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Processo n.º 450/2013
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por acórdão depositado em 18 de janeiro de 2013, foi o arguido A., ora recorrente, condenado pelo tribunal de primeira instância na pena de 4 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, pela prática de um crime de tráfico e mediação de arma, previsto e punível pelos artigos 87.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
A requerimento do Ministério Público, o tribunal prorrogou, por dez dias, o prazo de 20 dias para interposição do recurso, previsto nos nºs. 1 e 3 do artigo 411.º do Código de Processo Penal (CPP), nos termos do artigo 107.º, n.º 6, do mesmo Código, atenta a especial complexidade do processo, antes declarada nos autos.
O arguido, ora recorrente, interpôs da decisão condenatória recurso para o Tribunal da Relação do Porto, tendo por objeto a reapreciação da prova gravada, em 1 de março de 2013.
O tribunal a quo rejeitou o recurso, por intempestivo, considerando que o prazo máximo de recurso, em processo penal, é de 30 dias, pelo que não podia o arguido beneficiar de mais 10 dias para o efeito de interposição do recurso que tem por objeto a reapreciação da prova gravada e cujo prazo geral a lei já fixa em 30 dias.
O arguido reclamou da decisão de rejeição do recurso, ao abrigo do artigo 405.º do CPP, suscitando a questão da inconstitucionalidade do artigo 107.º, n.º 6, do CPP, interpretado no sentido de que se ‘limita a permitir a prorrogação do prazo de recurso de 20 para 30 dias e que, mesmo havendo impugnação da matéria de facto, o prazo não pode exceder os 30 dias’, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, e 202.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A reclamação foi, porém, indeferida, por decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto de 29 de abril de 2013, que julgou não verificada a arguida inconstitucionalidade. Desta decisão interpôs o arguido recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) – que foi admitido pelo tribunal recorrido –, a fim de ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 107.º, n.º 6, do CPP, na referida interpretação, por violação do princípio da segurança jurídica e da tutela da confiança consagrados no artigo 2.º da CRP e do princípio das garantias de defesa consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, e 202.º da CRP.
Os autos prosseguiram para alegações, tendo o recorrente concluído da forma seguinte:
1ª - No âmbito do Processo n° 431/1O.8GAPRD, foi proferido Acórdão em Primeira Instância, em 14 de janeiro de 2013, tendo o mesmo sido depositado em 18 de janeiro de 2013.
2ª - Nos termos desse Acórdão, foi o Recorrente condenado na pena de 4 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova, pela prática do crime de tráfico e mediação de arma, previsto e punido pelo artigo 87°, n° 1 e 2, alínea b), da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro.
3ª - Ora, entendeu o Recorrente que, pelo menos no que 1he diz respeito, o processo-crime foi incorretamente julgado, quer quanto à matéria de facto quer no que respeita ao direito aplicável.
4ª - Não se conformando com a decisão expressa no Acórdão, dele veio interpor Recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
5ª - Conforme consta dos autos, havia sido reconhecida a especial complexidade do processo.
6ª - Com base neste facto, o Ministério Público requereu a prorrogação do prazo para interposição de recurso.
7ª - Por despacho datado de 5 de fevereiro de 2013, foi deferida essa prorrogação de prazo, por mais 10 dias.
8ª - Por força da aplicação do Princípio de Igualdade, constitucionalmente consagrado, esta prorrogação de prazo, naturalmente, aproveita aos restantes sujeitos processuais.
9ª - O recurso apresentado pelo aqui Recorrente teve como objeto a reapreciação da matéria gravada, para além da matéria de direito, tendo dado entrada na Secção Central do Tribunal da Comarca de Penafiel no dia 1 de março de 2013, ou seja, no primeiro dia após decurso do prazo (30 + 10 dias), nos termos do art. 145°, n.ºs 5 a 7 do Código de Processo Civil. Foi paga a multa devida.
10ª O Recorrente foi notificado em 7 de fevereiro de 20 13 do despacho de não admissão do recurso, a1icerçando-se a fundamentação da não admissão na sua alegada intempestividade.
11ª - Desse despacho, apresentou reclamação dirigida ao Juiz Presidente do Tribunal da Relação do Porto, que veio a confirmar a decisão e interpretação normativa do Tribunal de Primeira Instância.
12ª - Em 3 de maio de 2013, foi proferida pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto decisão que manteve a não admissão do recurso por extemporâneo, por entender que o prazo de recurso nunca poderia exceder os 30 dias.
13ª - Entendeu o Venerando Tribunal que independentemente de ter havido ou não impugnação da matéria de facto o prazo máximo de recurso, no nosso ordenamento jurídico, nunca poderia exceder os 30 dias.
14ª - Ou seja, que o art.° 107.° n.° 6 do CPP se limita a permitir a prorrogação do prazo de recurso de 20 para 30 dias e que mesmo havendo reapreciação da matéria de facto o prazo de recurso não pode exceder os 30 dias (pensemos então no seguinte, se ao invés de um prazo de 1O dias tivesse sido concedida pela Primeira Instância uma prorrogação de prazo de 30 dias como dispõe c1aramente o artigo supra identificado, ficaríamos nesta situação - processo de simples recurso da matéria de facto 30 dias, processo de especial complexidade em que é prorrogado o prazo por 30 dias, teria igualmente o mesmo prazo).
15ª - No nosso entendimento, e salvo melhor opinião, esse entendimento é ilegal e inconstitucional! Entendimento esse que esperamos ver reformulado por V. Exas., uma vez que, atendendo às normas legais, e ao direito constituciona1 do arguido de recorrer, nenhuma outra conclusão se pode retirar, se não a ora defendida.
16ª - É sobejamente sabido que este preceito legal deve ser entendido como um acréscimo de prazo. Neste mesmo sentido tem decidido os nossos Tribunais vd. Ac. Trib. da Relação do Porto de 7/7/2010, no Proc. 736/03.4 TOPRT.P1, As alterações introduzidas pela lei n.° 48/2007 de 29/08, mormente ao disposto nos artigos 107.°, n.º 6 e 411.° do CPP, traduzem uma opção deliberada do legislador no sentido de admitir a possibilidade de prorrogação do prazo previsto nos n.°s 1 e 3 do art. 411.° do CPP, em procedimentos que se revelem de especial complexidade (havendo prorrogação, o prazo e interposição de recurso pode, em abstrato, chegar ao máximo de 20 + 30 = 50 dias), o que não exclui as situações em que o recurso tem igualmente por objeto a reapreciação da prova gravada.
17ª - O que se tem entendido, designadamente ao nível da jurisprudência do Tribunal Constituciona1 é que o legislador não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.
18ª - Porém, no que concerne ao arguido em processo penal e de modo a assegurar-lhe uma plena garantia de defesa, como se encontra consagrado, a partir da Lei Constitucional de 1/97, de 20 /Set., no art. 32.°, n.° 1, parte final, deve-se-lhe garantir um efetivo direito ao recurso, mormente quando está em causa a sua condenação numa reação penal.
19ª - Aliás, a CEDH, no seu Protocolo n.° 7, mediante o seu art. 2.°, n.º 1 veio estabelecer o comando geral que qualquer pessoa declarada culpada de uma infração penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a sua declaração de culpabilidade ou condenação.
20ª - É exatamente o que está a suceder no presente caso, um indivíduo foi condenado a 4 anos e 2 meses de prisão (suspensos por igual período de tempo) pela Primeira Instância e por razões adjetivas/processuais (descabidas de previsão legal), está a ver o seu direito de recurso coartado, impedindo-se desta forma, que tal Decisão seja examinada por um Tribunal Superior.
21ª - Por isso e em sede interpretativa do citado art. 107°, n.º 6, e 411º, n.°s 1 e 3, afigure-se-nos que está vedado um entendimento ou interpretação mediante o qual se fixem preceitos tão restritivos que na prática, suprimem esse direito de recurso, quando essa faculdade está legalmente prevista, mormente quando se pretende assegura de modo pleno as garantias de defesa do arguido.
22ª - Em qualquer caso, ao não admitir-se o recurso com fundamento na sua extemporaneidade estar-se-á a violar o disposto no artigo 6° b) na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
23ª - Ao decidir-se de outra forma está-se a fazer uma ilegal e inconstituciona1 interpretação do art.° 107.° n.° 6, conjugada com o art.° 411.° n.°s 1, 3 e 4 ambos do CPP, por violação dos art.°s 203.°, 20.° n.° 1 e 32.° n.° 1 da CRP e art.° 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, entendimento que por certo será alterado por V. Exas..
24ª - Ou seja, o que está em causa no presente caso é o entendimento que é dado na Decisão do Tribuna1 da Relação do Porto, que confirma o despacho da Primeira Instância, em que é dito que no estádio atual do ordenamento jurídico nacional, o prazo máximo de recurso de qualquer decisão judicial nunca poderá exceder 30 (trinta) dias, como claramente resulta da dimensão normativa decorrente dos arts. 411ºn.°s 1, 3 e 4, e 107°, n° 6 do Código de Processo Penal, já que este último inciso (n° 6 do art. 107°) apenas excecionalmente — quando o procedimento se revelar de excecional complexidade permite a prorrogação até àquele limite de 30 (trinta) dias dos prazos de 20 (vinte) dias prevenidos os n.°s 1 e 3 do citado art. 411ºnenhuma outra modificação consentindo quanto ao especial, da mesma ordem de grandeza — 30 (trinta) dias, já excecionalmente prolongado, atinente a recursos cujo objeto consista na impugnação do julgado factual, fundada em específico conteúdo probatório que se encontre gravado, em estrita conformidade com a disciplina jurídico-processua1 postu1ada pelos n.ºs1, 3 e 4, do C. P. Penal.
25ª - Ora, esse entendimento, como já tivemos oportunidade de defender não é compatível com o direito constitucional ao recurso, plasmado no art.° 32.° n.º 1 da CRP.
26ª - Aliás, neste sentido, vem a recente e última alteração ao Código do Processo Penal extinguir o prazo de 20 (vinte) dias para interposição de recurso, plasmando-se, à seme1hança do existente em Processo Civil, o prazo (único) de 30 (trinta) dias sem prejuízo das prorrogações que vierem a ter lugar por despacho, nomeadamente as devidas à elevada complexidade dos processos.
27ª - Quis assim o Legislador por fim à crise interpretativa do art. 411° do Código do Processo Penal, optando por uma solução em tudo correspondente com a que aqui defendemos, ou seja, acabou com a dúvida relativamente ao prazo, independentemente de ter por objeto a matéria gravada, mas não extinguiu a possibilidade do prazo ser prorrogado por despacho devido à elevada complexidade dos autos.
28ª - Assim, o que se pede aqui, é que a Decisão de Primeira Instância que condenou o ora recorrente a 4 anos e 2 meses de prisão seja apreciada por um Tribunal Superior, num primeiro grau de recurso.
29ª – O ora Recorrente interpôs recurso do Acórdão de 1ª Instância dentro do prazo legal. A interpretação que é dada ao art.° 107.° n.º 6 do CPP, conjugada com a norma do art.° 411° n.° 3 e 4 do CPP, e que serve de fundamento para se considerar o recurso extemporâneo, é inconstitucional por violação do art.° 32.° n.° 1, 20.° e 202.°, todos da CRP.
30ª - É certo que o direito ao recurso só pode ser cabalmente exercido uma vez verificados e cumpridos todos os pressupostos e condições de que depende (nomeadamente, prazo de interposição).
31ª - Contudo, também é certo que tais pressupostos e requisitos foram cabalmente respeitados pelo ora Recorrente, tendo sempre por base a confiança na tutela jurisdicional e nas Decisões dos nossos Tribunais, mormente no Despacho da 1a Instância que prorrogou o prazo de recurso.
32ª - Por isso, e em sede interpretativa do citado art. 107.°, n° 6 e 411º, n.° 1 e 3, todos do Código de Processo penal, afigura-se-nos que está vedado um entendimento ou interpretação mediante o qual se fixem preceitos tão restritivos que, na prática, suprimem esse direito de recurso, quando essa faculdade está legalmente prevista, mormente quando se pretende assegurar de modo pleno as garantias de defesa do arguido.
33ª - O recurso é um instrumento de impugnação de Decisões Judiciais colocado à disposição de vários sujeitos processuais, através do qual lhes é dada a oportunidade de submeterem uma Decisão Judicial à apreciação de uma Instância Judicial Superior, em ordem à sua correção. Nessa medida, o direito ao recurso constitui natura1mente uma garantia de defesa do arguido.
34ª - A Jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.
35ª - Essa é, seguramente, uma das razões pelas quais, no âmbito dos recursos em processo penal, o Tribunal Constituciona1 é sobretudo chamado a pronunciar- se sobre a constitucionalidade de normas que colidam com o direito ao recurso do arguido.
36ª - O Tribunal Constitucional tem Jurisprudência consolidada no sentido de que no n.° 1 do artigo 32.° da Constituição se consagra o direito ao recurso em processo penal, como uma das mas relevantes garantias de defesa do arguido.
O Ministério Público contra-alegou, defendendo, a título de questão prévia, que o objeto do recurso deve ser apreciado exclusivamente à luz das garantias de defesa do arguido, nomeadamente o direito ao recurso (artigos 32.º, n.º 1, 20.º e 202.º da CRP), e não também à luz do princípio da segurança e da tutela da confiança consagrado no artigo 2.º da CRP, como pretende o recorrente, por não ter sido especificamente invocado perante o tribunal recorrido como fundamento da arguida inconstitucionalidade. Conclui, a final, pela improcedência do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Defende o recorrente, nas suas alegações, que o artigo 107.º, n.º 6, do CPP, interpretado no sentido de que se limita a permitir a prorrogação do prazo de recurso de 20 para 30 dias e que, mesmo havendo impugnação da matéria de facto, o prazo não pode exceder os 30 dias, viola os artigos 32.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, e 202.º da Constituição. Centra, contudo, toda a sua argumentação no facto de a norma sindicada ofender o direito ao recurso que a Constituição expressamente reconhece ao arguido, na primeira das invocadas normas constitucionais, nada aduzindo quanto aos restantes preceitos constitucionais que possa valer autonomamente como razão determinante do requerido juízo de inconstitucionalidade. Analisar-se-á, pois, o objeto do recurso à luz das garantias de defesa do arguido, em particular no tocante ao direito ao recurso, que o artigo 32.º, n.º 1, da CRP consagra.
Dispõe o n.º 6 do artigo 107.º do CPP, que constitui a fonte legal da interpretação sindicada, o seguinte:
Artigo 107.º
(Renúncia ao decurso e prática de ato fora do prazo)
1. (…)
2. (…)
3. (…)
4. (…)
5. (…)
6. Quando o procedimento se revelar de excecional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º, o juiz, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do arguido ou das partes civis, pode prorrogar os prazos previstos nos artigos 78.º, 287.º e 315.º e nos nºs. 1 e 3 do artigo 411.º, até ao limite máximo de 30 dias.
Dispõe, por seu lado, o artigo 411.º, para que remete o transcrito n.º 6 do artigo 107.º do CPP, na redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, ora em apreciação, no segmento normativo relevante, o seguinte:
Artigo 411.º
(Interposição e notificação do recurso)
1. O prazo para interposição do recurso é de 20 dias (…).
2. (…)
3. O requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso, podendo a motivação, no caso de recurso interposto por declaração na ata, ser apresentada no prazo de 20 dias, contado da data da interposição.
4. Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, os prazos estabelecidos nos nºs. 1 e 3 são elevados para 30 dias.
5. (…)
6. (…)
7. (…)
A declaração judicial de especial complexidade do procedimento criminal, que constitui o culminar de um incidente processual desencadeado para esse efeito, oficiosamente ou por requerimento do Ministério Público, mediante prévio contraditório, tem por base o reconhecimento de que os autos revelam excecional complexidade devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao caráter altamente organizado do crime (artigo 215.º, nºs. 3 e 4, do CPP), o que naturalmente se projeta nas diferentes fases processuais do procedimento criminal, sendo maior o tempo previsivelmente necessário para o inquérito, a instrução e o julgamento. Por isso, o artigo 215.º do CPP, logo na sua versão original, previu, como consequência imediata do reconhecimento judicial desse excecional grau de complexidade, para determinada categoria de crimes, a elevação dos prazos máximos de prisão preventiva, nas diferentes fases do processo penal.
Paralelamente, com a reforma efetuada pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, reconheceu-se ao arguido, no que agora releva, a possibilidade de ver prorrogados os prazos para contestar o pedido cível, requerer a abertura de instrução e apresentar contestação em julgamento (artigo 107.º, n.º 5, do CPP, na redação introduzida pelo citado diploma legal). Procurou-se, segundo propósito expresso na exposição de motivos da proposta de lei n.º 157/VII, que deu origem à citada Lei n.º 59/98, «uma melhor efetivação, no processo, do princípio da igualdade de armas», de modo a que «a maior tempo para a perseguição criminal corresponda equitativamente maior tempo para a defesa».
Entretanto, com a alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, a possibilidade de prorrogação do prazo com base em excecional complexidade do processo, a requerimento do interessado, estendeu-se ao recurso interposto nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 411º, abrangendo os casos em que o recurso tenha por objeto apenas matéria de direito ou prova meramente documental (artigo 107º, n.º 6), passando a prever-se concomitantemente uma forma de prorrogação por determinação da lei quando o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada (artigo 411º, n.º 4). Em qualquer caso, o prazo não pode exceder os 30 dias, ou porque é esse o prazo expressamente previsto, como decorre do n.º 4 do artigo 411º, ou porque é esse o limite até o qual o prazo pode ser prorrogado, como explicita o n.º 6 do artigo 107º.
3. Com referência ao caso concreto, entende o recorrente que, tendo sido proferido despacho a prorrogar, por 10 dias, o prazo geral de 20 dias para interposição do recurso, em razão da especial complexidade do processo, a pedido do Ministério Público, necessariamente deve beneficiar da correspondente prorrogação de prazo para interpor recurso que tenha por objeto a reapreciação da prova gravada – sendo nesse pressuposto que interpôs recurso da decisão condenatória no momento em que o fez –, sob pena de violação do seu direito de ver reapreciada, pelo menos num grau de recurso, a decisão condenatória contra si proferida.
Não se afigura, contudo, que o direito ao recurso, que a Constituição expressamente reconhece ao arguido em processo penal (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), possa integrar, no seu âmbito de proteção constitucional, o invocado direito à prorrogação do prazo de recurso para reapreciação da matéria de prova, que a lei fixa em 30 dias, mesmo em processos que assumam especial complexidade.
Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, ao legislador assiste uma ampla margem de autonomia na conformação da matéria atinente aos recursos, designadamente na definição das condições processuais de que depende a sua interposição (cf., entre outros, Acórdãos nºs. 191/03, 381/06, 215/07, 485/08 e 614/12). Ponto é que as condições processuais do exercício do direito ao recurso não comprometam, por desnecessárias ou desproporcionadas, o seu conteúdo essencial (artigo 18.º, n.º 2, da CRP). É, pois, sob este preciso ângulo que se deve analisar o presente recurso, procurando determinar se a fixação de um prazo máximo de 30 dias, insuscetível de prorrogação, para interpor recurso da decisão condenatória, ainda que tenha por objeto a reapreciação da prova gravada, inviabiliza, por exíguo, o efetivo exercício do direito ao recurso em processos especialmente complexos.
A Constituição enuncia os princípios fundamentais por que se deve estruturar o processo penal, impondo ao legislador a adoção de meios que, por um lado, permitam o julgamento do arguido «no mais curto prazo» (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), e, por outro, lhe assegurem «todas as garantias de defesa», incluindo o recurso (artigo 32.º, n.º 1, da mesma Lei Fundamental). O processo penal, na conceção matricial do poder constituinte, deve, pois, garantir a realização rápida e eficaz dos fins de responsabilização criminal a que está preordenado mas por meios que assegurem ao arguido «todas as garantias de defesa» (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), sendo, pois, ilegítimas, por inconstitucionais, todas as soluções adjetivas que, embora justificadas por tais propósitos de celeridade e eficácia, sejam incompatíveis com o exercício do direito de defesa que a lei fundamental expressamente reconhece ao arguido, por não viabilizarem, de modo efetivo, a possibilidade de este preparar de forma ponderada e eficaz a sua defesa.
Por isso se julgaram já inconstitucionais normas processuais que sujeitavam o exercício de direitos e faculdades processuais, por parte do arguido, a prazos que, por exíguos, não permitiam que este organizasse convenientemente a sua defesa, considerando-se como tal o prazo de cinco dias que o artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redação anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 317/95, de 27 de novembro, concedia ao arguido para requerer a abertura de instrução (cf. Acórdão n.º 406/98 e, pronunciando-se sobre norma homóloga constante do Código de Processo Penal de 1929, Acórdão n.º 41/96); o prazo de três dias para arguir irregularidades contados da notificação da acusação, em processos de especial complexidade e grande dimensão (Acórdão n.º 42/2007); o prazo de 5 dias para interposição de recurso de sentença no processo criminal militar (cf. Acórdãos nºs. 34/96 e 611/96). Em contraponto, foram julgados como conformes com o referido parâmetro constitucional o prazo para interposição do recurso da sentença e o prazo para alegações nos recursos interpostos de acórdãos do Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, em processos por crimes de imprensa, fixado em metade do prazo geral previsto no CPP (Acórdãos nºs. 186/92 e 353/95), não se julgando, do mesmo modo, inconstitucional a inaplicabilidade no processo penal da extensão do prazo para interposição do recurso que impugne a decisão sobre a matéria facto nos termos do artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, por se considerar que o prazo de 15 dias concedido para recorrer e motivar o recurso, que implique transcrição da prova gravada, no âmbito de um processo que se deve pautar por padrões de celeridade e eficácia, como é o processo penal, é suficiente para expor e desenvolver as razões de discordância em relação ao julgamento da matéria de facto (Acórdãos nºs. 239/2002 e 542/2004).
4. No caso vertente, está em causa prazo de interposição do recurso da decisão sobre matéria de facto que o legislador, sem que isso configurasse uma exigência constitucional, optou por elevar para 30 dias (artigo 411.º, n.º 4, do CPP, na redação aplicável), reconhecendo que o recurso da decisão que tenha por objeto a reapreciação da prova gravada implica maior esforço de análise e alegação. A disposição configura uma prorrogação ope legis do prazo geral de recurso (que a lei fixa em 20 dias), por ponderação das especificidades do respetivo objeto e da necessidade de assegurar ao arguido, em face delas, as condições de tempo necessárias ao efetivo exercício do direito de ver reapreciada por uma instância superior a sentença condenatória quando o recurso tenha incidência sobre a prova produzida.
Ao contrário, a prorrogação do prazo de recurso até ao limite máximo de 30 dias, nos termos do artigo 106º, n.º 7, em virtude da excecional complexidade do processo, é determinada por despacho judicial e depende de requerimento do Ministério Público, do assistente, do arguido ou das partes civis. Neste caso, o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias não é automático e está antes sujeito ao princípio do pedido (cf., no sentido da não inconstitucionalidade dessa exigência processual, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 614/2012), o que significa que cabe ao juiz verificar, em cada caso, se a especial complexidade do processo, nomeadamente, por virtude do número de arguidos ou de ofendidos ou do caráter altamente organizado do crime (artigo 215º, n.º 3, do CPP) cria dificuldades acrescidas para a posição dos sujeitos processuais tornando justificável a ampliação do prazo de recurso.
Estamos assim perante dois diferentes mecanismos de prorrogação do prazo do recurso, que não se complementam, e que poderão beneficiar diferentes sujeitos processuais.
Em face do regime legal, nenhuma razão de constitucionalidade fundada nas garantias de defesa do arguido e no direito do recurso justifica que a prorrogação do prazo com base na especial complexidade do processo, por iniciativa de uma das partes, se deva projetar automaticamente na ampliação do prazo de recurso que se destine à reapreciação da prova gravada, quando este prazo foi já especialmente prorrogado, por efeito da lei, em razão do objeto do recurso.
Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão condenatória através da reapreciação da prova gravada dispõe já de um prazo suficientemente lato, que corresponde ao prazo máximo admissível; e não é o facto de um outro interveniente ter requerido, no interesse próprio, a ampliação do prazo geral de recurso com base num outro fundamento, que poderá provocar um agravamento da posição processual daquele outro recorrente, em termos de o prazo legalmente definido e já ampliado deixar de oferecer as suficientes garantias de defesa.
Basta notar que a prorrogação do prazo até ao limite de 30 dias, nos termos do artigo 107º, n.º 6, do CPP, poderia igualmente ter sido requerida pelo arguido, para efeito de elaborar a motivação do recurso em matéria de direito, sem que isso implicasse uma ampliação do prazo a que se refere o n.º 4 do artigo 411º, que está já fixado em 30 dias. E, inversamente, o Ministério Público poderia não ter requerido a prorrogação do prazo por especial complexidade, caso em que o arguido continuaria a dispor do mesmo prazo de 30 dias para interpor recurso que tenha por objeto a reapreciação da prova.
Não é, portanto, por efeito do exercício de um direito processual que a lei faculta a qualquer das partes, e que não interfere no exercício do direito ao recurso pelo lado do arguido, que este passa a ver diminuídas as garantias de defesa em sede de recurso.
Nem se coloca aqui um problema de violação do princípio da igualdade de armas. Por efeito da ampliação do prazo de recurso em matéria de direito com base na especial complexidade do processo, o Ministério Público passa a beneficiar de um prazo igual àquele que era já aplicado ao recurso interposto pelo arguido nos termos do artigo 411º, n.º 4, do CPP, pelo que o regime legal não confere uma vantagem processual em relação apenas a um dos sujeitos processuais. O que sucede é que o sistema, para efeito da dilação do prazo de recurso, equipara as situações de especial complexidade do processo e de reapreciação da matéria de prova, admitindo que o limite máximo de 30 dias possa ser utilizado com qualquer desses fundamentos, independentemente do sujeito processual que, em cada caso, pretenda exercer o direito de recurso.
5. Note-se que a Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, através da nova redação dada ao artigo 411º do CPP, alargou o prazo geral de recurso para 30 dias, revogou a norma do n.º 4 desse artigo (que estabelecia o prazo especial de 30 dias para impugnação com base em reapreciação da prova) e retirou o efeito prático ao disposto no n.º 6 do artigo 107º do CPP, na parte em que se refere à ampliação prazo do recurso até ao limite de 30 dias em caso de especial complexidade do processo. O que significa que o legislador uniformizou o prazo de recurso, passando a estipular um prazo máximo que se aplica inclusivamente àquelas situações que, no regime anterior, justificavam uma especial regime de prorrogação.
Esta opção legislativa evidencia que o prazo de 30 dias é já um prazo suficientemente amplo que permite o exercício do direito de recurso mesmo naquelas situações em que poderão surgir dificuldades acrescidas na preparação e elaboração da peça processual. E exclui qualquer sentido interpretativo que, no domínio da lei anterior, permitisse o alargamento do prazo para além de 30 dias ou a possibilidade de cumulação de prorrogações de prazo.
O critério legal resultante da redação dada ao artigo 411º do CPP está subjacente à interpretação normativa agora em apreciação, pela qual o prazo de recurso, com as suas prorrogações, não pode exceder o limite de 30 dias. Daí que, contrariamente ao que defende o recorrente (conclusões 26ª e 27ª), se não possa extrair do novo direito constituído qualquer argumento no sentido favorável à posição processual que é expressa no presente recurso.
Como se impõe concluir, o prazo legal para recorrer da decisão condenatória, que, na interpretação sindicada, não pode ultrapassar os 30 dias, mesmo em processos especialmente complexos, constituindo uma condição processual necessária e adequada à realização dos valores de celeridade e eficácia que devem modelar, por exigência constitucional, a conformação legal do processo penal, não compromete, por ser já suficientemente alargado, a possibilidade prática e efetiva de o arguido se defender de uma decisão condenatória que, na sua perspetiva, assenta num errado julgamento da matéria de facto.
Se o arguido, ora recorrente, tivesse observado essa condição processual, que não é, pelas enunciadas razões, excessivamente onerosa para a defesa, teria visto o recurso admitido. Não o tendo feito, não pode procedentemente invocar como fundamento do reclamado juízo de inconstitucionalidade a impossibilidade de ver reapreciada, pelo menos num grau de recurso, a decisão que o condenou pela prática de um crime, o que constitui efeito justificadamente preclusivo da inobservância de um prazo processual que o arguido, ora recorrente, podia e devia observar.
O recurso não pode, por isso, proceder.
6. Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 107.º, n.º 6, do CPP, interpretado no sentido de que se limita a permitir a prorrogação do prazo de recurso de 20 para 30 dias e que, mesmo havendo impugnação da matéria de facto, o prazo não pode exceder os 30 dias;
b) Negar, em consequência, provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.
Lisboa, 26 de fevereiro de 2014. – Carlos Fernandes Cadilha – Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.