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Processo n.º 753/2013
2.ª Secção
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 595/2013:
«I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A. e B., e recorrida a Fazenda Pública, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (de ora em diante, LTC), foi interposto recurso, em 29 de julho de 2013 (fls. 359 e 360), de acórdão proferido pela Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em 12 de julho de 2013 (fls. 347 a 352), para que seja apreciada a constitucionalidade “da interpretação do Art.º 90º da Lei n.º 53-A/2006 de 29.12 que mandou aplicar a nova redação do Art.º 49º n.º 1 da L.G.T. aos prazos de prescrição em curso no sentido em que est[a] norma não viola nem o princípio da proporcionalidade nem o princípio da não retroatividade da lei fiscal e com referência à violação dos Art.ºs 103, n.º 3, Art.º 2º e Art.º 266 n.º 2 da CRP” (fls. 359 e 360).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 07 de agosto de 2013 (fls. 375), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC. Sempre que o Relator verifique que algum ou alguns deles não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Por força do artigo 79º-C da LTC, o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de questões de inconstitucionalidade normativa que tenham sido efetivamente aplicadas pelos tribunais recorridos, na mesma e exata dimensão em que os recorrentes fixaram o objeto dos seus recursos.
Ora, é por demais evidente que, apesar de o recorrente fixar como objeto do presente recurso a norma extraída do artigo 90º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro (que aprovou o Orçamento de Estado para 2007), certo é que, mediante remissão para jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a decisão recorrida antes se fundou no artigo 91º do mesmo ato legislativo. Com efeito, pode ler-se na decisão recorrida:
«Quanto à violação do princípio da retroatividade, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre essa questão no acórdão de 2011.12.14 (R. 1057/11, integralmente, disponível in wvw.dgsi.pt) em termos que subscrevemos inteiramente e de que destacamos a seguinte passagem: «Mercê da ressalva constante da sua parte final - ou seja, da inaplicabilidade da revogação do n.º 2 do artigo 49.° da LGT aos casos em que o ano de paragem por facto não imputável ao sujeito passivo se tenha concluído antes da data da entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006 -, não nos parece que o artigo 91.° da Lei n.º 53-A/2006 viole o princípio da não retroatividade da lei fiscal, pois que esta consiste na aplicação da lei nova a factos pretéritos e, sem que o período de paragem por mais de um ano se tivesse completado, o efeito jurídico prescrito pelo revogado n.º 2 do artigo 49.° da LGT não se poderia produzir (daí que tenhamos afirmado que a solução consagrada se não afasta da que sempre decorreria do disposto no n.º 2 do artigo 12.° do Código Civil).
Ora, não sendo a solução ditada pelo legislador retroativa, não se vê que tenham sido autonomamente violados, nem o recorrente fundamenta em que termos tal sucedeu, o princípio da confiança e a ideia de Estado de Direito, pois que a inércia da Administração durante um determinado período de tempo não confere qualquer expectativa a que esta inércia se mantenha até ao termo do prazo de prescrição, para que esta se complete» (fls. 351-verso)
Assim sendo, é inquestionável que a decisão recorrida não se limitou a aplicar o artigo 90º da Lei n.º 53-A/2006 – que estabelece: «É revogado o n.º 2 do artigo 49.º da LGT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro» –, antes tendo aplicado o artigo 91º do mesmo diploma, que determina os termos concretos dessa revogação, estabelecendo que:
«A revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objeto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo».
Não tendo o recorrente incluído esta última norma como objeto do presente recurso – nem tão pouco suscitado a sua inconstitucionalidade, em momento algum, perante o tribunal recorrido –, mais não resta do que concluir pela falta de identidade entre aquele e a interpretação normativa efetivamente aplicada pela decisão recorrida. Em consequência, fica este Tribunal impedido de conhecer do objeto do presente recurso.
III – Decisão
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro, na medida em que os recorrentes apenas juntaram aos autos cópia de requerimento de apoio judiciário (fls. 362 a 366), mas não de qualquer decisão administrativa de concessão do referido apoio.»
2. Inconformados com a decisão proferida, os recorrentes vieram deduzir a seguinte reclamação, cujos termos ora se sintetizam:
«1.
A questão prévia suscitada, não corresponde â questão que foi colocada em sede de recurso pelos aqui Recorrentes,
COM EFEITO,
2.
No recurso interposto para o TCAN onde se colocou a questão de apreciação da constitucionalidade, a norma invocada pelos Recorrentes foi o Art.º 90 Lei n.º 53-A/2006, e foi em relação a esta norma que a questão da constitucionalidade foi aplicada.
3.
Não obstante em sede de decisão, da qual se interpôs o recurso, o tribunal ter invocado em defesa da constitucionalidade da norma o Artº 91.º do mesmo diploma, ou seja, incorrendo em omissão de pronúncia sobre a questão concreta suscitada pelos Recorrentes, a questão de constitucionalidade que foi colocada pelos Recorrentes mantém-se a mesma, e o facto de o tribunal, na apreciação da conformidade constitucional ter invocado o regime do Art.º 91 da mesma lei, tal invocação apenas teve lugar como forma de justificação da constitucionalidade da norma visada pelos Recorrentes, ou seja,
4.
Não citando diretamente a norma colocada em crise pelos Recorrentes, justificou o tribunal o juízo de constitucionalidade com recurso à norma do Art.º 91.º, não obstante manterem os Recorrentes a identidade da questão.
5.
Afigura-se assim que, por via da omissão de pronúncia ocorrida, a decisão do tribunal recorrido não afasta a identidade da questão tal como colocada pelos Recorrentes, e como tal, afigura-se que não ocorre o impedimento do conhecimento do objeto do recurso.» (fls. 360 a 364)
3. Notificada para o efeito, a recorrida apresentou a seguinte resposta:
«1.
A decisão sumária de 22 de outubro último entendeu que o recorrente fixou como objeto do recurso a norma extraída do art.90.º da Lei.53-A/2006, de 29 de dezembro.
2.
E que essa norma não constituiu o suporte legal da decisão recorrida, que se sustentou apenas no art.91.º do aludido diploma.
3.
Vem agora a recorrente reclamar da dita decisão sumária com o argumento de que a questão concreta que colocou ao tribunal se prendia com a inconstitucionalidade do art.90.º e não do art.91.° da Lei.53-A/2006, de 29 de dezembro.
4.
E que o TCAN omitiu pronúncia sobre a concreta questão que lhe foi colocada, o que não prejudica o conhecimento do objeto do recurso.
5.
Ora é óbvio que assim não é.
6.
Se o TCAN não se pronunciou sobre a questão de inconstitucionalidade colocada pelos Recorrentes e apreciou uma questão a latere, não pode o TC conhecer o recurso.
7.
Com efeito, o recurso interposto ao abrigo do art.70.º,1 b) do LTC visa avaliar da constitucionalidade da interpretação normativa feita pelo tribunal recorrido.
8.
Ora, no caso, essa apreciação é impossível porque o tribunal recorrido não efetuou qualquer interpretação ou aplicação do art. 90.º da Lei.53-A/2006, de 29 de dezembro.
9.
Pelo exposto, a presente reclamação só pode ser indeferida com as legais consequências.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Ao contrário do sustentado pelos ora reclamantes, a decisão proferida pelo tribunal recorrido não omitiu qualquer pronúncia sobre o artigo 90º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro – omissão essa que, aliás, não cabia (nem cabe) ao Tribunal Constitucional sindicar –, antes tendo levado a cabo um juízo interpretativo que conclui que aquele preceito legal se limita a revogar o n.º 2 do artigo 49º da Lei Geral Tributária (LGT), mas sem que fixe os termos concretos dessa revogação. Assim sendo, a decisão recorrida aplicou antes o artigo 91º da Lei n.º 53-A/2006, como verdadeira “ratio decidendi” do juízo proferido, pelo que se mantém integralmente o fundamento de não conhecimento do objeto do recurso interposto.
III - DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de custas judiciais, de que beneficiam os recorrentes.
Lisboa, 9 de janeiro de 2014. – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.