Imprimir acórdão
Processo n.º 407/13
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente o Ministério Público e são recorridos A. e B., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Pelo Acórdão n.º 69/2014, concedendo-se provimento ao recurso, decidiu-se não julgar inconstitucional a norma do n.º 4 do artigo 258.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) na interpretação segundo a qual não é permitido o recurso pelos devedores da decisão que indefira o pedido de suprimento da aprovação de qualquer credor, e, consequentemente, da sentença não homologatória do plano apresentado.
3. Notificados desta decisão, os recorridos vieram, ao abrigo do artigo 616.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, requerer a reforma do mencionado Acórdão (fls. 128 e ss.), pedindo “que seja reformado o Acórdão proferido, no sentido de ser declarada a inconstitucionalidade do disposto no artigo 258.º, n.º 4, do CIRE, por este artigo não consagrar a possibilidade de interposição de recurso da decisão de não suprimento da aprovação dos credores”.
Para tanto, invocam que:
“(…) Decorre do Acórdão proferido por V. Exas., na página 18, o seguinte: “Tão-pouco existe paralelo com a posição jurídico-processual que para o devedor deriva do indeferimento do pedido, por si apresentado, de suprimento da aprovação de alguns credores. É que neste caso, o processo de insolvência segue os seus termos normais, gozando os devedores de todos os direitos previstos no CIRE, entre os quais se conta, designadamente, o direito de recorrer da decisão que vier a declarar a insolvência.
Diferentemente dos credores, cuja oposição ao plano de pagamentos é suprida por decisão do juiz (e, nessa medida, veem o seu direito de crédito modelado ou restringido contra a sua vontade), o devedor, que não veja deferido o pedido de suprimento da vontade dos credores oponentes do plano, não sofre qualquer alteração na sua esfera de direito com a decisão de indeferimento.” (sublinhados e negrito nossos).
Ora, as conclusões alcançadas por V. Exas., com o devido respeito, não têm paralelo algum com o instituto do plano de pagamentos previsto na legislação da insolvência, não tendo, mesmo, qualquer cabimento legal o raciocínio alcançado e plasmado no Acórdão.
Vejamos,
O indeferimento do pedido de suprimento da aprovação pelos credores, do plano de pagamentos tem, como efeito obrigatório, a declaração de insolvência dos Recorrentes na plenitude dos seus termos, conforme previsto nos artigos 262.º, 36.º e/ou 39.º, do CIRE e não a constante do artigo 259.º, n.º 1, do mesmo Código, cujos efeitos e consequências são totalmente distintos,
Algo que não se encontra refletido no Acórdão proferido por esse Exmo. Tribunal, que parece ter entendido que a sentença de declaração de insolvência ao abrigo do artigo 36.º, do CIRE em tudo se assemelha à sentença de declaração de insolvência prevista no artigo 259.º, do mesmo diploma.
Ora, nada mais desacertado, já que as diferenças são abismais, sendo que ambas as sentenças em nada se comparam.
Adicionalmente temos que decorre do Acórdão proferido que é entendimento de V. Exas. que os Recorridos podem fazer uso da sentença de declaração de insolvência para interpor recurso da não aprovação do plano de pagamentos.
Uma vez mais não se vislumbra em que medida é que os Recorridos poderão, uma vez declarados insolventes, recorrer da não homologação do plano de pagamentos por falta de suprimento, na sentença de declaração de insolvência a que alude o artigo 36.º.
E mormente com que fundamento?
Com todo o devido respeito, os argumentos a invocar para refutar tal sentença de declaração de insolvência, em nada são semelhantes com a falta de suprimento, e consequente não aprovação e homologação do plano de pagamentos.
São realidades distintas, são matérias diferentes, sendo que não se percebe como se pode recorrer, da sentença de declaração de insolvência - sentença esta que declara a insolvência dos Recorridos, com os efeitos previstos no artigo 36.º, do CIRE, sendo, pois, uma sentença “plena” - com base na não aprovação do plano de pagamentos!
Bem visto está que o recurso é votado ao insucesso por se misturar matérias que em são absolutamente diferentes e tratadas de forma bastante distinta no CIRE...
Em face do exposto, torna-se impossível entender e aceitar o Acórdão proferido por esse Tribunal, que não apreendido de forma conveniente o mecanismo do plano de pagamentos, ao determinar que o não suprimento do plano de pagamentos é recorrível na sentença de declaração de insolvência...
Tal nunca pode ocorrer!
A decisão de não suprimento da aprovação dos credores não admite recurso e é contra essa impossibilidade de recurso que os Recorridos se insurgem.
Esta falta de entendimento vai acarretar a insolvência de uma família, vendo-se os Recorridos confrontados com a apreensão e ulterior liquidação de todos os bens por parte do Administrador da Insolvência, e mais, ficam os Recorridos privados da administração dos seus bens. (v.g. artigo 38.º, al. g, do CIRE).
A vida deste agregado familiar vai ser forte e radicalmente alterada.
Este agregado familiar vai perder TODOS OS SEUS BENS.
O que está em causa é muito mais profundo e relevante do que simplesmente a continuação do processo de insolvência, com a declaração de insolvência dos Recorridos, e com a possibilidade (ilógica) de interposição de recurso com base na não aprovação do plano de pagamentos...
A tese defendida no Acórdão proferido por V. Exas. de que sempre podem os Recorridos recorrer, na sentença de declaração de insolvência, da não homologação do plano de pagamentos, estando, assim, garantido, um grau de recurso, não encontra qualquer apoio na letra da lei - antes pelo contrário face ao que dispõe o artigo 258º n° 4 do CIRE, nem tão pouco no seu espírito, o que não pode deixar de surpreender os Recorridos,
Não podendo estes deixar de lamentar a interpretação dada por esse Tribunal a toda a temática em apreço!
Identicamente temos que é entendimento desse Tribunal que os Recorridos não sofrem qualquer alteração na sua esfera de direitos com a decisão de indeferimento.
Como é possível tal conclusão ser alcançada se uma vez aprovado e homologado o plano de pagamentos, os Recorridos mantêm a administração dos seus bens, mantêm a sua posse e propriedade, não sofrendo alterações a nível familiar, designadamente com venda de bens que são evitadas ou mesmo inexistentes, mantendo todo o agregado familiar a sua residência habitual, facto deveras importante,
Ao passo que sendo declarados insolventes ao abrigo do que determina o artigo o artigo 36.º, do CIRE, desde logo, todos os seus bens são apreendidos, vendidos, perdendo os Recorridos todo e qualquer poder de administração sobre tais bens, vendo a sua vida devassada mediante publicidade da sua declaração de insolvência, tendo de ser alterada a residência pois será a mesma liquidada, com todas as consequências emocionais e familiares que tal acarreta e que não pode ser, reiteradamente, descurado e relegado para segundo plano.
Estamos a falar da vida de um pai, de uma mãe e dos seus filhos.
Isto tem de ser acautelado, mediante a possibilidade de apresentação de recurso de uma decisão de não suprimento da aprovação dos credores, sob pena do total descrédito da justiça, por parte dos cidadãos!”
4. Notificado deste requerimento, o Ministério Público veio dizer que «deve indeferir-se o pedido de reforma» (fls. 139 e s.).
5. Os artigos 613.º a 618.º do Código de Processo Civil vigente, aplicáveis por força do artigo 69.º da LTC, dispõem que, proferida a decisão, ao juiz só é lícito, retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença.
Nos termos do artigo 616.º, n.º 2, alínea a), daquele diploma legal, a reforma da sentença pode ser requerida por qualquer das partes quando “por manifesto lapso do juiz (…) tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”.
Como decorre da leitura do requerimento em apreciação, os requerentes não invocam nenhum erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos atribuível a manifesto lapso, antes expressam a sua discordância relativamente ao entendimento afirmado pelo Tribunal na decisão cuja reforma solicitam. Ora, a discordância da decisão, ou dos seus fundamentos, não constitui fundamento para a sua reforma.
Face ao exposto, é de concluir pelo indeferimento do pedido de reforma.
III – Decisão
Termos em que se decide indeferir o pedido de reforma.
Custas pelos requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 3 de março de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro.