Imprimir acórdão
Processo n.º 296/14
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Por acórdão do 1.º Juízo Criminal da Comarca de Loulé, proferido na sequência de julgamento em processo comum, com intervenção coletivo, decidiu-se, além do mais, condenar o arguido A.:
- na pena de 7 anos de prisão, pela prática de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 144.º, alíneas a) e b), do Código Penal;
- na pena de 9 anos de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 144.º, alínea a), e 145.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alíneas d), e), h) e j), do Código Penal;
- na pena de 7 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93; e
- em cúmulo jurídico, na pena única de 15 anos de prisão.
Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão 25 de junho de 2013, decidiu:
- julgar improcedente o recurso do arguido A., alterando, porém a qualificação jurídica do sequestro, que passou a ser agravado pela via da alínea a), e não da alínea b), do n.º 2 do artigo 158.º do Código Penal;
Recorreu então o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 8 de janeiro de 2014, decidiu conceder provimento parcial ao recurso, tendo decidido:
- não conhecer das questões relativas ao crime de tráfico agravado, por inadmissibilidade do recurso, nessa parte;
- fixar a pena pelo crime de sequestro agravado em 5 anos de prisão;
- considerar que o crime de ofensa à integridade de física qualificada é o p. e p. pelo artigo 145.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), e 2, com referência aos artigos 144.º, alínea a), e 132.º, n.º 2, alíneas d), h) e j), do Código Penal, sendo o arguido condenado pela sua prática na pena de 8 anos de prisão;
- condenar o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 12 anos de prisão.
O Supremo Tribunal de Justiça, no referido acórdão, decidiu não tomar conhecimento das questões relativas ao crime de tráfico agravado, em que foi condenado o arguido A., com os seguintes fundamentos, na parte que ora releva:
«1. Critérios de recorribilidade:
Nos termos do artº 400º, nº 1, alínea f), do CPP, «não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».
Por aplicação desta norma, nos casos de julgamento por vários crimes em concurso em que, em 1ª instância, por algum ou alguns ou, só em cúmulo jurídico haja sido imposta pena superior a 8 anos de prisão e por outros a pena aplicada não seja superior a essa medida, sendo a condenação confirmada pela Relação, o recurso da decisão desta para o Supremo Tribunal de Justiça só é admissível no que se refere aos crimes pelos quais foi aplicada pena superior a 8 anos de prisão e à operação de determinação da pena única, não o sendo no respeitante a cada um dos crimes pelos quais foi aplicada pena de prisão não superior a 8 anos. A irrecorribilidade prevista nessa norma afere-se separadamente, por referência às penas singulares e à pena aplicada em cúmulo, porque, no caso de concurso de crimes, pena aplicada é tanto a pena singularmente imposta por cada crime como a pena única. É neste sentido que o Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo (cf., por exemplo, acórdãos de 07/05/2009, CJ, Acórdãos do STJ, Ano XVII, Tomo II, pág. 193; de 12/11/2009, proc. nº 200/06.0JAPTM; de 16/12/2010, proc. nº 893/05.5GASXL; de 19/01/2011, proc. nº 421/07.8PCAMD; de 04/05/2011, proc. nº 626/08.4GAILH; de 11/01/2012, proc. nº 158/08.0SVLSB; de 21/03/2012, proc. nº 303/09.9JDLSB, estes disponíveis em www.dgsi.pt.; e de 26/10/2011, CJ, Acórdãos do STJ, Ano XIX, Tomo III, pág. 198).
Outro entendimento nestes casos levaria a que, quando os vários crimes em concurso fossem apreciados na mesma decisão, poderiam ser reexaminadas em recurso as questões relativas aos ilícitos punidos singularmente com pena de prisão não superior a 8 anos, com confirmação da Relação, enquanto que isso estaria vedado num caso idêntico de concurso de conhecimento superveniente, sendo de questionar se aí não haveria violação do princípio da igualdade.
E o Tribunal Constitucional, em plenário, através do acórdão nº 186/2013, já decidiu «não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão».
2. Recurso do arguido A.:
2.1. Da parte do acórdão recorrido que não admite recurso:
Este arguido foi condenado em 1ª instância
- a 7 anos de prisão, pela prática de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo art. 158º, nº s 1 e 2, alínea b), com referência ao art. 144º, alíneas a) e b), do CP;
- a 9 anos de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artºs 144º, alínea a), e 145º, nºs 1, alínea b), e 2, com referência ao artº 132º, nº 2, alíneas d), e), h) e j), do CP;
- a 7 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artºs 21º, nº 1, e 24º, alínea c), do DL nº 15/93; e
- em cúmulo jurídico, na pena única de 15 anos de prisão.
Essa decisão foi confirmada pela Relação, mas com alteração da qualificação jurídica no que se refere ao sequestro, que foi considerado agravado pela via da alínea a), e não da alínea b), do nº 2 do artº 158º do CP.
Assim, o acórdão da Relação é confirmatório da decisão de 1ª instância, com exceção do que se refere ao crime de sequestro.
Deste modo, em face do que acima se disse, relativamente ao crime de tráfico agravado, punido com pena de prisão não superior a 8 anos, a decisão da Relação não é recorrível.
Por essa razão, não se toma conhecimento das questões relacionadas com esse crime de tráfico, ficando para apreciação apenas as que digam respeito ao crime de ofensa à integridade física qualificada, punido com pena de prisão superior a 8 anos, ao crime de sequestro, relativamente ao qual a decisão recorrida não é confirmatória, e à determinação da pena única.
2.1.1. Entre as questões de que assim se não conhece estão desde logo aquelas a que se reportam as conclusões 1 a 6, que têm a ver unicamente com o crime de tráfico.
2.1.2. Estão no mesmo caso as questões a que se referem as conclusões 7 a 18, relativas à validade da prova obtida através de diligência realizada na Quinta de Sarilhos Grandes. Como este local está relacionado apenas com o crime de tráfico, nesta parte só pode estar em causa esse crime. Nem outro será o entendimento do recorrente, em face do teor da conclusão 14.
2.1.3. Não se conhece ainda das questões resumidas nas conclusões 38 a 52, relacionadas também e só com o crime de tráfico.
2.1.4. Na parte do recurso delimitada pelas conclusões 53 a 61 insurge-se contra a decisão de considerar provada a sua participação nos factos tidos como integradores dos crimes de sequestro e de ofensa à integridade física qualificada, falando em violação do princípio in dubio pro reo e erro notório na apreciação da prova. Nessas alegações expressa-se discordância relativamente à decisão proferida sobre matéria de facto.
Mas o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conhece exclusivamente sobre matéria de direito, nos termos do artº 434º do CPP.
Se nesse preceito se contempla a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça declarar a existência dos vícios previstos no nº 2 do artº 410º, isso é só nos casos em que o recurso vise exclusivamente o reexame da matéria de direito, ou seja, quando esses vícios não são invocados como fundamento do recurso, pois, se o forem, o recurso não visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.
Efetivamente, a alegação da verificação dos vícios do nº 2 do artº 410º representa uma das formas, a mais restrita, de impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, sendo a mais ampla a prevista no art. 412º, nºs 3 e 4. Por outras palavras, o Supremo Tribunal de Justiça, visando o recurso para ele interposto «exclusivamente o reexame da matéria de direito», como, por exemplo, a qualificação jurídica dos factos provados ou a medida da pena, deparando-se com qualquer dos vícios do nº 2 do artº 410º que inviabilize a correta decisão de direito, não está impedido de afirmar oficiosamente a sua verificação, e deve fazê-lo, tirando as devidas consequências, ou seja, decretando o reenvio do progresso para novo julgamento, por lhe estar vedado decidir sobre a matéria de facto. E neste sentido que o Supremo vem uniformemente interpretando o artº 434º (v., por exemplo, os acórdãos de 08/02/2007, no processo nº 07P159, de 15/02/2007, no processo nº 07P015, de 08/03/2007, no processo nº 07P447, de 15/03/2007, no processo nº 07P663, de 29/03/2007, no processo nº 07P339, de 27/05/2009, no processo nº 05P0145, de 17/09/2009, no processo nº 169/07.3GCBNV, de 14/10/2009, no processo nº 101/08.7PAABT, de 13/01/2010, no processo nº 274/08.9JASTB, de 24/02/2010, no processo nº 3/05.9GFMTS, e de 07/04/2010, no processo nº 2792/05.1TDLSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
E se a alegação da violação do princípio in dubio pro reo constitui, em certa perspetiva, uma verdadeira questão de direito, quando se pretende que da decisão recorrida resulta que o tribunal se deparou com uma dúvida insanável acerca da verificação de um ou mais factos, resolvendo-a contra o arguido, no caso, não é essa a situação alegada nem a que se verifica. O que o recorrente diz é que, perante a prova produzida, o tribunal devia ter ficado na dúvida em relação a determinados factos e, em consequência, devia tê-los considerado não provados. Nessa alegação suscita-se uma pura questão de facto, que é a de saber se a prova produzida é ou não suficiente para dar como provados os ditos factos, a qual, por isso, está fora dos poderes de cognição do Supremo.
Sendo assim, também não se conhece destas questões.
[…]
O arguido A. arguiu nulidades desta decisão e, por acórdão de 13 de fevereiro de 2014, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o requerido.
Recorreu então o arguido A. para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, nos seguintes termos:
“…
II - DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DA AL. F), DO Nº 1 DO ART. 400º DO CPP.
18. O Supremo Tribunal de Justiça veio a julgar improcedente a arguição de nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, com o fundamento de que o vício de omissão de pronúncia do acórdão por si proferido não se verifica, porque simplesmente ao se decidir que as questões não eram apreciadas por irrecorribilidade se cumpre a obrigação de pronúncia.
19. O Supremo Tribunal de Justiça decidiu, ainda, que a nulidade de omissão de pronúncia deveria ser arguida perante o Tribunal da Relação porque as nulidades da sentença só são arguidas em recurso se este for admitido e na 'parte da decisão' a que digam respeito.
20. O recorrente não se conforma com esta decisão, porque, antes de mais, não se retira do disposto no art. 379º, nº 2 do CPP, que a sentença recorrível deva ser parcelada em partes que admitem recurso e partes que não o admitem.
21. O que resulta claramente do disposto no art. 379º, nº 2 do CPP é que as nulidades da sentença que admita recurso devem ser arguidas e julgadas em sede de recurso - independentemente das questões com que estas se prendam.
22. A decisão é só uma, vale como um todo, e a nulidade é um vício da decisão e não de parte da decisão - esta ou padece de nulidade ou não padece e não é suscetível de ser dividida em partes.
23. Sendo a decisão proferida pela Relação indiscutivelmente recorrível, tanto mais que o Supremo admitiu e julgou o recurso, nos termos do disposto no nº 2, do art. 379º do CPP, a omissão de pronúncia do acórdão da Relação tinha forçosamente de ser suscitada e julgado em sede de recurso.
24. O argumento de que a nulidade não é apreciada porque decorre de uma parte da decisão que se prende com um crime que não admite recurso não pode ser tida como uma decisão sobre a questão.
25. Havendo obrigação de pronúncia o que o Supremo tinha de apreciar e julgar era a questão em si, a nulidade que foi suscitada - não o tendo feito o acórdão do Supremo padece ele também de nulidade por omissão de pronúncia.
26. Além do mais, o doutamente decidido no Acórdão agora em crise contraria a interpretação que veio a vingar no Acórdão do S.T.J. nº 1/94, publicado no D.R. de 11 de fevereiro, o qual fixou jurisprudência nos seguintes termos:
'As nulidades da sentença enumeradas de forma taxativa nas alíneas a) e b) do art. 379º do Código Processo Penal não têm de ser arguidas, necessariamente, nos termos estabelecidos na alínea a), do nº 3 do art. 120º do mesmo diploma processual, podendo sê-lo, ainda, em motivação de recurso para o tribunal superior'. (negrito e sublinhado nosso).
27. Quanto à inconstitucionalidade da interpretação da norma da al. f), do nº 1 do art. 400º do CPP que o recorrente suscitou no requerimento de arguição da nulidade, o S.T.J. vem dizer que essa questão extravasa o âmbito da reclamação, a qual só pode ter por objeto a arguição de nulidades previstas no art. 379º, nº 1 ou a invocação das irregularidades que caibam na previsão do art. 380º, nº 1, onde se não inclui a aplicação de uma norma processual sobre recorribilidade.
28. Conclui que o Tribunal Constitucional já decidiu não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do nº 1 do artº 400º do Código Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.
29. Com todo o respeito, que no caso é muito, a inconstitucionalidade que o recorrente suscitou nada tem a ver com uma norma processual sobre recorribilidade.
30. A inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente, ao contrário do que o S.T.J. alega, não se prende com a questão da irrecorribilidade da matéria decisória referente a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 8 anos.
31. O que está em causa é tão só a suscitada nulidade do acórdão da Relação por omissão de pronúncia, logo, é óbvio que a questão colocada à sindicância do S.T.J. nada tinha a ver com a decisão que foi tomada sobre o crime de tráfico agravado, punido com a pena parcelar de 7 anos.
32. Aliás, caso a arguida nulidade viesse a ser julgada procedente, nos termos do nº 3, do art. 379º do CPP, verificar-se-ia a repetição do ato de julgar pelo tribunal recorrido - o que desde logo demonstra que não era a matéria decisória sobre o crime que seria objeto de apreciação pelo S.T.J.
33. A verdade, é que a suscitada nulidade por omissão de pronúncia do Acórdão da Relação não pode ser prejudicada pelo facto de a concreta questão que ficou por apreciar se prender com um crime cuja pena aplicada determina a sua irrecorribilidade para o S.T.J.
34. O S.T.J. ao não apreciar a nulidade do Acórdão da Relação, nulidade que estava obrigado a julgar, leva a que o recorrente não lhe veja ser apreciado em sede de recurso questão que legitimamente suscitou em sua defesa.
35. O direito ao recurso é um direito que assiste a todo e qualquer arguido em processo penal, sendo que, desse direito decorre que todas as questões suscitadas pelo arguido em sua defesa têm de ser, sem qualquer exceção, apreciadas e decididas.
36. Com base nesse direito o recorrente legitimamente confiou que lhe era garantido, pelo menos, um grau de recurso em todas as questões que invocasse em sua defesa, as quais, por essa via, seriam apreciadas e julgadas.
37. Com a interpretação feita pelo S.T.J. da al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP, o direito ao recurso do recorrente foi-lhe limitado, pois, viu ser-lhe negada pelo tribunal de recurso a apreciação de uma questão essencial à sua defesa, com base numa regra de irrecorribilidade, que se destina unicamente à matéria decisória que recai sobre os crimes.
38. Acresce, que em processo penal o regime das nulidades, pela sua natureza, se forem arguidas tempestivamente e em sede própria, têm de ser corrigidas pelo julgador, sob pena de se admitir que produzam efeitos na esfera jurídica dos arguidos decisões que padeçam do grave vício de nulidade - se estas forem arguidas e não forem supridas viola-se seriamente os direitos de defesa dos arguidos, previstos no nº 1 do art. 32º da CRP
39. A interpretação feita pelo S.T.J. da alo f) do nº 1 do art. 400º do CPP, viola gritantemente os direitos de defesa do recorrente, constitucionalmente garantidos no art. 32º, nº 1 da CRP, bem como, viola os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança, consagrados no art. 2º da CRP.
40. Prescreve o art. 2º da CRP que 'a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado, (...) no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais.
41. Por seu lado, prescreve o art. 32º, nº 1 da CRP que 'o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, sendo que este é, sem qualquer margem para dúvidas, uma das mais relevantes garantias que podem ser atribuídas ao arguido.
42. O recorrente legitimamente confiou que lhe eram assegurados todos os seus direitos de defesa e que lhe era garantido, pelo menos, um grau de recurso para apreciar e julgar TODAS as questões que viesse a invocar em sua defesa, pelo que, a limitação ou exclusão desses direitos, constitucionalmente consagrados, viola gravemente os princípios constitucionais da segurança jurídica, da tutela e confiança do duplo grau de jurisdição, bem como, viola os seus direitos de defesa, previstos nos arts. 2º e 32º, nº 1 da CRP.
43. Face ao que antecede, suscita-se a questão da inconstitucionalidade da norma da al. f) do art. 400º do CPP, quando interpretada no sentido de que as nulidades da sentença do tribunal recorrido por omissão de pronúncia não são apreciadas pelo tribunal de recurso, se a omissão se prender com questão relativa a crime cuja medida da pena não admita recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
44. Esta foi a interpretação feita pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça da norma do art. 400º, nº 1, al. f) do CPP, interpretação que, pelo que atrás foi expendido, viola as disposições constitucionais previstas nos arts. 2º e 32º, nº 1 da CRP.
45. A inconstitucionalidade material decorrente da interpretação feita pelo Supremo da al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP constitui a base do inconformismo do ora recorrente, e por essa razão foi desde logo suscitada no requerimento de arguição de nulidade, e é agora objeto de recurso dirigido ao Venerando Tribunal Constitucional.
II - DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS ARTS. 283º, Nº 3 AL. B), 374º, Nº 2, 410, Nº 2 E 12, Nº 3 DO CPP.
46. A questão que não foi objeto de apreciação pelo Tribunal da Relação prende-se com a matéria fáctica que foi dada como provada e que no que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes não concretiza factos capazes de suportar um enquadramento jurídico-penal do crime de tráfico de drogas.
47. Esta questão não decorre de uma diferente convicção do recorrente em termos probatórios ou de uma diversa valoração da prova produzida em audiência, esta conclusão é a que se retira de forma clara e notória dos factos que foram dados como provados.
48. Ressalta de forma evidente da matéria provada que esta não concretiza a conduta pela qual o recorrente se dedicava à atividade de tráfico de drogas.
49. Nada se concretiza no que respeita à sua participação na produção de cannabis levada a cabo na quinta de Sarilhos Grandes.
50. Nada se concretiza quanto à sua conexão com a Quinta de Sarilhos Grandes, nem se nela cultivou, produziu ou se distribuiu ou vendeu cannabis ali produzido.
51. Nada se concretiza no que respeita às relações entre os arguidos na aludida atividade, nem qual o modus operandi pelo qual a levavam a cabo.
52. Da matéria provada não se indica o lugar, o tempo, o modo, o grau de participação ou as circunstâncias relevantes.
53. Os factos constantes nos pontos 1 e 2 dos factos provados constituem um conjunto fáctico não concretizado, '(...) dedicaram-se, desde altura não concretamente determinada, à atividade de tráfico de drogas, designadamente cannabis'; ... '(...)Em Portugal, a referida atividade era desenvolvida através da produção de cannabis, cujas plantas semeavam em terrenos que para o efeito eram adquiridos (...) ... . (...) As plantas criadas eram depois sujeitas a tratamentos de secagem e prensagem, com vista à obtenção do produto final – haxixe - a cuja venda procediam, com a obtenção de elevados lucros através dos diferenciais entre os custos de produção e os valores da venda.'.
54. Afinal que terrenos adquiriu o recorrente para desenvolver a produção de cannabis? Em que circunstâncias de tempo, modo ou lugar este cultivou, produziu, vendeu ou distribuiu?
55. As afirmações genéricas contidas na matéria dada como provada, não são suscetíveis de contradita, pois não sabe o recorrente como lhe é imputado o desenvolvimento da aludida produção de cannabis.
56. Em nenhum facto provado se descreve uma conduta do recorrente relativa a tal atividade.
57. A questão que o recorrente suscitou, e que não foi objeto de apreciação pelo Tribunal da Relação, é uma questão de primacial importância para a sua defesa.
58. Não é de todo possível ao recorrente defender-se de acusações como as supra referidas, afinal que terrenos estão em causa? Se não sabe como pode o mesmo demonstrar que não cultiva, nem produz cannabis em terrenos que alegadamente adquire para esse efeito?
59. Os factos dados como provados, extraídos da acusação e do despacho instrutório, não são passíveis de contradita, não são passíveis de um efetivo contraditório, e assim sendo os direitos de defesa do arguido constitucionalmente consagrados no art. 32º da CRP foram gritantemente violados.
60. Neste enquadramento, o recorrente suscitou em recurso que os factos dados como provados no que a si diz respeito e no que concerne de crime de tráfico deviam ter sido dados como não provados, por ser essa a interpretação que deve ser dada às normas dos arts. 283º, nº 3 al. b), 374º, nº 2, 410 nº 2 e 4 e 12º, nº 3 do CPP, sob pena de estas padecerem de inconstitucionalidade material, por violação do disposto no art. 32º da CRP.
61. Pese embora tenha sido suscitada a inconstitucionalidade supra referida, a mesma não foi objeto de apreciação porque '(...) relativamente ao crime de tráfico agravado, punido com pena de prisão não superior a 8 anos, a decisão da Relação não é recorrível'.
62. Mais uma vez, o Supremo, com fundamento em irrecorribilidade da decisão, deixou de apreciar questão de inconstitucionalidade que lhe foi suscitada.
63. Antes de mais, dispõe o art. 79º-C da Lei 28/82, de 15 de novembro, que o Tribunal deve apreciar as questões de inconstitucionalidade que lhe são suscitadas.
64. Por outro lado, a questão em causa foi suscitada no processo, porém, não foi objeto de apreciação por parte da Relação e do Supremo, em manifesta violação dos direitos de defesa do arguido constitucionalmente consagrados, que se vê condenado pela prática de um crime, sem que dos factos provados resultem condutas capazes de concretizar a prática desse crime.
65. Neste contexto, suscita-se a inconstitucionalidade material das normas dos arts. 283º, nº 3 al. b), 374º, nº 2, 410 nº 2 e 4 e 12º, nº 3 do CPP, quando interpretadas no sentido de que factos genéricos e abstratos, não concretizadores das exatas circunstâncias de tempo, modo e lugar das condutas do agente em que se funda a prática dos crimes, podem ser dados como provados para sustentar uma condenação, por violação do disposto no art. 32º da CRP, dado que tais factos, pelo seu caráter genérico, inviabilizam o direito de defesa dos arguidos, por não serem suscetíveis de contraditório.
66. Dispõe o artigo 75.º-A n.º 1 da LTC; que o recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a alínea do n.º 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie.
67. Dispõe o artigo 70.º n.º 1 da LTC: Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:
a) (...)
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
68. A questão da inconstitucionalidade material da al. f), do nº 1 do art. 400º do CPP foi suscitada no processo.
69. De igual forma, a questão da inconstitucionalidade material das normas dos arts. 283º, nº 3 al. b), 374º, nº 2, 410 nº 2 e 4 e 12º, nº 3 do CPP foi suscitada no processo.”
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso interposto pelo arguido, com a seguinte fundamentação:
“…O arguido A. pretende que sejam apreciadas duas questões de constitucionalidade.
Na primeira, invoca a inconstitucionalidade da norma da alínea f), do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que as nulidades da sentença do tribunal recorrido por omissão de pronúncia não são apreciadas pelo tribunal de recurso, se a omissão se prender com questão relativa a crime cuja medida da pena não admita recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Na segunda, invoca a inconstitucionalidade material das normas dos artigos. 283.º, n.º 3, al. b), 374.º, n.º 2, 410 n.º 2 e 4, e 12.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que factos genéricos e abstratos, não concretizadores das exatas circunstâncias de tempo, modo e lugar das condutas do agente em que se funda a prática dos crimes, podem ser dados como provados para sustentar uma condenação, por violação do disposto no artigo 32º da Constituição, dado que tais factos, pelo seu caráter genérico, inviabilizam o direito de defesa dos arguidos, por não serem suscetíveis de contraditório.
Relativamente à primeira questão, a mesma apenas foi suscitada pelo recorrente no requerimento em que arguiu nulidades do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 8 de janeiro de 2014.
Ora, conforme se referiu, o recurso previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade durante o processo, isto é, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC), significando isto que a questão de inconstitucionalidade deve ser suscitada antes de se mostrar esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre tal questão.
Como tem sido reiteradamente entendido pelo Tribunal Constitucional, uma vez que o poder jurisdicional do tribunal a quo se esgota, em princípio, com a prolação da sentença ou acórdão e a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material ou lapso notório, não é causa de nulidade da decisão e não torna esta obscura, os incidentes pós-decisórios (pedido de aclaração, de reforma ou arguição de nulidade da decisão), não são, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar, pela primeira vez, uma questão de constitucionalidade.
Por outro lado, não se está no caso perante uma situação em que o Recorrente não tenha tido oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de ser proferida a decisão recorrida, uma vez que esta não pode ser considerada uma “decisão-surpresa”, de conteúdo insólito ou imprevisível, em que o Recorrente tenha sido confrontado com uma concreta aplicação ou interpretação normativa de todo imprevisível e inesperada.
Com efeito, no referido Parecer do Ministério Público apresentado no Supremo Tribunal de Justiça já havia sido invocada a irrecorribilidade do Acórdão da Relação de Évora, quanto às questões relativas à condenação pelo crime de tráfico agravado, por estarmos perante a aplicação de uma pena, cuja medida não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (pág. 6 e 7 do Parecer e 8166-8167 dos autos), pelo que, tendo o Recorrente sido notificado para se pronunciar sobre o conteúdo desse Parecer antes do Supremo Tribunal de Justiça ter proferido a decisão ora recorrida, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, teve oportunidade de suscitar previamente esta questão de constitucionalidade que agora colocou ao Tribunal Constitucional perante o tribunal recorrido e era exigível que o fizesse.
Não o tendo feito, uma vez que não respondeu a esse Parecer, não se revela preenchido o aludido requisito de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, pelo que não poderá o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso nesta parte.
Relativamente à segunda questão, a interpretação questionada não foi sustentada na decisão recorrida, uma vez que, como já vimos, esta considerou que não era recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça todas as questões relativas à condenação do arguido pela prática do crime de tráfico agravado.
Não tendo a interpretação questionada integrado a ratio decidendi do acórdão recorrido não é possível conhecer do mérito do recurso, também quanto a esta questão, atento o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base, o qual exige, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo tenha constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão…”
O arguido reclamou desta decisão nos seguintes termos:
I - DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DA AL. F), DO Nº 1 DO ART. 400º DO CPP.
9 - A irrecorribilidade definida pela medida da pena não pode ter como efeito a impossibilidade de o tribunal apreciar a existência de vícios da decisão, sob pena de se violarem os princípios constitucionais, máxime os que respeitam às garantias de defesa do arguido.
10 - Neste sentido, o recorrente, em tempo, arguiu a nulidade do acórdão do Supremo por entender que tal acórdão estava também ele ferido de nulidade por, à semelhança da Relação, não ter apreciado questão que estava obrigado a julgar.
11 - Refira-se, aqui, que a arguição da aludida nulidade foi apresentada perante o próprio S.T.J., dado que, nos termos das disposições conjugadas no nº 4 do art. 615º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do nº 4 do CPP, as nulidades por omissão de pronúncia são arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário - é o caso dos autos.
12 - No requerimento de arguição de nulidade do acórdão, o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade material da al. f) do art. 400º do CPP quando interpretada no sentido de que não é passível de recurso as nulidades dos acórdãos das relações por omissão de pronúncia suscitadas perante o Supremo, por a questão que não foi objeto de apreciação na Relação se prender com crime punido com pena inferior a 8 anos.
13 - Inesperadamente, e ao arrepio do dispositivo legal e jurisprudencial, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, que a nulidade de omissão de pronúncia deveria ser arguida perante o Tribunal da Relação porque as nulidades da sentença só são arguidas em recurso se este for admitido e na 'parte da decisão' a que digam respeito.
14 - Com efeito, não é previsível, retirar do disposto no art. 379º, nº 2 do CPP, que a sentença recorrível deva ser parcelada em. partes que admitem, recurso e partes que não o admitem.
15 - O que resulta claramente do disposto no art. 379º, nº 2 do CPP é que as nulidades da sentença que admita recurso devem ser arguidas e julgadas em sede de recurso - independentemente das questões com que estas se prendam.
16 - A decisão é só uma, vale como um todo, e a nulidade é um vício da decisão e não de parte da decisão - esta ou padece de nulidade ou não padece e não é suscetível de ser dividida em partes.
17 - É neste enquadramento factual e legal que o recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade, por entender, que a decisão tomada se prende com uma interpretação da al. f) do art. 400º do CPP que viola gritantemente os seus direitos de defesa constitucionalmente protegidos no art. 32º da CRP.
18 - De facto, a inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente, ao contrário do que o S.T.J. alegou, não se prende com a questão da irrecorribilidade da matéria decisória referente a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 8 anos.
19 - O que está em causa é tão só a suscitada nulidade do acórdão da Relação por omissão de pronúncia, logo, é óbvio que a questão colocada à sindicância do S.T.J. nada tinha a ver com a decisão que foi tomada sobre o crime de tráfico agravado, punido com a pena parcelar de 7 anos.
20 - Aliás, caso a arguida nulidade viesse a ser julgada procedente, nos termos do nº 3, do art. 379º do CPP, verificar-se-ia a repetição do ato de julgar pelo tribunal recorrido - o que desde logo demonstra que não era a matéria decisória sobre o crime que seria objeto de apreciação pelo S.T.J.
21 - O S.T.J. ao não apreciar a nulidade do Acórdão da Relação, nulidade que estava obrigado a conhecer, leva a que o recorrente não lhe veja ser apreciado em sede de recurso questão que legitimamente suscitou em sua defesa.
22 - O direito ao recurso é um direito que assiste a todo e qualquer arguido em processo penal, sendo que, desse direito decorre que todas as questões suscitadas pelo arguido em sua defesa têm de ser, sem qualquer exceção, apreciadas e decididas.
23 - Com base nesse direito o recorrente legitimamente confiou que lhe era garantido, pelo menos, um grau de recurso em todas as questões que invocasse em sua defesa, as quais, por essa via, seriam apreciadas e julgadas.
24 - Com a interpretação feita pelo S.T.J. da al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP, o direito ao recurso do recorrente foi-lhe limitado, pois, viu ser-lhe negada pelo tribunal de recurso a apreciação de uma questão essencial à sua defesa, com base numa regra de irrecorribilidade, que se destina unicamente à matéria decisória que recai sobre os crimes.
25 - Acresce, que em processo penal o regime das nulidades, pela sua natureza, se forem arguidas tempestivamente e em sede própria, têm de ser corrigidas pelo julgador, sob pena de se admitir que produzam efeitos na esfera jurídica dos arguidos decisões que padeçam. do grave vício de nulidade - se estas forem arguidas e não forem supridas viola-se seriamente os direitos de defesa dos arguidos, previstos no nº 1 do art. 32º da CRP
26 - A interpretação feita pelo S.T.J. da al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP, viola gritantemente os direitos de defesa do recorrente, constitucionalmente garantidos no art. 32º, nº 1 da CRP, bem como, viola os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança, consagrados no art. 2º da CRP.
27 - O recurso interposto para o Tribunal Constitucional sustentou-se no circunstancialismo atrás descrito, porém, o recurso veio a ser objeto de rejeição por decisão sumária fundamentada nos seguintes termos:
- A questão da inconstitucionalidade da al. f) do art. 400º do CPP '(…) apenas foi suscitada pelo recorrente no requerimento que arguiu nulidades do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 08 de janeiro de 2014'.
- (...) o recurso previsto na alínea b), do nº 1 do art. 70º da LTC, só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade durante o processo, isto é, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (art. 72º, nº 2, da LTC), significando isto que a questão da inconstitucionalidade deve ser suscitada antes de se mostrar esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre tal questão'.
- '(...) o poder jurisdicional do tribunal a quo se esgota, em principio, com a prolação da sentença ou acórdão e a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material ou lapso notório, não é causa de nulidade da decisão e não toma esta obscura, os incidentes pós-decisórios (pedido de aclaração, de reforma ou arguição de nulidade da decisão (pedido de aclaração, de reforma ou arguição de nulidade da decisão), não são, em princípio, meios idóneos e atempados paro. suscitar, pela primeiro. vez, uma questão de constitucionalidade'.
- Alega-se, ainda não se poder considerar o Acórdão do Supremo uma 'decisão surpresa' de conteúdo insólito ou imprevisível, em que o recorrente tenha sido confrontado com uma aplicação ou interpretação normativa de todo imprevisível e inesperada, atendendo a que '(...) no referido parecer do Ministério Público apresentado no Supremo Tribunal de Justiça já havia sido invocada a irrecorribilidade do Acórdão da Relação de Évora, quanto às questões relativas à condenação pelo crime de tráfico agravado (...)'.
IMPOEM-SE ESCLARECER:
28 - A questão em apreço foi suscitada, em tempo, aquando da apresentação do requerimento anulatório perante o Supremo Tribunal de Justiça atendendo a que a mesma apenas surgiu nessa sede com a prolação do Acórdão.
29 - A sobredita questão foi apreciada decidida pelo Supremo, pelo que, o poder jurisdicional apenas se esgotou após a apreciação do requerimento anulatório.
30 - Ressalva-se que ainda que assim não tivesse sucedido sempre seria de admitir o recurso que se apresenta, porquanto a questão em apreço surgiu 'em primeira instância' no Supremo Tribunal de Justiça, por força da omissão de pronúncia por este praticada.
31 - Por outro lado, decorre do Acórdão do TC nº 629/2013 proferido no âmbito do Processo nº 665/13, da 2ª Secção, que surgida a questão de inconstitucionalidade com a prolação do Acórdão do Supremo o requisito de suscitabilidade é cumprido com a arguição do requerimento anulatório - o que sucedeu no presente caso.
32 - Por outro lado, com a decisão do Supremo o recorrente foi confrontado com uma concreta aplicação e interpretação normativa imprevisível e inesperada, pois, a previsão do recorrente, sustentada na lei, conforme supra ficou demonstrado, era tão só a de que o Supremo Tribunal de Justiça apreciasse o vício de nulidade do Tribunal da Relação de Évora.
33 - Com o devido respeito o que o recorrente pretendia e pretende é que um tribunal superior, última instância para a qual se recorre em busca do fim último do direito, justiça, se digne apreciar se a instância inferior em sede de recurso cumpriu ou não com a legalidade que se impõe.
34 - Naturalmente, não podia o recorrente prognosticar a situação, nomeadamente que a apreciação dos vícios de nulidade de sentença, matéria que até ê de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo, ficassem prejudicados com base na regra da irrecorribilidade - tal decisão ê evidente e notoriamente inesperada por ser contrária à corrente jurisprudencial que vem sendo tomada há largos anos a esta parte, inclusive pelo próprio STJ.
35 - Com efeito, tal decisão não é de forma alguma espectável, pois, o próprio Supremo no Acórdão do S.T.J. nº 1/94, publicado no D.R. de 11 de fevereiro, fixou jurisprudência nos seguintes termos:
'As nulidades da sentença enumeradas de forma taxativa nas alíneas a) e b) do art. 379º do Código Processo Penal não têm de ser arguidas, necessariamente, nos termos estabelecidos na alínea a), do nº 3 do art. 120º do mesmo diploma processual, podendo sê-lo, ainda, em motivação de recurso para o tribunal superior” (negrito e sublinhado nosso).
36 - Acresce, que o Parecer do Ministério Público invocou a questão da irrecorribilidade do Acórdão da Relação de Évora, quanto às questões relativas às relativas às penas de prisão inferiores a oito anos, que envolvem diretamente matéria de facto, porém, tal Parecer não tomou, quanto à suscitada nulidade por omissão de pronúncia, a mesma posição.
37 - Com efeito, no aludido Parecer está até bem expressa a tese que o recorrente vem defendendo, nomeadamente no ponto 3.2 onde está escrito o seguinte:
“(…) O recurso pode ter como fundamento, a inobservância de requisitos cominados sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, embora seja ao Tribunal da Relação que, em última instância, caiba apreciar e decidir a matéria de facto.
Dentro dos poderes do Supremo Tribunal, em recurso, está a apreciação de nulidades insanáveis e por isso previstas no art. 379º por omissão de pronúncia. (sublinhado e negrito nosso).
38 - Desta forma, não se alcança como se pode concluir que o recorrente deveria ter suscitado a questão de inconstitucionalidade quando foi notificado do Parecer do Ministério Público, quando, nesse mesmo Parecer, se assume posição exatamente igual à que o recorrente defende.
39 - Por tudo o que antecede, resulta inequívoco, que no presente caso a decisão proferida pelo Supremo não era previsível, e que o primeiro momento processual que o recorrente teve para suscitar a inconstitucionalidade em causa foi o requerimento anulatório - o que fez, em tempo e em sede própria, pelo que, cumpriu o requisito da suscitabilidade.
40 - Por outro lado, com todo o respeito pelo Parecer do Ministério Público, a resposta ao mesmo é facultativa, logo, não exigível, bem como, pese embora a importância do mesmo, não consubstancia uma decisão.
41 - O requisito de suscitabilidade surge com decisões judiciais que interpretem normas em sentido contrário à CRP.
42 - In casu a questão não é a da inconstitucionalidade da al. f) do art. 400º do CPP por não ser admissível o recurso de crime punido com pena inferior a oito anos, mas sim a de ser interpretado no sentido de que porque ao crime em concreto foi aplicada uma pena de sete anos de prisão efetiva, o tribunal superior não tem que apreciar se a Relação de Évora deveria ou não ter conhecido as questões (todas) que lhe foram colocadas - em contrário, aliás, ao vertido no art. 119º do CPP.
43 - Não era exigível ao recorrente prever, no momento da interposição do recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, que este não viria a apreciar a questão da omissão de pronúncia praticada pela Relação, ainda menos que não o fizesse sustentado numa argumentação que não se aplica à questão.
44 - Nestes termos, não lhe sendo exigível suscitar a questão de constitucionalidade da norma que fundamentou tal decisão antes da prolação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, deve entender-se que a negação da apreciação surgiu, na perspetiva do recorrente, como uma 'decisão surpresa', pelo que, há que concluir pela admissibilidade do presente recurso.
II - DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS ARTS. 283º, Nº 3 AL. B), 374º, Nº 2, 410º, Nº 2 E 12, Nº 3 DO CPP.
45 - Quanto à segunda questão colocada pelo recorrente e como decorre da interpretação do Exmo. Senhor Juiz relator, a invocada inconstitucionalidade prende-se precisamente com a omissão de pronúncia praticada pela Relação, atendendo a que se violam os princípios da plenitude da defesa, o princípio do contraditório na sua inserção na estrutura acusatória do processo e o direito ao recurso consagrados no art 32º, nº 1 e 5 da CRP.
Atento o supra exposto, deve a presente Reclamação ser recebida substituindo-se a Douto Decisão do Exmo. Senhor Juiz Relator que decidiu pelo não conhecimento nos termos do art. 78º -A, nº 1 da LTC, do recurso interposto pelo recorrente por não preenchidos os requisitos de admissibilidade previstos no art. 70º, nº 1, al. b), por outra que decida apreciar e julgar as questões apresentadas, seguindo-se os ulteriores termos até final.
Com referência à parte final da douta decisão ora reclamada, informa-se que, conforme consta dos autos, o recorrente é beneficiário do apoio judiciário na modalidade de dispensa total da taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como de pagamento da compensação de defensor oficioso.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação apresentada.
*
Fundamentação
O Recorrente A. no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional invocou a inconstitucionalidade:
- da norma constante da alínea f), do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que as nulidades da sentença do tribunal recorrido por omissão de pronúncia não são apreciadas pelo tribunal de recurso, se a omissão se prender com questão relativa a crime cuja medida da pena não admita recurso para o Supremo Tribunal de Justiça;
- e das normas constantes dos artigos. 283.º, n.º 3, al. b), 374.º, n.º 2, 410 n.º 2 e 4, e 12.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que factos genéricos e abstratos, não concretizadores das exatas circunstâncias de tempo, modo e lugar das condutas do agente em que se funda a prática dos crimes, podem ser dados como provados para sustentar uma condenação.
Foi proferida decisão sumária que não conheceu da primeira questão por não se mostrar cumprido o requisito da suscitação da respetiva questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, tendo o Recorrente desfrutado de oportunidade para o fazer quando o Ministério Público no Parecer apresentado no Supremo Tribunal de Justiça defendeu o não conhecimento do recurso quanto a todas as questões relativas ao crime de tráfico de estupefacientes.
Alega o Recorrente que o Ministério Público no referido Parecer, pelo contrário, defendeu o conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça da arguição de nulidade do acórdão do Tribunal da Relação por omissão de pronúncia, além de que a resposta ao Parecer é facultativa.
Da leitura do Parecer apresentado pelo Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, ao qual o Recorrente foi notificado para responder, antes daquele Tribunal se ter pronunciado sobre o recurso para ele interposto, constata-se que, se é verdade que nele se diz, genericamente, que “dentro dos poderes do Supremo Tribunal, em recurso, está a apreciação de nulidades insanáveis e por isso previstas no artigo 379.º por omissão de pronúncia”, mais à frente e já reportado ao concreto recurso interposto pelo Recorrente, refere-se que é “irrecorrível o acórdão da Relação de Évora pelo arguido A. sobre todas as questões de facto e de direito colocadas relativamente aos dois crimes a que foi condenado com penas de 7 anos de prisão”.
Ora, reportando-se a arguição de nulidade por omissão de pronúncia precisamente a um desses crimes, verifica-se que o Ministério Público defendeu o seu não conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelo que se o Recorrente entende que essa interpretação é violadora de parâmetros constitucionais, deveria ter suscitado a respetiva questão ao tribunal recorrido na resposta àquele Parecer, para poder recolocar a mesma questão ao Tribunal Constitucional, caso o Supremo Tribunal de Justiça não acolhesse a sua tese.
A suscitação prevista no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, é um ónus processual que o Recorrente deve cumprir para poder ter acesso ao Tribunal Constitucional, pelo que o facto da resposta ao Parecer ser facultativa, em nada releva para a verificação do cumprimento desse ónus. O que importa é que o Recorrente teve oportunidade para suscitar aquela questão de constitucionalidade e era exigível que o fizesse e não cumpriu esse ónus, pelo que a constitucionalidade da respetiva interpretação normativa não pode agora ser fiscalizada.
Quanto à segunda questão de constitucionalidade invocada pelo Recorrente perante este Tribunal também foi proferida decisão sumária de não conhecimento, com fundamento em que a interpretação normativa cuja constitucionalidade se pretendia ver fiscalizada não integrou a ratio decidendi do Acórdão recorrido.
Na verdade, conforme se refere na decisão reclamada, aquele aresto não se pronunciou sobre a questão a que se reporta a invocada interpretação, precisamente porque entendeu que não eram recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça todas as questões relativas à condenação do arguido pela prática do crime de tráfico agravado.
Não tendo o Acórdão recorrido sustentado a alegada interpretação normativa, não é possível conhecer do mérito do recurso, também quanto a esta questão, atento o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base, o qual exige, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada.
Por estas razões deve ser indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A..
*
Custas pelo reclamante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 7 de maio de 2014. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.