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Processo n.º 691/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal dos Conflitos, em que é recorrente A., S.A. e recorrido o Club Sport Marítimo da Madeira, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 23 de maio de 2013.
2. Pela Decisão Sumária n.º 638/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«1. Segundo o disposto no artigo 75.º-A, n.º 2, da LTC, sendo o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, do requerimento deve ainda constar a indicação da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade.
Convidada a aperfeiçoar este requerimento, a recorrente continua a não satisfazer o requisito da indicação da peça processual em que o recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade, o que obsta ao conhecimento do objeto do recurso interposto (artigo 78.º-A, n.º 2, da LTC). Com efeito, quer o requerimento de interposição recurso quer o aperfeiçoamento posterior são omissos quanto ao requisito assinalado.
2. Ainda que se pudesse concluir, relativamente à norma que a recorrente pretende reportar aos artigos 1.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1, alíneas e) e f) da Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, que aquele ónus foi cumprido nos artigos 27.º e 28.º daquelas peças processuais, sempre seria de concluir que a recorrente continua a não identificar a norma cuja apreciação pretende.
Na verdade, continua a especificar o resultado de determinada interpretação – os tribunais judiciais julgam-se incompetentes para dirimir litígios emergentes de relações entre privados, respeitantes à execução de contratos de direito privado e, em que, nenhuma das partes é uma pessoa coletiva pública ou age ao abrigo de normas que lhe outorguem poderes públicos – sem identificar, porém, a dimensão interpretativa que permite o resultado especificado.
3. Ainda que a recorrente tivesse satisfeito aquele requisito do requerimento de interposição de recurso relativamente à questão de inconstitucionalidade que pretendeu reportar aos artigos 2.º, n.ºs 1 e 5, e 253.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, seria sempre de concluir que não foi questionada previamente e de forma adequada a constitucionalidade de uma qualquer interpretação destes preceitos legais (cf. artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC).
Por outro lado, é manifesto que não cumpre o requisito da indicação da norma cuja apreciação se pretende indicar «as normas que do todo coerente destes diplomas legais (Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – ETAF e DL 59/99, de 2 de março – RJEOP) lhes sejam direta ou indiretamente consequentes ou delas decorram».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os fundamentos seguintes:
«3. Salvo o devido respeito, a Douta Decisão Sumária que ora se reclama encontra-se ferida de erro manifesto de direito, bem como a matéria de facto está incorretamente apreciada.
4. Desde logo, porque o recorrente no aperfeiçoamento do requerimento de interposição recurso satisfez o requisito previsto no artigo 75º-A, n.º 2 in fine da LOFPTC, juntando como anexo a peça processual onde suscitou a questão de inconstitucionalidade.
5. Por outro lado, relativamente à norma que a recorrente pretende reportar aos artigos 1º, n.º 1, e 4º, n.º 1, alíneas e) e f) da lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, a mesma está claramente identificada no artigo 37º, alínea a) do requerimento de interposição recurso, mormente “artigo 211º, n.º 1” e “212, nº 3” da Constituição da República Portuguesa;
6. Acresce que a dimensão interpretativa está plasmada nos artigos 23º e seguintes das alegações;
7. Mais, no que se reporta aos artigos 2º, n.os 1 e 5, e 253º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, a conclusão de que não foi questionada previamente e de forma adequada a constitucionalidade de uma qualquer interpretação destes preceitos legais não está fundamentada, apresentando-se de forma conclusiva;
8. Sendo certo que o recorrente sempre questionou e de forma adequada, nos sucessivos recursos que interpôs, a questão da constitucionalidade, tendo inclusive, para o efeito, anexado dois pareceres jurídicos, um do Professor da Faculdade de Direito de Coimbra, Professor Doutor Pedro Costa Gonçalves - e cujo teor se deu por integralmente reproduzido, e outro do Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, Professor Doutor Pedro Romano Martinez com a colaboração do Dr. José Pujol e cujo teor se deu também por integralmente reproduzido.
9. Cumprindo a recorrente com o requisito de indicar as normas cuja apreciação pretende, mormente o artigo 2º da Diretiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, e do artigo 8º, alínea a), da Diretiva 2004/8/CE, de 3 de Março de 2004.
10. Por último, o recorrente cumpriu o requisito de indicação da norma cuja apreciação se pretende indicar «as normas que do todo coerente destes diplomas legais lhe sejam direta ou indiretamente consequentes ou delas decorram, mormente no artigo 38º e seguintes do requerimento de interposição de recurso (violação do artigo 204º, e 8º nº 3, ambos da Constituição da República Portuguesa e violação do artigo 249º do Tratado da Comunidade)».
4. Notificado da reclamação, o recorrido não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. A decisão reclamada é no sentido do não conhecimento do objeto do recurso interposto, por não se poder dar como satisfeito um dos requisitos do requerimento de interposição de recurso – a indicação da peça processual em que foi suscitada a questão de inconstitucionalidade (artigos 75.º-A, n.ºs 2 e 6, parte final, e 78.º-A, n.º 2, da LTC).
A reclamante alega que anexou a peça processual onde terá cumprido o ónus da suscitação prévia. Porém, o que é facto é que quer o requerimento inicial quer o aperfeiçoamento posterior são omissos quanto àquele requisito, sendo um ónus do recorrente indicar, no requerimento, a peça processual onde suscitou a questão de inconstitucionalidade. De todo o modo, invocaram-se outras razões que conduziriam sempre a uma decisão sumária.
2. Relativamente aos artigos 1.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1, alíneas e) e f) da Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, a decisão reclamada entendeu que sempre seria de concluir pelo não conhecimento da questão de inconstitucionalidade, na medida em que a recorrente não identifica a norma cuja apreciação pretende. Especifica apenas o resultado de determinada interpretação, sem identificar a dimensão interpretativa que permite o resultado especificado. No artigo 37.º, alínea a), do requerimento de interposição de recurso diz-se expressamente que se requer a apreciação daqueles preceitos quando interpretados no sentido que permita aos tribunais judiciais julgarem-se incompetentes para dirimir litígios emergentes de relações entre privados, respeitantes à execução de contratos de direito privado e, em que, nenhuma das partes é uma pessoa coletiva pública ou age ao abrigo de normas que lhe outorguem poderes públicos. Por outro lado, a referência às normas constitucionais violadas não tem a ver com a satisfação do requisito da indicação da norma cuja apreciação se pretende e tão-pouco é relevante o que está nas alegações.
3. Quanto à questão relativa aos artigos 2.º, n.ºs 1 e 5, e 253.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, também seria sempre de concluir pelo não conhecimento do objeto do recurso interposto, porque não foi questionada previamente e de forma adequada a constitucionalidade de uma qualquer interpretação destes preceitos legais.
Sobre este fundamento, a reclamante nada diz que o contrarie, na medida em que se limita a sustentar que cumpriu o ónus da suscitação prévia e de forma adequada nos sucessivos recursos que interpôs. Ora, este ónus só se pode dar por cumprido quando a conformidade constitucional da norma seja questionada perante o tribunal recorrido, sendo certo que a reclamante não mostra que o tenha feito (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
4. Entendeu-se também que é manifesto que não cumpre o requisito da indicação da norma cuja apreciação se pretende indicar «as normas que do todo coerente destes diplomas legais (Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – ETAF e DL 59/99, de 2 de março – RJEOP) lhes sejam direta ou indiretamente consequentes ou delas decorram» (artigo 38.º do requerimento de interposição). E, sobre isto, a reclamante nada disse que contrarie o fundamento. A indicação das normas constitucionais violadas tem a ver com um outro requisito do requerimento.
5. Por último, é de afirmar que a recorrente não fez qualquer menção ao artigo 2.º da Diretiva 93/37/CEE do Conselho e ao artigo 8.º, alínea a), da Diretiva 2004/18/CE, em cumprimento do ónus da indicação da norma cuja apreciação pretende (cf. artigo 37.º, alínea b), do requerimento). Estes preceitos são referidos enquanto normas violadas por determinada interpretação dos artigos 2.º, n.ºs 1 e 5, e 253.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 59/99.
Há que confirmar, pois, a decisão que é objeto de reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 9 de janeiro de 2014. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.