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Processo n.º 1166/13
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se o seguinte:
“(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Vejamos se tais requisitos se encontram presentes, relativamente ao recurso interposto.
(…) Face à delimitação do objeto do recurso, a que procede o recorrente, resulta claro que o mesmo não pretende a sindicância da constitucionalidade de um verdadeiro critério normativo – norma ou interpretação normativa – que, em nenhum momento, enuncia, mas a apreciação da decisão jurisdicional concreta, a que é diretamente assacada a violação de normas constitucionais.
Na verdade, para garantir a admissibilidade do recurso, deveria o recorrente ter autonomizado e enunciado um critério normativo - enquanto regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica - que tivesse sido utilizado como ratio decidendi pela decisão recorrida, reportando-o a uma disposição legal específica.
Tal enunciação teria necessariamente de corresponder a um dos sentidos extraíveis da literalidade do(s) preceito(s) escolhido(s) como suporte da norma ou interpretação normativa colocada em crise, devendo ser apresentada, em termos tais que o Tribunal Constitucional, no caso de concluir pela sua inconstitucionalidade, pudesse reproduzir tal enunciação, de modo a que os respetivos destinatários e operadores do direito em geral ficassem cientes do concreto sentido normativo julgado desconforme com a Lei Fundamental.
Porém, o recorrente não autonomizou um critério normativo, susceptível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade, deixando, ao invés, claro que a sua pretensão corresponde a uma expetativa de sindicância da própria decisão jurisdicional.
Nestes termos, teremos de concluir pela inadmissibilidade do recurso, uma vez que a sindicância pretendida se encontra subtraída à competência do Tribunal Constitucional, face à inexistência, no nosso sistema jurídico, da figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional.
A este propósito, pode ler-se, no Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 633/08 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ), o seguinte:
“ (…) cumpre acentuar que, sendo o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida (…)”.
Pelo exposto, demonstrada que se encontra a natureza não normativa do objeto do recurso, torna-se ociosa a apreciação sobre os restantes pressupostos de admissibilidade, atenta a sua necessária verificação cumulativa, concluindo-se, desde já, pela inadmissibilidade do recurso.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
3. Manifesta o reclamante a sua discordância, relativamente ao teor da decisão sumária, referindo que, no quinto parágrafo do seu requerimento de interposição de recurso, identificou a norma legal específica, – artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – cuja constitucionalidade pretendia ver sindicada, e mencionou ainda as normas da Lei Fundamental que foram violadas. Assim, a decisão sumária só pode decorrer de lapso de escrita ou desatenção.
Mais refere que a decisão reclamada é desproporcionada, por tecer “uma interpretação demasiado restritiva de acesso ao Tribunal Constitucional”, ou seja, uma interpretação da LTC que viola o artigo 32.º da Lei Fundamental. Acrescenta que viola ainda a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, “pois ao negar e afirmar que não se encontra ínsito no requerimento de recurso uma exposição sobre a norma e critério normativo que quer pôr em crise, mas que realmente se encontra no requerimento viola o art. 13 daquela carta, direito a um recurso efectivo ainda que com as especificidades do próprio Tribunal Constitucional”, referindo, por último, que viola o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Conclui, nestes termos, requerendo que seja deferida a presente reclamação.
4. O Ministério Público, respondendo à reclamação, manifesta a sua concordância com a decisão reclamada, referindo que, no requerimento de interposição de recurso, não é enunciada qualquer questão de constitucionalidade normativa, suscetível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade. Na verdade, em tal peça processual, é à decisão proferida que se imputa a violação de vários preceitos da Constituição.
Pelo exposto, finaliza, pedindo o indeferimento da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
5. Analisada a reclamação apresentada, conclui-se que os argumentos aduzidos pelo reclamante não infirmam a correção do juízo efetuado, na decisão sumária proferida.
Na verdade, da exposição plasmada, no requerimento de interposição de recurso, resulta que o objeto do recurso não assume natureza normativa. Em nenhum momento, o recorrente enuncia uma norma ou interpretação normativa, suscetível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade, limitando-se a manifestar, de forma difusa, a sua discordância relativamente à decisão recorrida, assacando-lhe a violação de parâmetros da Lei Fundamental.
Refere o reclamante que a solução da decisão reclamada só pode enfermar de lapso de escrita ou desatenção, porque – na sua perspetiva – indicou a norma, cuja constitucionalidade pretendia ver sindicada, ou seja, o artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Não lhe assiste, porém, razão.
De facto, a referência ao artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Penal surge, aparentemente, na lógica das considerações expendidas no requerimento de interposição de recurso, como o preceito infraconstitucional violado pela decisão recorrida.
Sempre se dirá, porém, que ainda que o reclamante pretendesse a apreciação da constitucionalidade de determinado critério normativo, extraível do referido artigo, tinha o ónus de, não apenas indicar tal preceito, mas enunciar a específica dimensão normativa alegadamente desconforme com a Constituição. É que, ao contrário do que parece pressupor o reclamante, os conceitos de norma e de preceito legal não são sobreponíveis.
A asserção precedente não obnubila, contudo, que resulta claramente do requerimento de interposição de recurso que a pretensão de sindicância de constitucionalidade incide sobre a própria decisão recorrida, como bem se explicita na decisão sumária proferida.
Tal decisão não se baseia em qualquer interpretação demasiado restritiva da LTC, nomeadamente do disposto no seu artigo 75.º-A, n.º 1, apresentando-se, pelo contrário, conforme com o sentido da jurisprudência constitucional relativa à natureza do objeto do recurso, não contendendo com o disposto nos diplomas aludidos pelo reclamante.
Pelo exposto, sendo certo que a fundamentação aduzida na decisão reclamada merece a nossa concordância, damos a mesma por reproduzida e, em consequência, concluímos pelo indeferimento da reclamação.
III - Decisão
6. Assim, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 30 de dezembro de 2013, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 26 de fevereiro de 2014. – Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.