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Processo n.º 1075/2004
3.ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Inconformados com o acórdão lavrado em 14 de Julho de
2003 no Tribunal da Relação do Porto que negou provimento aos recursos de agravo e de apelação que interpuseram de despacho e sentença proferidos na actual 1ª Vara Cível do Porto, agravaram em segunda instância e pediram revista A., B. e mulher, C., D. e mulher, E. e F. e mulher, G..
Nas alegações atinentes ao agravo e à revista, os recorrentes, de todo em todo, não assacaram a qualquer normativo ínsito no ordenamento jurídico infra-constitucional vício de enfermidade com a Lei Fundamental.
Por acórdão prolatado em 13 de Maio de 2004 foram, no que ora releva, julgados improcedentes os recursos de agravo em segunda instância e de apelação interpostos pelos indicados recorrentes.
Desse aresto arguiram os citados impugnantes a respectiva nulidade por “falta de pronúncia sobre questões de direito (e de facto apreciáveis por este Supremo Tribunal e a inconstitucionalidade do Acórdão do Colectivo na parte não fundamentada das respostas aos quesitos nºs 24º e 25º e, consequentemente, decidir reformar o Acórdão, e, concluir, pelo menos em relação às recorrentes mulheres, pela improcedência da acção”, dizendo, a dado passo, na peça processual consubstanciadora da arguição:-
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
1 -
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............................................................................................................................................. c) O Tribunal de 1ª Instância, ‘não fundamentou as respostas dadas aos artºs 24º e 25º da base instrutória.
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5 - E o artº 205º da Constituição da República Portuguesa dictat ‘1 - As decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente serão fundamentadas na forma prescrita na Lei’.
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14 - Donde, o Colectivo não fundamentou nos termos prescritos na lei, quer na processual civil (artº 653º do Código de Processo Civil), quer na constitucional
(artº 205º da Constituição da República Portuguesa) - as suas respostas ao perguntado em 24 e 25 (no que aos RR recorrentes diz respeito).
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21 - IN CASU, nem sequer esta última fundamentação existe - pura e simplesmente não se diz em que prova assentou a convicção do Colectivo para dar como provado o conteúdo dos quesitos 24 e 25 - Pelo que tal, despacho nessa parte, infirma de ilegalidade (artº 653º nº 2 do Código de Processo Civil) e de inconstitucionalidade artº 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa).
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38 - E, tal falta de fundamento, constitui violação, ao disposto no nº 1 do artº
205º da Constituição da República Portuguesa, pelo que é inconstitucional, inconstitucionalidade que se invoca para todos os devidos e legais efeitos. Donde, em conclusão:
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................... d) E, ainda, porquanto a decisão do Colectivo (Acórdão) está ferida de inconstitucionalidade - por não ser fundamentada nos termos do nº 1 do artº 205º da CRP,, inconstitucionalidade que se invoca para todos os devidos e legais efeitos. e) E tal inconstitucionalidade, pode ser arguida, até à apreciação da nulidade do Acórdão do STJ, dado que ainda não precludiram os poderes do Tribunal (não transitou em julgado o Acórdão). f) Violou assim o douto Acórdão o [í]nsito nos artºs 668º e 669º do Código de Processo Civil (ex vi dos artºs 726º, 729º, 731 e 732º do mesmo diploma legal e o artº 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 23 de Setembro de 2004, no que agora interessa, reconheceu que o seu anterior aresto de 13 de Maio anterior, efectivamente, não se pronunciou sobre as questões respeitantes ao não uso, pelo tribunal da 1ª instância, do nº 3 do artº 265º do Código de Processo Civil e da invocada falta de fundamentação das respostas dadas aos quesitos da base instrutória, vindo, na sequência, a sanar esses vícios.
Assim, discreteando, sobre a primeira questão, disse que, ao caso dos autos, não era aplicável aquele normativo adjectivo.
E, pelo que tange à segunda, referiu que se impunha sustentar tratar-se de uma questão nova, por isso que não fora suscitada anteriormente, pois que não houve reclamação contra as respostas ao questionário nem nas «conclusões» da apelação esse problema foi levantado. Acrescentou, depois, que a resposta dada pela decisão da 1ª instância à matéria quesitada estava suficientemente fundamentada, tendo sido analisada criticamente a prova e especificados os fundamentos decisivos para a convicção do julgador.
Do acórdão de 23 de Setembro de 2004 intentou a A. recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (escreveu a recorrente “da Constituição da República Portuguesa”).
No requerimento de interposição de recurso, disse a impugnante:-
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
A recorrente entende que o nº 3 do artº 265º do CPC não integra uma simples faculdade de uso discricionário, mas consagra um indeclinável compromisso do Juiz com a verdade material. O uso indevido ou o não uso desse poder-dever é matéria sindicável em via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (Ac. Do STJ de 12/06/2003; CJ/STJ, 2º-100).
