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Processo n.º 927/2004
3.ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 8 de Novembro de 2003 o relator proferiu decisão com o seguinte teor:-
“1. No Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa veio A. intentar meio processual acessório de intimação do Vice-Almirante Superintendente dos Serviços de Pessoal da Armada, solicitando que este último prestasse determinadas informações que, anteriormente, o peticionante lhe tinha requerido.
Respondeu a Marinha, impugnando os factos aduzidos no petitório, excepcionando a competência do Vice-Almirante requerido e a ilegitimidade do requerente, quer quanto ao acesso aos documentos e informação pedidos, quer quanto à utilidade do pedido, brandindo, por último, com um abuso do direito exercido pelo requerente.
Tendo, por sentença proferida em 1 de Abril de 2004, sido julgado procedente o pedido de intimação, veio a Marinha recorrer para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 9 de Junho seguinte, negou provimento ao recurso.
De novo irresignada, a Marinha recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo, na alegação adrede produzida, formulado as seguintes
«conclusões»:-
‘1.ª A Entidade Requerida foi, no douto acórdão recorrido, erradamente julgada competente para a satisfação das pretensões do Requerente, atenta a sua qualidade de Presidente do Conselho de Classes de Oficiais da Marinha, quando, nos termos das disposições aplicáveis, a entidade competente para o efeito era - como o Requerente bem sabia - a Secção de Registos da Repartição de Oficiais,
2.ª O mesmo acórdão entendeu erradamente que o Vice-Almirante Superintendente dos Serviços do Pessoal tinha o dever legal de decidir as pretensões do Requerente, apesar de o mesmo não ser a entidade competente para satisfazer tais pretensões e de as mesmas, nos limites daquilo que - no entender da Marinha - a legislação em vigor permite, já terem sido integralmente satisfeitas pelo Chefe da Repartição de Oficiais.
3.ª Ao decidir diferentemente, o douto acórdão recorrido violou o artigo 4.º e a alínea c) do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Regulamentar n.º 22/94, de 1 de Setembro, a alínea a) do n.º 1 do artigo 5,º e o n.º 1.1. do Anexo I do Decreto-Lei n.º 199/93, de 3 de Junho, a alínea a) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo
9.º e o n.º 3 do artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo e o artigo
104.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
4.ª No caso dos autos, o direito de acesso à acta n.º 17/2003 e à consulta do processo estava excluído no caso vertente, porque os documentos - processo de promoção, incluindo a avaliação do mérito, a avaliação individual, o registo disciplinar e o processo individual dos militares - a que o Requerente pretendia aceder são classificados com o grau de confidencial por várias disposições legais e regulamentares e porque os documentos a que o Requerente pretendia aceder são documentos nominativos, nos termos da alínea b) e c) do n.º1 do artigo 4.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na sua redacção actual, visto que contêm dados pessoais e respeitantes à reserva da intimidade privada.
5.ª O Requerente não tinha nem tem qualquer interesse directo, pessoal e legítimo no acesso aos documentos em causa, porque - ao contrário do que erradamente foi considerado na sentença recorrida - não está em causa a candidatura a determinado lugar posto a concurso, mas apenas a organização de uma lista de oficiais que serão promovidos ao posto de Capitão-Tenente, se e quando vierem a ocorrer as respectivas vagas. A mera ordenação na lista de promoção não é sinónimo de promoção e a colocação no último lugar da lista não significa que o militar não possa ser promovido. Tudo depende do número de vagas que efectivamente vierem a ocorrer.
6.ª Só quando vier a concretizar-se a promoção a Capitão-Tenente dos militares constantes da lista de promoção é que efectivamente existirá um acto administrativo lesivo dos interesses do Requerente, visto que, nos termos do n.º
2 do artigo 184.º do EMFAR, ‘As listas de promoção, elaboradas pelos conselhos de classes, armas e serviços, especialidades ou grupos de especialidades, constituem elemento informativo do CEM respectivo, para efeitos de decisão’.
7.ª A ordenação por mérito relativo - que está em causa neste processo - é o resultado da votação, por escrutínio secreto, de cada um dos oito membros do Conselho de Classes nos termos dos nº s 6.2 e 10 a 10.4 do Anexo II do Decreto-Lei n.º 199/93, de 3 de Junho, sendo que ‘Cada membro identificará o militar que em sua opinião deve ser promovido em primeiro lugar, repetindo-se a operação tantas vezes quantas as necessárias até se completar o número fixado de militares que devem integrar a lista de promoções’ (n ° 10.1. do mesmo Anexo II
- o sublinhado é nosso).
8.ª Tal ordenação não é susceptível de sindicabilidade judicial nem de apreciação com base em parâmetros de legalidade e justiça, que constituem fundamento do direito à informação procedimental, porque o Conselho de Classes funciona como órgão consultivo paritário e representativo, de acordo com regras democráticas. Os documentos que instruem o processo a apreciar pelo Conselho de Classes são autênticos, porque ‘exarados, com as formalidades legais’ por autoridade pública nos limites da sua competência (artigo 363.º n.º 2, do Código Civil), fazendo prova plena dos factos neles atestados (artigo 371.º n.º 1, do mesmo Código).
9.ª No máximo, apenas seria possível controlar se o procedimento adoptado pelo Conselho de Classes foi o previsto na lei ou atacar a ordenação final com fundamento em desvio de poder (aliás, não alegado). O acesso pelo Requerente aos dados referentes aos demais apreciados não lhe permitiria apreciar a legalidade e a justiça da ordenação elaborada pelo Conselho de Classes de Oficiais nem lhe permitiria ou habilitaria à sua sindicabilidade judicial, sendo que os elementos que permitem tal controlo (quanto ao procedimento e à existência, ou não, de desvio de poder) já estavam na posse do Requerente e constam das actas cujos excertos lhe foram oportunamente entregues.
10.ª Ao decidir diferentemente, o douto acórdão recorrido, violou: quanto à classificação dos documentos como confidenciais, o artigo 62.º n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, os artigos 67.º, 80.º, n.º 1, e 83.º do EMFAR, n.º 4 do Anexo II do Decreto-Lei n.º 199/93, de 3 de Junho, o n.º 4 da Portaria n.º 21/94, de 8 de Janeiro, os artigos 26.º, 27.º, 38.º, 39.º, a) e g), 44.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, e 54.º, n.º 1, do Regulamento de Avaliação do Mérito do Militar da Marinha, o artigo 81.º, n.º 1, do Regulamento de Disciplina Militar, o artigo 8.º do EMFAR; quanto ao carácter de documentos contendo dados pessoais e respeitantes à reserva da intimidade da vida privada, as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na sua redacção actual, o n.º 5 do artigo 81.º do EMFAR, os artigos 17.º, n.º 2, 35.º, 39.º, a) e g) do Regulamento de Avaliação citado, e os artigos 15.º e seguintes do Regulamento de Disciplina Militar; quanto à inexistência de interesse por parte do Requerente, o n.º 2 do artigo 184.º do EMFAR, os nº s. 1.3 a 1.3.4 e 1.4 a 1.4,2, do Anexo I e os nº s. 6.2 e 10. a 10.4 do Anexo II do Decreto-Lei n.º 199/93, de 3 de Junho.
11.ª A douta sentença recorrida estriba-se na jurisprudência do Acórdão n.º
80/95 do Tribunal Constitucional - entre outros - que respeita a hipótese de facto e de direito substancialmente diversa daquela de que trata o presente processo, para além do que aquele aresto não teve em conta os artigos 8.º e 67.º do EMFAR e o artigo 81.º, n.º 1, do Regulamento de Disciplina Militar, aplicáveis ao caso vertente.
12.ª As restrições aos direitos consagrados nos nºs 1 e 2 do artigo 268.º da Constituição consubstanciadas nos artigos 61.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, nos artigos 8.º, 67.º e 83.º, n.º 1, do EMFAR e no artigo 81.º, n.º 1, do Regulamento de Disciplina Militar não ofendem nem diminuem a extensão e o alcance do conteúdo essencial desses direitos (n.º 3 do artigo 18.º da Constituição).
13.ª As citadas disposições do EMFAR e do Regulamento de Disciplina Militar têm a sua confidencialidade materialmente justificada pelo conteúdo dos documentos em causa, porque contêm juízos de valor e informações abrangidas pela reserva da intimidade da vida privada dos titulares dos dados, para além do que a lei do segredo de Estado, admite a classificação de documentos sobre matérias que visem
‘prevenir e assegurar a operacionalidade e a segurança do pessoal, dos equipamentos, do material e das instalações das Forças Armadas’ (alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º). Por isso, confidencialidade dos documentos previstos nos artigos 8.º, 67.º e 83.º, n.º 1, do EMFAR e do artigo 81.º, n.º 1, do Regulamento de Disciplina Militar é conforme à Constituição, porquanto contêm dados pessoais e respeitantes à reserva da intimidade da vida privada dos militares, facto que os coloca ao abrigo do n.º 2 do artigo 268.º da Constituição.
14.ª Pelo que, por ambas as vias - da classificação confidenciais e da caracterização dos dados contidos nos documentos – fica afastado o direito de acesso do Requerente no quadro dos citados artigos 61.º e 62.º do Código do Procedimento Administrativo e demonstrada a conformidade constitucional dos citados preceitos. Assim, os terceiros relativamente a estes dados - neste caso, o Requerente - só podem a eles aceder desde que autorizados pelo titular dos dados ou mediante parecer favorável da Comissão de Acesso aos Dados Administrativos (artigos 4.º, n.º 1, b) e c), e artigo 8.º da Lei n.º 65/93, de
26 de Agosto), Autorização e parecer esses que o Requerente não apresentou.
15.ª Os documentos a que o Requerente pretendia aceder encontram-se abrangidos pelas excepções consagradas nos artigos 61.º e 62.ºdo Código do Procedimento Administrativo, interpretados à luz do disposto nos artigos 4.º, b) e c), e 8.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, as quais são conformes ao estabelecido nos n.º s 1 e 2 do artigo 268.º da Constituição, na medida em que apenas explicitam os respectivos limites imanentes implícitos.
16.ª A Entidade Requerida, ao facultar o acesso do Requerente apenas às partes das actas n.º s 17 e 24/2003 a ele respeitantes, limitou-se a dar cumprimento ao dever de informação consagrado nos artigos 61.º e 62.º por aquele invocados, nos precisos termos em que os mesmos preceitos o permitem.
17.ª Ao decidir diferentemente, o acórdão recorrido violou os artigos 61.º e
62.º do Código do Procedimento Administrativo, os artigos 4.º, b) e c) e 8.º da Lei n.º 65/93, os artigos 8.º, 67.º e 83.º n.º 1, do EMFAR, o artigo 81.º, n.º
1, do Regulamento de Disciplina Militar, a alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 6/94, 7 de Abril, o n.º 3 do artigo 18.º e os nº s. 1 e 2 do artigo
268.º ambos da Constituição.’
Não tendo, por despacho proferido pelo Relator do Tribunal Central Administrativo Sul em 7 de Julho de 2004, sido admitido o recurso, reclamou a Marinha para o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, sustentando que a questão em apreço integrava manifestamente a excepção prevista no nº 1 do artº
150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Em face da reclamação, o Relator do Tribunal Central Administrativo Sul, por despacho de 4 de Agosto de 2004, veio a admitir o recurso.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 23 de Setembro de
2004, não admitiu o recurso.
Para tanto, entendeu aquele Alto Tribunal, em síntese, que, dispondo o nº 1 do artº 150º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode, excepcionalmente, haver recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, e sendo que, no caso concreto, a questão a apreciar - a da intimação para consulta, passagem de certidões ou informações - não atingia ‘aquele grau de relevância, quer social quer jurídica, que o legislador teve em vista ao prever mais este meio processual’, acrescendo que o acórdão recorrido não afrontava a jurisprudência, por isso se não verificando ‘uma manifesta necessidade de uma nova e melhor decisão’, não seria de admitir o recurso com esteio naquela disposição legal.
Notificada deste aresto, a Marinha fez juntar aos autos requerimento com o seguinte teor, dirigido ao ‘Juiz-Conselheiro Relator do SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO’:-
‘MARINHA, Entidade Requerida/Recorrente nos autos à margem referenciados, notificada do douto acórdão de 23 de Setembro de 2004 deste Supremo Tribunal, que entendeu não tomar conhecimento do recurso interposto do acórdão de 9 de Junho de 2004 do Tribunal Central Administrativo, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
As questões que se pretende ver dirimidas são as de saber se é conforme à Constituição, mormente aos seus artigos 18.º, n.º 3, e 268.º, a interpretação restritiva dos artigos 67.º e 83.º do EMFAR e 26.º e 54.º do Regulamento de Avaliação dos Militares da Marinha ou se, por outro lado, estes devem ser aplicados ao caso vertente sem restrições, por serem totalmente conformes à Constituição e se, para além disso, os artigos 61.º e 62.º do Código do Procedimento Administrativo, os artigos 4.º b) e c), e 8.º da Lei n.º 65[
]º/93, de 26 de Agosto, o artigo 8.º do EMFAR, o artigo 81.º, n.º 1, do Regulamento de Disciplina Militar e a alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 6/94, de 7 de Abril, são integralmente conformes à Constituição, designadamente aos seus artigos 18.º, n.º 3, e 268.º, devendo, por isso, ser aplicados sem restrições ao caso vertente.
Estas questões foram desenvolvidamente suscitadas pela Recorrente, quer nas suas alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo quer nas suas alegações para este Supremo Tribunal, que aqui se dão por reproduzidas na parte relevante. Assim, por ter legitimidade, estar em tempo e a decisão ser susceptível de recurso, requer a V.Exa. se digne considerar o mesmo interposto, seguindo-se os demais termos até final.’
O recurso interposto pelo transcrito requerimento foi admitido por despacho lavrado em 13 de Outubro de 2004 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Anota-se, de um primeiro passo, que o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não obedece aos requisitos ínsitos nos números 1 e 2 do artº 75º-A da indicada Lei.
Esta deficiência, porém, poderia ser ultrapassada se se lançasse mão do preceituado no nº 6 do mesmo artigo e, na sequência do convite formulado, a recorrente viesse a dar cabal cumprimento àqueles requisitos. Todavia, como à frente se verá, ainda que, formalmente, o requerimento de interposição de recurso viesse a ser colmatado referentemente a tais deficiências, de todo o modo não seria possível tomar conhecimento do objecto da impugnação, motivo pelo qual a formulação do convite a que se reporta o aludido nº 6 do artº 75º-A redundaria na efectivação de um acto inútil.
2.1. Tendo sido já vincada a impossibilidade de conhecer do objecto do presente recurso, cumpre justificar uma tal asserção.
Na verdade, estando impugnado perante este órgão de administração de justiça o acórdão prolatado no Supremo Tribunal Administrativo com vista à apreciação da conformidade com a Lei Fundamental dos normativos elencados no requerimento de interposição do recurso, mister seria que a decisão judicial pretendida colocar sob a censura do Tribunal Constitucional tivesse, como sua ratio juris, aplicado tais normativos ou recusado sua aplicação, por os entender desarmónicos com o Diploma Básico.
Ora, de todo em todo, o acórdão tirado em 23 de Setembro de 2004 não convocou minimamente para a decisão nele inserta qualquer das normas indicadas como pretendendo constituir o objecto do presente recurso de constitucionalidade e, bem assim, não recusou a respectiva aplicação com fundamento em inconstitucionalidade.
Efectivamente, como deflui do relato supra efectuado, aquele aresto baseou-se, e tão só no que se consagra no nº 1 do artº 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, isto após entender que a questão suscitada não assumia um grau de relevância jurídica ou social que se revestisse de importância fundamental ou que o acórdão então intentado recorrer tivesse tomado decisão afrontadora da jurisprudência.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do recurso.
Sem custas, por não serem elas devidas”.
Da transcrita decisão reclamou a Marinha nos termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o que fez invocando:-
“1. O douto despacho reclamado decidiu em resumo, não tomar conhecimento do recurso por, para além de entender não preenchidos os requisitos dos n.ºs 1 e 2 do 75.º-A daquela Lei, considerar que está em causa no presente recurso o acórdão de 23 de Setembro de 2004 do Supremo Tribunal Administrativo e que este não se pronunciou sobre qualquer questão de constitucionalidade ou inconstitucionalidade.
2. Quanto aos requisitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a Recorrente não exclui a possibilidade de aperfeiçoamento do seu requerimento, no caso de a tanto ser convidada.
3. Já quanto ao facto de o Tribunal Constitucional não pretender conhecer do recurso por motivo de o acórdão do STA não se pronunciar sobre qualquer questão de (in)constitucionalidade é que a Recorrente não pode concordar, pelas razões que passa a expor :
3.1. Em primeiro lugar, porque só cabe recurso para o Tribunal Constitucional quando se mostram esgotadas as vias de recurso ordinário (artigo 70.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro).
3.2 Em segundo lugar, porque, como se vê da epígrafe (‘Recursos Ordinários’) do Capítulo II do Titulo VII do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o recurso previsto no n.º 1 do artigo 150.º do mesmo Código é um recurso ordinário. Assim, não podia a Recorrente interpor recurso do douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul sem esgotar esta possibilidade de recurso ordinário.
3.3 Em terceiro lugar, porque a admissibilidade, ou não, do recurso para o STA não era clara. Tanto assim que o Exmo. Relator do Tribunal Central Administrativo Sul começou por não o admitir e, depois, em sede de reclamação, os argumentos da Recorrente foram considerados procedentes e o recurso admitido.
3.4. Em quarto lugar, o que não pode, salvo o devido respeito, é a Recorrente ficar privada do escrutínio deste Tribunal Constitucional relativamente às questões de (in)constitucionalidade que suscitou nas instâncias - e particularmente quanto ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul - apenas pelo facto de o STA ter recusado tomar conhecimento, por alegada inadmissibilidade, do recurso que havia sido admitido em segunda instância. De outro modo, estaria inventada a formula mágica para o Tribunal Constitucional não apreciar este tipo de questões. Bastaria que o Tribunal de terceira instância não tomasse conhecimento do recurso da decisão proferida em segunda instância, para ficar precludido o direito de recorrer para este Colendo Tribunal. Salvo o devido respeito, não pode ter sido isto que o Legislador pretendeu ao exigir a exaustão dos meios de recurso ordinário nem ao exigir que a questão da
(in)constitucionalidade houvesse sido suscitada nas instâncias. Parece-nos, aliás, que a sua intenção foi a oposta: dar oportunidade às instâncias de aplicarem o direito em conformidade com a Constituição, sob pena de, não o fazendo, o Tribunal Constitucional ter a última palavra sobre o assunto.
3.5. Por isso, não tendo o STA tomado posição quanto às questões suscitadas pela Recorrente a propósito do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul - e que, quanto a algumas delas, já havia em sede de recurso interposto da decisão de primeira instância - considerou a Recorrente que competirá a este Tribunal Constitucional fazê-lo. Aliás e salvo o devido respeito, que é muito, pela decisão do STA, considera a Recorrente que as questões em apreço merecem efectivamente a pronúncia por parte do topo da hierarquia dos Tribunais e deste Tribunal Constitucional.
3.6 Por todo o exposto, é entendimento da Recorrente que - com todo o respeito pela posição contrária o Tribunal Constitucional não devia ter recusado tomar conhecimento do presente recurso e que, pelo contrário deverá conhecer do seu objecto, sem prejuízo do aperfeiçoamento do requerimento inicial, se assim for entendido”.
Ouvido sobre a reclamação, o requerente A. nada veio dizer.
Cumpre decidir.
2. Comece-se por observar que, de todo em todo, não foi com o fundamento na circunstância de o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não obedecer aos requisitos constantes dos números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82 que a decisão sub specie alcançou o juízo de não conhecimento do objecto da pretendida impugnação. Ilustrativo da presente afirmação é, aliás, o que, consta do terceiro parágrafo do ponto 2. daquela decisão.
De um outro passo, é inequívoco que a decisão pretendida impugnar foi o acórdão proferido em 23 de Setembro de 2004 pelo Supremo Tribunal Administrativo, aresto esse que, como se demonstrou na decisão em apreço, não fez aplicação de qualquer dos normativos a que se reportou o requerimento de interposição de recurso para este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade (sublinhando-se que, na decisão reclamada, contrariamente ao que diz a ora impugnante, nunca se afirmou que se não tomava conhecimento do objecto do recurso pelo facto de aquele acórdão se não ter pronunciado sobre qualquer questão de constitucionalidade ou inconstitucionalidade).
Ora, não havendo aplicação (ou recusa de aplicação) das normas cuja sindicabilidade é pedida ao Tribunal Constitucional, possível não será a este conhecer do objecto das impugnações a ele dirigidas, de harmonia com o que se comanda nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição e das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Note-se, por outra banda, que, em face do decidido no acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Administrativo - por via do qual se tornou processualmente firme a irrecorribilidade do acórdão lavrado em 9 de Junho de 2004 no Tribunal Central Administrativo Sul - sempre seria possível à recorrente (desde que estivessem reunidos os pressupostos do recurso), em face do disposto no nº 4 do artº 70º da Lei nº 28/82, impugnar este último aresto, observado que fosse o preceituado no nº 2 do artº 75º do mesmo diploma, sendo certo, além disso, que, por via do estatuído no nº 2 do artº 70º, também da dita Lei, poderia ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul se, mesmo que se postasse uma situação em que ainda havia lugar a recurso ordinário, este último não viesse a ser interposto.
Daí que seja falha de razão toda a argumentação aduzida pela recorrente, designadamente, quanto ao particular que imediatamente antecede, nos items 3.3 a 3.5.
Neste contexto, indefere-se a reclamação.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Artur Maurício