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Processo n.º 25/14
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., recorrente nos presentes autos, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora que deferiu o pedido de extradição contra si apresentado pela República Federativa do Brasil.
Por acórdão de 30 de outubro de 2013, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso.
Requerida aclaração daquele acórdão, viria a mesma a ser indeferida por acórdão de 27 de novembro de 2013 do mesmo tribunal. Na sequência recorreu para o Tribunal Constitucional.
2. O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
Em sede de exame preliminar foi proferida decisão a rejeitar o conhecimento do objeto do recurso, com a seguinte fundamentação:
“2. O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, sendo ainda indispensável que a norma cuja inconstitucionalidade se requer tenha constituído o fundamento normativo da decisão recorrida. Para além da exigência de objeto normativo, este tribunal tem entendido serem ainda requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a suscitação prévia da questão da constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, e artigo 72.º, n.º 2, da LTC) além do esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC).
3. Antes do mais cumpre assinalar que o requerimento de interposição de recurso, além de conter alegações – apresentadas em momento manifestamente extemporâneo face ao disposto no artigo 79.º da LTC -, não cumpre o disposto no artigo 75.º da LTC, uma vez que não indica a norma cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada (n.º 1), nem a peça processual em que suscitou a questão de inconstitucionalidade (n.º 2). A prolação do despacho-convite a que alude o artigo 75.º-A, n.º 5 e 6 da LTC, configuraria, todavia, no presente caso, a prática de ato inútil, já que, para além das deficiências apontadas, o presente recurso padece sempre de vício, que, por traduzir falta de pressuposto de conhecimento do recurso de constitucionalidade, nunca poderia ser suprido por via do aperfeiçoamento previsto na citada disposição legal, comprometendo definitivamente o seu prosseguimento.
4. Com efeito, da leitura das alegações de recurso apresentadas no tribunal recorrido (cfr. fls. 279 a 287) decorre à evidência, que o recorrente não suscitou, de forma adequada, qualquer questão de constitucionalidade normativa perante aquele tribunal.
Para que ocorra uma suscitação processualmente adequada da questão da inconstitucionalidade é necessária a sua enunciação, de forma clara, expressa, direta e percetível, bem como a sua fundamentação, em termos minimamente concludentes, de forma a permitir que o tribunal recorrido se pronuncie sobre a questão de inconstitucionalidade levantada. Ora, em vão se procurará encontrar, nas alegações produzidas perante o tribunal recorrido, a invocação de qualquer inconstitucionalidade normativa. O que o recorrente fez naquele recurso foi impugnar o próprio teor da decisão ali recorrida (decisão do Tribunal da Relação) com o qual não se conformou, considerando que, ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido fez uma errada aplicação do direito infraconstitucional, em violação, desde logo, de preceitos da Lei n.º 144/99 e do Código Penal.
Não se cumprindo os requisitos legais para a admissão do recurso acima identificados, resta, então, decidir em conformidade.”
3. Não concordando com aquela decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, sustentando a reclamação essencialmente nos seguintes fundamentos:
“O Arguido interpôs recurso ao abrigo do disposto no Artº 70º, nº 1 alínea b) da LCTP, da douta sentença do Supremo Tribunal de Justiça, onde não concedeu provimento ao recurso da douta decisão do Tribunal da Relação de Évora que autorizou a extradição do Recorrente para o Brasil, a fim de aí cumprir a parte da pena de 10 anos de prisão que lhe falta cumprir.
Em suma o Arguido alega que a extradição para o Brasil, implicará, forçosamente, a dissolução da família, com graves consequências para ambos, já que a esposa, ficando sozinha e desempregada, não pode prover as suas necessidades, violando de forma grosseira o direito à família contemplado o Artº 67º da CRP.
Na douta decisão invoca-se que das alegações de recurso, o Recorrente não suscitou, de forma adequada, qualquer questão de constitucionalidade normativa perante aquele Tribunal.
Invoca ainda que para que ocorra uma suscitação processualmente adequada da questão da inconstitucionalidade é necessária a sua enunciação, de forma clara, expressa, direta e percetível, bem como a sua fundamentação, em termos minimamente concludentes, de forma a permitir que o tribunal recorrido se pronuncie sobre a questão de inconstitucionalidade levantada.
Salvo melhor opinião, entendemos que assim não acontece.
Na verdade o Recorrente sustenta que o Artº 18º, nº 2 da Lei 144/99, de 31 de Agosto, na interpretação sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, fere os Artº 36º e 67º, nº 1 da CRP.
O Arguido nas conclusões apresentadas no recurso para este douto Tribunal alega que não pretende furtar-se ao cumprimento da pena que falta cumprir, porque quer fazê-lo em território nacional em benefício da família e da sua socialização.
A família como base da sociedade beneficia de especial proteção do Estado. Nos termos do Artº 67º da CRP a família, como elemento fundamental da sociedade tem direito à proteção da sociedade e do Estado.
Como o Supremo Tribunal de Justiça decidiu em sentido contrário, foram violados os princípios e as garantias de proteção da família, constitucionalmente consagradas nas disposições conjugadas nos Artº 30º e 67º, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Do teor de anteriores decisões deste Supremo Tribunal, tem sido aceite que a questão da inconstitucionalidade tanto pode respeitar a uma norma, a uma dimensão parcelar, como também à interpretação ou sentido em que ela foi tomada no caso concreto e aplicado na decisão recorrida - Cf. por exemplo Acordãos 683/99, 156/00 e 219/00.
É o que acontece no caso em concreto.
O recorrente em momento anterior e “durante o processo”, como impõe a alínea b) do nº 1 do Artº 70º, da Lei 28/82, suscitou a inconstitucionalidade na interpretação e aplicação do Artº 18º, nº 2 da Lei 144/99, de 31 de Agosto.”
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público respondeu, concluindo pela improcedência da mesma.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Nos presentes autos foi proferida decisão sumária, em sede de apreciação liminar, que rejeitou o conhecimento do objeto do recurso com fundamento em falta de suscitação prévia e adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Com efeito, para que o Tribunal Constitucional conheça de um pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade é necessário que em fase anterior à do requerimento de recurso para este Tribunal, no decurso do processo, o recorrente tenha identificado expressamente a questão de inconstitucionalidade normativa, de forma expressa, direta e clara de modo a criar para o tribunal a quo o dever de pronúncia sobre a matéria em causa.
6. Na reclamação ora apresentada o recorrente nada alega que permita infirmar o decidido.
Para contrariar o vício invocado que serviu de fundamento à decisão de não conhecimento do recurso, cabia ao reclamante demonstrar que, diferentemente do entendido na decisão reclamada, suscitou perante o tribunal recorrido uma questão de constitucionalidade normativa. Ora, a este propósito, o reclamante limita-se a referir que «(…) o Artº 18º, nº 2 da Lei 144/99, de 31 de Agosto, na interpretação sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, fere os Artº 36 e 67º, nº 1 da CRP (…). Nos termos do Artº 67º da CRP a família, como elemento fundamental da sociedade tem direito à proteção da sociedade e do Estado. Como o Supremo Tribunal de Justiça decidiu em sentido contrário, foram violados os princípios e garantias de proteção da família, constitucionalmente consagradas nas disposições conjugadas nos Artº 30º e 67º, ambos da Constituição da República Portuguesa».
Esta alegação não permite demonstrar que o recorrente colocou ao tribunal recorrido uma questão de constitucionalidade normativa. Pelo contrário, ela comprova que o recorrente se limitou a imputar à própria decisão recorrida a violação da Constituição.
Desta forma, incumpriu o ónus da suscitação prévia e de forma adequada de uma questão de constitucionalidade, vício que, por configurar falta de pressuposto de conhecimento do recurso, se apresenta como insuscetível de ser suprido, designadamente por via do aperfeiçoamento previsto no artigo 75.º-A, n.os 5 e 6 da LTC.
Em face do exposto importa confirmar a decisão reclamada.
III - Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Sem tributação (artigo 73.º, n.º 1 da Lei de Cooperação Judiciária em Matéria Penal).
Lisboa, 25 de março de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Caupers – Maria Lúcia Amaral.