Imprimir acórdão
Processo n.º 1005/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público, B., S.A. e C., S.A. foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele tribunal de 11 de julho de 2013.
2. Pela Decisão Sumária n.º 580/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Nos presentes autos, não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de uma questão de inconstitucionalidade reportada ao artigo 51.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal. Na motivação do recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o recorrente alegou apenas que «ao fixar, como condição para a suspensão da execução da pena, uma indemnização que, pelo seu montante, determinará necessariamente a prisão efetiva do Recorrente, o Tribunal a quo faz uma interpretação inconstitucional do artigo 51º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal». Não identificou, pois, a dimensão interpretativa cuja constitucionalidade pretendia questionar. E tão-pouco o fez quando respondeu ao parecer do Ministério Público (fl. 1404 e s.).
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência (artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC), com os seguintes fundamentos:
«1 – O Recorrente não pode concordar com o teor da decisão singular.
2 – Com o devido respeito, o Tribunal Constitucional deveria tomar conhecimento do presente recurso.
3 – Na sua motivação de recurso dirigida ao Tribunal da Relação de Guimarães, o Recorrente alegou que o Tribunal Coletivo impôs, como condição para a suspensão da pena de prisão, o dever de realização impossível.
4 – Alegou ainda o A. que tal decisão violava o princípio da razoabilidade que preside ao disposto no artigo 51º, n.º 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal.
5 – Acrescentou por fim que, ao fixar, como condição para a suspensão da execução da pena, uma indemnização que, pelo seu montante, determinará necessariamente a prisão efetiva do Recorrente, o Tribunal Coletivo fez uma interpretação inconstitucional do artigo 51º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
6 – Ora, salvo melhor opinião, a dimensão interpretativa da constitucionalidade das normas em causa foi identificada.
7 – Aquilo que o Recorrente alegou na sua motivação de recurso é que o Tribunal de 1ª instância, recorrendo ao disposto o artigo 51º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal, aplicou como condição para a suspensão da pena de prisão um dever cuja impossibilidade de realização conduzirá necessariamente à sua prisão efetiva.
8 – Ora, é essa interpretação que choca com o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
9 – No entender do Recorrente, o presente recurso observa todos os requisitos legais.
10 – Face ao exposto, requer que seja proferido acórdão sobre a matéria da douta decisão singular».
4. Os recorridos foram notificados da reclamação, mas respondeu apenas o Ministério Público, dizendo o seguinte:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 580/2013, não se conheceu do objeto do recurso porque “durante o processo”, ou seja, na motivação do recurso interposto para a Relação de Guimarães e na resposta ao parecer emitido pelo Ministério Público naquela Relação, o recorrente não identificara a dimensão interpretativa cuja inconstitucionalidade pretendia questionar, limitando-se a referir que o tribunal tinha feito uma interpretação inconstitucional do artigo 51.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Código Penal.
2º
Como de forma clara se demonstra na douta Decisão Sumária, falta esse pressuposto de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC).
3º
Na reclamação agora apresentada, o recorrente nada diz que possa abalar o fundamento da decisão reclamada.
4º
Aliás, o ali afirmado apenas reforça o entendimento adotado naquela decisão, desconhecendo-se ainda agora qual a dimensão normativa cuja inconstitucionalidade deveria constituir objeto do recurso.
5º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada das normas cuja apreciação foi requerida (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Muito embora pretenda contrariar o decidido, o reclamante acaba por confirmar o bem fundado da decisão sumária proferida. Por um lado, sustenta que questionou a decisão judicial em causa, por violação do princípio da razoabilidade, o que contraria a natureza normativa do recurso de constitucionalidade que pretendia interpor; por outro, alega que questionou a conformidade constitucional de determinada interpretação do artigo 51.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal quando invocou que o tribunal aplicou como condição para a suspensão da pena de prisão um dever cuja impossibilidade conduzirá necessariamente à prisão efetiva do condenado, o que não corresponde à identificação de uma qualquer dimensão interpretativa daqueles preceitos. O que o reclamante apresenta como identificação de determinada interpretação normativa mais não é do que a identificação da razão que o levou a questionar a conformidade constitucional da decisão judicial que subordinou a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de determinado dever.
Há que reiterar, pois, a decisão reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 9 de janeiro de 2014. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.