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Processo n.º 679/2004
3.ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 17 de Junho de 2004 o relator proferiu decisão com o seguinte teor:
“1. Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça e em que figura como arguido A., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão prolatado por aquele Alto Tribunal em 15 de Outubro de 2003, visando-se, por seu intermédio, a apreciação da conformidade à Constituição das normas do artº 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Dezembro, do artº 1º da Lei nº
43/86, de 26 de Novembro, dos artigos 18º, 19º, 21º, números 1 e 2, e 32º do Decreto-Lei nº 30.689, de 27 de Agosto de 1940, e dos artigos 363º, 351º, 444º,
447º, 448º e 449º do Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto nº 16.489, de 15 de Fevereiro de 1929.
Em 26 de Fevereiro de 2004 foi proferida decisão nos termos do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por via da qual, por um lado, se negou provimento ao recurso atinente à apreciação da norma ínsita no nº 1 do artº 7º do Decreto-Lei nº 78/87 e, por outro, se não tomou conhecimento do objecto do recurso no tocante às demais normas.
Dessa decisão solicitou o arguido a respectiva aclaração, pretensão que veio a ser desatendida por despacho lavrado em 18 de Março de 2004 pelo então Relator.
Em 26 de Março de 2004 este Tribunal tirou o Acórdão nº 211/2004, que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 78º, nº 8, da Lei nº 28/82 e
720º, nº 2, do Código de Processo Civil, determinou, quer a extracção de traslado de dadas peças dos autos, a fim de em tal traslado serem processados eventuais termos posteriores do recurso, quer a imediata remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça.
Encontrando-se o processo ainda no Tribunal Constitucional, o arguido fez juntar ao mesmo um requerimento, dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, no qual sustentava que o seu procedimento criminal já tinha prescrito.
Remetido o processo ao Supremo Tribunal de Justiça, na sequência do decidido no indicado Acórdão nº 211/2004, o respectivo Conselheiro Relator, por despacho de 1 de Abril de 2004, entendeu que, uma vez que ‘só em Agosto de 1986 foi constatada a indisponibilidade de fundos depositados na Agência da B. - Toronto, Canadá, e, por isso’, se figurava ‘o conhecimento do desvio, da consumação do facto criminoso naquela data’, o ‘termo do prazo inicial do prazo de prescrição do procedimento criminal’ só se havia de reportar ‘àquele mês de Agosto de 1986’.
E adiantou nesse mesmo despacho:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................ Outra hipótese de considerar seria a de antecipar o termo inicial do prazo de prescrição do procedimento criminal para 11.4.86, por ser nesta data que cessaram os depósitos descaminhados ulteriormente. Seja como for, o TC ao afirmar a total inocuidade dos mecanismos, em série, desencadeados contra o acórdão confirmativo deste STJ, o seu trânsito em julgado está decidido e afirmado com foros de intangibilidade. E transitado em definitivo o julgado, em todas as instâncias da pirâmide judiciária, há-de considerar-se que o Réu A. foi, pessoalmente, notificado do despacho de pronúncia, proferido no âmbito daquele processo de querela instituído no CPP de 29, reclamando, sempre que necessário, a integração pelo CPC. Nesta conformidade ainda não ocorreu a prescrição do procedimento criminal até à presente data, considerando o disposto nos arts. 120.º n.º 3 e 119.º n.º 2 do CP e a seguinte contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal: Agosto de
1986 + 10 anos + 5 anos + 3 anos = Agosto de 2004; igualmente não teve lugar na outra hipótese de maior favor para o R.: 11.4.1986 + 10 anos + 5 anos + 3 anos =
11.4.2004. Resta, pois, passar e entregar ao Exm.º Procurador-Geral Adjunto, como promovido, os competentes mandados de captura, contra o Réu, para cumprir o que remanesce da pena aplicada, deduzida dos perdões beneficiados’.
Do despacho de que parte se encontra imediatamente acima transcrita reclamou para conferência o arguido.
Na peça processual consubstanciadora da reclamação, e para o que ora releva, o arguido - após ter vincado que da decisão proferida pelo Relator do Tribunal Constitucional a que já se fez referência e, bem assim, de uma outra, tirada em 17 de Março de 2004, também neste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, mas por outro Relator, num recurso, processado em separado e interposto de um acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça, do qual foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional (processo no qual, identicamente, foi determinada a extracção de traslado e a remessa imediata
àquele Supremo), foram deduzidas reclamações para a conferência - disse:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
Ora, os artigos 1.º, parágrafo único, do CPP 29 e 720º. do CPC, interpretados e aplicados, com o sentido de permitirem a execução imediata da pena corporal, de prisão, infligida ao Réu, sem que o Tribunal Constitucional edite as decisões definitivas dos recursos, ainda pendentes, são inconstitucionais, por ofensa dos artigos 2º. - estado de direito democrático -
18.º 2 - força jurídica - primado dos direitos fundamentais - 27.º 1 e 2 - direito à liberdade e segurança - e 32.º 1 e 2 - garantias do processo criminal
- da Constituição.
