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Processo n.º 1222/13
Plenário
Relatora: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Pedido
Sob invocação do disposto no artigo 281.º, n.º 1, alíneas a) e d), e n.º 2, alínea g), da Constituição, bem como no artigo 97.º, n.º 2, alínea b), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 139/99, de 21 de agosto, pela Lei n.º 12/2000, de 21 de junho, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira veio requerer “ao Tribunal Constitucional que declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, que estabelece a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas e procede à quinta alteração à Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, à quarta alteração ao Decreto-lei n.º 259/98, de 18 de agosto, e à quinta alteração à Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, por violação dos direitos dos trabalhadores consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2 da Constituição da república Portuguesa”.
2. Resposta do autor das normas
Notificada para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, a Assembleia da República, através da respetiva Presidente, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
3. Discutido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal, cumpre formular a decisão em conformidade com o entendimento que prevaleceu.
II – Questões prévias
4. Legitimidade processual dos requerentes
4.1. O pedido foi formulado ao abrigo do disposto nas alíneas a) e d) do n.º 1 e da alínea g) do n.º 2, ambos do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa.
A Constituição restringe a titularidade do poder público de requerer a fiscalização abstrata da constitucionalidade (ou ilegalidade) a determinados cargos públicos em órgãos de soberania ou vocacionados para a defesa do princípio da constitucionalidade e da legalidade democrática (artigo 281.º, n.º 2, alíneas a) a f)).
Ao invés do que sucede com o poder de iniciativa atribuído aos demais órgãos enumerados no n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, aquele que é conferido às entidades mencionadas na respetiva alínea g) é, não geral, mas limitado. Às entidades regionais e aos seus representantes é atribuída legitimidade para aceder à jurisdição constitucional apenas quando tal se justifique tendo em conta a sua posição no sistema constitucional português, nomeadamente para defesa da autonomia regional ou a observância dos seus limites. É nesse sentido que a alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição atribui às Assembleias Legislativas das regiões autónomas dos Açores e da Madeira legitimidade para requerer a fiscalização da constitucionalidade de normas com fundamento na violação dos direitos das regiões autónomas, bem como a fiscalização da legalidade de normas com fundamento na violação dos respetivos Estatutos Político-Administrativos. As entidades regionais têm legitimidade para prosseguir a proteção dos direitos regionais. Compreende-se, assim, que os representantes regionais vejam a sua legitimidade para requerer a fiscalização abstrata da constitucionalidade (ou da legalidade) limitada: relativamente à constitucionalidade, a normas que impliquem violação dos direitos das regiões autónomas, e relativamente à ilegalidade, a normas que violem o respetivo estatuto.
O postulado segundo o qual, quando o pedido for de declaração de inconstitucionalidade, o poder de iniciativa conferido pela alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição se encontra tematicamente circunscrito, para efeitos de legitimidade processual ativa, à violação dos “direitos que conformarem constitucionalmente de modo direto a autonomia político-administrativa das regiões” (cf. Acórdão n.º 634/2006) vem sendo sucessivamente reafirmado na jurisprudência deste Tribunal (neste sentido, vide Acórdãos n.os 403/89, 198/2000, 615/2003, 75/2004, 491/2004, 239/2005 e 411/2012).
4.2. No caso presente, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira impugnou a constitucionalidade das normas insertas na Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, que estabelece a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas e procede à quinta alteração à Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, à quarta alteração ao Decreto-lei n.º 259/98, de 18 de agosto, e à quinta alteração à Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, acusando-as de violarem “os direitos dos trabalhadores consagrados no artigo 59.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2 da Constituição da República Portuguesa”.
Ora, uma vez que este pedido se reporta aos “direitos dos trabalhadores consagrados no artigo 59.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2 da Constituição”, que são direitos económicos e sociais, de âmbito nacional, não circunscritos a nenhuma região autónoma, tem de se concluir pela ilegitimidade da requerente para formular o pedido de fiscalização da constitucionalidade das normas insertas na Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto. A defesa de tais direitos cabe aos representantes dos órgãos de soberania e restantes titulares de cargos públicos identificados nas alíneas a) a f) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição. Não configurando direitos da região os direitos invocados como violados pelas normas cuja apreciação é pedida, carece a Assembleia Legislativa Regional de legitimidade para os fazer valer, designadamente através de formulação de pedido ao Tribunal Constitucional de fiscalização abstrata de constitucionalidade das referidas normas.
E sendo assim, impõe-se não conhecer do pedido.
III – Decisão
5. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento, por ilegitimidade da requerente, do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas na Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto.
Lisboa, 8 de janeiro de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – José da Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral – Lino Rodrigues Ribeiro – Carlos Fernandes Cadilha – Ana Guerra Martins – Pedro Machete – Maria João Antunes – Joaquim de Sousa Ribeiro