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Processo n.º 189/2013
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Ana Guerra Martins
Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público e B., a primeira vem interpor recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão sumária proferida pelo Juiz-Relator junto da 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, em 09 de janeiro de 2013 (fls. 42 a 44), para que seja apreciada a constitucionalidade “do artigo 68°, n° 2 do Código do processo penal, na interpretação normativa, no sentido de que a não constituição de assistente no prazo nele estipulado (dez dias), no caso de crimes de natureza particular, determina a impossibilidade de constituição e o consequente a arquivamento dos autos, ainda que esteja a decorrer o prazo consagrado no artigo 115°, n° 1 do Código Penal” (fls. 61).
2. Notificada para o efeito, a recorrente produziu as seguintes alegações:
«No processo supra referenciado a recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade do artigo 68, n° 2 do Código do Processo Penal, na interpretação normativa, no sentido de que a não constituição de assistente nos crimes de natureza particular, no prazo de dez dias, determina a impossibilidade de constituição e o consequente arquivamento dos autos, ainda que esteja a decorrer o prazo consagrado no artigo 115°, n° 1 do Código Penal. Pretendo a recorrente que V. Ex°s. se pronunciem se essa interpretação normativa é conforme o artigo 20°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa.
No processo supra referenciado a recorrente, A., foi impedida de se constituir como assistente, em virtude de ter anexado aos autos o comprovativo de apoio judiciário, depois de terem decorrido mais de 10 dias sobre a data em que tinha denunciado os factos ilícitos constitutivos de um crime de natureza particular. O não comprimento do prazo de 10 dias na junção do pedido de apoio aos autos determinou a oposição do Ministério Público à sua constituição como assistente, alegando o incumprimento do prazo do artigo 68°, n° 2 do CPP. Do despacho que negou o direito à constituição de assistente houve recurso para o Tribunal da Relação do Porto que negou provimento ao recurso e, consequentemente, a impossibilidade de a recorrente se constituir como assistente. O douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto considerou também a inexistência de qualquer inconstitucionalidade, no referido despacho, estando conforme ao artigo 20°, n° 1 da Constituição.
A recorrente discorda do douto acórdão por entender que no caso concreto em análise, a negação do direito de constituir-se como assistente limita o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. O artigo 68, no 2 do CPP estipula que tratando-se de procedimento dependente de acusação particular o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n° 4 do artigo 246° do CPP. O artigo 115°, n° 1 do Código Penal estipula: O direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz.
Através do confronto entre estas duas normas a recorrente entende que a negação do direito à constituição de assistente, quando ainda estava a decorrer o prazo consignado no artigo 115°, n° 1 do CP é violador artigo 20°, n° 1 da Constituição.
A recorrente entregou o pedido de apoio judiciário no processo alguns dias depois de ter decorrido o prazo de 10 dias e quando o prazo de 6 meses estipulado no artigo 1 15°, n° 1 do CP ainda estava no seu início. A negação do direito de constituição de assistente implica o arquivamento dos autos e a extinção do procedimento criminal, em virtude de o Ministério Público não ter legitimidade para deduzir a acusação nos crimes de natureza particular. Por outro lado, não existe fundamento para pedir a reabertura do inquérito. A não constituição de assistente no prazo de 1 0 dias restringe o direito de acesso à justiça para a resolução de litígios, sendo que o Estado não oferece às vítimas de crimes mecanismos alternativos de resolução de crimes que garanta a sua proteção.
Convém salientar que a ofendida tem uma modesta condição económica e social e um baixo nível de instrução e que requereu apoio judiciário na modalidade de nomeação de advogado e de isenção da taxa de justiça. Pelo que a ofendida não estava representada por advogado, para a esclarecer e apoiar nos procedimentos processuais e na contagem dos prazos e a esclarecer sobre o sentido e alcance da constituição de assistente e da sua posição processual, este apenas lhe foi nomeado com o deferimento do pedido de apoio judiciário.
A jurisprudência penal dos tribunais superiores tem entendido que o prazo consignado no artigo 68°, n° 2 do CPP, não é meramente ordinatório de atos e procedimentos, mas é preclusivo, extinguindo o direito de constituição de assistente e, consequentemente, de procedimento criminal.
O prazo do artigo 68°, n° 2 do CPP limita o direito de apresentar queixa consagrado no artigo 115°, n° 1 do Código Penal de 6 meses. E limita o direito de acesso à justiça e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegido.
Por outro lado, as razões económicas limitam o acesso à justiça por aqueles cidadãos que apresentam denúncia sem acompanhamento de advogado e que recorrem à proteção jurídica para lhe ser nomeado um advogado e só a partir dessa nomeação têm aconselhamento jurídico para ter acesso à justiças em condições de igualdade.
Acresce ainda que o prazo de 10 dias para a constituição de assistente como uma prazo preclusivo é um prazo demasiado curto e desproporcional, em relação ao prazo de 6 meses para apresentação de queixa consagrado no artigo 115°, n° 1 do CP. Neste prazo de dez dias os cidadãos de escassos recursos têm de se dirigir à segurança social instruir requerimento de proteção jurídicas que tem de ser instruído por vários documentos que demoram tempo a obter e só após a conclusão do processo obterá o comprovativo para remeter ao tribunal, para suspender a contagem do prazo. Para cidadãos pouco familiarizado com os procedimentos jurídicos ou com nível de instrução baixo para adotar os procedimentos necessários num praza tão curto. E não têm recursos para contratar advogado para o acompanhar nesta fase do processo.
Não é assegurado a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a justiça pode ser denegada por falta de meios económicos, sendo violador do artigo 20°, n° 1 da Constituição.
Pelo exposto o artigo 68, n° 2 do Código do Processo Penal, na interpretação normativa, no sentido de que a não constituição de assistente nos crimes de natureza particular, no prazo de dez dias, determina a impossibilidade de constituição e o consequente arquivamento dos autos, ainda que esteja a decorrer o prazo consagrado no artigo 115°, n° 1 do Código Penal deve ser declarada inconstitucional por violação do artigo 20°, n° 1 da Constituição.
Conclusões
1a
A recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade do artigo 68, n° 2 do Código do Processo Penal, na interpretação normativa, no sentido de que a não constituição de assistente nos crimes de natureza particular, no prazo de dez dias, determina a impossibilidade de constituição e o consequente arquivamento dos autos, ainda que esteja a decorrer o prazo consagrado no artigo 115°, n° 1 do Código Penal. Pretendo a recorrente que V. Exªs. se pronunciem se essa interpretação normativa é conforme o artigo 200, n° 1 da Constituição da República Portuguesa.
2a
O artigo 68, n° 2 do CPP estipula que Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n° 4 do artigo 246° do CPP.
O artigo 115º, n° 1 do Código Penal estipula O direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz.
Através do confronto entre estas duas normas a recorrente entende que a negação do direito à constituição de assistente, quando ainda estava a decorrer o prazo consignado no artigo 5, n° 1 do CP é violador artigo 20°, n° 1 da Constituição.
3a
Acresce ainda que o prazo de 10 dias para a constituição de assistente como uma prazo preclusivo é um prazo demasiado curto e desproporcional, em relação ao prazo de 6 meses para apresentação de queixa consagrado no artigo 115°, n° 1 do CP. Pelo que limita o acesso ao direito e aos tribunais
4a
Não é assegurado a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a justiça pode ser denegada por falta de meios económicos, sendo violador do artigo 20°, n° 1 da Constituição.
5a
O artigo 68, no 2 do Código do Processo Penal, na interpretação normativa, no sentido de que a não constituição de assistente nos crimes de natureza particular, no prazo de dez dias, determina a impossibilidade de constituição e o consequente arquivamento dos autos, ainda que esteja a decorrer o prazo consagrado no artigo 1 15°, no 1 do Código Penal deve ser declarada inconstitucional por violação do artigo 20°, nº 1 da Constituição.
Pede-se a declaração de inconstitucionalidade da norma supra referenciada, no caso concreto em análise com as legais consequências.» (fls.65 a 68)
3. Devidamente notificado para o efeito, o Ministério Público veio apresentar contra-alegações, tendo concluído o seguinte:
«1 – O recurso para o Tribunal Constitucional foi interposto de decisão sumária proferida na Relação ao abrigo do disposto no artigo 417.º, n.º 6, do CPP, que o rejeitou.
2 – Dessa decisão sumária cabia reclamação para a conferência (n.º 8 do artigo 417.º do CPP) e a recorrente não renunciou expressamente à utilização daquele meio processual, nem se pode considerar que houve uma renúncia tácita, uma vez que o recurso para o Tribunal Constitucional foi interposto quando decorria o prazo para a reclamação.
3 – Equiparando a lei (artigo 70.º, n.ºs 2 e 3 da LTC) aquela reclamação a recurso ordinário, falta o requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que consiste no prévio esgotamento dos recursos ordinários.
4 – Pelo exposto, não deve conhecer-se do objeto do recurso.»
4. Igualmente notificada para o efeito, a recorrente B. deixou esgotar o prazo, sem que viesse aos autos apresentar qualquer resposta.
5. Face ao teor das contra-alegações do Ministério Público, a Relatora proferiu despacho, nos termos do qual convidou a recorrente a pronunciar-se sobre o fundamento de não conhecimento do objeto do recurso por aquele invocado. A recorrente deixou esgotar o prazo para o efeito, sem que tenha vindo aos autos pronunciar-se.
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. Da tramitação processual dos autos recorridos, resulta que a recorrente interpôs recurso de decisão sumária, proferida pelo Juiz-Relator junto do Tribunal da Relação do Porto, em 09 de janeiro de 2013. Ora, nos termos do artigo 417º, n.º 8, do Código de Processo Penal (CPP), as decisões sumárias proferidas em processo penal são impugnáveis mediante reclamação para a conferência.
Na medida em que o presente recurso foi interposto, sem prévia reclamação para conferência, conclui-se que a recorrente ainda não havia esgotado todos os meios processuais legalmente previstos, pelo que nos termos combinados dos n.ºs 2 e 3 do artigo 70º da LTC, ainda não se afigurava admissível a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Aliás, nem sequer poderia concluir-se que tivesse ocorrido um esgotamento desse meio de recurso ordinário, para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 70º da LTC, na medida em que nem a recorrente a ele renunciou, nem tão pouco o recurso de constitucionalidade foi interposto após decorrido o prazo da reclamação. Com efeito, a decisão sumária foi notificada por carta expedida, em 16 de janeiro de 2013 (fls. 45), tendo a recorrente interposto recurso de constitucionalidade, em 24 de janeiro de 2013 (fls. 47), ou seja, antes de expirado o prazo de que dispunha para reclamar para a conferência.
Em face do exposto, mais não resta do que concluir pela impossibilidade de conhecimento do objeto do presente recurso, em virtude da falta de esgotamento dos meios de impugnação ordinária – in casu, a reclamação para a conferência – de que dispunha a recorrente.
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 UC´s, nos termos do n.º 3 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 9 de janeiro de 2014. – Ana Guerra Martins – Fernando Vaz Ventura - João Cura Mariano – Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro.