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Processo n.º 564/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Na sequência de ação que intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, A., SGPS, SA, requereu, ao abrigo do artigo 30.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral, pedindo a declaração da ilegalidade parcial da autoliquidação referente ao exercício do IRC de 2003, com a consequente anulação, nessa parte, integrando-se o montante de €8.350,80 (oito mil, trezentos e cinquenta euros e oitenta cêntimos), correspondentes a encargos financeiros suportados, nos custos dedutíveis relevantes para esse exercício fiscal e o consequente reembolso à requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal.
2. Aceite o requerimento e constituído o Tribunal Arbitral, em 19 de julho de 2012 foi proferida sentença arbitral, a julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo o ato tributário impugnado e negando provimento ao pedido de juros indemnizatórios.
3. Inconformada, A., SGPS, SA, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, invocando o disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e na al. b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante LTC). Após convite formulado pelo Relator neste Tribunal, nos termos do n.º 6, do artigo 75.ºA da LTC, veio precisar o pedido de apreciação da inconstitucionalidade de quatro normas ou interpretações normativas, que enunciou nestes termos:
« i) Norma, constante do n.º 5 do artigo 38.º da Lei n.º 32.B/2002, de 30 de dezembro, que impõe a aplicação às SGPS da regra da indedutibilidade fiscal de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, também – na interpretação da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC – com respeito aos encargos financeiros resultantes de compromissos anteriores à referida Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, i.e., anteriores à existência da referida regra de indedutibilidade fiscal (regra esta consagrada via alteração operada pela mesma Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, ao então 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais – atual artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais).
Causa de pedir: violação do princípio constitucional da não retroatividade da lei fiscal e dos princípios constitucionais da tutela da confiança e da segurança jurídica.
ii) Norma constante do então (à data dos factos) artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32.º, n.º), que – na interpretação da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC – impõe a indedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital a priori, i.e., logo que estes sejam incorridos, independentemente e desligadamente da (eventual) aplicabilidade futura de isenção prevista para as (também elas eventuais ou incertas) mais-valias geradas pelas partes de capital com que se conexionam os referidos encargos financeiros.
Causa de pedir: violação dos princípios constitucionais da igualdade, neutralidade, capacidade contributiva e da tributação fundamentalmente do rendimento real e, bem assim, do princípio constitucional da proporcionalidade.
iii) Norma constante do então (à data dos factos) artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32.º, n.º 2), que – na interpretação da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC – impede que a determinação dos encargos financeiros suportados com aquisição de partes de capital, nela previstos e por ela tornados fiscalmente indedutíveis, seja efetuada com recurso a método de afetação direta e específica, ou real.
Causa de pedir: violação dos princípios constitucionais da tributação fundamentalmente do rendimento real, da igualdade, da capacidade contributiva e da neutralidade.
iv) Norma constante dos pontos 7. e 8. da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC, mais concretamente a fórmula que aí se prevê, com pretensão de aplicação imperativa, de segregação dos encargos financeiros a que se refere o (à data dos factos) artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32.º, n.º 2).
Causa de pedir: violação do princípio constitucional da legalidade ou da reserva de lei (formal) aplicável em matéria de impostos, designadamente em sede da construção da incidência dos mesmos (independentemente de estar em causa o uso de técnicas de delimitação pela positiva, ou pela negativa, dessa incidência).»
4. Determinado o prosseguimento do recurso (com a advertência de que o Tribunal apreciaria a questão de saber se as prescrições contidas em circulares da Administração Tributária constituem norma idónea a facultar a via de recurso de constitucionalidade previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC), a recorrente A., SGPS, SA, e a recorrida Administração Tributária e Aduaneira vieram alegar.
4.1. A recorrente extraiu das alegações a seguinte síntese conclusiva:
«A. A norma, constante do n.º 5 do artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, que impõe a aplicação às SGPS da regra da indedutibilidade fiscal de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, também – na interpretação da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC – com respeito aos encargos financeiros resultantes de compromissos anteriores à referida Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, i.e., anteriores à existência da referida regra de indedutibilidade fiscal (regra esta consagrada via alteração operada pela mesma Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, ao então artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais – atual artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais), é inconstitucional, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), dos princípios constitucionais da tutela da confiança e da segurança jurídica (imanentes ao Estado de direito democrático – cfr. artigo 2.º da CRP) e do princípio da proporcionalidade que encontra expressão qualificada nos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, e é uma emanação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP).
B. Com efeito, o regime de aplicação temporal do novo regime fiscal que tornou indedutíveis os encargos financeiros, sem ressalvar aquisições de participações (e compromissos financeiros associados) ocorridas anteriormente à data da sua entrada em vigor, viola o princípio da não retroatividade da lei fiscal consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP.
C. Adicionalmente, a recorrente tinha fundadas e legítimas razões para contar com a dedutibilidade de encargos financeiros incorridos no âmbito de financiamentos obtidos que suportam a aquisição de participações sociais ocorrida anteriormente (muito anos antes) ao aparecimento (qualquer que seja a perspetiva temporal adotada: proposta de lei e respetiva discussão, publicação da lei, ou a sua entrada em vigor) da nova regra fiscal que aqui se discute,
D. não lhe sendo razoavelmente exigível (nem aos demais contribuintes nas mesmas circunstâncias), quanto mais não fosse por força do próprio quadro constitucional aplicável (cfr. artigo 104.º, n.º 2, do CRP), que contasse com a possibilidade de mutação do mesmo no sentido em que esta veio a ocorrer (com efeitos logo a partir de 2003, na interpretação sancionada pela decisão arbitral) – i.e., no sentido do afastamento da consideração desses encargos (reais) no cômputo do lucro sujeito a imposto.
E. Uma vez que ser ou não SGPS não é uma opção (cfr. artigo 8º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro), contrariamente ao que parece ter-se julgado na decisão arbitral recorrida, o regime temporal resultante da interpretação da norma relevante sancionada pela decisão arbitral recorrida viola, ainda, o princípio constitucional da proporcionalidade (cfr. artigo 2.º, e 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP).
F. A norma constante do então (à data dos factos) artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32.º, n.º 2), que – na interpretação da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC – impõe a indedutibilidade fiscal de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital a priori, i.e., logo que estes sejam incorridos, independentemente e desligadamente da (eventual) aplicabilidade futura de isenção prevista para as (também elas eventuais ou incertas) mais-valias geradas pelas partes de capital com que se conexionam os referidos encargos financeiros, é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da neutralidade e da capacidade contributiva ou rendimento real, consagrados nos artigos 13.º (e 2.º, enquanto emanação do Estado de direito democrático), 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, da CRP, e do princípio da proporcionalidade que encontra expressão qualificada nos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, e é uma emanação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP).
G. Impedir que um custo real, neste caso encargos financeiros (juros) associados ao financiamento da atividade da empresa – o investimento em, e detenção de, participações sociais –, seja tomado em linha de conta aquando do apuramento do lucro sujeito a imposto, equivale a tributar um rendimento fictício, inexistente.
H. O eventual equilíbrio da situação (não deduz juros no cômputo do lucro sujeito a imposto mas em contrapartida não vê sujeito a imposto mais-valias com a alienação de participações sociais) terá de ser, pelo menos à partida (que não necessariamente à chegada), minimamente assegurado, sob pena de violação dos princípios da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da igualdade e neutralidade (este dois últimos por via da comparação com sujeitos passivos “não SGPS”). E não é.
I. Ou melhor, não é, na interpretação da norma constante do n.º 2 do artigo 31.º (atual 32.º) do EBF, preconizada pela Circular 7/2004, de 30 de março, da DSIRC, e sancionada pela decisão arbitral ora recorrida onde se prescreve que os encargos financeiros deverão ser afastados do cômputo do lucro sujeito a imposto “(...) independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias”, não sendo pois os juros aqui em causa dedutíveis a rendimentos como os resultantes de prestações de serviços pelas SGPS, ao contrário das demais sociedades que poderão deduzir os juros aos seus (demais) rendimentos operacionais – de que são exemplo os rendimentos de prestações de serviços que as SGPS também estão autorizadas a prestar –, assim reduzindo o seu lucro tributável.
J. Este desvio ao princípio da tributação do rendimento real e esta desigualdade de tratamento não se desvanecem pelo facto de a situação ser alegadamente temporária, i.e., pelo facto de na interpretação da Circular o encargo financeiro poder ser considerado como custo fiscal “[q]uando se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para a aplicação daquele regime de isenção de mais-valias]” (cfr. parágrafo 6 da referida Circular).
L. Em primeiro lugar tais juros são indedutíveis mesmo na parte em que excedam as eventuais mais-valias que venham a ser comprovadamente isentas de tributação (isenção esta que legitimaria o afastamento da dedutibilidade desses gastos financeiros realmente suportados), isto num contexto, o do IRC, em que não há tributação por categorias de rendimentos, e não o há, portanto, para outros contribuintes que não sejam (por exercerem uma atividade económica direta) SGPS que detenham também participações sociais financiadas com dívida remunerada: estes gastos financeiros estão disponíveis para serem compensados com outros tipos de rendimentos destes outros contribuintes, que não apenas as mais-valias tributadas ou (em caso de reinvestimento) parcialmente isentas, o que ocorrerá, nocionalmente falando, sempre que superem o valor destas últimas.
M. Em segundo lugar, não só as participações sociais podem nunca vir a ser alienadas, hipótese mais do que verosímil no contexto das SGPS (às quais se aplica, exclusivamente, a regra fiscal em discussão), caso em que o temporário será, afinal de contas, definitivo, mas também há que contar com vicissitudes várias suscetíveis de afastar definitivamente o encontro (matching) entre malefício agora e benefício (eventualmente no) futuro: (i) a sempre presente possibilidade de revogação da norma em causa, a (ii) caducidade do “benefício”/“malefício” que consagra (que até à alteração promovida pela Lei n.º 64-B/2011, de 29 de dezembro, tinha caráter temporário, nada garantindo que se não volte a essa solução já amanhã), a (iii) transformação da recorrente noutro “tipo” societário ou a sua (iv) fusão com outras sociedades.
N. Acresce que as variações da taxa de IRC criam um desfasamento definitivo (permanente) entre o efeito presente do afastamento da dedução dos encargos financeiros, e o efeito futuro da tentativa (não conseguida em razão da entretanto ocorrida alteração da taxa de IRC, por exemplo) de reposição da situação, indicada na Circular da DSIRC como remédio.
O. E mesmo que inexistissem (o que não é o caso) todas as hipóteses acima referidas, ainda assim não seria possível afirmar-se que o efeito desta restrição é temporário, por causa do fator que dá pelo nome de valor temporal do dinheiro.
P. Com efeito, ao impedir-se à partida a dedução fiscal de encargos financeiros (encargos reais e relativos à sua atividade) por parte das SGPS, dissociando-se temporalmente este efeito negativo do futuro e eventual efeito positivo que supostamente justificaria tal restrição ao princípio do apuramento do rendimento real, impõe-se-lhes necessariamente uma tributação acrescida quer no presente, quer em termos definitivos (valor temporal do dinheiro), por comparação com as empresas (violação, também, do princípio da igualdade e da neutralidade) que, por não serem SGPS, mas que nem por isso estão impedidas de deter igualmente participações sociais/subsidiárias, não estão sujeitas à aplicação do n.º 2 do artigo 31.º do EBF, designadamente na interpretação sancionada pela decisão arbitral.
Q. A norma constante do então (à data dos factos) artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32.º, n.º 2), que – na interpretação da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC – impede que a determinação dos encargos financeiros suportados com aquisição de partes de capital, nela previstos e por ela tornados fiscalmente indedutíveis, seja efetuada com recurso a método de afetação direta e específica, ou real, é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da neutralidade e da capacidade contributiva ou rendimento real, consagrados nos artigos 13.º (e 2.º, enquanto emanação do Estado de direito democrático), 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, da CRP, e do princípio da proporcionalidade que encontra expressão qualificada nos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, e é uma emanação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP).
R. Bem podem os encargos financeiros estar exclusivamente relacionados temporal, contratual e causalmente, com a aquisição de um outro ativo, que mesmo assim não serão fiscalmente relevantes em virtude da sua associação, via fórmula desenhada na referida Circular, com a anterior aquisição de participações sociais.
S. O mesmo é dizer que esta fórmula se comporta como uma presunção inilidível de que os encargos financeiros que com recurso a ela se apurem são tidos como suportados com a aquisição de partes de capital cuja alienação tenha beneficiado (ou seja suscetível de vir a beneficiar) de isenção de tributação de mais-valias.
T. Esta presunção que não admite contradita, inerente à fórmula em causa, esta ficção que a dita fórmula representa, numa área de determinação da incidência do imposto (cômputo do lucro tributável), viola o princípio constitucional da tributação fundamentalmente do rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2, da CRP), e, com ele, da igualdade, da capacidade contributiva e da neutralidade (artigos 2.º – enquanto emanações do Estado de direito democrático – 13.º, 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, da CRP).
U. E viola estes princípios (sobretudo o da igualdade e o da neutralidade) de uma outra perspetiva ainda: está em causa o igual tratamento de “quem se encontra, e de quem não se encontra” (de situações desiguais, portanto), na ou próximo da, posição que consubstancia o caso base ou pressuposto em que assenta esta (ou qualquer outra) presunção inilidível.
V E não se vê justificação discernível para a imposição desta fórmula sem admissão de prova/demonstração em contrário, donde a violação também do princípio da proporcionalidade, acolhido pelos artigos 2.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, sobretudo num contexto em que em sede de outras regras de aplicação bem mais massificada, quais sejam as do IVA, o método da afetação real é aplicado desde há décadas, a par da fórmula do pro rata (cfr., atualmente, os artigos 23.º, n.ºs l e 2, do Código do IVA).
X. A prescrição contida nos pontos 7. e 8. da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, é norma para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da C.R.P. e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da L.T.C.
Z. Quando seja suscitada invalidade de norma constante de lei, muito embora esta já esteja rodeada de constrangimentos invalidantes (maxime a constituição), estes são muito menores do que os constrangimentos de que está rodeada uma orientação genérica (que tem de respeitar a constituição e a lei, e em matéria de impostos as matérias a que se dirigem as prescrições constantes das orientações genéricas são muitas vezes de reserva de lei). Neste sentido (aferição da compatibilidade com balizamentos constitucionais ou legais), o juiz está (de modo qualitativamente idêntico ao do seu aprisionamento a qualquer outra norma – a questão é apenas de intensidade) liberto da “circular”.
AA. Mas já não o está (nem tão-pouco o contribuinte) quando no âmbito do exercício dos poderes de administração do sistema fiscal que incumbem à AT, esta emite orientações genéricas contendo prescrições que se apropriem de espaços de normatividade fora da reserva de lei e que não conflituem com o espaço de normatividade já ocupado pela lei: se orientação genérica, emitida ao abrigo de competência legalmente prevista/consagrada (como sucede no caso), respeitar estas fronteiras, não se vê que legitimidade terá o juiz ou o contribuinte para ignorá-la e, em sua substituição (e do administrador do sistema fiscal – que é a AT por incumbência legal) determinar uma diferente normatividade para o caso concreto em apreciação.
BB. O facto de as orientações genéricas em matéria de impostos terem, comparativamente com as prescrições contidas em lei, um espaço de livre conformação muito mais reduzido, nem por isso autoriza que as mesmas sejam ignoradas ou tidas por irrelevantes: com muito ou pouco espaço ocupável, o que é facto é que o ocupam, importando por isso fiscalizar se se contêm dentro das estreitas balizas em que podem atuar. Um espaço de livre conformação reduzido torna-as mais suscetíveis de serem consideradas inválidas, importando por isso sobremaneira, e pela vocação de aplicabilidade subjetiva e objetiva exatamente igual à da lei sobre que versam, não as deixar à margem do sistema de controlo de constitucionalidade de normas da competência do Tribunal Constitucional.
CC. No espírito do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 26/85, que sancionou ex professo a fiscalização pelo Tribunal Constitucional das chamadas “leis-medidas”, (…) o que há de procurar-se (…) é um conceito funcional de «norma», ou seja, um conceito funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização da constitucionalidade aí instituído e consonante com a sua fiscalização e sentido.”.
DD. Neste espírito, faz todo o sentido, e fá-lo mesmo à luz do conceito de norma que tem vindo a ser perfilhado pelo Tribunal Constitucional, incluir nas competências de fiscalização da constitucionalidade deste Tribunal prescrições como as contidas nos pontos 7. e 8. da Circular da DSIRC n.º 7/2004: nos modernos sistemas fiscais, incluindo o nosso, dirigem-se ao exterior, para fora do serviço criador (e com competência legal para tal) e emitente da Circular; os seus primeiros e naturais destinatários estão no exterior (os contribuinte, na qualidade de primeiros aplicadores, por determinação legal, nos modernos sistemas fiscais, das normas fiscais, em geral, e em especial no caso do imposto – IRC – em causa na prescrição geral e abstrata da AT que aqui se discute); são publicadas (por determinação legal); legitima ou ilegitimamente (isso caberá ao juiz julgar, juiz constitucional também se a matéria for de índole constitucional) ocupam um espaço de normatividade e são gerais e abstratas; e beneficiam da mesma vinculatividade de qualquer outra prescrição ou comando que se proponha ocupar o espaço de normatividade, muito ou pouco, que lhe foi deixado livre (ou que julga ter-lhe sido deixado livre, sendo que este último aspeto tem já que ver com o controlo do exercício deste poder normativo).
EE. A norma contida nos pontos (ou parágrafos) 7. e 8. da Circular da DSIRC n.º 7/2004, de 30 de março, mais concretamente a fórmula que aí se prevê, com pretensão de aplicação imperativa, de segregação dos encargos financeiros a que se refere o (à data dos factos) artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32.º, n.º 2), é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade ou da reserva de lei, em matéria fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
FF. Ao criar uma fórmula com pretensão de aplicação imperativa para efeitos de segregar quantificadamente os encargos financeiros submetidos ao ónus da indedutibilidade fiscal, a Circular em referência interfere diretamente com a determinação do que será ou não o lucro tributável, matéria que se insere na reserva de lei, e de lei formal, donde a inconstitucionalidade orgânica e material da norma que tal fórmula consubstancia.»
4.2. Por turno, a recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) formulou as seguintes conclusões:
«I. O presente Recurso Jurisdicional foi interposto nos termos do artigo 25º nº. 1 e 4 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que prevê a interposição direta das alegações de Recurso no Tribunal Constitucional;
II. Por outro lado, a Lei do Tribunal Constitucional prevê que o despacho de admissibilidade do Recurso seja proferido pelo Tribunal a quo;
III. Sucede que, sendo a Lei do Tribunal Constitucional, equiparadas a uma lei orgânica, dúvidas existem da admissibilidade legal do presente recurso jurisdicional;
IV. No entanto, nos presentes autos, o objeto do recurso incide sob a interpretação conferida pela Circular nº. 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços de IRC – com respeito a encargos financeiros resultantes de compromissos anteriores à referida Lei nº. 32-B/2002 de 30 de dezembro, do então artigo 31º nº. 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, atual artigo 32º nº. 2;
V. Segundo a jurisprudência constante e uniforme do Tribunal Constitucional, só podem constituir objeto de recurso constitucional normas jurídicas que tenham constituído ratio decidendi da decisão (cf. Acórdão do TC nº. 18/96, publicado no DR II Série, de 15 de maio de 1996; J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p. 821, e José Manuel M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3ª edição revista e atualizada, 2007, págs. 40 e segs).
VI. No caso sub judice o objeto diz respeito à interpretação conferida pela Circular da Direção de Serviços de IRC, que não tem qualquer força jurídica, a não ser a mera orientação administrativa;
VII. A Recorrente não pretende a apreciação de constitucionalidade de uma determinada e concreta norma jurídica, mas sim, a interpretação que uma orientação administrativa «Circular nº. 7/2004, de 30 de março» atribui, a uma determinada norma jurídica.
VIII. Deste modo e salvo melhor opinião, a alínea b) do nº. 1 do artigo 70 da LTC prevê a sindicância de inconstitucionalidade que recaia sob normas jurídicas e não sob interpretações de orientações administrativas, que não gozam de qualquer externalidade, pelo que inexiste fundamento legal que sustenha o presente recurso jurisdicional, culminando assim, na falta de objeto dos presentes autos.
IX. Quanto às inconstitucionalidade invocadas, como vimos, para aferir o principio da retroatividade fiscal é determinante o momento da verificação do facto tributário, sendo retroativa aquela que atinja esse facto retrospectivamente ao momento da sua entrada em vigor, constituindo facto tributário de um imposto, o facto jurídico de que depende o aparecimento da obrigação de imposto, o que, no caso do IRC, se reconduz à perceção do rendimento.
X. Na medida em que a desconsideração dos encargos financeiros resulta da própria intenção do legislador obstar a que (no pressuposto de que potencialmente a SGPS pode vir a beneficiar da exclusão de tributação aplicável aos rendimentos de mais-valias realizados com a alienação de participações sociais) os custos relevantes que estejam relacionados com a obtenção de tais rendimentos possam ter relevância em termos de apuramento do lucro tributável do sujeito passivo que os obteve, ou seja é a lei que afasta a dedutibilidade dos encargos financeiros para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício em que são incorridos, mesmo que anteriores ao da realização.
XI. Pelo que inexiste qualquer violação do princípio da retroatividade em matéria fiscal;
XII. Quanto à violação do princípio constitucional que a tributação deve incidir sobre o rendimento real;
XIII. Também deve improceder, porquanto, o princípio consagrado no n.º 2 do art.º 104º da CRP é o regime regra, que admite exceções, quais sejam, entre muitos outros, o regime especial de tributação aplicável às SGPS’s;
XIV. Segundo este princípio e atendendo a uma lógica de tributação segundo o rendimento real tal como protagonizada pela Recorrente, as mais valias das SGPS não poderiam beneficiar de exclusão de tributação, porquanto o incremento patrimonial, não é tido em conta para apuramento do lucro tributável da sociedade gestora de participações sociais o que por sua vez acarrearia uma tributação que não incide sobre o rendimento real da sociedade, logo seria inconstitucional;
XV. Acresce que “a CRP, ao exigir que a tributação das empresas se norteie pelo rendimento real, está apenas a ‘recortar’ o quadro típico ou caracterizador do sistema fiscal [...] e não [a] ‘estabelecer’ ou ‘desenhar a cheio’ esse mesmo quadro”
XVI. O sistema assenta numa lógica de balanceamento, equilíbrio e neutralidade, ou seja, estando no regime das SGPS estará excluída a tributação das mais valias provenientes da alienação onerosa das participações sociais – sendo um benefício fiscal (daí a previsão normativa estar no Estatuto dos Benefícios Fiscais), mas por outro lado, também não poderá deduzir os encargos financeiros tidos com a aquisição dessas participações sociais;
XVII. Configurar a possibilidade de dedução, estaríamos a conceder um duplo benefício aqueles que já per si estão excluídos de tributação na alienação das participações sociais, obtendo ganhos e rendimentos que não irão ser sujeitos a tributação, o que salvo melhor opinião, configuraria uma descriminação face aos normais regimes fiscais e a concessão de uma vantagem desproporcionada;
XVIII. Pelo que não pode a Recorrente querer ter um tratamento igual a uma realidade que é desigual;
XIX. Ainda assim, poderia ter mudado o regime societário para uma holding que prossiga o objeto social de gestão de participações sociais e então deduzir os encargos financeiros com a aquisição das participações sociais;
XX. Contudo não poderá a Recorrente lograr obter o “melhor” de duas realidades.»
5. Notificada para se pronunciar, querendo, sobre as questões de inadmissibilidade do recurso suscitadas nas alegações da recorrida, veio a recorrente pronunciar-se pela sua improcedência, salientando que “mesmo que dúvidas houvesse sobre a legitimidade da adaptação efetuada pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 a esse respeito, sempre se imporia, por imperativo constitucional e da própria Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, o preenchimento da lacuna criado a este respeito pela natureza específica (que por sua vez advém da sua legítima regulamentação legal) do tribunal recorrido aqui em causa”.
Notificada igualmente para se pronunciar quanto à possibilidade das questões que elencou sob as alíneas iii) e iv) não serem conhecidas, por ausência de efetiva aplicação do critério normativo apontado na decisão recorrida, veio a recorrente dizer, em síntese, que o ato de liquidação cuja legalidade foi apreciada pela decisão arbitral havia sido conformado pelas normas de incidência constantes da Circular n.º 7/2004, tendo sido decidido que não padecia de qualquer ilegalidade; que a decisão arbitral afirma a legitimidade da consagração por circular administrativa da fórmula prevista nos n.ºs 7 e 8 da Circular n.º 7/2004, ainda que suavizada pela ressalva de que deverá ser afastada a fórmula quando seja possível a afetação direta; e que mantém relevância plena a questão formulada sob a alínea iv), quanto à legitimidade de fixação por via administrativa de normas configuradoras da incidência. Termina pelo conhecimento das questões formuladas sob as alíneas iii) e iv).
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
A. Inadmissibilidade total do recurso
6. Importa começar por ter em atenção a questão prévia colocada, mesmo que em termos dubitativos, pela Administração Tributária nas contra-alegações, incidente sobre a inadmissibilidade (integral) do recurso de constitucionalidade.
Com efeito, a Administração Tributária formulou dúvidas sobre a admissibilidade legal do recurso, a partir da consideração de que o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, contém normas atinentes ao recurso de constitucionalidade de decisão arbitral tributária, afastando-se nomeadamente do regime contemplado no artigo 76.º, n.º 1 da LTC, e invadindo, na sua ótica, reserva absoluta de competência da Assembleia da República, contemplada nas alíneas c) do artigo 164.º da Constituição. Em resposta, a recorrente considerou que o recurso de constitucionalidade interposto encontra suporte bastante na Constituição e na LTC.
Com inteira razão, adiante-se. Nos termos em que vem colocada, dirigida à inadmissibilidade legal do recurso de constitucionalidade da decisão arbitral proferida, e não a qualquer dos seus trâmites, a questão de (in)admissibilidade suscitada não comporta fundamento.
Na verdade, sedimentado o entendimento de que os Tribunais Arbitrais exercem a função jurisdicional (cfr. Acórdãos n.ºs. 230/86, 52/92, 250/96, 506/96 e 181/2007, entre outros), há muito que jurisprudência e doutrina convergem na sujeição das suas decisões ao quadro de fiscalização concreta da constitucionalidade das decisões dos Tribunais, mormente nos termos impostos pelo artigo 280.º, n.º 1, al. b), da Constituição, ditame que encontra concretização na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (cfr. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição da República Anotada, Tomo III, 2007, pp. 117 e 118; Miguel Galvão Teles, Recurso para o Tribunal Constitucional das Decisões dos Tribunais Arbitrais, in Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Sérvulo Correia, Vol. I, 2010, pp. 637-655; António Pedro Monteiro, Do recurso de Decisões Arbitrais para o Tribunal Constitucional, Rev. Themis, ano IX, n.º 16, 2009, pp. 185 a 223). Note-se que a recorrente mobilizou expressamente essa via de recurso no requerimento de interposição de recurso que apresentou, em paralelo com o disposto nos n.ºs 1 e 4, do artigo 25.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, diploma que disciplina a arbitragem tributária, e que não comporta norma de recorribilidade em matéria de constitucionalidade distinta daquela alojada na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Questão diversa reside na tramitação do recurso de constitucionalidade de decisão arbitral, em especial o problema da prolação de despacho de admissão do recurso previsto no artigo 76.º, n.º 1, da LTC, em sede arbitral, quando ocorra a dissolução do Tribunal Arbitral com a prolação e notificação da decisão arbitral, como resulta do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, podendo entender-se configurada lacuna oculta nesse plano adjetivo (como em outros), na medida em que a exigência de admissão do recurso pelo Tribunal a quo pressupõe naturalmente a sua subsistência (sobre as dificuldades suscitadas pela LTC na sua aplicação ao recurso de decisões dos Tribunais Arbitrais, em especial nos casos de recusa de aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade, defendendo a necessidade da sua modificação, cfr. Miguel Galvão Teles, ob. cit., p. 651 a 655).
Mas, qualquer que seja a posição que se assuma sobre esse problema, e bem assim quanto à conformidade constitucional nos planos orgânico e formal da norma contida no n.º 4 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, certo é que a apreciação da admissibilidade do recurso feita pelo Tribunal recorrido comporta natureza liminar e precária, sempre cabendo, por força do disposto no n.º 3, do artigo 76.º da LTC, ao Tribunal Constitucional decidir em definitivo, sem prévia vinculação, sobre a verificação dos requisitos e pressupostos de que depende a admissibilidade e o conhecimento do recurso.
Nessa medida, nenhum vício processual – nem, em rigor, a recorrida suscita a sua verificação - se encontra na determinação do prosseguimento do processo para alegações na ausência de prolação de despacho de admissão do recurso por parte do Tribunal Arbitral recorrido.
Afasta-se, nos termos expostos, a sustentada inadmissibilidade legal do recurso, fundada em desconformidade constitucional do disposto no n.º 4 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
B. Inadmissibilidade parcial do recurso: das questões formuladas em terceiro e quarto lugar
7. No sistema português, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade têm necessariamente objeto normativo, devendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, e não sobre a apreciação de alegadas inconstitucionalidades imputadas pelo recorrente às decisões judiciais, em si mesmas consideradas, atenta a inexistência no nosso ordenamento jurídico-constitucional da figura do recurso de amparo ou de queixa constitucional contra atos concretos de aplicação do Direito. Não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar os factos materiais da causa, definir a correta conformação da lide ou determinar a melhor interpretação do direito ordinário.
Assim, por imperativo do artigo 280.º da Constituição, objeto do recurso (em sentido material) são exclusiva e necessariamente normas jurídicas, tomadas com o sentido que a decisão recorrida lhes tenha conferido, sem que caiba ao Tribunal Constitucional uma função revisora da atuação dos demais tribunais, fundada na direta imputação de violação da Constituição – mormente no plano dos direitos fundamentais - por tais decisões.
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, como acontece nestes autos, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada durante o processo, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da LTC).
Consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade deva, por regra, ter sido colocada ao tribunal a quo, além de que permitir o acesso a este Tribunal com base numa invocação da inconstitucionalidade unicamente após a prolação da decisão recorrida abriria o indesejável caminho à sua utilização como expediente dilatório. Donde só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade de uma norma quem tenha colocado previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que vai inserir o recurso constitucional.
Por outro lado, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base (artigo 80.º, n.º 2, da LTC), exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. Mostra-se, então, necessário que esse critério normativo tenha constituído ratio decidendi da decisão recorrida, pois só assim um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar a reformulação dessa decisão.
Expostos, sumariamente, os pressupostos essenciais ao conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b), da LTC, cumpre verificar o seu preenchimento, relativamente às questões colocadas pela recorrente nos presentes autos.
8. Na sequência do convite que lhe foi dirigido, ao abrigo do disposto no n.º 6, do artigo 75.º-A da LTC, a recorrente identificou quatro questões de constitucionalidade. Em relação às duas primeiras questões colocadas, não se colocam – nem vêm suscitados, para além do apreciado supra - obstáculos ao seu conhecimento. O mesmo não acontece quanto às duas outras questões, elencadas em terceiro e quarto lugar.
9. A terceira questão de constitucionalidade enunciada pela recorrente A., SGPS, S.A. prende-se, como as duas anteriores, com o disposto pelo artigo 31.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), com referência a interpretação que “impede que a determinação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital (...) seja efetuada com recurso a métodos de afetação direta e específica, ou real”. Como emerge das alegações apresentadas, com expressão nas conclusões Q e V, a recorrente questiona a conformidade constitucional da aplicação de fórmula pro rata na determinação dos encargos financeiros associados à aquisição de participações, excluídos da formação do lucro tributável, por oposição ao método de afetação direta ou real.
Essa questão, assim recortada, assume identidade material com a questão seguinte, dirigida à sindicância da fórmula prevista nos pontos 7 e 8 da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC, e que a recorrente aponta como impondo a segregação dos encargos financeiros previstos no referido artigo 31.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Na ótica da recorrente, esse fórmula, porque editada em circular, viola os princípios constitucionais da legalidade ou da reserva de lei (formal) aplicável em matéria de impostos.
Na verdade, os pontos 7 e 8 da referida Circular estipulam a orientação acolhida pela Administração para o efeito da afetação dos encargos financeiros suportados pelo recorrente em virtude de financiamento para a aquisição de participação de capital, preconizando a utilização pelo contribuinte de uma fórmula de imputação dos passivos remunerados das SGPS, de acordo com a qual tais gastos ou custos carecem de ser imputados em primeiro lugar aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e a outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.
Temos, então, que essas duas questões comungam o mesmo sentido normativo substantivo – método de afetação dos encargos financeiros dedutíveis para determinação do lucro tributável em sede de IRC – ainda que encarado em duas vertentes distintas, ambas determinantes, na ótica do recorrente, de vício de inconstitucionalidade:
i) No plano competencial e formal, por violação do princípio constitucional da legalidade e da reserva de lei (formal) no domínio da incidência dos impostos;
ii) No plano material, da definição de método distinto da afetação direta ou específica, por violação dos princípios constitucionais da tributação fundamentalmente dirigida ao rendimento real, da igualdade e da capacidade contributiva, aos quais se associa o princípio da neutralidade fiscal.
Assim sendo, justifica-se a ponderação conjunta da verificação dos pressupostos do recurso quanto às duas apontadas questões pois, na verdade, o objeto normativo que se pretende ver sindicado é o mesmo, pese embora convocando distintos quadrantes valorativos.
10. A este propósito, veio a Administração Tributária sustentar a inadmissibilidade do recurso neste particular, por não se pretender a apreciação de uma determinada e concreta norma jurídica, mas sim da interpretação que uma orientação administrativa, constante da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, atribui a uma determinada norma jurídica.
Contrapôs a recorrente que pretende ver apreciada a conformidade constitucional de interpretações extraídas do artigo 31.º, n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, incluindo a que consta da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, “que entende dever qualificar-se como norma”, dizendo ainda que a sua “aplicação e legitimidade constitucionais foram (...) sufragadas pela decisão arbitral”.
A mesma posição surge, em substância, após ter sido ouvida quanto à efetiva aplicação do critério normativo impugnado nas apontadas duas questões de constitucionalidade. Disse então a recorrente que a referida Circular n.º 7/2004 conformou o ato de autoliquidação de imposto e que foi decidido que esse concreto ato não padecia de qualquer ilegalidade, elaborando sobre a correção da fórmula consagrada na mesma e a função que as Circulares desempenham no sistema fiscal hodierno, retomando a defesa da tese, expendida nas alegações, e apoiada no entendimento expendido por Ana Paula Dourado (O princípio da Legalidade – Tipicidade, conceitos indeterminados e margem de livre apreciação, Almedina, 2007, em particular pp. 778) e João Taborda da Gama (Tendo Surgido Dúvidas sobre o Valor das Circulares e Outras Orientações Genéricas...”, in Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, Vol. III, 2011, pp. 155 a 255), de acordo com a qual as Circulares da Administração Tributária comportam eficácia externa, vinculando os contribuintes e também os Tribunais.
Abra-se aqui um parêntesis para referir que a posição subscrita inicialmente pela recorrente nos autos foi distinta, mormente no pedido de constituição de Tribunal Arbitral, onde se encontra afirmada a ausência de efeitos vinculativos heterónimos das Circulares Administrativas (cfr. artigo 227.º).
Ora, apesar do esforço argumentativo da recorrente, não encontramos fundamento para afirmar o relevo paramétrico do sentido normativo acolhido pela Administração Tributária e vazado na referida circular, em termos de suportar a formação de efeitos vinculativos dos particulares – que não se confunde com a sua irrelevância na formação da vontade dos contribuintes, nem com força persuasiva reforçada, em virtude dos privilégios executivos conferidos à Administração – e, sobretudo, que constituam critério ou padrão normativo conformador da atuação jurisdicional dos Tribunais, quando chamados a apreciar litígios no respetivo campo de regulação (cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 4ª edição, 2010, p. 226). Este tem sido, ainda, o entendimento acolhido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de que são exemplo os Acórdãos de 16/01/2002, proferido no processo n.º 26638, e de 7/07/2004, proferido no processo n.º 1784/03 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), marcando igualmente outros ordenamentos jurídicos, como o alemão e o italiano (assim, João Taborda da Gama, ob.. cit, p. 161, nota 8, e Ana Paula Dourado, ob. cit., pp. 726, nota 2178, e 727).
O problema foi já colocado e apreciado neste Tribunal, decidindo-se no Acórdão n.º 583/2009 que as prescrições contidas nas Circulares da Administração Tributária, independentemente da sua irradiação persuasiva na prática dos contribuintes, não constituem normas para efeitos do sistema de controlo de constitucionalidade cometido ao Tribunal Constitucional. Diz-se nesse aresto, entendimento com que concordamos:
«Desde o acórdão n.º 26/85 (publicado no Diário da República, II Série, de 26 de abril de 1985) que o Tribunal Constitucional, com vista a proceder à identificação do objeto idóneo dos processos de fiscalização de constitucionalidade, vem adotando um conceito de norma funcionalmente adequado ao sistema de controlo que a Constituição lhe comete. Cabem neste conceito de norma os atos do poder público que contenham uma “regra de conduta” para os particulares ou para a Administração, um “critério de decisão” para esta última ou para o juiz ou, em geral, um “padrão de valoração de comportamentos”. Mas, como é de um conceito de controlo finalisticamente ordenado a assegurar o sistema de proteção jurídica típica do Estado de direito democrático constitucional que se trata, não basta que o instrumento em causa vincule a Administração a adotar, na prática de atos individuais e concretos de aplicação e enquanto o não alterar, um determinado critério que tenha estabelecido. É necessário que esse critério seja dotado de vinculatividade também para o outro sujeito da relação (heteronomia normativa) e constitua um parâmetro que o juiz não possa deixar de considerar enquanto não fizer sobre ele um juízo instrumental de invalidade. Se o “critério de decisão” é de origem administrativa e só vincula no seio do serviço administrativo de que emana, não há necessidade do tipo de proteção jurídica e de afirmação da supremacia da Constituição que justifica a intervenção do Tribunal Constitucional.
Ora, um problema frequentemente colocado no direito fiscal é o da relevância normativa das chamadas orientações administrativas. Trata-se, como diz Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª ed., pág. 201 (embora afirmando que isso não lhes retira a qualidade de normas jurídicas):
“[…] de regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois. obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos.
Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de atuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).
É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato”.
Esses atos, em que avultam as “circulares”, emanam do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respetivo âmbito subjetivo (da relação hierárquica) que têm observância assegurada. Incorporam diretrizes de ação futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais.
A circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada (n.º 1 do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária) às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, em determinadas circunstâncias (n.º 3 do artigo 68.º da LGT), não altera esta perspetiva porque não transforma esse conteúdo em norma com eficácia externa. É certo que o administrado pode invocar, no confronto com a administração, o conteúdo da orientação administrativa publicitada e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais, mesmo com sacrifício do princípio da legalidade (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 3.ª ed., pág. 344). Mas é ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, não pelo seu valor normativo, que o conteúdo das circulares prevalece. O administrado só as acata se e enquanto lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam (artigo 59.º, n.º 3, alínea e) e artigo 68.º da LGT).
Consequentemente, faltando-lhes força vinculativa heterónoma para os particulares e não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam, as prescrições contidas nas “circulares” da Administração Tributária não constituem normas para efeitos do sistema de controlo de constitucionalidade da competência do Tribunal Constitucional.»
11. Mas, mesmo que se entenda de outro modo, defendendo, como faz a recorrente, que as Circulares da Administração Fiscal comportam função tipificadora quando densificam ou determinam o espaço de regulação legal, vinculando não só a Administração, mas também os particulares e os Tribunais, intercede a ausência de outro pressuposto do recurso quanto às duas apontadas questões, em termos que dispensam o aprofundamento da temática que se vem de abordar. É que o modelo de atuação constante da Circular n.º 7/2004, e o sentido normativo que tem como suporte formal o n.º 2, do artigo 31.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, designadamente o afastamento de método de afetação direta ou específica dos encargos financeiros às participação sociais e o acolhimento de método indireto, com imputação pro rata dos encargos financeiros incorridos aos diversos ativos detidos pela SGPS, não constituiu critério ou padrão normativo determinante do julgamento emitido na decisão recorrida, como exige a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Com efeito, contrariamente ao que sustenta a recorrente, tal sentido normativo não foi aplicado, nem sancionado, pela decisão arbitral recorrida. Em termos claros, a decisão arbitral acolheu o método de afetação direta dos encargos financeiros que a recorrente se propôs deduzir no exercício de IRC no ano de 2003 e, mais ainda, exprimiu discordância relativamente à interpretação constante do teor dos pontos 7 e 8 da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, cujo mérito, no que tange à imposição legal de método indireto de afetação, afastou em abstrato.
Assim decorre do seguinte segmento da fundamentação:
«Forma de cálculo dos encargos financeiros que não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS’s
62. Antes de mais diga-se que em face do quadro factual acima descrito parece resultar incontroversa a afetação dos encargos financeiros que aqui estão em causa às participações sociais que a Requerente detém e que podem vir a beneficiar da exclusão da tributação nos termos do que estatui o n.º 2 do art.º 31.º do EBF, ou seja, para a resolução da questão sub judice não se mostra sequer necessário discorrer sobre o método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, que consiste numa afetação pro rata dos encargos financeiros suportados aos diferentes ativos detidos pela SGPS.
63. Ainda assim, sempre se dirá que, concordando com a hermenêutica defendida pela Requerente, nada na letra do n.º 2 do art.º 31.º do EBF permite retirar a vigência e, por isso, necessária aplicação, do método indireto de afetação de tais encargos financeiros.
64. Considera-se que nos casos em que há possibilidade de afetação direta, ela não deve ser afastada, que se a ratio legis da norma prevista no n.º 2 do art. 31.º do EBF, passa a acautelar a vigência de um regime de neutralidade dos proveitos e custos associado às mais-valias excluídas de tributação, garantindo-se que a rendimento não relevante fiscalmente deve corresponder, correspectivamente, custo que lhe esteja associado também ele irrelevante fiscalmente, então, assim sendo, para se alcançar tal desiderato, qualquer método (direto ou indireto) é bom uma vez garantida a salvaguarda da aludida ratio legis.»
E, mais adiante, quando se aborda a apontada violação do princípio da legalidade, a sentença arbitral exceciona claramente a vertente da imposição de método indireto de afetação dos encargos financeiros do âmbito do juízo de conformidade com o ordenamento constitucional e legal das interpretações sufragadas na Circular n.º 7/2004:
«106. Finalmente, quanto à invocada violação do princípio da legalidade acolhem-se os argumentos esgrimidos pela requerida no sentido de que não se consegue vislumbrar que tal violação tenha ocorrido, tanto mais que, como já afirmado, salvo quanto à questão da imposição do método indireto de afetação dos encargos financeiros, a interpretatio juris constante da Circular n.º 7/2004, está conforme à letra da lei, na medida em que mais não faz do que empreender a descoberta do seu mais preciso significado, em respeito, aliás, pela teoria geral da interpretação da lei e quadro normativo que a conforma, pelo que, julga-se nessa conformidade, também não [foi] violado tal princípio constitucionalmente consagrado» (sublinhado aditado).
Verifica-se, então, que o critério normativo em que assentou a decisão recorrida não encontra identidade com aquele cuja constitucionalidade o recorrente procura ver apreciado, retirando a essa discussão qualquer instrumentalidade, pois nenhum impacto ou efeito comporta sobre o concreto sentido decisório que se atingiu. Qualquer que seja o juízo que se formule sobre a propriedade da edição da Circular da Administração Tributária n.º 7/2004, nos termos em que o foi, ou sobre a legitimidade constitucional da fórmula de imputação pro rata nela acolhida, sempre será inidóneo para atingir a reversão da decisão recorrida, na medida em que o julgamento não foi determinado pela imposição do método indireto de afetação dos encargos financeiros. E não se diga que o Tribunal a quo teceu considerações a esse propósito, concluindo pela conformidade legal de qualquer método, direto ou indireto, de afetação dos encargos financeiros suportados aos diferentes ativos detidos pelas SGPS, pois esse posicionamento, precedido da afirmação da desnecessidade de discorrer sobre o problema, constitui claro obiter dictum.
Assim, também no plano material, consubstanciado na formulação que se encontra enunciada na terceira questão elencada, a questão de constitucionalidade reportada a dimensão normativa extraída interpretativamente do artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, em termos de impedir a determinação dos encargos financeiros suportados com aquisição de partes de capital por recurso a métodos de afetação direta ou específica, ou real, não pode ser admitida, pois não se mostra efetivamente aplicada, como ratio decidendi, pela decisão arbitral recorrida.
Termos em que cabe afastar o conhecimento das duas últimas questões, por inverificados os pressupostos objetivos do recurso, face ao disposto nos artigos 70.º, n.º 1, al. b) e 80.º, n.º 2 da LTC, prosseguindo a apreciação do mérito do recurso tão somente quanto às duas primeiras questões de constitucionalidade.
C) Do mérito do recurso
12. As questões de constitucionalidade colocadas à apreciação deste Tribunal e de que cabe conhecer inscrevem-se em dissídio atinente ao regime de tributação das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), no caso vertente com referência ao ato de (auto)liquidação respeitante ao exercício do ano de 2003.
Na espécie, as questões normativas formuladas decorrem, na ótica da recorrente, da regra de indedutibilidade de custos financeiros das SGPS (em comum com as Sociedades de Capital de Risco) acolhida no n.º 2, do artigo 31.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, fruto da redação conferida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, versando o domínio material da dedução de encargos financeiros com a aquisição de participações financeiras, seja porque aplicável a relações jurídicas constituídas anteriormente à entrada em vigor da referida intervenção legislativa (aí em conjugação com o disposto no n.º 5, do artigo 38.º, da referida Lei), seja na sua articulação com a tributação de mais-valias pela transmissão onerosa de participações sociais, quando estas não se realizem.
Justifica-se, assim, começar pelo enquadramento dessa modificação legislativa, no contexto normativo mais amplo do regime fiscal das SGPS, reconhecidamente complexo, em particular quanto à tributação das mais-valias obtidas com a transmissão onerosa de participações sociais e a sua interligação com a dedução ao lucro tributável de encargos financeiros suportados com a aquisição de tais partes de capital (Júlio Tormenta, As Sociedades Gestoras de Participações Sociais como instrumento de planeamento fiscal e os seus limites, 2011, p. 139, refere-se-lhe como “autêntico ‘puzzle’”).
12.1. As SGPS têm como antecedentes as sociedades holding, as quais encontram a primeira regulação no Decreto-Lei n.º 46032, de 27 de abril de 1965. Seguiu-se-lhe o Decreto-Lei n.º 271/72, de 2 de agosto, estabelecendo o regime jurídico das sociedades que comportem como objeto a gestão de participações, distinguindo entre “sociedades de controlo”, “sociedades de investimento” e “sociedades de aplicações de capitais”, e reconhecendo-lhes papel importante na organização e reforço do tecido empresarial nacional, através do estabelecimento e dinamização de um mercado financeiro que lhe sirva de apoio. Já assim se lhes referira o legislador, na edição de isenção da tributação de Imposto de Capitais sobre juros e dividendos, através do Decreto-Lei n.º 44561, de 10 de setembro de 1962, dizendo: “[t]rata-se de remover um obstáculo de peso à criação de empresas cuja atividade consiste na mera gestão de uma carteira de títulos, e que no estrangeiro, por toda a parte – e até, nos últimos anos, particularmente em países em vias de desenvolvimento – tão grande papel desempenham, sobretudo as sociedades de colocação de capitais, na mobilização do aforro de certas classes, e na sua criteriosa aplicação naquele ou naqueles setores que um eficiente serviço de estudos económico-financeiros demonstre serem os de menor risco e de melhores expectativas de rendabilidade. Desnecessário será encarecer o alcance desta inovação”.
Em 1988, o regime jurídico dessas sociedades viria a ser alterado – modificação inscrita na reforma fiscal que entrou em vigor em 1989 -, através do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, passando a adotar a designação de sociedades gestoras de participações sociais. Logo aí se sinalizou a essencialidade do estabelecimento de um regime que comportasse vantagens fiscais para tais sociedades, mormente no domínio da tributação de mais-valias e menos-valias obtidas, referindo o preâmbulo do diploma que, de outro modo, as SGPS teriam “viabilidade duvidosa e pouco interesse prático”.
12.2. O regime fiscal das SGPS, no que concerne à tributação de mais-valias, sofreu sucessivas alterações desde a aprovação do seu regime jurídico, através do referido Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, até à publicação da Lei n.º 32-B/2002, de 20 de dezembro (horizonte relevante para estes autos, sem esquecer que outras lhe sucederam), denotando-se a procura pelo legislador do ponto de equilíbrio entre o reforço da competitividade das empresas nacionais, no confronto com os vários modelos de tributação privativos de tais veículos jurídicos no quadro das jurisdições europeias concorrentes, e a prossecução das finalidades financeiras do sistema fiscal, de satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (cfr. Relatório do Grupo de Trabalho para a Reavaliação dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 2005, pp. 331-347). Porém, essa constante demanda de fatores diferenciadores positivos, ou meramente restabelecedores de condições de atratividade para o investimento, teve como consequência forte instabilidade legislativa nesta área.
Assim, nos termos conjugados dos artigos 7.º, n.º 2, do referido Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, e 44.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442.º-B/88, de 30 de novembro, as SGPS passaram a beneficiar de um regime de exclusão de tributação de mais-valias obtidas mediante a venda ou troca das participações sociais por si detidas, sempre que o respetivo valor fosse reinvestido até ao final do segundo exercício subsequente ao da realização.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 71/93, de 26 de novembro, que aprovou o Orçamento do Estado Suplementar de 1993, e o aditamento do n.º 6 do artigo 44.º do CIRC, foi instituído um regime de tributação diferida condicionada ao reinvestimento, regime esse que começou por comportar o diferimento por dois anos, sendo posteriormente alargado para três anos e, através da Lei n.º 52-C/96, de 27 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado de 1997, estendido até quatro anos.
Por seu turno, com vigência no ano de 2001, o regime de tributação das mais-valias realizadas por SGPS sofreu nova modificação, por via da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, através de nova redação do artigo 44.º do CIRC, sendo consagrado regime de tributação integral, pese embora faseado ao longo de cinco exercícios anuais, desde que, no exercício anterior ao da realização, ou até ao final do exercício seguinte, o valor de realização fosse reinvestido.
Seguiu-se, pouco tempo depois, a publicação e a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho, em que se procedeu à revisão, entre outros, do CIRC e também do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF). O EBF passou a regular o tratamento fiscal das mais-valias (e bem assim das menos-valias) pela transmissão onerosa de participações sociais por SGPS, através do seu artigo 31.º, que mais não fez do que transpor para este diploma a regra constante do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, ao remeter, no seu n.º 2, para o disposto no artigo 45.º do CIRC (anterior artigo 44.º).
A entrada em vigor da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado de 2002, comportou nova modificação do regime de tributação das mais-valias realizadas por SGPS, instituindo um regime de tributação reduzida a metade e condicionada ao reinvestimento. De facto, com a aplicação às SGPS do regime dos n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º do CIRC, por remissão do artigo 31.º do EBF, foi estatuída a isenção de tributação de um valor correspondente a 50% do saldo positivo das mais e menos-valias realizadas na alienação, caso a participação de capital tivesse sido detida durante um ano à data da transmissão e sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, fosse reinvestido o valor de realização na aquisição de “partes de capital de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial com sede ou direção efetiva em território português ou ainda em títulos do Estado Português”.
13. A Lei n.º 32-B/2002, de 20 de dezembro, pela qual se aprovou o Orçamento do Estado de 2003, em que se inscrevem as normas impugnadas pelo recorrente, veio não só alterar mais uma vez o regime de tributação das mais-valias realizadas pelas SGPS, passando a estar isentas de concorrerem para a formação do lucro tributável em IRC, como, paralelamente, excluir a dedutibilidade das menos-valias e dos encargos financeiros suportados por tais sociedades. Diferentemente do que aconteceu com outras alterações, o legislador não editou qualquer regime transitório, estatuindo expressamente a aplicação do novo regime às mais-valias futuras, i.e., a realizar a partir da sua entrada em vigor, sem prejuízo de possibilitar a aplicação do quadro normativo anterior à diferença positiva entre mais-valias e menos-valias já realizadas.
Assim, diz o preceituado no artigo 38.º, n.º5 da Lei n.º 32-B/2002, de 20 de dezembro:
Artigo 38.º
Estatuto dos Benefícios Fiscais
1 – (...)
2 – (...)
3 - (...)
4 – (...)
5- A alteração introduzida no artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais aplica-se às mais valias e às menos valias realizadas nos períodos de tributação que se iniciem após 1 de janeiro de 2013, sem prejuízo de se continuar a aplicar, relativamente à diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas antes de 1 de janeiro de 2001, o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo 7.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, ou, em alternativa, no n.º 8 do artigo 32.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro.
6 – (...)
7 – (...)
8 – (...)
Por seu turno, a redação conferida pela mesma lei ao artigo 31.º, n.º 2, do EBF, foi a seguinte:
Artigo 31.º
Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e sociedades de capital de risco (SCR)
1 - (...)
2 – As mais valias e as menos valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
3 – (...)
4 – (...)
5 – (...)
Note-se que este preceito corresponde ao atual n.º 2 do artigo 32.º do EBF, em virtude da republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/06.
14. As razões que presidiram a essa normação encontram-se explicitadas no Relatório do Orçamento do Estado para 2003. Sob o título “Principais alterações em sede de IRC,” e a epígrafe “Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade”, aponta-se a isenção de tributação em IRC das mais-valias realizadas pelas SGPS com a alienação de partes de capital detidas há mais de um ano, acompanhada de medidas conducentes a evitar o planeamento fiscal abusivo, aproximando o regime nacional do modelo holandês, medida essa associada ao estabelecimento de regime de desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável de tais sociedades, dos encargos de natureza financeira diretamente associados à aquisição das participações sociais correspondentes (cfr. págs. 53 e 54; relatório acessível em www.dgo.pt).
Denota-se, então, que a intervenção legislativa operada neste domínio em 2003 assumiu preocupação balanceada e intrinsecamente conexionada nos dois campos que regula: ao mesmo tempo que se procura atingir maior competitividade ao regime fiscal nacional, aproximando-o de outros modelos reputados mais atrativos através da isenção de tributação em sede de IRC de mais-valias realizadas, desde que verificadas certas condições (sobre os modelos comparados, designadamente o modelo holandês, Júlio Tormenta, ob. cit., pp. 73 a 95), procedeu-se ao alargamento da base tributável, desconsiderando os encargos financeiros que estavam na base da aquisição das participações sociais, contrabalançando dessa forma o benefício concedido às SGPS face aos demais sujeitos passivos de IRC. Quanto a estes, permaneceram sujeitos à exclusão de tributação de 50% das mais valias realizadas, com condicionantes de reinvestimento e, quando essas condicionantes não se verifiquem, à tributação integral de mais-valias, preservando, em contraponto, a dedutibilidade de encargos financeiros correspondentes à aquisição das participações sociais transmitidas. Tal preocupação de matching entre ganhos e custos das SGPS, e a recusa da acumulação de vantagens, retora da normação editada na Lei n.º 32-B/2002, de 20 de dezembro, mostra-se sublinhada por Luís Graça Moura: “o legislador terá visado a atribuição de um benefício – exclusão total de tributação das mais valias – que, contudo, fosse ‘contrabalançado pela não concorrência de certos encargos financeiros suportados’, criando um ambiente de ‘neutralidade’ entre os eventuais ganhos com determinados ativos (certas imobilizações financeiras) e o passivo necessário à criação das condições para a obtenção de tais ganhos, isto é, o passivo relacionado com a aquisição de tais participações. A construção subjacente seria a de que a contração de tais empréstimos representava, em potência, elemento capaz de colocar a SGPS na posição de realizar mais-valias que excluiu de tributação (...)” (A “nova” Tributação do Rendimento das SGPS: Reflexões acerca da Tributação de Mais-Valias no Quadro do Princípio da Segurança Jurídica, in Revista Jurídica da Universidade Portucalense Infante D. Henrique, n.º 10, março 2003, p. 122).
Posto isto, vejamos as questões de constitucionalidade colocadas pela recorrente.
C.1 Primeira questão de constitucionalidade: da (in)dedutibilidade de encargos financeiros incorridos em virtude de financiamento de aquisição de partes de capitais anterior a 1 de janeiro de 2003.
15. O recorrente enuncia, como primeira questão de constitucionalidade, a pretensão de controlo da constitucionalidade de norma constante do n.º 5 do artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, na medida em que “impõe” a regra da indedutibilidade fiscal de encargos financeiros suportados em virtude de “compromissos” anterior a esse diploma. Aponta-lhe violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal e do princípio da tutela da confiança, considerando em alegações igualmente infringido o princípio da proporcionalidade.
Essa questão foi suscitada perante o Tribunal Arbitral embora, volta a notar-se, não tenha sido sempre a mesma a posição assumida pela recorrente nos autos. Com efeito, a A. , SGPS, S.A., começou por afirmar em sede de impugnação judicial que “[o] facto tributário em causa – a desconsideração de encargos financeiros contratados em momento anterior - é um caso típico de facto tributário de formação sucessiva” e que não ocorreu “retroatividade em sentido técnico (retroatividade de primeiro grau)” (cfr. artigo 210.º, fls. 446). Mais tarde, veiculou entendimento distinto no pedido de intervenção de Tribunal Arbitral, passando a defender, com remissão para a posição subscrita por Rui Camacho de Palma (Algumas questões em aberto sobre o regime de tributação das SGPS, Fisco, n.º 115/116, 2004, pp. 23-59), que o novo regime não se aplicava aos juros decorrentes de compromissos anteriores, que permaneciam dedutíveis, sem o que ficaria operada retroatividade autêntica de norma de incidência, proibida pela Constituição, bem como lesado o princípio da tutela da confiança legítima.
O Tribunal Arbitral recorrido acolheu posição diversa e aplicou norma, extraída interpretativamente da conjugação do n.º 5, do artigo 38.º, da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, com a nova redação do n.º 2 do artigo 31.º do EBF, de acordo com a qual os juros incorridos pela recorrente excluídos de dedução abrangem (também) aqueles correspondentes a contratos relativos ao financiamento da aquisição de participações sociais celebrados em momento anterior à entrada em vigor dessa nova redação do n.º 2, do artigo 31.º, do EBF, afastando os argumentos esgrimidos pela recorrente quanto à verificação de retroatividade fiscal constitucionalmente proibida e, bem assim, a verificação de violação do princípio da tutela da confiança legítima.
