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Processo n.º 105/09
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
  
 
   Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
             
 I - Relatório   
 
  
 
 1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério 
 Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do 
 recurso, com fundamento no seguinte:
 
 «[…] 2. Verifica-se não estarem preenchidos os pressupostos necessários ao 
 conhecimento do objecto do recurso, pelo que se justifica a prolação de decisão 
 sumária, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
 Na verdade, a questão enunciada pelo recorrente não tem natureza normativa e, 
 como tal, não é susceptível de ser objecto de um recurso de constitucionalidade. 
 Como resulta do teor do requerimento de interposição do recurso, acima 
 transcrito, o recorrente não questiona a constitucionalidade de uma 
 interpretação normativa do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo 
 Penal (na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), mas antes argúi 
 a inconstitucionalidade do resultado da aplicação dessa norma legal ao caso 
 concreto.
 Da mesma forma, nas alegações que apresentou no recurso para o Supremo Tribunal 
 de Justiça, o recorrente questionou a inconstitucionalidade desse resultado, 
 afirmando que «a norma resultante do actual artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do 
 Código de Processo Penal, posta em vigor pelo artigo 7.º da Lei n.º 48/2007, de 
 
 29 de Agosto, traduz in concreto um resultado interpretativo e aplicação que 
 viola de modo intolerável o princípio da confiança do Estado de Direito 
 Democrático» − conclusão 3ª das referidas alegações.
 Atenta a natureza estritamente normativa do recurso de constitucionalidade, que 
 apenas pode ter por objecto normas ou, quanto muito, determinadas interpretações 
 normativas, não se mostram preenchidos os pressupostos necessários à 
 admissibilidade do presente recurso.
 Sem prejuízo, outra razão obstaria ao conhecimento do recurso. 
 Ainda que se pudesse entender que a questão que o recorrente pretende ver 
 apreciada tem natureza normativa, sempre se verificaria que tal questão não foi 
 equacionada, pelo tribunal recorrido, com o sentido que o recorrente reputa 
 inconstitucional. Enquanto que o recorrente defende que o processo foi «objecto 
 de concorrência de aplicação no tempo de duas redacções do mesmo preceito do 
 Código de Processo Penal» (para sustentar a inconstitucionalidade da aplicação, 
 ao caso, da nova redacção), o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, 
 afirma expressamente que não se trata de um caso de «confluência de regimes», 
 não lhe sendo, por isso, aplicável o artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo 
 Penal. Esta conclusão resulta de se ter entendido que «a lei reguladora da 
 admissibilidade do recurso − e, por consequência, da definição do tribunal de 
 recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os 
 pressupostos processuais do próprio direito ao recurso, isto é, no momento em 
 que for primeiramente proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a 
 decisão da primeira instância».
 Ora este entendimento – a razão de ser da decisão de irrecorribilidade, na 
 medida em que retira o caso do campo de intervenção do artigo 5.º, n.º 1, do CPP 
 
 – não foi impugnado pelo recorrente, do ponto de vista da sua admissibilidade 
 constitucional.
 Ou seja, independentemente da correcção desta interpretação do ponto de vista do 
 direito infraconstitucional, que este Tribunal não é competente para sindicar, o 
 certo é que o problema de constitucionalidade colocado pelo recorrente prende-se 
 com a aplicação no tempo de duas redacções do artigo 400.º, n.º 1, aliena f), do 
 Código de Processo Penal, enquanto que a decisão recorrida expressamente afirma 
 não se estar perante uma sucessão temporal de regimes.
 
 3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não 
 conhecer do objecto do recurso. [….]»
 
  
 
 2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao 
 abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
 
 «[…]
 
 1 .°
 Na douta decisão reclamada foi entendido que o recorrente não colocou uma 
 verdadeira questão de constitucionalidade, porque não «questiona a 
 constitucionalidade de uma interpretação normativa do artigo 400.°, n.° 1, 
 alínea 1), do Código de Processo Penal (na redacção daria pelo Decreto-Lei n.° 
 
 48/2007) mas antes argui a inconstitucionalidade do resultado da aplicação dessa 
 norma legal ao caso concreto». 
 
 2.°
 Salvo o devido respeito, que é muito, o recorrente afirmou que «Caso este 
 entendimento seja o prevalecente, então há que concluir que a norma resultante 
 do actual artigo 400.°, n.°1, alínea f) do Código de Processo Penal, posta em 
 vigor pelo artigo 7.° da Lei n.° 48/2007, de 29 de Agosto, traduz in concreto 
 uma interpretação e aplicação cujo resultado viola de modo intolerável o 
 princípio da confiança do Estado de Direito Democrático, na exacta medida em 
 que, no decurso do presente processo criminal, retira o direito de acesso ao 
 Supremo Tribunal de Justiça, que se encontrava consagrado na anterior redacção 
 para situações de crimes puníveis com pena de prisão superior a 8 anos, com que 
 o arguido contava razoavelmente». 
 
 3.º
 Parece ao ora reclamante que invocou que a norma resultante do actual artigo 
 
 400.°, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal, posta em vigor pelo artigo 
 
 7.º da Lei n.° 48/2007, de 29 de Agosto, assim aplicada no caso concreto, ou 
 seja no caso dos autos, traduz uma interpretação e aplicação cujo resultado 
 viola de modo intolerável o princípio da confiança do Estado de Direito 
 Democrático. 
 
 4.º
 Dito de outro modo: a interpretação do regime jurídico da sucessão de leis no 
 tempo, tal como aplicada no caso dos autos, importa uma inconstitucionalidade 
 normativa do actual artigo 400.°, n.° 1, alínea f) do Código de Processo Penal, 
 porque não deveria aplicar-se em processo penal nascido antes da sua entrada em 
 vigor, ou seja na vigência da anterior redacção. 
 
 5.º
 Parece ao reclamante que o Tribunal Constitucional tem entendido que a invocação 
 da chamada inconstitucionalidade incidental ou concreta se basta com a alegação 
 de que certa interpretação normativa da lei ordinária, tal como feita no caso 
 concreto, briga com norma ou princípio constitucional, rectius de certa 
 interpretação da norma constitucional. 
 
 6.º
 Logicamente que na invocação da inconstitucionalidade repressiva, incidental ou 
 concreta o recorrente terá que suscitar a questão no decurso do processo, por 
 entender que o Tribunal ordinário, aplica in casu (ainda que por omissão) a lei 
 ordinária, ou seja norma jurídica, que viola Lei Constitucional de fundo: 
 inconstitucionalidade dogmática. 
 
 7.º
 
 É consabido que no nosso sistema de controlo constitucional não há 
 inconstitucionalidades de actos ou decisões concretos, mas de normas. Todavia, a 
 questão é muito difícil de dilucidar ao nível da fiscalização da legalidade 
 concreta, pelo que muitas vezes as palavras podem enganar ou não serem bem 
 interpretadas. 
 
 8.°
 Para o ora reclamante afirmar-se que «traduz in concreto uma interpretação e 
 aplicação cujo resultado viola de modo intolerável o princípio da confiança do 
 Estado de Direito Democrático» significa, no caso, que aquele resultado 
 interpretativo traduz uma interpretação normativa do regime jurídico em causa, 
 que viola o principio superior constitucional da confiança do Estado de Direito 
 Democrático, comummente afirmado pelo Tribunal Constitucional. 
 Em conclusão: 
 A norma da nova redacção do artigo 400.º, n.° 1, alínea f) do Código de Processo 
 Penal, porque não deveria aplicar-se em processo penal nascido antes da sua 
 entrada em vigor, mas sim a congénere anterior para o recorrente, ora 
 reclamante, é inconstitucional, nos termos sobreditos. Não a decisão de 
 aplicação em si. 
 Em face do exposto, com o devido respeito pela douta decisão que venha a ser 
 tomada, entende-se que o recurso de constitucionalidade deveria ser admitido, 
 pelo que se impetra a revogação do douto despacho reclamado.»
 
  
 
  
 
 3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 apresentou resposta nos termos seguintes:
 
 «[…]
 
 1º
 A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente, já que o reclamante não 
 logrou suscitar — nem “durante o processo”, isto é, no âmbito da reclamação que 
 endereçou ao Exm.° Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nem sequer no 
 momento da interposição do recurso de fiscalização concreta — em termos 
 procedimentalmente adequados, uma questão de inconstitucionalidade normativa, 
 especificando e identificando, de forma precisa e cabal, a interpretação 
 normativa que seria objecto do recurso para o Tribunal Constitucional. 
 
 2º
 Na verdade, estando em causa um problema de sucessão de leis processuais penais 
 no tempo, tinha necessariamente o recorrente de começar por identificar, como 
 
 “base normativa” de recurso, as disposições de direito transitório, geral ou 
 especial, que suportavam a aplicação, ao caso de autos, da versão da lei nova, 
 imediatamente aplicável, no que toca à admissibilidade do recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça. 
 
 3º
 Sendo evidente que a interpretação normativa desses preceitos, feita pela 
 decisão recorrida, foi a de que a lei reguladora da admissibilidade do recurso é 
 a que vigorava no momento em que foi proferida decisão em 1ª instância sobre a 
 matéria da causa. 
 
 4º
 Era esta a interpretação normativa que ao recorrente cumpria delinear, em vez de 
 se reportar à inconstitucionalidade de certo “resultado interpretativo” da lei 
 nova — determinando o incumprimento de tal ónus a inadmissibilidade do recurso 
 interposto, como decidido na douta decisão sumária ora reclamada.»
 
  
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – Fundamentação
 
  
 
 4. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do 
 objecto do recurso com fundamento em duas razões: primeiro, na falta de 
 suscitação, no decurso do processo, pelo recorrente, de uma verdadeira questão 
 de constitucionalidade normativa; segundo, no facto de o fundamento em que se 
 baseia a decisão do acórdão recorrido não ter sido impugnado pelo recorrente.
 Na presente reclamação, o reclamante sustenta, em síntese, que, contrariamente 
 ao afirmado na decisão sumária, suscitou uma verdadeira questão de 
 inconstitucionalidade normativa, que resume do seguinte modo: «A norma da nova 
 redacção do artigo 400.º, n.° 1, alínea f) do Código de Processo Penal, porque 
 não deveria aplicar-se em processo penal nascido antes da sua entrada em vigor, 
 mas sim a congénere anterior para o recorrente, ora reclamante, é 
 inconstitucional, nos termos sobreditos.»
 Não lhe assiste razão, dado que não enunciou, no decurso do processo − tal como 
 não o faz agora − uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa. 
 Contrariamente ao que, certamente por lapso, o reclamante refere no artigo 5.º 
 da reclamação, o Tribunal Constitucional tem reiteradamente salientado que não é 
 admissível recurso de constitucionalidade quando o interessado se limitou a 
 invocar a inconstitucionalidade de uma “certa” interpretação de determinada 
 norma (ou normas), sem expressamente identificar, com um mínimo de clareza, qual 
 
 é essa interpretação ou dimensão normativa, de modo a permitir ao Tribunal 
 enunciá-la, no caso de a vir a julgar inconstitucional. 
 No caso em apreço, o reclamante impugna não uma norma ou dimensão normativa do 
 artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, mas a sua aplicação 
 ao caso concreto, “cujo resultado viola de modo intolerável o princípio da 
 confiança do Estado de Direito Democrático”, como vem expressamente alegado. Tal 
 como o recurso se nos apresenta, não é posto em causa nenhum padrão normativo, 
 enunciado em termos gerais e abstractos, retirado da norma daquele artigo, em si 
 mesma considerada, mas a própria aplicação dessa norma, em vez de outra 
 anteriormente vigente, mais favorável aos interesses do recorrente. E o critério 
 em que se baseou a aplicação de tal norma não vem impugnado pelo recorrente. 
 Além disso, mantém-se também a segunda razão de não conhecimento invocada na 
 decisão reclamada, a qual, aliás, o reclamante não contesta e que, por 
 comodidade, aqui se transcreve: 
 
 «Enquanto que o recorrente defende que o processo foi «objecto de concorrência 
 de aplicação no tempo de duas redacções do mesmo preceito do Código de Processo 
 Penal» (para sustentar a inconstitucionalidade da aplicação, ao caso, da nova 
 redacção), o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, afirma 
 expressamente que não se trata de um caso de «confluência de regimes», não lhe 
 sendo, por isso, aplicável o artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. 
 Esta conclusão resulta de se ter entendido que «a lei reguladora da 
 admissibilidade do recurso − e, por consequência, da definição do tribunal de 
 recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os 
 pressupostos processuais do próprio direito ao recurso, isto é, no momento em 
 que for primeiramente proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a 
 decisão da primeira instância».
 Ora este entendimento – a razão de ser da decisão de irrecorribilidade, na 
 medida em que retira o caso do campo de intervenção do artigo 5.º, n.º 1, do CPP 
 
 – não foi impugnado pelo recorrente, do ponto de vista da sua admissibilidade 
 constitucional.»
 
  
 Conclui-se, por isso, ser de manter, na íntegra, a decisão sumária reclamada.
 
  
 III. Decisão
 
  
 Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 25 de Março de 2009
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos