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Processo n.º 307/14
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Púbico, o primeiro reclamou do despacho daquele tribunal que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional.
2. O aqui reclamante foi condenado em 1.ª instância, em cúmulo, na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra viria a ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido. Igualmente improcedente foi julgada a arguição pelo arguido de “nulidade e inconstitucionalidade” daquele acórdão.
Inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.
Como o recurso não foi admitido, reclamou para o Presidente daquele tribunal. Por decisão de 31 de janeiro de 2014, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação.
Finalmente, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 410.º, n.º 3, 412.º n.º 3 e 4, 425.º n.º 4, 379.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal (CPP), ao tempo em vigor, na interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Coimbra e Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que, em seu entender, viola os artigos 16.º, 20.º e 32.º, n.º 1 da Constituição e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Como o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não tomar conhecimento daquele requerimento de interposição de recurso, reclama agora para o Tribunal Constitucional.
3. É o seguinte o teor do despacho reclamado:
“A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da LTC, para que seja apreciada a inconstitucionalidade dos arts. 410.º, n.º 3, 412.º, n.ºs 3 e 4, 425.º, n.º 4 e 379.º, n.º 1, alínea c), todos do CPP, na interpretação seguida pelos Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra e pelo Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por violação dos arts. 16.º, 20.º, 32.º, n.º 1, da CRP e 6.º da CEDH.
As questões de inconstitucionalidade que o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie reportam-se a decisões proferidas pelo Tribunal da Relação.
Com efeito, para além destas questões de inconstitucionalidade não terem sido suscitadas na reclamação, também diversamente do invocado pelo recorrente, as mencionadas normas não foram aplicadas na decisão que a indeferiu.
Assim, não compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, atento o disposto no art. 76.º, n.º 1, da LTC.
Nestes termos, não se toma conhecimento do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, por as normas invocadas, não se referirem a decisão proferida nos termos do art. 405.º do CPP.”
4. O Reclamante sustenta a reclamação nos seguintes fundamentos:
“1 - O reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do art. 75º-A da L.T.C., cujo objeto versa sobre as questões de inconstitucionalidade já invocadas, pelo meio processualmente adequado, perante o Tribunal da Relação de Coimbra e o Supremo Tribunal de Justiça.
2- Ora, o Tribunal a quo, por despacho datado de 24 de Fevereiro de 2014, decidiu não conhecer do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, entendendo que as normas invocadas, não se referem à decisão proferida pelo Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
3- Mais, ainda pode ler-se na fundamentação de tal despacho que:
Assim, não compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, atento o disposto no art. 76º/1 da LTC.
4- Com o devido respeito, que é sempre muito, entende o ora reclamante que o Tribunal a quo, ao proferir esta decisão, violou o art. 76º/l da LTC ao não apreciar a admissão do recurso.
5- Isto porque, no despacho objeto da presente reclamação é dada uma interpretação restritiva ao art. 405º do CPP que é inconstitucional, porquanto tal decisão não tem em consideração os fundamentos dos recursos invocados pelo ora reclamante perante as instâncias inferiores competentes.
Senão vejamos,
II - DO RECURSO DE CONSTITUCIONALIDADE
6- O reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70 da LTC, pugnando pela declaração de inconstitucionalidade da interpretação dada aos arts. 410º/ 3, 412º/3 e 4, 425º/4 e 379º/1 c) do C.P.P. (ao tempo em vigor) pelo Tribunal da Relação de Coimbra e pelo Supremo Tribunal de Justiça, no caso a que se reportam os autos.
7- Mais, no estrito cumprimento do art.75º-A/2 da LTC, referiram-se as normas da Lei Fundamental que foram violadas com aquela interpretação. Em concreto, invocou-se a violação dos arts. 1 6º, 20º, 32º nº 1 da CRP bem como o art. 6º da CEDH.
8- Bem como, foram indicadas as peças processuais onde foram suscitadas as questões de inconstitucionalidade. Assim:
9- Perante o Tribunal da Relação de Coimbra e por via do recurso interposto a 19/09/2013, o ora reclamante suscitou a questão da inconstitucionalidade e ilegalidade da interpretação (e aplicação) dada aos arts. 410º/º 3, 412º/3 e 9, 425º/4 e 379º/ 1 do CPP pelo Tribunal da Relação de Coimbra no primeiro acórdão proferido por este Tribunal nos presentes autos.
10- No recurso interposto a 19/09/2019, o reclamante após alegar, concluiu em síntese: [segue-se transcrição da peça processual identificada]
11.- O Tribunal da Relação de Coimbra proferiu acórdão a 8-11-2013, no qual se pronunciou, nomeadamente, no sentido da não inconstitucionalidade invocada pelo reclamante.
12 - O qual, porque tal decisão ainda era suscetível de recurso ordinário, interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a 11/12/2013, onde suscitou novamente a questão da inconstitucionalidade e ilegalidade da interpretação (e aplicação) dada aos arts. 410º /º 3, 412º/3 e 9, 425º/4 e 379º/1 do CPP pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
13- No recurso interposto a 11/12/2019, o reclamante após alegar, concluiu em síntese: [segue-se transcrição da peça processual identificada]
14- Por fim, a 10-05-2014o reclamante apresentou reclamação do despacho não admissão do recurso interposto a 11-12-2013, nos seguintes termos:
[segue-se transcrição da peça processual identificada]
15- O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se, na decisão datada de 31-01-2014, indeferindo a reclamação apresentada, tendo sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
16- Assim, foi com base nas peças processuais supra transcritas que o ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
17- Sendo que, a final, no recurso da (in) constitucionalidade interposto alegou-se o seguinte:
[segue-se transcrição da peça processual identificada]
18- Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça não conheceu do objeto do recurso, pois entendeu que não era da sua competência tomar conhecimento do mesmo.
19- Por outro lado, fez uma interpretação restritiva do art. 405º do CPP - artigo ao abrigo do qual foi apresentada a reclamação referida supra- cuja inconstitucionalidade de argui, desde já.
20- Assim, não se considerou a fundamentação invocada perante o Supremo Tribunal de Justiça na qual se arguiu a inconstitucionalidade da interpretação dada às normas dos arts. 410º/3, 412º/3 e 4, 425º/4 e 379/1 do CPP.
21 - Ora, aquela reclamação cumpre todos os requisitos constantes do art. 405º do CPP e alude à inconstitucionalidade invocada perante as instâncias competentes pelo meio processual adequado.
22- Não tinha o reclamante o dever de especificar quais as normas legais cuja interpretação se considera inconstitucional nem as normas da CRP violadas pois tal incumbência foi estritamente cumprida nos recursos interpostos.
23- Mais, tal dever nem sequer se pode retirar da Lei. Vejamos o que estipula o art. 405º do CPP:
“1 - Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige.
2 -A reclamação é apresentada na secretaria do tribunal recorrido no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho que não tiver admitido o recurso ou da data em que o recorrente tiver tido conhecimento da retenção.
3 - No requerimento o reclamante expõe as razões que justificam a admissão ou a subida imediata do recurso e indica os elementos com que pretende instruir a reclamação.
4 - A decisão do presidente do tribunal superior é definitiva quando confirmar o despacho de indeferimento. No caso contrário, não vincula o tribunal de recurso.”
24- Portanto o Supremo Tribunal de Justiça deveria ter atendido à fundamentação anterior invocada pelo reclamante e não o fez, demitindo-se de conhecer do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
25- Por outro lado, invoca que não é da sua competência pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso interposto, fundamentando com o art. 76º/1 da LTC.
26- Ora, salvo do devido respeito que se reitera como sendo muito, não é possível compreender a invocação de tal preceito, pois da leitura do mesmo conclui-se o contrário.
27- Veja-se o que estipula este artigo:
“Compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respetivo recurso”
28- Assim, o Tribunal a quo violou o art. 76º/1 da LTC bem como o art. 405º do CPP por via da errónea interpretação que lhe foi deu.
29- Devendo ser a presente reclamação ser julgada procedente, sendo o recurso admitido e declarada a inconstitucionalidade invocada pelo reclamante.”
5. O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, considerando, entre outros fundamentos, que a decisão recorrida (a decisão do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que, em 31 de janeiro, indeferiu a reclamação apresentada nos termos do artigo 405.º do CPP) não aplicou as normas identificadas pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. Dispõe o n.º 4 do referido artigo 76.º da LTC, que do despacho que indefira o requerimento de interposição de recurso ou retenha a sua subida cabe reclamação para o Tribunal Constitucional.
7. O ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Nos termos da referida disposição legal, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Ora, independentemente da falta de verificação de outros requisitos, relativamente à “norma” cuja apreciação é requerida pelo reclamante, certo é que não pode dar-se como verificado o requisito objetivo da sua aplicação na decisão recorrida.
A questão de constitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciada prende-se com a interpretação dada aos artigos 410.º, n.º 3, 412.º n.os 3 e 4, 425.º, n.º 4 e 379.º, n.º 1 alínea c) do CPP. Ora, como claramente resulta da leitura da decisão recorrida (a decisão proferida em 31 de janeiro de 2014 no Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação interposta ao abrigo do artigo 405.º do CPP) aquela decisão limitou-se a aplicar as normas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1 alínea c), e) e f) do CPP, não sendo possível identificar na respetiva fundamentação a aplicação de qualquer norma resultante dos preceitos legais indicados pelo recorrente.
A decisão recorrida limitou-se, com efeito, ao conhecimento da reclamação do despacho proferido no Tribunal da Relação de não admissão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não tendo interpretado ou aplicado as normas cuja inconstitucionalidade é suscitada no recurso de constitucionalidade interposto.
Termos em que se impõe indeferir a presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 6 de maio de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Caupers – Maria Lúcia Amaral.