Diz-se na decisão recorrida, a esse propósito:
«Aplicação no tempo do n.º 2 do art.º 31.º do EBF que consubstancia a regra da não dedutibilidade dos juros incorridos por SGPS para aquisição de participações sociais detidas por período superior a um ano
39. Desde logo importa a este propósito trazer à colação o disposto no acima transcrito n.º 5 do art.º 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro.
40. Dali se infere que o regime previsto naquele normativo deve ser aplicado a mais-valias e menos-valias realizadas nos períodos de tributação que se iniciem após 1.1.2003.
41. E, em termos de disposições transitórias, cala a lei que colocou a vigorar o art.º 31.º do EBF, na sua redação à data dos factos.
42. Nada disse o legislador quanto à questão da não dedutibilidade dos juros incorridos pelas SGPS’s para aquisição de participações sociais, ou seja, não esclareceu sobre se a desconsideração fiscal daqueles encargos financeiros se aplicava aos que emergiriam de financiamento que já haviam sido contratados antes de 1.1.2003, ou, ao invés, tão-só, as que viessem a emergir de financiamentos outorgados só após aquela data.
43. E uma vez que no caso sub judice estão em causa encargos financeiros que respeitam a contratos de mútuo celebrados em data anterior a 1.1.2003 e incorridos para aquisição de participações sociais adquiridas antes daquela data, tomaremos posição sobre se tal desconsideração dos referidos custos incorridos no exercícios de 2003 se mostra ou não correta; sendo certo que a Requerente advoga que tal desconsideração não deve operar em obediência ao princípio da segurança e certeza jurídica e em respeito pelas fundadas expectativas que decorriam da anterior vigência do regime aplicável às mais-valias e menos-valias realizadas por SGPS’s.
44. Julgamos, no entanto, que não assiste razão à Requerente.
45. Efetivamente, sustenta-se que, do acima transcrito n.º 5 do art.º 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, se pode retirar que a adequada interpretação é a que advoga que estão abrangidas as mais-valias e menos-valias realizadas depois de 1.1.2003, mas respeitantes a participações sociais adquiridas antes e depois de 1.1.2003.
46. Ora, se assim é e tendo o legislador concebido o regime colocado a vigorar com a Lei do Orçamento do Estado para 2003 que exclui totalmente de tributação as mais-valias realizadas por SGPS’s (respeitados determinados condicionalismos e pressupondo a inaplicabilidade do n.º 3 do art.º 31.º do EBF), mas, contrabalançando, com tal exclusão, impondo o legislador a desconsideração dos encargos financeiros suportados para efeitos de apuramento do lucro tributável, mister é concluir que todos os custos incorridos a partir de 1.1.2003, independentemente dos contratos de mútuo (para aquisição de participações sociais que potencialmente venham a beneficiar da exclusão de tributação) a que estão ligados, haverem sido outorgados antes da entrada em vigor do n.º 2 do art.º 31.º do EBF, irrelevam para efeitos de apuramento do lucro tributável das SGPS’s.»
E prossegue-se, depois de citar Luís Graça Moura, no trecho transcrito supra (cfr. ponto 14):
«48. Assim sendo, se, a partir de 1.1.2003, as mais-valias realizadas não concorriam para a formação do lucro tributável das SGPS’s, então, atenta a aludida característica da neutralidade de que falava Luís Graça Moura, os encargos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais que possam, potencialmente, vir a beneficiar do regime de exclusão de tributação, independentemente do financiamento que lhes deu origem haver sido contratado antes de 1.1.2003, também não podem influenciar a determinação do lucro tributável da SGPS’s. Ou seja,
49. Se os ganhos não são tributários; os correspondentes custos que estão incontornavelmente ligados a tais rendimentos e incorridos a partir de 1.1.2003, não podem igualmente ser considerados para efeitos de apuramento do lucro tributável das SGPS’s.
50. Face ao exposto e bem ao invés do que sustenta a Requerente, decide-se no sentido de que o regime instituído pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, mais propriamente quanto à questão de desconsideração dos encargos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais que possam beneficiar da exclusão de tributação prevista no n.º 2 do art.º 31.º do EBF, tem aplicabilidade (tal desconsideração) a encargos financeiros incorridos a partir de 1.1.2003, independentemente dos financiamentos que lhes estão subjacentes haverem sido contratados antes daquela data.»
Mais adiante, toma-se posição sobre a conformidade de tal sentido normativo com a proibição constante do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição:
«76. Sustenta ainda a Requerente que a aplicação do n.º 2 do art.º 31.º do EBF, nos termos em que a Circular n.º 7/2004 o interpreta (e que, no essencial, se acolhe), a uma relação constituída antes da entrada em vigor da Lei n.º 32-B/2002, constitui uma aplicação retroativa da lei fiscal proibida pelo nosso ordenamento, em clara violação do princípio da não retoactividade da norma fiscal disposto no n.º 3 do art.º 103.º da CRCP e do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica.
77. Vejamos se assim é...
78. Afirma Luís Graça Moura, obra acima citada, pág. 125, que o momento relevante para a determinação do caráter retroativo da norma fiscal à luz da regra constitucional é o da verificação do facto tributário, sendo retroativa aquela que atinja esse facto retrospetivamente ao momento da sua entrada em vigor, constituindo facto tributário de um imposto, o facto jurídico de que depende o aparecimento da obrigação de imposto, o que, no caso do IRC, se reconduz à perceção do rendimento.
79. Dito isto e mais alguns considerandos que não importa aqui trazer, sustenta, aquele, que a redação do art.º 31.º do EBF, colocada a vigorar com a publicação da Lei n.º 32-B/2002, não padece daquele vício, porquanto apenas se aplica a mais-valias ou menos-valias realizadas após a respetiva entrada em vigor e bem assim a encargos financeiros suportados igualmente após a data dessa entrada em vigor.
80. Acompanha-se aqui, in totum, a posição interpretativa vinda de explicitar, pelo que, igualmente se considera que a alteração legislativa acima referida não está enfermada por violação do n.º 3 do art.º 103.º da CRP e até por violação do n.º 1 do art.º 12.º da LGT.»
Em alegações, e perante os argumentos em contrário que o Tribunal a quo avançara, a recorrente pouco acrescenta ao que suscitara no requerimento de constituição de Tribunal Arbitral. Para além da afirmação da infração do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, refere tão somente que as aquisições “podem implicar um financiamento amortizado ao longo do período temporal firmado” e que “a aquisição da participação é o elemento nuclear em torno do qual gravita a nova tributação consubstanciada na indedutibilidade do juros”.
16. Introduzida pela Revisão Constitucional de 1997, a proibição constitucional da imposição de impostos retroativos consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Lei Fundamental, tem amiúde merecido a atenção deste Tribunal. Ao longo de elaboração que encontra raízes em reflexão anterior à referida Revisão Constitucional, porque decorrente do princípio da proteção da confiança, inscrito no princípio do Estado de Direito, nos termos do artigo 2.º da Constituição (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, 4ª edição, p. 1092 e 1093), o Tribunal Constitucional vem afirmando o entendimento de que a regra da proibição da retroatividade fiscal apenas se dirige à retroatividade autêntica, ou própria, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a Lei Nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da Lei Antiga, excluindo do seu âmbito de aplicação as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, as situações em que o facto que a Lei Nova pretende regular não ocorreu totalmente ao abrigo da Lei Antiga, antes continuando a formar-se na vigência da Lei Nova, pelo menos, quanto estão em causa impostos diretos relativos ao rendimento (Acórdãos n.ºs 128/09, 85/10, 399/10, 18/11 e 310/12).
Ora, e acompanhando inteiramente o raciocínio constante da decisão recorrida, não ocorre, assim, com a normação questionada pelo recorrente qualquer tipo de retroa tividade.
Desde logo, importa notar que as considerações sobre a aplicação de Lei Nova fundadas em critério assente na modificação do quadro legal de elementos essenciais da relação jurídico-civil, em especial das relações obrigacionais, não podem ser transpostas para a relação jurídico-fiscal, alicerçada no conceito de facto tributário. Diga-se, em todo o caso, que o regime consagrado no artigo 12.º do Código Civil ressalva da aplicação da Lei Nova os efeitos jurídicos já produzidos e que a obrigação de juros, ainda que acessória da obrigação principal, dela preserva autonomia, por força do disposto no artigo 561.º do Código Civil, o que depõe em sentido oposto ao defendido pela recorrente, assente na continuidade das estipulações nesse domínio.
Por outro lado, o elemento relevante na espécie não corresponde à amortização de financiamento, mas sim à remuneração do capital mutuado para aquisição de participação sociais, sendo esse – o gasto incorrido - e o seu balanceamento com a suscetibilidade de propiciar ganho, através da realização de mais-valias, e não o acréscimo patrimonial em si mesmo, o cerne da normação editada no art.º 38.º, n.º 5 da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, e do regime de (in)dedutibilidade que passou a constar do art.º 31.º, n.º 2 do EBF. Acresce que, como se sublinha na decisão recorrida, o facto tributário em IRC corresponde à perceção de rendimento, sendo o gasto ou custo atendido na sua função instrumental face ao rendimento-acréscimo sujeito a tributação (não isento).
É certo que norma contida no n.º 2 do artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, no que se refere aos “encargos financeiros”, constitui norma de incidência, na medida em que contribui para o apuramento do rendimento tributável da recorrente, versando variação patrimonial negativa que deixa de concorrer para a fixação do lucro tributável (cfr. António Moura Portugal, A dedutibilidade dos custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Ed., 2004, p. 104). E, como se diz no Acórdão n.º 620/99, “a fixação da matéria coletável constitui um momento central da determinação do montante do imposto, pois influencia decisivamente o apuramento do respetivo quantum (interferindo, consequentemente, nas garantias do contribuinte). Nessa medida, consubstancia um elemento estruturante da obrigação tributária, integrando, desse modo, o núcleo fundamental do conjunto de matérias cobertas pelas normas constitucionais de âmbito fiscal”. Daí decorre a sujeição de regra que influa na fixação da matéria coletável, como inegavelmente acontece com a normação alojada no n.º 2, do artigo 31.º, do EBF, ao princípio da retroatividade da lei fiscal.
Também não parece oferecer contestação de que os juros que remuneram capitais alheios, mormente por operações de crédito, integram o conceito de encargos financeiros, de acordo com a exemplificação constante do artigo 23.º, n.º 1, al. c) do CIRC.
Mas, de igual jeito, tais encargos não se afastam dos princípios gerais que regem a imputação de custos dedutíveis, mormente o princípio da especialização de exercícios (artigo 18.º do CIRC) e o princípio da homogeneidade entre custos dedutíveis e os rendimentos ou proventos sujeitos a imposto a que estejam ligados, de forma a que não seja atribuído um tratamento à causa (custo) e outro ao efeito (rendimento ou proveito), mormente no plano do âmbito de aplicação temporal do regime pertinente (assim, António Moura Portugal, ob. cit., p. 117-123).
A esta luz, verifica-se que o binómio encargo financeiro não dedutível/realização de mais-valia isenta forma-se inteiramente no domínio da Lei Nova, que nenhum efeito retroativo comporta relativamente aos encargos financeiros incorridos e a mais-valias realizadas em exercícios anteriores a 2003. No seu específico campo de regulação, a normação em apreço rege inteiramente para o futuro – mais ou menos valias realizadas após a sua entrada em vigor e bem assim encargos financeiros suportados igualmente após 1/1/2003 - sem qualquer grau de afetação dos efeitos jurídico-fiscais produzidos em momento anterior ao da sua entrada em vigor.
Falece, pelo exposto, a crítica de violação da regra que proíbe a retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição.
17. Esta conclusão não dispensa a apreciação da medida legislativa, e da mudança de regime relevante para a definição do comportamento dos agentes económicos a que se dirige, face ao princípio da tutela da confiança legítima, decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático constante do artigo 2.º da Constituição.
Esse princípio postula “uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e segurança jurídica nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica (Acórdão n.º 237/98). O que, porém, não posterga a liberdade de conformação do legislador democraticamente legitimado e o princípio da autoreversibilidade das leis.
Dentre as múltiplas ocasiões em que este Tribunal se debruçou sobre este fundamento de inconstitucionalidade em matéria tributária, destaca-se o que se afirmou no Acórdão n.º 128/09:
«(...) O tema da proteção da confiança tem sido abundantemente tratado pelo Tribunal Constitucional. Contudo – e em matéria tributária – a jurisprudência do Tribunal sobre o que queira dizer «a necessária proteção da confiança legítima» não pode deixar de ser olhada com cautela, consoante a sua produção tenha ocorrido antes ou depois da revisão Constitucional de 1997. Na verdade – e como o tem dito a doutrina –, com a formulação atual do nº 3 do artigo 103º da CRP alterou-se o lugar constitucional que o princípio decorrente do artigo 2º ocupa em matérias de natureza fiscal: a aprovação, em 1997, de um princípio geral de irretroatividade da lei fiscal veio modificar (e não diminuir ou aumentar) a relevância do princípio. Quer isto dizer exatamente o seguinte.
A proibição expressa da retroatividade da lei fiscal não tornou inútil a eventual aplicação, a matérias de natureza tributária, do parâmetro da proteção da confiança. Como diz Casalta Nabais, (Cfr. “Direito Fiscal”, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 149) a proteção da confiança não foi absorvida pelo novo preceito constitucional. Ao textualizar a proibição de normas fiscais retroativas, a Constituição conferiu uma especial corporização ao princípio, corporização essa que se traduz na necessária ausência de ponderações sempre que ocorram casos [de leis tributárias] que sejam retroativas em sentido próprio ou autêntico. Nesses casos – nos quais, recorde-se, se não inclui o presente - não há lugar a ponderações: a norma retroativa é, por força do nº 3 do artigo 103º, inconstitucional. Mas tal não significa que, por causa disso, se tenha esgotado ou exaurido a «utilidade» do princípio da confiança em matéria tributária. Pode haver outras situações – de retroatividade imprópria, ou até de não retroatividade – que convoquem a questão constitucional que é resolvida pela tutela da confiança.
Sucede, porém, que, ao contrário do que sucede com a aplicação do princípio contido no nº 3 do artigo 103º da Constituição, a «mobilização» do princípio da confiança em matéria tributária obriga a um juízo que não prescinde de ponderações: saber se a norma é ou não inconstitucional (por violação da proteção da confiança) obriga a que se tenha em conta, e se pondere, tanto o contexto da administração tributária quanto o contexto do particular tributado.
8.2. No Acórdão n.º 287/90, de 30 de outubro, o Tribunal estabeleceu já os limites do princípio da proteção da confiança na ponderação da eventual inconstitucionalidade de normas dotadas de «retroatividade inautêntica, retrospetiva». Neste caso, à semelhança do que sucede agora, tratava-se da aplicação de uma lei nova a factos novos havendo, todavia, um contexto anterior à ocorrência do facto que criava, eventualmente, expectativas jurídicas. Foi neste aresto ainda que o Tribunal procedeu à distinção entre o tratamento que deveria ser dado aos casos de «retroatividade autêntica» e o tratamento a conferir aos casos de «retroatividade inautêntica» que seriam, disse-se, tutelados apenas à luz do princípio da confiança enquanto decorrência do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição.
De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:
a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).
Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.
Este princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui proteção.
Por isso, disse-se ainda no Acórdão nº 287/90 – e importa ter este dito presente no caso – que, em princípio, e tendo em conta a autorevisibilidade das leis, “não há (…) um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados”.»
18. A recorrente sustenta que a normação constante do artigo 38.º, n.º 5 da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, ao não ressalvar do novo regime fiscal os compromissos financeiros e inerentes encargos contratados anteriormente à data da sua entrada em vigor, lesou a confiança assente em “fundadas e legítimas razões para contar com a dedutibilidade de encargos financeiros incorridos no âmbito de financiamentos obtidos que suportam a aquisição de participações sociais ocorrida” antes da nova regra fiscal.
Porém, esta posição não merece acolhimento, inverificados que estão os apontados requisitos da proteção da confiança legítima.
Em primeira linha, não se encontra razão para sustentar que o Estado, através da Administração Fiscal, tenha permitido a criação de expetativa de manutenção do regime de concorrência para a fixação do lucro tributável das SGPS dos factos tributários conexos, correspondentes à realização de mais-valias e à dedução dos encargos financeiros com a aquisição de participações sociais em certas condições. Aliás, a evolução legislativa anterior aponta mesmo no sentido oposto, tal a constância e sucessão de alterações, denotando constante preocupação do Estado em atingir regime que fosse, a um tempo, suficientemente favorável às SGPS e assegurasse a competitividade do regime fiscal nacional das SGPS face ao de outros Estados, em especial os regimes holandês e luxemburguês, sem colocar em causa as finalidades do sistema fiscal, de satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos (artigo 103.º, n.º 1 da Constituição). Admitir o contrário seria aceitar um princípio de imutabilidade das leis neste domínio, o que se rejeita.
Em segundo lugar, também não se vê como considerar tal expetativa – a existir - como legítima, porque assente em boas razões, na medida em que assentaria na indiferença pela neutralidade entre ganhos e custos e pelo equilíbrio que possa (deva) ocorrer com a isenção de tributação, como que acolhendo uma “proibição do retrocesso” em matéria de deduções fiscais, que igualmente não decorre imperativamente do texto constitucional.
Também não se encontra no contexto factual subjetivo dado como assente na decisão recorrida fundamento para considerar que a recorrente modelou a sua atividade e investimento no pressuposto da continuação do comportamento da Administração Tributária, tanto mais que ficou demonstrado que a aquisição da participação social ocorreu em 1994 e os encargos derivam de contrato de empréstimo que vigorou por longo período, tendo a recorrente assumido esse passivo apenas em novembro de 2002, no âmbito de operação de fusão-cisão. Não se perfila, nesse quadro de facto temporalmente reduzido, que a recorrente pudesse ter legitimamente interiorizado como elemento fundamental da sua atividade societária a permanência do regime de dedutibilidade de encargos financeiros aplicável às SGPS, tanto mais que na data em que ocorreu a assunção do encargo com o financiamento já havia sido apresentado o relatório do Orçamento de Estado para 2003, tornado público em outubro de 2002, o que remete a aplicação da normação em apreço para zona de previsibilidade da recorrente no momento em que assumiu a posição devedora no quadro mutuário em curso. Aliás, noutro passo das alegações, projetando o futuro, a recorrente refere-se às sucessivas mutações dos regimes fiscais a que têm sido sujeitas as SGPS, em especial a partir de 1988, como “inferno de inconstância e instabilidade”, criticando as “constantes volta[s] e reviravoltas por que tem passado o regime fiscal das SGPS”, reflexão e consciência que não pôde deixar de tomar parte no seu processo de decisão logo em 2002, mesmo tendo em atenção a racionalidade de grupo que marca a vida da espécie societária.
Encontra cabimento neste plano de análise a convocação pela recorrente do artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, acompanhada da consideração de que “ser ou não ser uma SGPS não é uma questão de opção”. Todavia, esse preceito estipula a dissolução de SGPS que exerça de facto atividade económica direta, nos termos do artigo 144.º do Código das Sociedades Comerciais, de acordo com o princípio da adequação da forma societária ao seu objeto, sem que daí resulte qualquer vinculação incidente sobre as opções de financiamento da aquisição de participações sociais que integrem o objeto societário típico de uma SGPS. Note-se que, ainda que as SGPS apenas possam dirigir a sua atividade societária para a gestão de participações sociais, esse objeto não lhes é exclusivo. Outras espécies societárias podem desenvolver, em paralelo com atividade económica direta, a gestão de participações de capital de que sejam titulares. Acresce que o argumento da ausência de opções ou alternativas mostra-se difícil de compatibilizar com a indicação constante nas alegações da “sempre presente hipótese de a recorrente vir a ter necessidade de abandonar por razões de atividades a prosseguir, ou quaisquer outras, o regime legal das SGPS”.
Por último, mesmo que fosse de considerar verificados os três primeiros requisitos para a consideração de que estamos perante uma situação de confiança digna de tutela – e não estão -, a intervenção legislativa abona-se em razões de interesse público prevalecente, seja no apontado balanceamento ou encontro das variações patrimoniais positivas e negativas concorrentes para a formação do lucro tributável, seja na procura de fatores que preservem a atractibilidade do regime fiscal das SGPS, com vista à dinamização da organização e instalação de grupos económicos em Portugal, mas fazendo-o em termos de atingir justa e equilibrada repartição dos encargos fiscais entre os vários contribuintes e removendo a possibilidade de conceder a esses contribuintes - e apenas a eles - duplo benefício: isenção de tributação de mais-valias e dedução de encargos financeiros decorrentes da aquisição das participações sociais transmitidas onerosamente e detidas por não menos de um ano. No mínimo, não resulta evidente que a tutela das expetativas de permanência do regime anterior – rectius de apenas uma das componentes do regime anterior, pois a requerente nada opõe a que lhe seja aplicável a isenção integral de mais valias realizadas com a alienação de participações sociais adquiridas em momento anterior a 2003 - deva prevalecer sobre a proteção dos interesses públicos que se encontram na base da alteração.
A recorrente esgrime neste ponto com violação do princípio da proporcionalidade, sem concretizar em que medida incorreu o legislador em excesso. Ora, e pelo que se vem de dizer, não se encontra na normação questionada ultrapassagem da medida necessária à prossecução das finalidades de interesse público apontadas, em termos que mereçam censura por infração do disposto no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição, na sua necessária articulação com o princípio da tutela da confiança legítima (sobre a associação entre os dois princípios, cfr. Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, pp. 268-269).
C.2 Segunda questão de constitucionalidade: da (in)dedutibilidade de encargos financeiros incorridos em virtude de financiamento de aquisição de partes de capitais
19. A segunda questão de constitucionalidade colocada pela recorrente perspetiva a norma do n.º 2, do artigo 31.º do EBF, não já no seu âmbito de aplicação temporal, mas na dimensão material (negativa) que comporta. Assim, o recorrente pretende ver sindicada a conformidade constitucional do sentido normativo que “impõe a indedutibilidade fiscal de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital a priori, i.e. logo que estes sejam incorridos, independentemente e desligadamente da (eventual) aplicabilidade futura da isenção prevista para as (também elas eventuais ou incertas) mais-valias geradas pelas partes de capital com que se conexionam os referidos encargos financeiros”. Como parâmetros constitucionais violados, aponta no requerimento de interposição de recurso, os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da proporcionalidade, com referência ao disposto nos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2 da Constituição. Alude ainda ao princípio da neutralidade (fiscal), sem que lhe dedique nas alegações qualquer consideração ou argumento, cabendo então considerar que não o oferece como parâmetro autónomo, antes como vertente de ponderação dos princípios constantes dos preceitos da Constitucionais que especifica, em especial dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.
Decorre dessa formulação, e resulta vincado das alegações apresentadas, que a recorrente não questiona a legitimidade constitucional da indedutibilidade dos encargos financeiros, quando incorridos no mesmo exercício em que sejam realizadas mais-valias com a alienação de participações sociais a cuja aquisição tais encargos financeiros digam respeito. O que a recorrente considera desprovido de legitimidade constitucional reside, por um lado, na dissociação temporal potencial – entenda-se, em exercícios e períodos de tributação distintos – entre a incidência negativa dos custos financeiros em que incorre e o usufruto do benefício, através da isenção de contribuição das mais-valias realizadas para a fixação do lucro tributável, sublinhando que estas podem nem ter lugar.
Resulta, assim, da posição sufragada pelo recorrente a defesa da imposição constitucional da invariável dedução ao concurso para o apuramento do rendimento tributável de custos suportados pelo contribuinte com a aquisição de participações sociais, sem que o se estará infringir a sua capacidade contributiva e a proporcionar tributação sobre rendimento inexistente, fictício, vedada pelo princípio da tributação das empresas pelo rendimento real ou efetivo, de acordo com o artigo 104.º, n.º 2 da Constituição. Porém, essa visão não merece acolhimento.
20. No que tange à violação do princípio constante do n.º 2 do artigo 104.º da Constituição, expressão qualificada para a tributação das empresas do principio da capacidade contributiva, a sua compreensão não dispensa a ponderação do advérbio que modula o seu alcance: “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real” (itálico aditado). A este propósito, diz-se no Acórdão n.º 162/2004 (reafirmado no Acórdão n.º 85/2010, em quadro normativo aproximado ao dos presentes autos, relativo à indedutibilidade das menos-valias realizadas por SGPS):
« [...] o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, [...].
Por outro lado, a injunção constitucional da tributação segundo o rendimento real não pode deixar de atender, necessariamente, aos princípios da praticabilidade e de operacionalidade do sistema, pelo que não pode deixar de se lhes reconhecer natureza constitucional, sob pena dos arquétipos legalmente construídos não conseguirem realizar, com a aproximação possível, o princípio da universalidade e da igualdade no pagamento dos impostos.
Um sistema inexequível ou um sistema que não permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente, conduz em linha reta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real.
São estas as dificuldades que explicam que a Constituição se tenha limitado a prever que a imposição fiscal deve incidir fundamentalmente sobre o rendimento real, não «excluindo com tal disposição o recurso a outras formas fiscais estranhas ao mito do apuramento declarativo-contabilístico do rendimento real» ? José Guilherme Xavier de Basto (O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária, in Fiscalidade, n.º 5) (cfr. também, João Pedro Alves Ventura Silva Rodrigues, Algumas reflexões em torno da efetiva concretização do princípio da capacidade contributiva, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2003, pp. 906 ess.).
No dizer de Casalta Nabais, «a CRP, ao exigir que a tributação das empresas se norteie pelo rendimento real, está apenas a “recortar” o quadro típico ou caracterizador do sistema fiscal (...) e não [a] “estabelecer” ou “desenhar a cheio” esse mesmo quadro» (cfr. “Alguns aspetos do quadro constitucional das empresas”, in Fisco, n.os 103/104, pp. 19).»
Como afirma Casalta Nabais, “o art. 104.º, n.º 2, da Constituição, não obsta ao estabelecimento de regimes que se afastem da regra da tributação pelo rendimento real. E se afastem, no limite, até ao ponto de a tributação assentar num rendimento normal, conquanto que tal afastamento do regime regra se apresente plenamente justificado e constitucionalmente conformado” (Fisco, cit, pp. 24; vide, igualmente, Direito Fiscal, 7ª edição, 2012, pp. 177-178). Daí que “em última instancia, o rendimento efetivamente sujeito a tributação, mesmo quando apurado através de contabilidade bem organizada, é sempre um dado construído segundo escolhas do legislador, o qual pondera em que medida se deve ou não afastar dos registos contabilísticos da realidade económica subjacente” (António Carlos Santos, Da questão fiscal à reforma da reforma fiscal, 1998, pp. 129).
Nesta medida, a Constituição não torna imperioso que a tributação do rendimento das empresas acompanhe, sempre, no momento e de acordo com contabilização dos fluxos financeiros positivos e negativos, os ganhos, custos e perdas realizados ou incorridos em cada período de tributação. Sendo o rendimento real conceito normativamente modelado, não viola o princípio constante do n.º 2 do artigo 104.º da Constituição o regime fiscal que, em prol da neutralidade fiscal – não sendo tributado o ganho, o custo que lhe esteja associado também não o deve ser -, estabeleça a indedutibilidade de um custo em função da suscetibilidade da realização de mais-valias isentas de tributação, cuja realização futura se considere provável ou expectável.
21. Por outro lado, também não ocorre, com a indedutibilidade de um custo, ou a sua dedução apenas parcial, a violação do princípio da capacidade contributiva (artigo 103.º, n.º 2 da Constituição), enquanto expressão do princípio da igualdade no plano tributário, que carece de ser articulado com a margem de ponderação do legislador tributário, como este Tribunal vem decidindo (Acórdãos n.º 418/2000, 451/2002 e 85/2010).
Nos termos do Acórdão n.º 711/2006:
«[É] claro que o ‘princípio da capacidade contributiva’ tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal.»
E prossegue:
«Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondentes liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (...) – como proibição do arbítrio».
Seguramente, não se pode encontrar no quadro normativo em análise tratamento discriminatório das SGPS, no confronto com outros contribuintes de IRC detentores de participações de capital. Mesmo que estabeleça regime diferenciado entre espécies societárias detentoras de participações sociais, a normação não se mostra arbitrária, desprovida de fundamento razoável ou sem justificação objetiva e racional e, então, violadora do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição).
Desde logo porque, como se sublinha na decisão recorrida, o termo de comparação com outras sociedades não pode ignorar que estas não se encontram em posição de partida equivalente, na medida em que os ganhos decorrentes de mais-valias realizadas com a alienação de participações sociais não são suscetíveis de isenção de tributação em IRC. Não existe, por isso, identidade de condições entre a recorrente e tais contribuintes, de forma a que se possa considerar ter sido criado regime de tributação particular globalmente desfavorável para as SGPS, com referência a encargos financeiros geneticamente ligados à aquisição de participações sociais.
Também, o argumento da incerteza da realização de mais-valia, e consequentemente da isenção da sua contribuição para a formação do lucro tributável, não comporta, neste campo valorativo, o resultado que a recorrente lhe atribui. Essa suscetibilidade – em si mesma portadora de valor e assente numa perspetiva de implícita continuidade da atividade da SGPS - persiste, ao contrário do que acontece com outros contribuintes, em termos de equilibrar – neutralizar - os encargos financeiros em que incorreu o contribuinte, cabendo na sua margem de determinação económica, no âmbito regular da atividade de gestão de participações sociais, a escolha quanto à conveniência e oportunidade da alienação de parte de capital e realização de mais-valias. Outras soluções normativas capazes de atingir o mesmo desiderato poderiam, é certo, ter sido acolhidas, mas essa escolha cabe na margem de determinação do legislador democrático, que no plano das normas de incidência negativa, como em geral no estabelecimento de benefícios fiscais (em sentido lato, na definição de Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 165, pp. 31 e segs.), haverá que reconhecer como dotada de especial amplitude, em função de maior ou menor performance económica do setor empresarial visado e da margem orçamental a que o Estado possa recorrer.
Acresce que, no caso em apreço, intercedem especiais razões de praticabilidade e exequibilidade. Elaborando sobre as várias soluções normativas para o problema da dilação entre encargos financeiros e realização de mais-valia – critério da intenção de dedução; adoção de um princípio de dedutibilidade; adoção de um princípio de não dedutibilidade – Tiago Guerreiro afasta as duas primeiras, pelo convite à fraude fiscal e por inviabilidade de se proceder a acerto a posteriori, mormente com a apresentação de declarações de substituição relativas a períodos de imposto anteriores, conclui que “[e]sta terceira opção parece a mais viável, e consiste em os sujeitos passivos adotarem como regime regra em termos genéricos no novo regime estabelecido, e, no momento da realização, caso se verifiquem algumas das situações previstas no n.º 3 do artigo 31.º que implicam o afastamento do regime regra, então fazer as devidas correções, permitindo ao sujeito passivo considerar para a formação do seu lucro tributável os encargos financeiros suportados” (O Novo Regime Fiscal das SGPS, 2003, pp. 35 e 36).
22. Pelas mesmas razões, cumpre afastar, a partir da mera dissociação temporal entre a não dedução (imediata) dos encargos financeiros e isenção (futura) de tributação de mais-valias realizadas a violação do princípio da proporcionalidade. Esse afastamento decorre, desde logo, da distinta natureza e tipologia de formação dos factos tributários em ponderação, protelando-se sucessivamente e ao longo de período temporal alargado, abrangendo os encargos financeiros vários exercícios e períodos de tributação, enquanto a realização de mais-valias ocorre num único momento e período de tributação. Nessa medida, não se reputa de excessivo e intolerável regime que pondere e faça atuar a indedutibilidade de encargos financeiros ex ante, em cada período de tributação em que são incorridos, por referência à medida que a equilibra, tendo em atenção a preservação da possibilidade de (efetiva e futura) realização de mais-valias. Tanto mais que a normação em apreço não exclui a eventualidade de correção dos custos não deduzidos em períodos tributários anteriores, caso a alienação de participação de capital não revista os requisitos para a aplicação do regime especial de isenção das mais-valias. Assim o entendeu o Tribunal a quo, em linha com a orientação interpretativa sufragada pela Administração Tributária no ponto 6 da Circular n.º 7/2004, inscrevendo no critério normativo aplicado a consideração de que “a desconsideração dos encargos financeiros deve operar de imediato, não dependendo da alienação das participações sociais e da realização de mais-valias, o que implica não considerar, ab initio, os custos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais que possam vir a beneficiar da exclusão de tributação prevista no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, corrigindo-se essa desconsideração inicial se se constatar, a posteriori, que o requisito temporal previsto naquele normativo se não verificou”.
Importa recordar que, como parâmetro de controlo jurisdicional da atividade legislativa, o princípio da proporcionalidade rege-se por critérios de evidência e que, quando não se denota ultrapassagem da justa medida, como aqui acontece, prevalece a liberdade de conformação do legislador democrático. Como se afirma no Acórdão n.º 632/2008: “o poder legislativo se distingue do poder administrativo precisamente pela liberdade que tem para, no quadro da Constituição, eleger as finalidades que hão de orientar as suas escolhas: disto mesmo aliás se fala, quando se fala em liberdade de conformação do legislador. Daqui decorre que o juízo de invalidade de uma certa medida legislativa, com fundamento em inobservância de qualquer um dos testes que compõem a proporcionalidade, se há de estribar sempre – como se disse no acórdão n.º 187/2001 – em manifesto incumprimento, por parte do legislador, dos deveres que sobre ele impendem por força do princípio constitucional da proibição do excesso”.
A recorrente coloca ainda em equação, como demonstração de que as SGPS sofrem situação agravada perante as restantes sociedades, a vertente da dedutibilidade das menos-valias e do saldo entre mais-valias e menos-valias. Porém, essa consideração ultrapassa a ponderação do contexto normativo, pois convoca a apreciação da constitucionalidade de vertente do regime que não se encontra comportada na questão em apreço, centrada na indedutibilidade (imediata) dos encargos financeiros e, mais do que isso, que não encontrou aplicação na decisão recorrida.
III. Decisão
23. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do n.º 5, do artigo 38.º, da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, e do n.º 2, do artigo 31.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redação conferida pela mesma lei, na interpretação que impõe a aplicação às SGPS da regra da indedutibilidade fiscal de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, com respeito aos encargos financeiros resultantes de compromissos anteriores à referida Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro;
b) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redação conferida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, na parte em que impõe a indedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital logo que estes sejam incorridos, independentemente da realização de mais valias isentas de tributação com a alienação de tais partes de capital;
c) Julgar, nessa parte, improcedente o recurso;
d) Não conhecer do recurso quanto às demais questões colocadas;
e) Condenar a recorrente nas custas, que se fixam em 25 (vinte e cinco) unidades de conta, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido.
Notifique.
Lisboa, 9 de janeiro de 2014.- Fernando Vaz Ventura – Ana Guerra Martins - Pedro Machete – João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro.