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Processo n.º 1143/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação para a conferência assume o seguinte teor:
«(...)
1 - Na douta decisão reclamada decidiu-se negar provimento ao recurso.
2 – E assim se decidiu, de forma sumária, por se entender que, no caso, nos encontramos perante uma “questão simples”, face à jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria, da qual se citaram os doutos acórdãos nº 178/88, 189/01, 49/03, 616/05, 645/09 e 353/10.
3 – Ora, sendo certo que a composição deste Colendo Tribunal se alterou significativamente desde a data do último destes doutos acórdãos, 6 de outubro de 2010,
4 – Sendo certo que a jurisprudência, não obstante deva orientar o julgador, não pode limitar a sua liberdade de julgamento.
5 – Sendo certo que se a matéria em causa é simples, por já ter sido objeto de decisões anteriores deste Colendo Tribunal. a mesma também é complexa, como o bem demonstra o fato de no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2009 para uniformização de jurisprudência, citado pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso para este Colendo Tribunal, haver duas declarações de voto, uma delas de vencido,
6 – E sendo certo que no caso dos autos está em causa a aplicação de uma pesada pena de prisão efetiva, o que sempre obrigará ao maior respeito pelo seu direito de pronúncia e defesa,
7 – Salvo o devido respeito, que muito é, entende o recorrente que ao negar-se provimento ao recurso que interpôs para este Colendo Tribunal, de forma sumária e sem lhe dar qualquer hipótese de expor os seus argumentos, fez-se uma errada aplicação do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15/11, e violou-se o seu direito de defesa, constitucionalmente consagrado.
(...)»
3. No seu parecer, o Ministério Público pugnou pelo indeferimento da reclamação deduzida.
II. Relatório
4. Na decisão sumária objeto de reclamação pode ler-se o seguinte:
«(...)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de outubro de 2013, que indeferiu a reclamação apresentada pelo recorrente. Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na versão conferida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, “quando interpretado no sentido de que esta norma é aplicável nessa redação aos processos instaurados antes desta última data se a decisão da 1.ª instância tiver sido proferida após essa mesma data”, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
2. Com efeito, foi o recorrente condenado, em primeira instância, pela prática, em coautoria material, na forma consumada e concurso real, de um crime de burla tributária, e de um crime de branqueamento de capitais. Foi-lhe aplicada, em cúmulo jurídico, uma pena única de seis anos de prisão. Inconformado, o arguido interpôs recurso junto do Tribunal da Relação do Porto, que, em acórdão de 21 de março de 2013, confirmou integralmente a decisão recorrida. Seguiu-se novo recurso, desta feita interposto junto do Supremo Tribunal de Justiça, que mereceu despacho de não admissão proferido pelo tribunal recorrido, com fundamento no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redação dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, já vigente à data em que foi proferida a decisão da primeira instância.
Ao abrigo do disposto no artigo 405.º, do CPP, o recorrente deduziu reclamação, em requerimento que concluiu do seguinte modo:
«(...)
Conclusões
(...)
7 - O disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29.08, entrada em vigor em 17.09.2007, é inconstitucional se interpretado no sentido vertido no despacho ora em apreço, ou seja, no de que este dispositivo é aplicável nessa redação aos processos que, como este, foram instaurados antes desta última data se a decisão recorrida da 1.ª instância tiver sido proferida após essa mesma última data, inconstitucionalidade essa que aqui expressamente se invoca por ofensa ao disposto no art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
(...)
9 - O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
10 - Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.
11 - O processo penal inicia-se com a abertura da fase do inquérito.
12 – O presente processo teve início no ano de 2006.
13 – O recurso ordinário não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventual) daquela em que a decisão foi proferida.
14 – Nos termos do disposto no n.º 2, als.) a) e b), do art. 5.º do CPP a lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando a sua aplicabilidade imediata possa resultar um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa ou a quebra da harmonia e unidade dos vários atos do processo.
(...)»
Instado a pronunciar-se, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação deduzida (fls. 207), alicerçando tal indeferimento nos seguintes argumentos:
«(...)