O reclamante também não pode conformar-se com a apreciação constante do despacho do relator sobre a prescrição do procedimento criminal.
Na verdade, foi condenado por um crime único de abuso de confiança. Que integra acções plúrimas.
Consoante a matéria de facto fixada, o Réu fez ingressar no seu património as quantias depositadas pelo assistente na C.
Conforme o tipo, definido pelos artigos 300.º do CP 82 e 205.º do actual, a consumação deste crime ocorre quando o agente, que recebe a coisa móvel por título não translativo de propriedade, para lhe dar determinado destino, dela se apropria, passando a agir animo domini. Neste sentido, Maia Gonçalves, CP - 14ª edição - página 653.
Ora consoante se encontra fixado no número 211 da matéria de facto, as apropriações foram efectivadas nas datas dos depósitos, que se iniciaram no dia
7 de Abril de 1984 e terminaram no dia 11 de Abril de 1986 - número 137 da matéria de facto.
Na economia da decisão da matéria de facto, as referidas quantias não chegaram a entrar naquela agência da B., de Toronto, Canadá, porque o Réu delas se apropriou.
Pelo que é completamente irrelevante a data em que foi verificada a indisponibilidade de todos os fundos depositados na dita agência, que nem sequer consta da factualidade correspondente ao crime por que o Réu foi condenado.
A consumação do crime verificou-se quando o Réu, com a sua conduta, preencheu todos os elementos típicos, ou seja, na data da primeira apropriação -
7 de Abril de 1984. A consumação corresponde à apropriação inicial. As restantes acções típicas não relevam, para efeitos de consumação do crime. Constituem elementos relevantes para a determinação concreta da pena. E, no caso, como tais foram consideradas. Acresce que da conduta do Réu não se verificaram quaisquer resultados ‘extra-típicos’.
Deste modo pela aplicação do complexo normativo formado pelos artigos
300.º, 117.º, 118.º, 119.º e 120.º do CP 82, a que correspondem os artigos
205.º, 118.º, 119.º, 120.º e 121.º do CP actual, o procedimento criminal prescreveu.
Mas mesmo que se entendesse que o prazo de prescrição seria contado a partir da última acção, ou seja, de 11 de Abril de 1986, igualmente estariam esgotados todos os prazos previstos pelos indicados complexos normativos, uma vez que a decisão penal condenatória, pelas razões supra expendidas, ainda não é definitiva, nem transitou em julgado.
Do mesmo modo se verificou essa prescrição, face à não notificação pessoal, ao Réu, do despacho de pronúncia elaborado pelo Tribunal da Relação, que foi o que determinou a sua condenação.
Não tendo ocorrido nenhuma causa de suspensão, temos que, quando se iniciou a audiência de julgamento, com a presença do Réu, já estava completo o prazo de 10 anos, idóneo para operar a prescrição.
A interpretação dos sobreditos conjuntos normativos dos Códigos Penais em agenda, contrária à explanada nesta reclamação, que permita a aplicação das citadas normas, não procedendo à contagem dos prazos de prescrição de modo a contemplá-la, constitui inconstitucionalidade, por violação dos artigos 2.º,
18.º, número 2, 29.º e 32.º, número 2 da Constituição - princípios da paz jurídica, da certeza, da segurança, da necessidade de imposição de pena e da proporcionalidade, que expressamente o reclamante invoca para ser apreciada e decidida pela conferência.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Após ter vindo o arguido a ser detido em 16 de Abril de 2004, na sequência dos mandados de captura emitidos, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 28 de Maio de 2004, confirmou o despacho do relator.
No que agora interessa, pode ler-se em tal aresto:
‘............................................................................................................................................................................................................................................ I. Sobre o trânsito em julgado do acórdão condenatório deste STJ:
.............................................................................................................................................................................................................................................. E assim numa concatenação lógica de dados, é nosso entendimento que o TC quis que se imprimisse execução à decisão deste STJ.
É que se se fez valimento naquele Tribunal do uso do art.º 720.º n.º 2 do CPC, determinando a remessa dos autos ao STJ, ficando traslado ali, para solução de outras eventuais questões a suscitar, parificadamente se há-de proceder neste STJ; a razão é a mesma, obstar a que o réu protele indefinidamente o trânsito em julgado. E se fosse de aguardar o trânsito em julgado das duas decisões expressamente proferidas no TC, então estaríamos em face de uma autêntica contradição nos seus próprios termos, porque se o preceito do n.º 2 do art.º 720.º, do CPC arranca da necessidade imperiosa, por razões de celeridade, acatamento de regras processuais e respeito pelas decisões judiciais a que um Estado de Direito força, de pôr termo a incidentes, então seria fazer gorar a razão da norma do art.º 720.º, n.º 2, do CPC, porque se ca[i]ria num ciclo vicioso, inextricável, tornando-a autêntica letra morta. Por isso se retém o traslado no tribunal de recurso.
.............................................................................................................................................................................................................................................. II. A questão da prescrição do procedimento criminal, que o Réu A. coloca: Vem provado que os depósitos bancários efectuados na B., com sede em Toronto, Canadá, pelo assistente D., ascenderam em moeda canadiana, a 1.010.111,61 dólares e a 11.642 dólares americanos. O início desses depósitos teve lugar em 7 de Abril de 1984 e cessou em 11 de Abril de 1986 - ponto de facto n.º 137. Em 12 de Agosto de 1986 os emigrantes do Canadá - entre eles, como é óbvio - o assistente D. - começaram a ver-se impedidos de movimentar o capital e juros dos depósitos confiados à B. - facto provado n.º 169. Só em finais do Verão de 1986 o assistente tomou conhecimento de que a B.., experimentava dificuldades financeiras e tendo-se deslocado a Portugal, em Setembro de 1986 - facto provado n.º 169 -, obteve a informação do Réu A. que o depósito seria entregue em 30.11.86. O crime de abuso de confiança ocorre, nos termos dos art.ºs 205.º n.º 1 do CP, versão actual e 300.º n.º 1, versão originária, quando o agente inverte o título possessório, de possuidor em nome alheio passa a comportar-se como possuidor em nome próprio relativamente à coisa confiada por título não translativo, produtor da obrigação de restituir, sob pena [de] deslocação patrimonial indevida, conducente a enriquecimento indevido. Da conjugação dos factos acabados de relatar ressalta que, remontando os obstáculos opostos ao recebimento dos depósitos a 12 de Agosto de 1986, nesta data se verifica a consumação do crime de abuso de confiança e se configura o termo inicial do prazo da prescrição do procedimento criminal. E quanto à inverificação de qualquer facto suspensivo da prescrição do procedimento criminal até ao julgamento, já que a notificação pessoal do acórdão da Relação de Lisboa, configurando a pronúncia, não lhe foi notificada pessoalmente, decorrendo mais de 10 anos sem o concurso de qualquer facto suspensivo da prescrição do procedimento, divergimos desse entendimento porque o arguido foi notificado pessoalmente do despacho de pronúncia em 26.9.94, antes de excedido aquele prazo de 10 anos, visto o disposto nos art.ºs 117.º n.º 1 b) e 118.º n.º 1, do CP de 82. E o factor suspensivo - e também interruptivo da prescrição - nos termos dos art.ºs 119.º, n.º 1 b) e 120.º n.º 1 c), do CP de 82, é a notificação de tal despacho em primeira instância e não a decisão recursória, por aquela se exprimindo que o Estado não ca[i]u na inércia, subjacente ao instituto, de exercer o seu ‘jus puniendi’, limitando-se o recurso a reponderar a bondade do juízo de pronúncia. A notificação é representativa do mais lídimo propósito de actuar a acção penal.
.............................................................................................................................................................................................................................................. III. Ainda algumas breves e adicionais palavras sobre a questão da aplicação do art.º 720.º n.º 2 do CPC: O preceito inscreve-se numa óptica de lealdade, celeridade processuais, respeito pelas decisões dos órgãos jurisdicionais e aplica-se sempre que o sujeito processual procure obstar ao trânsito em julgado da decisão através de incidentes posteriores, manifestamente infundados; neste caso, os autos prosseguirão os seus termos no tribunal recorrido, anulando-se o processado, se a decisão vier a ser modificada. Mas, como salientou o TC, no seu Acórdão, já citado de 26.3.2004, de onde se infere, com nitidez, que o preceito do n.º 2 do art.º 720.º do CPC, é conforme à CRP - de outra forma não seria actuado com firmeza -, embora passível de recurso para a conferência a decisão sumária do relator de 17.3.2004, tal decisão ‘é um modo de julgamento potencialmente apto a p[ô]r termo ao recurso de constitucionalidade’, com o que também comporta a implicitude de que os recursos e demais mecanismos opostos à decisão deste STJ, não passam de instrumentos de obstrução à definitividade da condenação imposta. A actuação do art.º 720.º n.º 2, do CPC tem ínsita a ideia de que é visível uma forte probabilidade de confirmação do decidido pelo tribunal de recurso, mas porque se assiste a uma antecipação do caso julgado, ou a um caso julgado instável, provisório, sujeito a condição resolutiva, à semelhança de outras situações, se impõe uma aplicação prudente e parcimoniosa daquela norma. Isso mesmo se fez, não se antevendo decisão que inverta o rumo dos autos.
............................................................................................................................................................................................................................................’
É do acórdão de 28 de Maio de 2004 que, pelo arguido, vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, recurso para o Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação:
- do ‘conjunto normativo formado pelos artigos 1.º, parágrafo único e
625.º do CPP 29 e 720.º do CPC, aplicado com o sentido de que o STJ pode executar preliminarmente uma decisão penal, ordenando a prisão do Réu, para, antecipadamente, cumprir uma pena privativa da sua liberdade, com um trânsito em julgado instável e provisório’;
- dos ‘conjuntos normativos formados pelos arts.º 300.º, 117.º, 118.º,
119.º e 120.º do CP 82, a que correspondem os artigos 205.º, 118.º, 119.º, 120.º e 212.º do CP actual, aplicados com o sentido de que a consumação do crime de abuso de confiança e o correlativo início do prazo da prescrição do procedimento criminal se verificou, não quando se efectivou a primeira apropriação, com a entrega inicial do dinheiro, ocorrida em 7.4.86, mas em 12.08.86, data em que terão remontado ‘os obstáculos postos ao recebimento dos depósitos’, assim incluindo o assistente no grupo dos ‘depositantes’ da B., escritório de representação da C. e de que se verificou ‘o factor suspensivo - e também interruptivo - dessa prescrição em 26.9.94, quando o Réu foi notificado pessoalmente de um despacho de pronúncia que não o alvejava com a imputação do crime de abuso de confiança, sendo certo que a pronúncia por esse crime só foi inovat[o]riamente produzida pelo Tribunal da Relação, em sede de recurso interposto pelos assistentes, de que o Réu só foi notificado no início da audiência de julgamento, após se encontrar exaurido o prazo normal de tal prescrição, assim excluindo as pronúncias produzidas em sede de recurso de se repercutirem e terem efeitos na prescrição do procedimento criminal, e de que uma decisão penal, instável e provisória é idónea e apta para obstar ao reconhecimento da verificação da prescrição do procedimento criminal’.
O recurso foi admitido por despacho proferido em 26 de Maio de 2004.
2. Entende-se ser de proferir decisão ex vi do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82.
Em primeiro lugar, no que se reporta ao denominado «conjunto normativo» constituído pelos ‘arts.º 300.º, 117.º, 118.º, 119.º e 120.º do CP 82, a que correspondem os artigos 205.º, 118.º, 119.º, 120.º e 212.º do CP actual’, na primeira das três dimensões indicadas no requerimento de interposição do recurso, não se tomará conhecimento do respectivo objecto.
Na realidade, para além de os termos utilizados no requerimento de interposição de recurso não serem, de todo em todo, passíveis de ser entendidos como idóneos para fundar um recurso visando a apreciação da constitucionalidade normativa, já que o que aí se refere, com o apelo aos dados de facto do caso, constitui uma verdadeira censura à concreta decisão tomada no aresto, ora impugnado, tirado pelo Supremo Tribunal de Justiça - o que significa que se pretende, pois, questionar a específica subsunção feita por aquela decisão - o que se torna inequívoco é que, aquando da reclamação do despacho proferido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, como resulta da transcrição supra efectuada, o ora recorrente brandiu com o argumento segundo o qual, estando em causa um crime de abuso de confiança, a sua consumação ocorria quando o agente se apropria, passando a agir animo domini, da coisa móvel que recebeu por título não translativo de propriedade e com vista a lhe dar determinado destino, daí passando a sustentar que, como o acórdão daquele Supremo de 15 de Outubro de 2003 teria dado por assente que o recorrente se apropriou dos montantes das quantias depositadas logo que se procedeu ao seu depósito, e como o primeiro depósito ocorreu em 7 de Abril de 1984, terminando o último em 11 de Abril de 1986, seria a partir dessas datas que se deveria contar o prazo de prescrição, finalizando com uma asserção de harmonia com a qual interpretação contrária dos artigos 300º, 117º, 118º, 119º e 120º da versão originária do Código Penal, a que correspondem os artigos 205º, 118º, 119º, 120º e 121º da versão actual do mesmo compêndio normativo, seria violadora da Constituição.
Ora, o acórdão ora recorrido, e essa é uma questão que minimamente não cabe censurar, atentos os poderes cognitivos deste Tribunal, entendeu que da conjugação dos factos dados por provados no anterior acórdão de 15 de Outubro de
2003 ressaltava que com o surgimento, ocorrido em 12 de Agosto de 1986, dos obstáculos opostos ao recebimento dos depósitos, se tinha consumado o crime de abuso de confiança.
Vale isto por dizer que o Supremo Tribunal de Justiça perfilhou a
óptica segundo a qual a inversão do título possessório relativamente às quantias depositadas só ocorreu naquela data de 12 de Agosto de 1986, ou seja, só nessa data é que o recorrente lhes teria dado finalidade diversa, das mesmas (que lhe foram entregues por título não translativo da respectiva propriedade) se apropriando.
E, como é elemento típico do crime de abuso de confiança a inversão do título possessório, interpretando a matéria de facto dada por provada no sentido de que essa inversão somente ocorreu em 12 de Agosto de 1986, concluiu o aresto que ainda não estava decorrido o prazo de prescrição do procedimento criminal.
Como já se disse, essa interpretação da matéria de facto está, naturalmente, subtraída ao conhecimento deste Tribunal. Mas, se assim é, torna-se evidente que o acórdão ora em apreço não conferiu ao artº 300º da versão originária do Código Penal uma interpretação de onde resultasse que o crime de abuso de confiança só se haveria de considerar consumado quando, num caso como o em análise, fosse verificada a indisponibilidade da totalidade dos fundos depositados.
Repete-se que o que no acórdão sub iudicio foi entendido foi que a matéria fáctica apontava no sentido de o elemento típico do crime de abuso de confiança consistente na inversão do título possessório só ocorreu quando o recorrente obstaculizou ao recebimento, pelos depositantes, das quantias depositadas, o que o mesmo é dizer que foi com essa acção obstaculizante que o arguido efectivou aquele elemento típico. E, em consequência, o prazo prescricional do procedimento criminal foi considerado como não tendo ainda decorrido na sua totalidade.
Sendo assim, e porque o acórdão recorrido não sufragou a interpretação normativa que ora se pretende, no particular de que curamos, não se toma conhecimento do objecto do recurso no concernente à primeira das indicadas dimensões interpretativas do normativas do «conjunto normativo» constituído pelos artigos 300º, 117º, 118º, 119º e 120º da versão originária do Código Penal, a que correspondem os artigos 205º, 118º, 119º, 120º e 121º da versão actual do mesmo corpo de leis.
2.1. Pretende o recorrente ainda a apreciação dos mesmos preceitos legais aplicados ‘com o sentido de que’ ‘se verificou ‘o factor suspensivo - e também interruptivo - dessa prescrição em 26.9.94, quando o Réu foi notificado pessoalmente de um despacho de pronúncia que não o alvejava com a imputação do crime de abuso de confiança, sendo certo que a pronúncia por esse crime só foi inovat[o]riamente produzida pelo Tribunal da Relação, em sede de recurso interposto pelos assistentes, de que o Réu só foi notificado no início da audiência de julgamento, após se encontrar exaurido o prazo normal de tal prescrição, assim excluindo as pronúncias produzidas em sede de recurso de se repercutirem e terem efeitos na prescrição do procedimento criminal’.
Da leitura do requerimento por via do qual foi deduzida a reclamação para a conferência do despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça resulta, sem que dúvidas a esse respeito se possam levantar, que a questão que é agora colocada no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (e afora as considerações já acima efectuadas quanto à forma como o mesmo foi elaborado) não foi aí equacionada.
Rememore-se o que nesse requerimento foi dito e que acima já se transcreveu:-
‘.......................................................................................................................................................................................................................................................................................
Do mesmo modo se verificou essa prescrição, face à não notificação pessoal, ao Réu, do despacho de pronúncia elaborado pelo Tribunal da Relação, que foi o que determinou a sua condenação.
Não tendo ocorrido nenhuma causa de suspensão, temos que, quando se iniciou a audiência de julgamento, com a presença do Réu, já estava completo o prazo de 10 anos, idóneo para operar a prescrição.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................’
É inequívoco que, com tal modo de dizer, não procedeu o ora recorrente
à colocação, de modo claro e perceptível, de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, alcançada por interpretação, respeitante a qualquer preceito do ordenamento jurídico infra-constitucional, sendo que, de todo o modo, ainda que (o que só se concebe para efeitos meramente argumentativos) se lobrigasse uma tal colocação, é por demais certo que se tratava de uma questão diametralmente diversa daquele que é intentada fazer apreciar pelo Tribunal Constitucional nos termos do requerimento de interposição de recurso.
Por isso, no que se reporta à apreciação dos já aludidos preceitos, no sentido também já indicado, não se tomará conhecimento do objecto do recurso.
2.3. Em relação ao conjunto normativo ‘formados pelos arts.º 300.º,
117.º, 118.º, 119.º e 120.º do CP 82, a que correspondem os artigos 205.º,
118.º, 119.º, 120.º e 212.º do CP actual, aplicados com o sentido de que’ ‘uma decisão penal, instável e provisória é idónea e apta para obstar ao reconhecimento da verificação da prescrição do procedimento criminal’, torna-se nítido que, substancialmente, a questão de saber se uma decisão penal considerada como tendo constituído um caso julgado «provisório» deve ser entendida como obstativa da operacionalidade da prescrição do procedimento criminal está indissoluvelmente ligada com aqueloutra que é visada apreciar no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e que é conexionada, na óptica do impugnante, com os preceitos vertidos nos artigos 1º,
§ único, e 625º do Código de Processo Penal de 1929 e 720º do Código de Processo Civil.
Mas, independentemente desta circunstância, o que é certo é que, na reclamação para a conferência do despacho lavrado pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, essa questão, tal como agora é desenhada no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, não foi impostada pelo recorrente.
E, por isso, dela se não tomará conhecimento.
2.4. Volvamos agora a atenção para o ‘conjunto normativo formado pelos artigos 1.º, parágrafo único e 625.º do CPP 29 e 720.º do CPC, aplicado com o sentido de que o STJ pode executar preliminarmente uma decisão penal, ordenando a prisão do Réu, para, antecipadamente, cumprir uma pena privativa da sua liberdade, com um trânsito em julgado instável e provisório’.
Preliminarmente dir-se-á que, aquando da reclamação para a conferência do despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, tão só foi sustentado que o artº 1º, § único, do Código Penal de 1929 e o artº 720º do Código de Processo Civil, ‘interpretados e aplicados, com o sentido de permitirem a execução imediata da pena corporal, de prisão, infligida ao Réu, sem que o Tribunal Constitucional edite as decisões definitivas dos recursos, ainda pendentes’, padeciam de inconstitucionalidade.
Isso significa que, obviamente, está fora do objecto do recurso atinente a esta questão o artº 625º do diploma adjectivo criminal de 1929.
Mas, para além disso, o acórdão de 28 de Maio de 2004 não convocou para a sua decisão referente à imediata execução da sua anterior decisão de 15 de Outubro de 2003, o § único do artº 1º do Código de Processo Penal de 1929, limitando-se a fazer aplicação do nº 2 do artº 720º do Código de Processo Civil. E isso, certamente, porque a determinação de extracção de traslado, levada a efeito pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 211/2004, não se reportou ao citado normativo do Código de Processo Penal, sendo que à tramitação dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação (cfr. artº 69º da Lei nº 28/82).
Consequentemente, e tendo em conta o que, a este respeito, foi decidido no acórdão ora impugnado, a questão há-de confinar-se, e tão só, à apreciação da harmonia constitucional do preceito ínsito no citado nº 2 do artº 720º do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de que, tendo sido, num recurso interposto para o Tribunal Constitucional e onde foi proferida decisão nos termos do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, determinada a extracção de traslado e a imediata remessa dos autos ao Tribunal a quo, a decisão de âmbito criminal neste proferida e impositora ao arguido de uma pena privativa de liberdade é de considerar como tendo constituído caso julgado provisório, sujeito à condição resolutiva do que eventualmente vier a ser decidido em contrário pelo Tribunal Constitucional.
Entende-se que a questão de inconstitucionalidade assim delineada é manifestamente infundada e, por isso, justificativa de prolação de decisão, nos termos do já assinalado nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, por intermédio da qual se nega provimento ao recurso quanto ao ponto em análise.
Sublinhe-se que não compete ao Tribunal Constitucional saber se a interpretação que foi levada a efeito no aresto em análise é, ou não, a mais consonante com as disposições legais precipitadas na lei ordinária. Compete-lhe, isso sim, aferir, e só, se o sentido interpretativo acolhido no acórdão impugnado enferma do vício de contraditoriedade com a Constituição.
Defende o recorrente que a interpretação normativa agora sub specie viola o nº 2 do artigo 27º e os números 1 e 2 do artigo 32º da Lei Fundamental.
No nº 2 daquele artigo 27º comanda-se que ninguém poderá ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
Da literalidade de tal preceito resulta que o Diploma Básico não impõe, quanto àquela excepção ao direito à liberdade e segurança, que o acto judicial determinativo da privação da liberdade tenha de assumir característica de definitividade, pelo que se há-de concluir que, neste particular, o legislador constituinte remeteu para a normação ordinária a questão da imediata exequibilidade das sentenças judiciais condenatórias impositoras de pena de prisão ou da aplicação de uma medida de segurança.
Por outro lado, a presunção de inocência que é constitucionalmente definida pelo nº 2 do artigo 32º até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, não pode ser chamada à colação para efeitos de daí se extrair a impossibilidade de execução da pena de prisão determinada por uma sentença que se considere como provisoriamente transitada em julgado. E provisoriamente, note-se, pois que está unicamente sujeita à condição resolutiva de alteração da decisão tomada em sede recursória, decisão essa que confirmou as questões de facto ou de direito que levaram ao juízo constante da sentença impositora de pena de prisão e que, por motivos ligados a uma actuação, considerada pelo tribunal de recurso como manifestamente obstativa ao cumprimento do julgado por este tribunal, levou o mesmo a extrair traslado e a determinar que o processo fosse remetido ao tribunal recorrido, a fim de aí prosseguirem seus termos.
Sustentar-se que a presunção de inocência inserta no nº 2 do artigo 32º da Constituição acarreta, inelutavelmente, a impossibilidade de ser executada a decisão judicial antes do respectivo trânsito, implicaria, no limite, que seriam contrárias a tal preceito disposições legais de onde resultasse verbi gratia, que era possível a execução de uma medida de coacção de prisão preventiva, determinada obviamente por acto judicial, enquanto este se não tornasse firme na ordem jurídica.
Não foi, seguramente, com esse propósito que o legislador constituinte, arvorou a garantia da presunção de inocência.
De todo o modo, o que, na verdade, está aqui em causa não diz respeito a uma decisão judicial que foi meramente objecto de impugnação, mas sim, como já atrás se assinalou, uma decisão judicial que foi confirmada em sede de recurso e que, por razões que levaram o tribunal de recurso a considerar que manifestamente se pretendia obstar ao cumprimento do julgado do recurso, o conduziram também a determinar a extracção de traslado e a remeter o processo ao tribunal recorrido para aí prosseguirem os seus termos.
Daí a «provisoriedade» do trânsito a que aludiu o acórdão ora em apreço.
De outro lado, não se pode olvidar que aquele nº 2 do artº 720º, para além de dele decorrer que do mesmo só se lançará mão em situações excepcionais e devidamente ponderadas, insere-se, como se aquilatou no acórdão em análise, numa perspectiva de ‘respeito pelas decisões dos órgãos jurisdicionais’ e de uma
‘forte probabilidade’ de a decisão tomada já pelo tribunal de recurso (e, no que agora interessa realçar, um tribunal de recurso que vai actuar como última instância) não vir a ser alterada.
Ora, esta mencionada característica de «provisoriedade» do caso julgado condenatório, os cuidados, a excepcionalidade da medida, e o respeito devido às decisões tomadas pelo último dos tribunais de recurso que estão implicados na norma do nº 2 do artº 720º do Código de Processo Civil e, por fim, a forte probabilidade de não vir a ser alterado o julgado do tribunal de recurso, confirmativo da decisão impugnada que impôs a pena de prisão, apontam para que a interpretação conferida ao referenciado preceito, quando aplicado a uma situação em que está em causa uma sentença penal condenatória em pena de prisão, para efeitos de ser essa pena executada, se não vislumbre como desproporcionadamente restritora do direito à liberdade ou da garantia da presunção de inocência, tendo, além disso, na sua base, a protecção de valores a que a Lei Fundamental não pode ser indiferente.
Por outra banda, não está identicamente posto em causa o asseguramento de todas as garantias do processo criminal, incluindo o direito ao recurso, postulado pela Lei Fundamental.
Com o sentido interpretativo em crise não só se não impede que o tribunal de recurso vá analisar as questões suscitadas após já ter sido tomada a sua decisão confirmativa da sentença impugnada que impôs a pena de prisão, como se deixa em aberto que, se porventura na sequência dessa análise, vier a alterar o anteriormente decidido, será dado sem efeito tudo o que foi praticado nos autos no tribunal recorrido em função da execução da sentença. Neste particular, essa hipotética alteração vai actuar como se se tratasse de um «recurso de revisão».
Finalmente, não se lobriga em que é que a dita interpretação possa conflituar com o artigo 2º da Constituição.
Aliás, não deverá passar-se em claro que em países com arreigada tradição democrática, assumidamente estados de direito democrático e em que o princípio de presunção de inocência não têm menor valia fundamental do que aquela consagrada constitucionalmente em Portugal, prevêem, nos respectivos ordenamentos, que, uma vez proferida sentença condenatória em pena de prisão, mesmo que dela tenha sido interposto recurso, o arguido, que até então se encontrava detido, e na situação de privação de liberdade continuará após a interposição de recurso, se considera em cumprimento de pena, não lhe sendo conferido o estatuto de preso preventivamente.
Não se antolha, desta sorte, violação dos artigos 2º, 18º, nº 2, 27º, números 1 e 2 e 32º, números 1 e 2, da Lei Fundamental, pelo que se nega, nesta parte, provimento ao recurso.
Custas pelo impugnante, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta”.
É da transcrita decisão que, pelo arguido, vem apresentada reclamação nos termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, dizendo nela:-
1. Face ao disposto no art. 666° do CPP29, em caso como o presente o STJ conhece apenas da matéria de direito. Pelo que o TC não pode aceitar o entendimento perfilhado ‘da conjugação dos factos dados como provados’ no sentido da consumação do crime de abuso de confiança ter ocorrido em 12.08.86, quando surgiram os obstáculos opostos ao recebimento dos depósitos.
2. O TC, para aquilatar as inconstitucionalidades em agenda, tem que receber a matéria de facto dada como provada no acórdão condenatório, proferido na 1ª instância, que não sofreu qualquer impugnação, em sede de recurso.
3. Desse acórdão, resulta inquestionável que a condenação do arguido pelo crime de abuso de confiança fundamentou-se na seguinte realidade fáctica: o queixoso depositou diversas quantias, durante um certo período de tempo, na empresa canadiana que representava a, mas essas quantias nunca entraram na C., nem foram registadas como depósitos, tendo o arguido feito ingressá-las no seu património, em vez de lhes dar o destino próprio e ficando o lesado impedido, desde logo, de utilizar os poderes de saque e a disponibilidade dos fundos, no âmbito dos depósitos bancários.
4. No quadro da matéria de facto assente e que foi causal da condenação, verifica-se que o caso do lesado D. foi isolado, diferenciado e particularizado, relativamente a todos os demais depositantes, cujos depósitos estavam devidamente regularizados, mas que os viram indisponíveis a partir daquela data de 12.08.86.
5. Só assim se explica a razão por que o arguido A. tenha sido absolvido de qualquer crime, relativamente a todos os depositantes da C. e s[o]mente condenado pelo abuso de confiança em causa.
6. Resulta claro que o arguido inverteu o título de posse, fazendo entrar os fundos no seu património, impedindo o seu trânsito normal para a C., nas datas das entregas.
7. Logo, a consumação ocorreu em 07.04.84, com o primeiro depósito realizado pelo assistente, uma vez que foram preenchidos todos os elementos típicos, nomeadamente a inversão do título de posse.
8. Portanto, deve o TC tomar conhecimento do objecto do recurso, no que se reporta à aplicação das normas dos artsº 300°, 117º, 118°, 119º e 120º do CP82, a que correspondem os artsº 205°,118°,119°,120° e 121° do CP actual.
9. Acresce que o recorrente considera que colocou correctamente a segunda questão de inconstitucionalidade, quanto ao efeito suspensivo - interruptivo do despacho de pronúncia de 26.09.94, único que lhe foi notificado.
10. É que resulta dos autos que esse despacho não o alvejou pelo crime por que foi condenado.
11. Pelo que a aplicação das citadas normas penais, que versam sobre a consumação do crime de abuso de confiança e a contagem do prazo de prescrição, designadamente quanto à sua suspensão e interrupção, foi suficientemente desenhada para que o recurso mereça apreciação.
12. Demais, em sede de alegações poderá o recorrente desenvolver tal temática, não sendo, manifestamente, o caso de lhe ser barrado esse direito processual”.
Ouvido sobre a reclamação, o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de a mesma ser indeferida, já que, na sua óptica, não resultava “minimamente abalada a fundamentação da decisão sumária proferida nestes autos”.
De outro lado, os assistentes E., C. e D. não efectuaram qualquer «pronúncia» sobre a reclamação.
Cumpre decidir.
2. As considerações constantes dos items 1 a 7 da reclamação ora em apreço configuram-se como sendo, de todo, inadequadas.
Na verdade, a decisão que foi objecto de impugnação perante o Tribunal Constitucional foi o acórdão tirado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 16 de Abril de 2004, o qual fez a exposição dos factos que, em seu entender, resultaram apurados no processo, confrontando, depois, a data em que eles ocorreram com os normativos definidores do tipo criminal pelo qual o arguido foi condenado e com os reguladores da prescrição do seu procedimento criminal.
Não cabe manifestamente nos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional apurar da «bondade» ou não «bondade» do juízo levado a efeito por aquele Alto Tribunal sobre tais factos, sendo que, contrariamente ao defendido pelo ora reclamante, não incumbe a este órgão de administração de justiça apurar se, numa dilucidação da questão atinente à prescrição do procedimento criminal, unicamente se haveria de tomar em conta o que, em sede fáctica, foi apurado pelas instâncias ou, antes, a interpretação que dela foi efectuada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
E igualmente não cabe ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a questão de saber se o Supremo Tribunal de Justiça excedeu, ou não, os seus poderes no tocante à matéria de facto ao tomar a decisão que tomou.
E, sendo o único argumento utilizado na reclamação pelo arguido, quanto ao dever de este Tribunal tomar conhecimento das normas constantes dos artigos 300º, 117º, 118º, 119º e 120º da versão originária do Código Penal (a que correspondem hoje os artigos 205º, 118º, 119º, 120º e 120º da versão ora vigor do mesmo Código), o de se não poder ter em linha de conta a interpretação fáctica efectivada pelo Supremo Tribunal de Justiça, é por demais claro que, nesse ponto, falece razão ao reclamante.
2.1. Pelo que concerne à questão da desconformidade constitucional dos normativos respeitantes ao efeito suspensivo do despacho e pronúncia, a argumentação carreada à decisão ora em crise não merece qualquer censura por banda do Tribunal, reafirmando-se que a questão que foi colocada pelo arguido aquando da reclamação para a conferência do despacho de 1 de Abril de 2004, proferido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça foi acentuadamente diversa daquela que, por via do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, pretendia vir a ser analisada por este.
Assim, e contrariamente ao sustentado pelo reclamante, não pode concluir o Tribunal que foi adequadamente suscitada a questão (tal como desenhada foi no requerimento de interposição de recurso) referente ao efeito suspensivo ou interruptivo da notificação pessoal “de um despacho de pronúncia que não o alvejava com a imputação do crime de abuso de confiança”.
2.2. Por último, sublinhar-se-á que, no que concerne à matéria objecto de apreciação no ponto 2.4. da decisão sub iudicio, a presente reclamação não incide sobre a mesma, pelo que, nesse particular, nada haverá agora a ponderar.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 21 de Julho de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida