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Processo n.º 1140/13
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em Conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são reclamantes A., Lda., B. e C. e reclamados Banco D., Lda., E., F., G. e H., os primeiros reclamaram do despacho daquele tribunal que, em 11 de julho de 2013, não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional.
2. Os aqui reclamantes instauraram contra os reclamados ação com processo ordinário de condenação em diversas quantias a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. Foi proferida, em 1.ª instância, sentença que julgou a ação improcedente e absolveu os réus do pedido.
Inconformados, os autores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo este julgado o recurso improcedente e confirmado, por unanimidade, a sentença ali impugnada.
Desse acórdão os reclamantes interpuseram recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 7 de fevereiro de 2013, decidiu não o admitir. Os reclamantes reclamaram da não admissão, tendo o Supremo Tribunal de Justiça considerado a reclamação inadmissível, por acórdão de 4 de abril de 2013
Interposto recurso para o Tribunal Constitucional, os reclamantes foram convidados a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, procedendo à indicação dos elementos referidos no artigo 75.º-A, n.os 1 e 2, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante designada por LTC), através de despacho de 15 de maio de 2013. Após a resposta dos reclamantes, foi emitido despacho de não admissão do recurso, em 11 de julho de 2013.
Ainda inconformados, reclamaram dessa decisão para este mesmo Tribunal.
3. O despacho reclamado de 11 de julho de 2013 não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, porquanto este «mesmo com o suprimento previsto no artigo 75.º-A, n.º 5 da LOFP do Tribunal Constitucional, não satisfaz os requisitos previstos naquele artigo, tanto quanto que não se deteta que a alínea c) do artigo 70.º, n.º 1, da mesma Lei seja aplicável no caso dos autos».
4. Os reclamantes sustentam a reclamação, em síntese, nos seguintes fundamentos:
“(…) Os Recorrentes apresentaram junto do STJ recurso para o TC ao abrigo da alínea c). do n.º 1 do artigo 70.º da LOFP do TC.
Entendem os Recorrentes que, em causa estão diversas questões que devem ser apreciadas, a saber:
Por um lado, o acórdão proferido pelos Digníssimos Juízes Desembargadores da Relação de Lisboa padece do vício de nulidade, porquanto peca pela omissão de pronúncia quanto a questões de Direito aplicáveis ao caso concreto.
Quanto à nulidade arguida pelos Recorrentes não houve, até ao momento, qualquer pronúncia quer por parte do Tribunal da Relação de Lisboa quer pelo STJ.
Não pretendem os Recorrentes que o Tribunal Constitucional se pronuncie ou declare a nulidade do acórdão em causa. Apenas se pretende que o Tribunal Constitucional avalie o fato de a mesma não ter sido analisada apesar de invocada.
Não está em causa a decisão judicial, em si mesmo considerada, até porque a atuação do Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas.
O acórdão proferido pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa está assim ferido de nulidade, não especificando os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos do n.º 1 do artigo 668.º, alínea b). e d), 1.ª Parte do CPC.
De fato, a não se considerar que o disposto no artigo 668.º, n.º1, alíneas b) e d) do CPC, conjugado com o n.º 2 e 3 do artigo 659.º do mesmo Código, envolve a omissão total das normas aplicáveis, deixando de adotar disciplina jurídica, bastando-se a decisão judicial ferida em absoluto de fundamentação, sempre aos mesmos estará a ser conferida uma interpretação violadora do n.º 3 do artigo 52.º, artigo 60.º e 20.º, nº 1 e ainda os artigos 205.º, n.º 1 e 280.º da Constituição da República Portuguesa, bem como dos seus corolários que constituem o princípio do contraditório e o direito ao recurso, pretendendo-se que o TC verifique a existência de inconstitucionalidade por omissão.
Mais vêm os Recorrentes trazer a este venerando tribunal a questão relativa ao não conhecimento do Recurso de Revista Excecional atendendo ao preenchimento dos requisitos do artigo 721.º A do CPC.
Da decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa e, por considerarem os Recorrentes que se encontravam preenchidos os pressupostos da Revista Excecional prevista pelo artigo 721.º A do CPC, recorreram os ora Recorrentes para o STJ, alegando a respetiva nulidade.
Contudo, as referidas matérias não foram objeto de qualquer pronúncia.(…)
Na presente Reclamação quanto à inadmissibilidade de cópias de acórdãos-fundamento sem serem certificadas com transito em julgado, vêm os Recorrente solicitar a V. Exa. uma ampliação do seu Recurso pelas razões que ora se explanam:
Depois de procederem os Recorrentes à análise e ainda de jurisprudência do STJ que confirmavam a posição deste tribunal quanto à inadmissibilidade de cópias de acórdãos-fundamento sem serem certificadas com transito em julgado, entenderam que, as normas sindicadas aplicadas correspondiam a uma corrente jurisprudencial suficientemente instalada, pelo que, não era razoavelmente exigível que os Recorrentes suscitassem a questão de inconstitucionalidade nos termos da alínea b). do n.º 1 do artigo 70.º da LTC relativamente ao sentido normativo efetivamente adotado pelo STJ aquando da interposição do recurso excecional de revista - configurando-se, assim, uma situação que justifica a dispensa do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado.
No entanto, na sequência da análise do acórdão do TC n.º 333/2013 (Processo n.º 193/13 – 3ª secção) de 12 de junho de 2013, veio este douto tribunal considerar que, era inconstitucional a posição adotada pelo STJ relativa à inadmissibilidade de cópias de acórdãos-fundamento sem serem certificadas com transito em julgado.
Desse modo, entendem os Recorrentes que lhes assiste razão em solicitar a ampliação, do recurso interposto da decisão proferida uma vez que está em causa uma “situação que justifica a dispensa do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado.”
É que, no caso dos autos que receberam o acórdão n.º 333/2013 do TC (que por razões de economia processual se dá por integralmente reproduzido) também não foi suscitada a inconstitucionalidade nos termos da alínea b) do Art.º 70.º da LTC, durante o processo relativamente a esta situação, o que não veio impedir a respetiva apreciação por este douto Tribunal Constitucional.
Importa, pois, referir que, no momento em que os Recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, o acórdão n.º 333/2013 do TC de 12 de junho - uma verdadeira “decisão-surpresa” e “imprevisível e insólita” - ainda não tinha sido proferido e, os ora reclamantes já não tinham condições jurídicas de interpor recurso ordinário da mesma decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.
Os Recorrentes ao analisarem as diversas possibilidades interpretativas perceberam que, só agora se constata a existência de uma decisão anterior do TC que justifica o presente Recurso que ora se reclama.(…)
No seguimento de quanto exposto, refira-se que, o indeferimento do Recurso de Revista Excecional apresentado junto do STJ, aconteceu também porque os acórdãos- fundamento não estavam certificados com trânsito em julgado, no entanto, lembre-se que, existem outras questões alegadas, designadamente de Direito alínea a) do n.º 1 do Art.º 721.º A) que são as questões de fundo do Recurso, e sobre as quais não houve qualquer pronuncia.
Certo é que ao longo do Recurso de Revista Excecional apresentado pelos Recorrentes, são levantadas inúmeras questões de Direito que ficam sem resposta.
As questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, foram ainda levadas em sede de Reclamação apresentada junto do STJ, tendo os Recorrentes apelado ao fato de ter existido omissão de pronúncia não só quanto à nulidade invocada mas também quanto às questões de direito.
Sobre estas questões de Direito que os Recorrentes entendem como questões de fundo nunca respondidas ou analisadas, defende o acórdão n.º 339/87 do TC que, “Assim sendo, e apesar de - como se assinalou a propósito de uma outra situação não igual, mas paralela, no Acórdão nº 21/87 (publicado no Diário da República, 2º série, de 31 de março de 1987) - não competir ao Tribunal Constitucional intervir ou resolver contendas jurisprudenciais como a subjacente ao caso dos autos, a verdade é que lhe não é lícito eximir-se a decidir a questão que lhe vem posta.”
Sendo que, também por esta razão, pretendem os Recorrentes que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre as omissões alegadas e nas quais se baseia a nulidade invocada pelos Recorrentes quer em sede de Recurso junto do Tribunal da Relação de Lisboa, quer junto do Supremo Tribunal de Justiça.
Os Recorrentes não se conformam com o indeferimento do seu Recurso de Revista Excecional até porque tem sido dura a sua luta, junto dos Tribunais, para provar a razão que lhes assiste nos autos. (…)”
5. Notificados, os reclamados apresentaram resposta, manifestando a sua concordância com a decisão reclamada e pronunciando-se pelo indeferimento da reclamação.
6. O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, considerando que «a argumentação expendida na reclamação em apreciação, por não admissão do recurso, não faz qualquer sentido, sendo totalmente infundada e desajustada, relativamente aos requisitos e pressupostos de interposição de um recurso de constitucionalidade no nosso sistema jurídico» (fls. 59-62).
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
7. Dispõe o n.º 4 do referido artigo 76.º da LTC, que do despacho que indefira o requerimento de interposição de recurso ou retenha a sua subida cabe reclamação para o Tribunal Constitucional.
8. Os reclamantes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu a revista excecional que requereram, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, invocando que:
“(…)Há recusa para efeitos da al. c) do n.º 1 do artigo 70.º da LOFP do TC quando o tribunal que proferiu a decisão recorrida tenha deixado de adotar a disciplina jurídica das leis com valor reforçado, nos termos do n.º 3 do artigo 112.º da Constituição da República.
Face à posição do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) - violando o disposto no artigo 668.º, nº 1, alínea b) e d) do CPC - e o facto do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) não ter feito uso dos poderes que lhe são conferidos - n.º 2 do artigo 666.º do CPC - estão em causa a recusa (por omissão) de aplicação de normas com fundamentos de inconstitucionalidade, designadamente o exposto no n.º 1 do artigo 205.º e 280.º, n.º 2, alínea a). da Constituição da República Portuguesa.
Pretendem, pois, os Recorrentes que, o douto Tribunal Constitucional se pronuncie igualmente quanto à recusa do Supremo Tribunal de Justiça de apreciar a Revista Excecional apresentada pelos Recorrentes por suposto não preenchimento dos requisitos do artigo 721.º A do CPC e por, consequentemente não ter sido aceite, por omissão de pronúncia, o aperfeiçoamento apresentado.
O Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do exposto no nº 2 do artigo 666.º omitiu e absteve-se de retificar, suprir nulidades e esclarecer dúvidas existentes, tendo este Tribunal também, por omissão de pronúncia, em violação do artigo 280.º, n.º 2, alínea a). da CRP.
Vêm, ainda, os Recorrentes pedir que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre a violação às normas internacionais nos autos, espelhada na decisão do acórdão da Relação de Lisboa designadamente, Princípio da Subsidiariedade (primeira parte do primeiro paragrafo do ponto 3 do Artigo 5.º do Tratado da União Europeia), o n.º 1 e n.º 2 alínea c) do artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o n.º 1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ato do Conselho Europeu que instituiu a Convenção relativa à proteção dos interesses financeiros da Comunidade Europeia e, os artigos 65.º, 127.º,131.º e 325.º do Tratado da União Europeia.(…)”
9. A jurisprudência do Tribunal Constitucional adopta um entendimento rigoroso relativamente à necessidade de indicação correcta da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto. Esta indicação define irreversivelmente o tipo de recurso em causa, não sendo admissível qualquer alteração subsequente ou a convolação do tipo de recurso (cfr., a mero título de exemplo, os Acórdãos n.º 77/2000, n.º 248/2002, n.º 468/2003, n.º 533/2005, n.º 193/2007 e n.º 420/2008, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Note-se que os reclamantes não alegam nenhum erro da sua parte, relativamente à invocação da alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, reafirmando-a (cfr. fls. 2-3).
10. Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado.
Ora, independentemente da falta de verificação de outros requisitos, certo é que não ocorreu uma desaplicação por decisão de órgão jurisdicional de uma norma legal com fundamento na sua ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado.
É com esse fundamento que o Supremo Tribunal de Justiça profere a decisão reclamada (fl. 3280).
Cabia aos reclamantes o ónus de demonstrar a incorreção da decisão reclamada. Tal não ocorreu.
Merece, portanto, confirmação o fundamento de não admissão do recurso adotado no despacho reclamado.
Na medida em que improcede a reclamação, também não pode proceder o pedido de “ampliação do pedido” efetuado.
III – Decisão
11. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 9 de janeiro de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.