras decorrentes da prestação de TIR (…)”
Nestes termos, não tendo o recorrente logrado erigir, como objeto do recurso, um verdadeiro critério normativo, utilizado como ratio decidendi pelo acórdão recorrido, teremos de concluir pela inadmissibilidade do recurso.
(…) Sempre se dirá que a conclusão pela inadmissibilidade do recurso se imporia ainda por uma segunda ordem de razões, concernentes ao incumprimento do ónus de suscitação prévia de uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa reportada ao artigo 113.º, n.os 3 e 4, do Código de Processo Penal, que, de alguma forma, se pudesse considerar – ainda que deficientemente – projetada no objeto do recurso, delimitado no respetivo requerimento de interposição.
De facto, não conseguiu o recorrente enunciar um critério normativo – enquanto regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica - extraível do preceito legal identificado, suscitando a problematização da sua desconformidade com a Lei Fundamental, de forma clara e processualmente adequada, perante o tribunal a quo, sendo certo que impendia sobre si o ónus de proceder a tal suscitação ou renovação da suscitação, na motivação do recurso interposto a fls. 648.
Pelo exposto, sempre estaria definitivamente prejudicada a admissibilidade de ulterior recurso para o Tribunal Constitucional, ainda que, no respetivo requerimento de interposição, o recorrente tivesse conseguido enunciar um específico critério normativo, suscetível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade, o que – como já referimos – não ocorreu.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
3. Manifesta o reclamante a sua discordância, relativamente ao teor da decisão sumária, referindo, em síntese, que especificou o objeto do recurso, no respetivo requerimento de interposição, em moldes que foram perfeitamente compreendidos pelo Tribunal Constitucional.
Acresce que a questão de constitucionalidade foi suscitada previamente, tendo o Acórdão da Relação de Lisboa feito referência breve a tal questão, demonstrando, desta forma, que a mesma lhe foi colocada.
Defende ainda o reclamante que o objeto do recurso corresponde a um critério normativo inconstitucional, que foi utilizado como ratio decidendi pela decisão recorrida.
Conclui, pelo exposto, pugnando pela admissão do recurso.
4. O Ministério Público, respondendo à reclamação, manifesta a sua concordância com a decisão reclamada.
Por um lado, acentua que, no requerimento de interposição de recurso – momento próprio para fixar o seu objeto – não foi enunciada qualquer questão de constitucionalidade normativa, suscetível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade.
Por outro lado, na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação, também não foi enunciada uma questão de constitucionalidade de natureza normativa.
Relativamente ao facto de, no acórdão recorrido, se ter afirmado que não ocorria qualquer inconstitucionalidade, refere o Ministério Público que “tal afirmação vem no seguimento da conclusão pela inexistência de nulidade, conclusão a que se chegou após a análise das concretas circunstâncias que se verificavam”, concluindo, deste modo, que “não foi apreciada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa e muito menos que tivesse sido suscitada pelo recorrente.”
Pelo exposto, finaliza, pedindo o indeferimento da reclamação.
5. O recorrido B., regularmente notificado, optou por não apresentar resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
6. Analisada a reclamação apresentada, conclui-se que os argumentos aduzidos pelo reclamante não infirmam a correção do juízo efetuado, na decisão sumária proferida.
De facto, impende sobre o recorrente, no âmbito de um recurso de constitucionalidade, o ónus de enunciar o específico critério normativo que reputa inconstitucional, de forma clara, precisa e depurada de referências casuísticas.
Porém, como se salienta na decisão sumária, o recorrente repetidamente se refere à inconstitucionalidade da decisão, não logrando, em nenhum momento, isolar e enunciar o específico critério normativo utilizado, na decisão recorrida, como ratio decidendi. Esta omissão de enunciação de tal critério normativo verifica-se, quer relativamente ao requerimento de interposição de recurso, quer relativamente à motivação do recurso interposto a fls. 648.
Não assiste razão ao reclamante, quando refere que o acórdão recorrido conhece, efetivamente, da questão de constitucionalidade normativa colocada, porquanto, desde logo, nenhuma questão de tal natureza lhe foi adequadamente suscitada, como bem salienta o Ministério Público
Pelo exposto, sendo certo que a fundamentação aduzida na decisão reclamada merece a nossa concordância - não sendo infirmada pelos argumentos carreados pelo reclamante - damos a mesma por reproduzida e, em consequência, concluímos pelo indeferimento da reclamação.
III - Decisão
7. Assim, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 5 de dezembro de 2013, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 26 de fevereiro de 2014. – Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.