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Processo n.º 48/14
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
A., S.A., impugnou judicialmente as liquidações adicionais de IVA referentes aos exercícios de 2004 e 2005.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou improcedente a impugnação.
A Impugnante interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por acórdão proferido em 11 de janeiro de 2013, concedeu parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida na parte em que confirmou a legalidade das liquidações adicionais relativas ao IVA deduzido a faturas emitidas por B., Limitada, anulando a liquidação correspondente, mas confirmando a decisão recorrida no demais.
A Impugnante interpôs recurso de revista excecional desta decisão para o Supremo Tribunal Administrativo que não conheceu deste recurso.
A Impugnante interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional da decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Norte, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, nos seguintes termos:
“1. Têm os presentes autos origem na notificação à recorrente, por parte da Autoridade Tributária, em que procedeu ao indeferimento, por douto Despacho de 26.01.2010, do Recurso Hierárquico apresentado em 29.04.2009.
2. Tal Recurso Hierárquico, foi interposto na sequência do indeferimento da Reclamação Graciosa instaurada sob o nº 1848200804000587.
3. Efetivamente, a Impugnante foi notificada das liquidações adicionais de IVA dos anos de 2004 e 2005:
- pela dedução de IVA liquidado no montante de € 610053,05 no ano de 2004 e de € 750 388,79 no ano de 2005, em relação ao contribuinte nº 501311548, com a denominação 'B., S.A.';
- pela dedução de IVA liquidado no montante de € 49 001,67 no ano de 2004, em relação ao contribuinte nº 505482550, com a denominação 'C., Ldª”; e
- pela dedução de IVA liquidado no montante de € 357 037,72 no ano de 2005, em relação ao contribuinte nº 506866840, com a denominação 'D., Ldª”.
4. Significa que a Administração Fiscal (AF), não aceitou o direito à dedução do IVA, por parte da Recorrente, nos períodos acima referidos, do montante global de € 1 766 481,23, a que acrescem os juros no montante total de € 216 143,61, o que perfaz um total de € 1 982 624,84 (um milhão e novecentos e oitenta e dois euros e seiscentos e vinte e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos).
Assim,
5º- e inconformada com esta decisão, a recorrente dela recorreu judicialmente, tendo o seu recurso subido, em primeira instância, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel,
6º- desde logo por falta de apreciação das provas apresentadas pela A., por falta de fundamentação do ato por parte da Autoridade Tributária e por inconstitucionalidade.
7º- desde logo e imediatamente, também com o fundamento precisamente na inconstitucionalidade da decisão, pela não aplicação do nº 1 e 2 do Artº 19º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e assim ter violado tão importantes preceitos constitucionais,
Contudo,
8º- o que é facto é que aquele Tribunal Administrativo decidiu manter a decisão do Autoridade Tributária, não reconhecendo a posição da recorrente nem a existência dos acima citados vícios da decisão.
Depois,
9º- e uma vez mais inconformadas com esta decisão, a ora recorrente dela interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo do Norte,
10º- uma vez mais, e também com o fundamento na falta de fundamentação do ato pela Autoridade Tributária das correções efetuadas, da apreciação das provas apresentadas pela A. e da inconstitucionalidade alegada.
No entanto,
11º- este Tribunal Central decidiu revogar parcialmente a decisão de primeira instância, e na parte da mesma decisão que foi mantida, entendeu que a mesma não violava qualquer preceito legal ou constitucional.
Por isso,
12º- e inconformada mais uma vez com esta decisão, e sempre persuadida da inequívoca inconstitucionalidade por violação, entre outros, dos princípios da igualdade e da proporcionalidade decidiu a recorrente dela interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
Contudo,
13º- foi decidido pela Conferência constituída por três Senhores Conselheiros não admitir tal recurso, indeferindo, por isso, a sua subida e consequente apreciação.
Ou seja,
14º- e por todo o exposto, e face ao quanto vem estabelecido nos nºs 2 a 4 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei nº 28/82 de 15 de novembro), e declarado até pelo Supremo Tribunal de Justiça,
15º- encontra-se agora a recorrente face à situação de que é inequívoco que nos presentes autos se encontram já para si irremediável e completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários,
16º· que lhe possibilite, de acordo com a previsão do artigo 280º da Constituição, reagir contra a decisão da aplicação das supra citadas normas do Código Civil com a qual continuam a não poder conformar-se,
17º- e de cuja inconstitucionalidade continuam inabalavelmente persuadidas, quer não só do ponto de vista material, mas também da que resulta da desconformidade com a intenção do legislador constitucional de 2004.
Nestes termos,
18º- e porque, como referido, a recorrente continua inconformada com a decisão proferida por este Tribunal Central Administrativo que decidiu violando, entre outros, os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade.
19º- dela vem agora a recorrente, porque está em tempo e para tal tem legitimidade (Cfr. al. b) do nº 1 do art. º 72º da Lei do T. Constitucional),
interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
20º- o qual deverá subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito suspensivo (cfr. nº 4 do artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional).
De facto,
21º- e de acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, desde já a recorrente esclarece que, com o presente recurso, pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade e a desconformidade com os mais básicos princípios constitucionais,
22º- atento o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do T. Constitucional, ao abrigo das quais o presente recurso é interposto,
23º- designadamente a inconstitucionalidade por violação, entre outros, dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
24º- Tudo isto por manifesta violação do disposto no artigo 266º da Constituição e do «Princípio da Igualdade», do «Princípio da Proporcionalidade' e do «Princípio da Justiça', que ali é estabelecido
Na verdade,
25º- todas estas questões de inconstitucionalidade material constituem a base fundamental do inconformismo da recorrente com a decisão da autoridade Tributária e, depois, com as decisões jurisdicionais que se lhe seguiram,
26º- e, por isso mesmo, foram desde logo suscitadas quer nas suas alegações do recurso interposto para o Tribunal de 1ª instância (cfr. entre outros os artºs 254º, 263º e segs. das alegações) quer nas suas alegações do recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo do Norte (cfr. entre outros os artºs c.5.2.12, c.5.2.13, 102º, 123º das alegações de recurso).
Neste Tribunal foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Ora, no requerimento de interposição de recurso apresentado, a Recorrente não aponta o vício de inconstitucionalidade a qualquer norma que tenha sido aplicada pela decisão recorrida, mas sim à própria decisão, tal como, aliás, já havia efetuado nas alegações de recurso dirigidas ao tribunal recorrido, em que se limitava a invocar a inconstitucionalidade da própria decisão proferida pela 1.ª instância.
Não tendo o objeto do recurso um conteúdo normativo, não pode o mesmo ser conhecido, devendo ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos previstos no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.”
A Recorrente reclamou desta decisão, pelas seguintes razões:
“1. Têm os presentes autos origem na notificação á recorrente, por parte da Autoridade Tributária, em que procedeu ao indeferimento, por douto Despacho de 26.01.2010, do Recurso Hierárquico apresentado em 29.04.2009.
2. Tal Recurso Hierárquico, foi interposto na sequência do indeferimento da Reclamação Graciosa instaurada sob o nº 1848200804000587.
3. A Impugnante foi notificada das liquidações adicionais de IVA dos anos de 2004 e 2005:
- pela dedução de IVA liquidado no montante de € 610 053,05 no ano de 2004 e de € 750 388,79 no ano de 2005, em relação ao contribuinte nº 501311548, com a denominação B., S.A.;
- pela dedução de IVA liquidado no montante de € 49 001,67 no ano de 2004, em relação ao contribuinte nº 505482550, com a denominação “C., Ldª” e
- pela dedução de IVA liquidado no montante de € 357 037,72 no ano de 2005, em relação ao contribuinte nº 506866840, com a denominação D., Lda.
4. Significa que a Administração Fiscal (AF), não aceitou o direito á dedução do IVA, por parte da Recorrente, nos períodos acima referidos, do montante global de € 1 766 481,23, a que acrescem os juros no montante total de € 216 143,61, o que perfaz um total de € 1 982 624,84 (um milhão e novecentos e oitenta e dois euros e seiscentos e vinte e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos).
Assim,
5º- e inconformada com esta decisão, a recorrente dela recorreu judicialmente, tendo o seu recurso subido, em primeira instância, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel,
6º- desde logo por falta de apreciação das provas apresentadas pela A., por falta de fundamentação do ato por parte da Autoridade Tributária e por inconstitucionalidade.
7º- desde logo e imediatamente, também com o fundamento precisamente na inconstitucionalidade da decisão, pela não aplicação do nº 1 e 2 do Artº 19º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e assim ter violado tão importantes preceitos constitucionais, designadamente os consagrados no nº 2 do Art.º 266.º da CRP.
8º- Contudo, o que é facto, é que aquele Tribunal Administrativo decidiu manter a decisão da Autoridade Tributária, não reconhecendo a posição da recorrente nem a existência dos acima citados vícios da decisão.
Depois,
9º- e uma vez mais inconformadas com esta decisão, a ora recorrente dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo do Norte,
10º- uma vez mais, e também com o fundamento na falta de fundamentação do ato pela Autoridade Tributária das correções efetuadas, da apreciação das provas apresentadas pela A. e da inconstitucionalidade alegada da interpretação dada ao referido Art.º 19.º do CIVA e plasmada na decisão recorrida.
No entanto,
11º- aquele Tribunal Central decidiu revogar parcialmente a decisão de primeira instância, e na parte da mesma decisão que foi mantida, entendeu que a mesma não violava qualquer preceito legal ou constitucional. Em suma, entendeu aquele venerando Tribunal admitir e considerar as transações realizadas entre a Recorrente e alguns dos seus fornecedores deixando, contudo, de admitir a veracidade de outras transações, apenas por terem sido realizadas com outros fornecedores, ignorando, contudo, que os factos carreados para os autos, a prova produzida e todos os demais elementos eram iguais, tendo, por isso, formulado diferentes juízos perante os mesmos factos.
Por isso,
12º- e inconformada mais uma vez com esta decisão, e sempre persuadida da inequívoca inconstitucionalidade por violação, entre outros, dos princípios da igualdade e da proporcionalidade decidiu a recorrente dela interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
13º- Contudo, foi decidido pela Conferência constituída por três Senhores Juízes Conselheiros não admitir tal recurso, indeferindo, por isso, a sua subida e consequente apreciação.
Ou seja,
14º- e por todo o exposto, e face ao quanto vem estabelecido nos nºs 2 a 4 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei nº 28/82 de 15 de novembro), e declarado até pelo Supremo Tribunal de Justiça,
15º- encontra-se agora a recorrente face à situação de que é inequívoco que nos presentes autos se encontram já para si irremediável e completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários,
16º- que lhe possibilite, de acordo com a previsão do artigo 280º da Constituição, reagir contra a decisão da aplicação das supra citadas normas do CIVA com a qual continua a não poder conformar-se,
17º- e de cuja inconstitucionalidade continuam inabalavelmente persuadidas, quer não só do ponto de vista material, mas também da que resulta da desconformidade com a intenção do legislador constitucional.
Nestes termos,
18º- Tem este venerando Tribunal entendido reiteradamente que, a admissão de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade se encontra dependente da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa (sublinhado nosso) - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70. º, nº 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, nº 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, artigo 72.º, nº 2, da LTC).” [in Acórdão do Tribunal Constitucional nº 57/2013 (processo 813/2012), disponível em www.dgsi.pt]
19º- Ora, no que respeita ao primeiro dos requisitos enunciado acima, logo no seu requerimento de interposição de recurso, a Recorrente referiu expressamente que o objeto normativo em causa é a interpretação dada pelo Tribunal a quo ao disposto no nº 3 do art.º 19.º do CIVA e a consequente não aplicação do disposto no nº 1 e 2 do mesmo preceito legal.
20.º- Tal referência é feita de forma expressa no requerimento de interposição de recurso, mais propriamente nos artigos 9.º e 16.º (onde, por mero lapso de escrita se escreve Código Civil quando, naturalmente, se pretendia escrever CIVA).
21.º De resto, ao longo de todo o seu requerimento de interposição de recurso teve a Recorrente a manifesta e compreensível preocupação de explicar de forma minimamente detalhada a situação em causa, designadamente, a interpretação dada pelo Tribunal a quo ao disposto no art.º 19.º do CIVA e, sumariamente, o porquê de considerar inconstitucional, nos termos referidos no dito requerimento, aquela interpretação que, naturalmente, conduziu à decisão final da causa.
22.º- Contudo, entendeu o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Relator de forma diferente, tendo proferido decisão sumária que julga inexistir um conteúdo normativo que impede este Tribunal de conhecer do recurso interposto.
23.º- Porém, ressalvado o devido respeito, a Recorrente não se pode conformar que assim seja.
24.º- Isto porque, contrariamente ao que vai afirmado na referida decisão sumária, a Recorrente, não alega, a inconstitucionalidade da decisão judicial recorrida abstratamente considerada ou, como se refere na decisão sumária de que aqui se reclama, em si mesma considerada.
25.º- Mesmo que houvesse alguma dúvida por parte deste Tribunal quanto a esta matéria, sempre teria que ser dado cumprimento ao disposto no nº 5 o Art.º 75.º-A da LTC, pelo que, sempre teria que ser dada oportunidade à Recorrente de aperfeiçoar o seu requerimento.
26.º- Situação que não ocorreu, não se podendo, também por isso, a Recorrente conformar com o que vai exposto no segundo parágrafo da fundamentação da decisão sumária aqui objeto de reclamação.
27.º- Antes, alega a inconstitucionalidade da interpretação que é feita do disposto no referido art.º 19.º do CIVA na referida decisão recorrida.
28.º- Fazendo até mais do que uma simples referência ao objeto normativo daquela decisão, explicando, em termos sumários é certo, dada a natureza do requerimento em causa, o teor da interpretação que foi feita daquela norma e aplicada na decisão recorrida.
29.º- Na realidade, o controlo da inconstitucionalidade cinge-se a normas jurídicas e a interpretações normativas, como – e bem - é salientado na decisão sumária de que se reclama.
30.º- Contudo, não se pode ignorar que uma decisão judicial acarreta sempre uma determinada interpretação de uma qualquer norma jurídica.
31.º- No caso concreto, a Recorrente referiu de forma expressa qual era essa norma e qual o sentido dado à mesma que, no seu entender, constitui uma violação ao texto da Lei fundamental.
32.º- Indicou ainda quais os preceitos constitucionais que, no seu entender, se encontravam postos em causa com a interpretação dada ao art.º 19.º do CIVA.
33.º- É a interpretação e aplicação do mesmo que deve respeitar os princípios constitucionalmente consagrados e já enunciados no requerimento de interposição de recurso, designadamente, os da igualdade e da proporcionalidade.
34.º- Tais princípios, no entender da Recorrente, foram violados pela interpretação dada ao referido art.º 19.º do CIVA no Acórdão recorrido.
35.º- Naturalmente que a referência à decisão em si mesma é essencial, desde logo para que se pudesse perceber o sentido da interpretação dada à norma em causa.
36.º- Contudo, o que não se pode aceitar é que se diga que a recorrente não indicou expressamente o objeto normativo do seu recurso.
37.º- E, muito menos, que o mesmo não é suscetível de ser conhecido por este Tribunal.
38.º- Sobretudo quando, a Recorrente indicou de forma expressa a interpretação normativa que entende ser violadora da Constituição.
39.º- Tal como, de resto, o próprio Tribunal a quo considerou, quando se pronunciou relativamente à questão da constitucionalidade levantada pela Recorrente, bem como, quando admitiu o recurso da decisão por si proferida para este Tribunal Constitucional.
40.º- De resto, “Como ato de decisão, a sentença é ato de conhecimento do órgão jurisdicional. Mas, se é certo que ato de conhecimento, cumpre esclarecer que não é apenas ato de inteligência. Diante do material conhecido, o juiz exerce sem dúvida um trabalho lógico que compreende a análise dos fatos e do direito e que culmina numa conclusão. A sentença, diz-se, encerra um silogismo, no qual a premissa maior seria o direito, a premissa menor os fatos e as circunstâncias do caso em apreciação e a conclusão o dispositivo da sentença. (...) Mas, por isso mesmo, a conclusão do silogismo contém mais do que somente um juízo lógico, compreende uma decisão, um comando. A sen- tença encerra um juízo de concreção. Toda regra jurídica contém um imperativo. Á aplicação desse imperativo ao caso concreto, é que se acha inserido na decisão. Daí que a doutrina vê na sentença além de um ato lógico, especialmente um ato de vontade decorrente do direito, o qual o juiz concretiza aplicando-o ao caso em espécie. Dessa forma, o preceito contido na sentença é a afirmação da vontade da lei, declarada pelo juiz, como órgão do Estado (in SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, 19ª. edição, vol. 3, Editora Saraiva, São Paulo, 1997, pág. 11).
41.º- Ou seja, não se pode descurar que a decisão judicial enceta em si mesma uma interpretação normativa e que, no caso concreto, é essa interpretação que a Recorrente julga ser violadora dos princípios constitucionais referidos.
42.º- Citamos a este propósito o Acórdão deste Tribunal com o nº 83/2013 (processo nº 882/12, disponível em www.dgsi.pt) que refere: De todo o modo, sempre se dirá que as decisões judiciais que julgaram improcedentes os impulsos impugnatórios das ora reclamantes dirigidos à conta de custas, justamente porque a elaboração de tal conta pressupôs a liquidação da taxa de justiça nos termos do artigo 13.º do Código das Custas Judiciais, acabam necessariamente por fazer também aplicação dos critérios normativos subjacentes a tal liquidação. Ou seja, ao indeferir as impugnações oportunamente deduzidas pelas recorrentes, tanto o tribunal de primeira instância, como o tribunal de segunda instância, julgaram não inconstitucional aquele artigo 13.º, e decidiram aplicá-lo.
43.º- A ideia que subjaz ao aresto agora citado está precisamente de acordo com aquilo que a Recorrente tem defendido.
44.º- A decisão recorrida parte de uma interpretação do art.º 19.º do CIVA que se revela manifestamente violadora de princípios constitucionalmente consagrado, merecendo, por isso, a Recorrente, a tutela dos seus direitos constitucionalmente protegidos.
45.º- No entanto, a decisão sumária proferida por este Tribunal vai em sentido distinto, referindo somente que o mesmo não pode apreciar “questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas”.
46.º- O que, salvo o devido respeito, em face de tudo o que já vai dito não é exato, dado que a Recorrente identifica e delimita com precisão o objeto normativo do seu recurso.
47.º- Sendo certo que, a não-aceitação do recurso interposto, mereceria sempre uma maior e mais detalhada fundamentação daquela decisão, dado que, da expressão utilizada na douta decisão sumária e acima citada, não resulta claro o que se pretende dizer quando se refere decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
48.º- Isto porque, salvo o devido respeito, se ignora que essas mesmas decisões judiciais, se traduzem em interpretações e consequentes aplicações de normas jurídicas, tendo este Tribunal não só o poder, como o dever, de verificar a sua conformidade com o texto constitucional.
49.º- Sendo também certo que a Recorrente faz, no seu requerimento de recurso, expressa referência aos princípios constitucionais e aos normativos onde os mesmos se encontram consagrados que julga terem sido violados pela decisão recorrida.
50.º- Não se vislumbrando que mais poderia ter sido feito pela Recorrente a fim de o seu recurso merecer o conhecimento deste Tribunal.
51.º- Quanto ao segundo requisito, tal como acima se referiu, encontra-se o mesmo igualmente preenchido dado que, se encontram já esgotadas todas as hipóteses de recurso ordinário da decisão de que, pelo presente, se recorre.
52.º- No que respeita ao terceiro requisito relativo à “aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida”, em face de tudo quanto já foi exposto e da própria decisão recorrida, não subsiste qualquer dúvida que a interpretação normativa plasmada da decisão recorrida conduziu de forma essencial ao resultado na mesma alcançado nem, de resto, tal aspeto é posto em causa, nem na decisão sumária proferida por este Tribunal, nem no despacho que admitiu o presente recurso e que foi proferido pelo Tribunal a quo.
53.º No que respeita ao quarto e último requisito, verifica-se que o mesmo está amplamente preenchido, dado que a questão que a Recorrente traz agora ao conhecimento deste Tribunal havia já sido por si suscitada em todas as instâncias, sendo que o mesmo foi interposto atempadamente e na forma legalmente prevista.”
A Fazenda Pública pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
*
Fundamentação
A decisão reclamada não conheceu do recurso por este imputar o vício de inconstitucionalidade que pretendia ver apreciado à própria decisão e não a qualquer norma que esta tenha aplicado.
Na reclamação a Recorrente vem afirmar que no requerimento de interposição de recurso dirigiu o pedido de fiscalização de constitucionalidade a uma interpretação normativa sustentada na decisão recorrida e que “o objeto normativo em causa é a interpretação dada pelo Tribunal a quo ao disposto no nº 3 do art.º 19.º do CIVA e a consequente não aplicação do disposto no nº 1 e 2 do mesmo preceito legal” e que “tal referência é feita de forma expressa no requerimento de interposição de recurso, mais propriamente nos artigos 9.º e 16.º”
Ora, dos artigos 9.º a 16.º do requerimento de interposição de recurso consta o seguinte:
“9º- e uma vez mais inconformadas com esta decisão, a ora recorrente dela interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo do Norte,
10º- uma vez mais, e também com o fundamento na falta de fundamentação do ato pela Autoridade Tributária das correções efetuadas, da apreciação das provas apresentadas pela A. e da inconstitucionalidade alegada.
No entanto,
11º- este Tribunal Central decidiu revogar parcialmente a decisão de primeira instância, e na parte da mesma decisão que foi mantida, entendeu que a mesma não violava qualquer preceito legal ou constitucional.
Por isso,
12º- e inconformada mais uma vez com esta decisão, e sempre persuadida da inequívoca inconstitucionalidade por violação, entre outros, dos princípios da igualdade e da proporcionalidade decidiu a recorrente dela interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
Contudo,
13º- foi decidido pela Conferência constituída por três Senhores Conselheiros não admitir tal recurso, indeferindo, por isso, a sua subida e consequente apreciação.
Ou seja,
14º- e por todo o exposto, e face ao quanto vem estabelecido nos nºs 2 a 4 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei nº 28/82 de 15 de novembro), e declarado até pelo Supremo Tribunal de Justiça,
15º- encontra-se agora a recorrente face à situação de que é inequívoco que nos presentes autos se encontram já para si irremediável e completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários,
16º· que lhe possibilite, de acordo com a previsão do artigo 280º da Constituição, reagir contra a decisão da aplicação das supra citadas normas do Código Civil com a qual continuam a não poder conformar-se”.
Conforme facilmente se constata da leitura deste excerto do requerimento de interposição de recurso a Recorrente em nenhuma passagem indicou como objeto do seu recurso qualquer interpretação normativa, sustentada pela decisão recorrida. E apesar de nesta reclamação afirmar que é uma dada interpretação normativa que constitui o objeto do seu recurso, persiste em não a enunciar, limitando-se a dizer que “é a interpretação dada pelo Tribunal a quo ao disposto no nº 3 do art.º 19.º do CIVA e a consequente não aplicação do disposto no nº 1 e 2 do mesmo preceito legal”.
Faltando assim conteúdo normativo ao objeto do recurso interposto, deve a reclamação ser indeferida.
*
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A., S.A.
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Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 26 de março de 2014, - João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.