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Processo n.º 1230/13
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. inconformado com a decisão sumária que, em 25 de novembro de 2013, não conheceu do objeto do recurso de inconstitucionalidade por ele interposto, vem da mesma reclamar para a conferência.
2. A decisão reclamada, no que ora releva, tem o seguinte teor:
«3. Da ausência de objeto normativo.
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem natureza estritamente normativa, não contemplando a apreciação da conformidade constitucional da decisão judicialmente proferida. O recurso de constitucionalidade delineado pela Constituição não prevê o «recurso de amparo» ou «queixa constitucional».
Em conformidade, os recursos de constitucionalidade interpostos de decisões de outros tribunais apenas podem ter por objeto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com caráter de generalidade, e nessa medida suscetíveis de aplicação a outras situações, independentemente, pois, das particularidades do caso concreto. A respetiva admissibilidade depende, assim, da identificação da interpretação ou critério normativos - uma regra abstratamente enunciável vocacionada para uma aplicação para lá do caso concreto – cuja desconformidade constitucional se suscita.
A formulação do objeto adotada no presente recurso não resiste, porém, à particularização do caso concreto. Ao fazer referência à decisão concreta do tribunal recorrido na determinação da medida da pena, o recorrente faz inelutável apelo a um momento da decisão que concretizou a mera aplicação das normas às circunstâncias do caso concreto, pretendendo, assim, que se sindique o próprio ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto.
Em vão se procura no requerimento de interposição do recurso o grau de generalidade e abstração inerentes a uma interpretação normativa independente do circunstancialismo estrito dos factos do caso concreto. A verdade é que a pretensão formulada não identifica nenhuma interpretação normativa, limitando-se a remeter para o resultado da interpretação efetuada pelo tribunal. Desta forma o recurso, não apresenta no seu objeto as características de «normatividade» indispensáveis à realização de um controlo de constitucionalidade
4. Conclui-se, assim, que, o recorrente se limitou a questionar a conformidade constitucional do resultado decisório alcançado sem, todavia, lograr autonomizá-lo do processo interpretativo seguido na decisão impugnada.
Termos em que, na falta do preenchimento do requisito processual em causa, não é possível conhecer do recurso».
3. São os seguintes os fundamentos invocados na reclamação:
“1. Na decisão sumária proferia ao abrigo do disposto no nº 1 do Artigo 78º-A da LCT decidiu não tomar conhecimento do objeto de Recurso. Por entender que não é possível ao Tribunal Constitucional conhecer a questão de constitucionalidade por falta de um ou mais pressupostos legais de admissibilidade, no caso ter a decisão recorrida aplicado como ratio decidendi a exata interpretação normativa, cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada.
2. Concluindo que o recorrente se limitou a questionar a conformidade constitucional do resultado decisório alcançado sem, todavia, autonomiza-lo do processo interpretativo seguido na decisão impugnada.
3. Contrariamente ao entendimento do Exmº Juiz Conselheiro relator a questão da constitucionalidade encontra-se devidamente formulada
4. A argumentação subjacente ao douto acórdão e às decisões que consubstancia (medida pena privativa, não suspensão da pena privativa da liberdade e manutenção da medida de coação de prisão preventiva) não nos parecem conformes com a lei fundamental. Nos últimos tempos o paradigma neoliberal tem varrido os diversos sectores da existência coletiva do Estado português, onde uma parte significativa da população é empurrada para a margem da sociedade e a escassez de recurso económicos está associada à inutilidade social, tendo Portugal o maior nível de desigualdade social de toda a OCDE.
5. O fundamento da República Portuguesa é a dignidade da pessoa humana (artigo 2º da CRP). Primeiro está a pessoa humana e só depois é que está a organização política e administrativa do Estado. A pessoa não é um objeto, sendo antes o fundamento e o fim da intervenção dos agentes do Estado (no caso o sistema de justiça). Pelo exposto a dignidade da pessoa humana é a trave mestra e a fonte de legitimação da intervenção dos tribunais.
6. Por outro lado, a pobreza, a modesta condição social e o desenraizamento familiar, não podem ser utilizados como arma de arremesso contra aqueles que têm uma posição marginal na sociedade por carência de recursos. A Constituição proíbe a existência de desvantagens ilegítimas com base na modesta condição económica e social (artigo 13º da CRP).
7. Face ao supra exposto a fundamentação do douto acórdão na fixação da medida da pena, na não suspensão da pena privativa da liberdade e manutenção da prisão preventiva recorreu a uma argumentação em que a modesta condição económica e social foi fator de desvantagem e de agravamento da culpa. E fator determinante na não suspensão da execução da pena, na medida da pena e na manutenção da prisão preventiva, padecendo de inconstitucionalidade.
8. Em sucessivos acórdãos o Tribunal Constitucional sedimentou jurisprudência no sentido do respeito da dignidade humana, no direito de acesso a um mínimo vital e da não discriminação em virtude da carência de recursos económicos e da modesta condição social
9. O douto acórdão padece de nulidade por violação do artigo 1º, 13º, conjugado com o artigo 32º da Constituição. Na douta argumentação de fundamentação da medida da pena o arguido é prejudicado em consequência da sua situação económica de carência de recurso e de apoio familiar e da sua modesta condição social.
10. A interpretação normativa do artigo 71º do Código Penal, no sentido de que a carência de recursos, a falta de retaguarda familiar e de modesta condição social é fundamento para agravamento da culpa do arguido, da medida da pena e da não suspensão da execução da pena é violadora do artigo 1º, 13º e 32º, nº 1 da Constituição Portuguesa de 1976, padecendo o douto acórdão recorrido de nulidade.
11. No recurso é posta em crise a interpretação normativa do artigo 71 º do CP por violação do preceituado no disposto no artigo 1º, 13º e 32º, nº 1 da Constituição”
4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do recurso, por ausência de objeto normativo.
Na reclamação ora apresentada o recorrente, discordando da decisão proferida de não conhecimento do recurso, não indica, todavia, qualquer fundamento que permita refutar os fundamentos do ali decidido. Na verdade, o reclamante limita-se a assinalar que a questão de constitucionalidade se encontra devidamente formulada, reiterando uma argumentação tendente a demonstrar que a fundamentação da decisão recorrida - no sentido de não ser suspensa a execução da pena privativa da liberdade - padece de inconstitucionalidade. Deste modo conclui que o recurso não deveria ter sido rejeitado.
Na decisão reclamada são desenvolvidamente explanados os fundamentos da rejeição do recurso. Ali se indicam as razões pelas quais se concluiu que a questão formulada não constitui objeto idóneo de recurso de constitucionalidade. Os referidos fundamentos não são abalados na reclamação ora apresentada. Pelo contrário, o afirmado ao longo de toda a argumentação expendida na reclamação só vem reforçar o entendimento constante da decisão reclamada, sobre a ausência de normatividade da questão.
Confirmando-se, assim, a falta de verificação do requisito de admissibilidade do recurso de constitucionalidade indicado na decisão reclamada, impõe-se a sua confirmação.
Em face de tudo o que ficou dito impõe-se indeferir a reclamação apresentada.
III. Decisão
6. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 9 de janeiro de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.