5. O reclamante suscita a inconstitucionalidade do art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na versão da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, entrada em vigor em 17.09.2007, quando interpretado no sentido de que esta norma é aplicável nessa redação aos processos instaurados antes desta última data se a decisão da 1.ª instância tiver sido proferida após essa mesma data, por ofensas ao disposto no art. 32.º, n.º 1, da CRP.
Mas sem fundamento.
Com efeito, no plano constitucional a garantia do direito ao recurso fica constitucionalmente perfeita com a previsão de um único grau, que foi exercido através do recurso interposto para a Relação pelo reclamante (cf., v.g., Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 189/01 e 377/2003 de 3 de maio e de 15 de julho de 2003, respetivamente).
Aliás, o Tribunal Constitucional já apreciou esta questão, entre outros, nos acórdãos n.ºs 263/2009, de 26 de maio de 2009, n.º 551/2009, de 27 de julho de 2009, e n.º 645/2009, de 15 de dezembro de 2009.
Decidiu-se neste último acórdão, na parte que releva, “não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007 de 29 de agosto, e artigo 5.º, n.º 2, do mesmo Código, interpretada no sentido de que, em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem decisão da 1.ª instância, proferida após a entrada em vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”
(...)»
3. Considerando, face à jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria, que nos encontramos perante uma “questão simples”, a mesma passa a ser decidida nos termos admitidos pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
4. Ora, a questão de constitucionalidade em apreço no presente recurso, atentos os precisos termos em que foi enunciada pelo recorrente, já foi por diversas vezes escrutinada pela jurisprudência constitucional. Esta concluiu que, não sendo constitucionalmente imposta a previsão de um duplo grau de recurso em processo penal (cfr., entre outros, os acórdãos n.ºs 178/88, 189/01, 49/03, 616/05, 645/09, 353/10, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), a norma vertida na alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, na redação outorgada pela Lei n.º 48/2007 de 29 de agosto, na medida em que restringe o recurso para o STJ aos casos de maior merecimento penal, não merece censura à luz do artigo 32.º, n.º 1, da CRP (cfr., entre outros, os acórdãos n.ºs 189/01, 369/01, 435/01, 2/06, 36/07, e 645/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Tal juízo é de manter mesmo admitindo que em causa nos presentes autos está também um problema de aplicação da lei processual penal no tempo, circunstância que altera o parâmetro de controlo, implicando o confronto do preceito identificado com o princípio da legalidade criminal, consagrado no artigo 29.º, em conjugação com o artigo 32.º, n.º 1, ambos da CRP. Como foi, aliás, sublinhado pelo tribunal recorrido, o Tribunal Constitucional já apreciou esta outra questão de constitucionalidade, tendo concluído, nos acórdãos n.ºs 263/09, 551/09, e 645/09 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), que a mesma não consubstanciaria uma desproporcionada limitação das garantias de defesa do arguido quanto à oportunidade da estratégia processual a adotar.
Esta jurisprudência, à qual se adere integralmente, é inteiramente transponível para o caso em apreço, devendo aqui ser reiterada.
5. Termos em que, atento o exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
(...)»
5. A reclamação apresentada pela reclamante não coloca minimamente em crise a decisão sumária proferida. Considerou o Relator, atenta a jurisprudência constitucional constante sobre o tema, que as questões de constitucionalidade elencadas no requerimento de recurso seriam “questões simples”, suscetíveis, portanto, de serem decididas ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A, da LTC, ou seja, mediante prolação de uma decisão sumária de mérito.
Invoca o reclamante, na reclamação apresentada, que o Relator fez uma errada aplicação do normativo supra mencionado, porquanto houve alteração da composição do Tribunal Constitucional, estando em causa a aplicação de uma “pesada pena de prisão efetiva, que sempre obrigará ao maior respeito pelo seu direito de pronúncia e defesa”.
Tais argumentos, porém, não vingam, visto que o juízo de não inconstitucionalidade vertido na decisão sumária tem apoio numa jurisprudência constitucional estável e atual (v., para além dos arestos referidos na decisão sumária, a decisão sumária n.º 83/13, e os acórdãos n.ºs 51/12 e 514/12), algo que coonesta o caráter “simples” da questão em causa para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A, da LTC.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação deduzida, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 17 de dezembro de 2013. – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.