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Processo n.º 1164/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de março de 2013, foi julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido A. e, consequentemente, confirmada a decisão da 1ª instância que o condenara pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Por despacho do Relator no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 26 de junho de 2013, foi decidido não admitir o recurso.
Irresignado, o arguido reclamou dessa decisão, invocando o disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal, pugnando pela revogação do despacho de não admissão do recurso e a sua substituição por outro que determinasse a sua admissão.
Por decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em 11 de setembro de 2013, foi indeferida a reclamação.
Notificado, o arguido apresentou recurso para o Tribunal Constitucional, que rematou com o requerimento de que fosse considerado “(..)validamente interposto o presente recurso da decisão do Exm.º Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça para o Tribunal Constitucional”.
Sobre esse requerimento incidiu o seguinte despacho:
«O arguido A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da LTC, invocando, além do mais, que pretende ver apreciada a constitucional idade das normas constantes nos arts. 16.º da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto e 7.º da Lei n.º 65/2003 de 23 de agosto, na interpretação seguida pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
As questões de inconstitucionalidade que o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie reportam-se ao acórdão da Relação.
Assim, não compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, atento o disposto no art. 76.º, n.º 1, da LTC.
Nestes termos, não se toma conhecimento do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 56 a 62), por as normas invocadas, não se referirem a decisão proferida nos termos do art. 405.º do CPP.»
2. Nessa sequência, o arguido apresentou reclamação, nestes termos:
«(...) Vêm por este meio, apresentar competente RECLAMAÇÃO DO DESPACHO DE RETENÇÃO/NÃO ADMISSÃO DO INTERPOSTO RECURSO, proferido a Fls..., pela 3a. Secção do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e pelo(s) fundamento(s) seguinte(s):
A Inconformidade do ora signatário perante o despacho ora Reclamado, tem como elemento essencial o facto de o Recurso não ter sido admitido, na razão do mesmo não encaixar na previsão do Artº. 70, nº 1 da LOFPTC (Lei 28/82 de15 de novembro);
Quando,
Da leitura do mesmo, percetível se torna que, tudo efetivamente entronca na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei na 28/82 de 15 de novembro);
Pois,
Tal interpretação da norma/princípio da especialidade, foi nos presentes autos, efetivamente levantada/suscitada em momento oportuno e, relativamente á qual, continua a não o aqui Recorrente a não conformar-se;
Estando pois o mesmo, face à situação de que é inequívoco que nos presentes autos;
Se encontram já para si irremediável e completamente esgotados, todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários, que lhe possibilite reagir contra tal decisão/interpretação;
E cuja inconstitucionalidade,
Está inabalavelmente persuadida, tudo resultando numa clara e inequívoca desconformidade com a intenção do legislador constitucional;
E não se diga que não compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, na razão de que as questões de inconstitucionalidade levantadas reportarem-se ao Acórdão da Relação;
Pois que,
Tal assim se entendendo, sempre poderia o ora recorrente ter sido convidado a fazer tal indicação (Artº 75-A, nº 5 da LTC);
Outrossim,
Veja-se pois, que resulta dos autos uma inexplicável preterição da aplicação do princípio da especialidade (Artº 16 da Lei nº 144/99 de 31 de agosto e Artº 7 da Lei nº 65/2003 de 23 de agosto);
E no que concerne a esta questão em que ora se baseia a inconformidade do Arguido/Recorrente, refira-se que de todo não se vislumbra qualquer justificação, para que 'in casu', tenha reconhecidamente sido preterida a aplicação de tal princípio;
O qual,
Efetivamente vigora no âmbito da aplicação do Mandado de Detenção Europeu e, na sequência de pedido de cooperação internacional em matéria penal (Artº. 16 da Lei nº 144/99 de 31 de agosto e Artº 7 da Lei nº 65/2003 de 23 de agosto);
E não se diga,
Que pela ocorrência da Audiência de julgamento, tudo faça resultar com que o mesmo se tenha conformado com tais desideratos;
Ou que,
Tais 'normas/interpretações', não foram aplicadas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ora recorrido;
Desde logo,
Porque nada nos garante, que o mesmo tinha sequer à data conhecimento de tal aplicação legislativa e, de tal advertência, obrigatoriamente sempre deveria oficiosamente ter sido dado a conhecer pelo Tribunal 'a quo';
O que,
De todo e em momento algum aconteceu, vendo o mesmo gravemente prejudicada e/ou alterada a sua situação jurídico/penal;
Nesta consonância,
E porque tal decisão do Tribunal “a quo” é obviamente suscetível de recurso;
E,
Por forma a que melhor se possa obedecer ao princípio do contraditório;
Apoiando-se o arguido ora recorrente, no meio processual adequado para cumprir essa vontade de reapreciação judiciária, sob pena de uma inevitável e consequente violação do Artº 32º da Constituição da República Portuguesa.
Para mais,
Atendendo ao facto de em momento processual algum, ter-se fundamentado de uma forma suficientemente ponderada, clara e específica, a determinação da preterição da aplicação do princípio da especialidade, violando com isso o disposto no Artº 16 da Lei nº 144/99 de 31 de agosto e Artº 7 da Lei nº 65/2003 de 23 de agosto, tudo, também redunda numa clara nulidade (Artº 379º, nº 1, al. c) do C.P.P.);
E nesta medida, sempre seria desejável para o ora Recorrente, que a decisão tomada, não se imponha só em razão da autoridade do órgão que a tomou, mas acima de tudo pela sua racionalidade, não podendo a mesma fundamentação ser parca, ao ponto que não habilite um Tribunal Superior a uma avaliação cabal e segura do porquê da decisão e do seu suporte 'lógico-mental', pois só desta forma se asseguram as garantias constitucionais de defesa;
Pelo que,
Sublinhe-se, dado o 'deficit' de fundamentação, entende o recorrente que o recorrido Acórdão violou o disposto no n.º 1 do art. 379º, alínea c) do Código de Processo Penal e, os artº(s) 18º, 32º e 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa;
Não bastasse, o inequívoco desrespeito pelos preceitos constitucionais atrás elencados, designadamente, o Princípio da Concordância Prática e, a não consagração no nosso sistema judicial, 'mui' usual sim, no sistema anglo-saxónico;
Continuando pois o aqui Recorrente inconformado com a decisão proferida pelos Tribunais “a quo”, os quais, decidiram julgar conforme a fundamentação utilizada no Acórdão proferido pelo Tribunal da 1ª Instância;
Estando em tempo e para tal tendo legitimidade (Cfr. al. b) do nº 1 do art. 72º da Lei do T. Constitucional);
E,
Mesmo entendendo-se em concreto que tal questão de constitucional idade, apenas é suscitada na sua plenitude, no presente requerimento;
Atente-se à uniforme jurisprudência deste Tribunal Constitucional, que, excecionalmente admite o recurso dispensando o interessado de a ter suscitado durante o processo, até à decisão de que se recorre;
Porquanto se afigura não lhe ser exigível que antevisse a possibilidade de aplicação daquela norma ao concreto, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão (da inconstitucionalidade) antes da decisão;
Termos em que,
Observados que estão os formalismos legais para tal previstos, porque para tal a recorrente tem legitimidade, está em tempo e representada por advogado (cfr. artºs 72º nº 1 al. b), 75º e 83º da Lei do T. Constitucional),
Requer-se a Vª.(s) Excª.(s), que desde já considerem validamente interposto o presente recurso da decisão deste Supremo Tribunal de Justiça para o Tribunal Constitucional, seguindo-se os ulteriores termos, sendo certo que as respetivas alegações que o motivarão serão produzidas já no Tribunal 'ad quem', de acordo com o disposto no artigo 79º da Lei do Tribunal Constitucional e no prazo aí previsto.
Nestes termos, por tudo aqui atrás exposto, o despacho ora recorrido, não fez a melhor justiça na aplicação da Lei Penal vigente, quando, não admitiu o Recurso apresentado pelo ora Reclamante
Mais se deverá, revogar o despacho que não admite o Recurso interposto, devendo este, ser substituído por outro que determine a sua admissão e subida imediata, assim se fazendo como sempre a costumada, JUSTIÇA!
3. O Ministério Público tomou posição no sentido da improcedência da reclamação, fundado na consideração de que a decisão recorrida não aplicou a norma constante do artigo 16.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, e do artigo 7.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto.
II. Fundamentação
4. Vem o arguido A. reclamar de despacho proferido no Supremo Tribunal de Justiça que não deu seguimento à pretendida admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, pois considera que o impulso que deduziu reveste condições para o seu conhecimento.
Sem razão.
Com efeito, o arguido/recorrente dirigiu o recurso, nos termos do requerimento apresentado, à impugnação de decisão proferida no Supremo Tribunal de Justiça, como avulta do segmento transcrito supra.
E, dos termos do mesmo, resulta que o objeto (em sentido material) que se pretendeu conferir ao recurso reside na aplicação de norma constante do artigo 16.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, e do artigo 7.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto.
Porém, e como bem salienta o Ministério Público, nenhum desses preceitos, e a normação neles contida, foi equacionado na decisão recorrida, que se ateve na apreciação da admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. A sua ratio decidendi encontra-se, então, em campo normativo completamente distinto daquele indicado no requerimento de interposição de recurso, a saber, em norma extraída do disposto na alínea b) do artigo 432.º e na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP.
Não colhe, então, a conclusão do recorrente de que “tais normas/interpretações”, não foram aplicadas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça”.
Não foram aplicadas nem, acrescente-se, poderiam tê-lo sido, pois remetem para o plano do mérito do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça – respeito pelo princípio da especialidade -, quando o que se encontrava em discussão era tão somente a procedência de reclamação apresentada sobre despacho proferido no Tribunal da Relação que não admitira o recurso para o STJ.
III. Decisão
5. Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada pelo arguido A. para o Tribunal Constitucional.
Custas pelo reclamante, que se fixam em 20 (vinte) unidades de conta, tendo em atenção a dimensão do impulso formulado.
Notifique.
Lisboa, 10 de dezembro de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.