Donde a recorrente entende que: a) O não uso pelo Tribunal de 1ª Instância do poder-dever que lhe impõe o nº 3 do artº 265º do CPC ‘indagação oficiosa ...’ e, a não sindicância pelo Supremo Tribunal de Justiça de tal questão e ... b) A falta de fundamentação do Acórdão do Tribunal colectivo que deu respostas ao questionário, são inconstitucionais.
Donde, não tendo o Tribunal de 1ª Instância usado dos poderes-deveres do nº 3 do artº 265º do CPC e, não tendo o Supremo Tribunal de Justiça sindicado tal falta e, a não fundamentação do Acórdão violou o disposto
(os princípios constitucionais) dos artºs 202º nº 2, 204º e 205º d[a] CRP.
Donde, pretende a recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a violação dos princípios constitucionais pelo Tribunal Ordinário do não uso do disposto no nº 3 do artº 265º do CPC, e da não fundamentação pelo mesmo tribunal, do Acórdão do Tribunal Colectivo (artº 202º. 204º e 205º da CRP).
A recorrente suscitou tais inconstitucionalidades retro referidas minime nas suas alegações de recurso neste Supremo Tribunal de Justiça (artº
204º da CRP).
........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
Não tendo o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 4 de Novembro de 2004, admitido o recurso - pois que entendeu que não “foi suscitada nem decidida a inconstitucionalidade de qualquer norma”, não “se aplicou norma cuja inconstitucionalidade” tivesse “sido suscitada durante o processo”, não se verificaram “quaisquer das hipóteses legais previstas no referido art. 70º, nº 1, als. b) e f)” e sendo que a fiscalização da constitucionalidade tinha “apenas por objecto normas jurídicas e não já decisões em si mesmas consideradas” - deduziu a A. reclamação nos termos do artº 77º da Lei nº 28/82.
Em síntese, sustentou que, ao impostar perante o Supremo Tribunal de Justiça a questão de o acórdão do tribunal de 1ª instância quanto à matéria de facto quesitada não estar fundamentada, e ao ter o Supremo Tribunal de Justiça decidido que tal acórdão estava suficientemente fundamentado, não restavam “quaisquer dúvidas de que é o próprio Supremo Tribunal de Justiça que reconhece que os reclamantes levantaram o problema da inconstitucionalidade, atempadamente, só que, o Supremo entende - é a sua opinião digna de todo o respeito - que não há inconstitucionalidade - e os reclamantes - entendem humildemente embora - de que interpretar os artºs 158º e 653º nº 2 do CPC como interpretam o Colectivo e as demais instâncias, é interpretá-los em incumprimento do estatuído no artº 205º nº 1 da Constituição”, e que a reclamante “vem, desde a primeira hora ‘a gritar’ que. o tribunal a quo, concretamente, desde a 1ª Instância, na interpretação por si dada ao disposto nos artºs 158º, 265º, nº 3 e 653º nº 2, violou os princípios constitucionais”, sendo que o que está “aqui em causa, na humilde e respeitadora opinião dos reclamantes, é que, não foram aplicadas as normas legais ao caso em apreço em consonância com a CRP e os princípios nela consignados”.
Tendo tido «vista» dos autos, o Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de a reclamação ser manifestamente improcedente, já que a reclamante “não suscitou durante o processo e em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa - ou de ilegalidade ‘qualificada - susceptível de servir de base ao recurso interposto”.
Cumpre decidir.
2. É manifestamente carecida de razão a vertente reclamação.
Na verdade, pelo que concerne ao recurso pretendido interpor com esteio na alínea f) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, é por demais óbvio que não nos situamos perante qualquer situação em que tivesse ocorrido aplicação, por banda do acórdão ora impugnado:-
- de norma constante de acto legislativo da qual fosse, precedentemente ao respectivo proferimento, suscitada a sua ilegalidade com fundamento em violação de lei com valor reforçado;
- de norma constante de diploma regional;
- de norma emanada de órgão de soberania da qual fosse, antecedentemente a ser lavrada a decisão desejada impugnar, suscitada a respectiva ilegalidade por violação de estatuto de uma Região Autónoma.
Daí que nunca pudesse ser admitido o recurso ancorado na dita alínea f).
2.2. No que se prende com o recurso estribado na alínea b) do nº 1 do mencionado artº 70º, resulta inequívoco que, antes de ser tirado, quer o acórdão de 13 de Maio de 2004, quer o acórdão de 23 de Setembro de 2004, a recorrente nunca equacionou a questão de uma desconformidade constitucional por parte da norma vertida no nº 3 do artº 265º do diploma adjectivo civil
(ainda que alcançada mediante um processo interpretativo).
E isto, note-se, independentemente de se saber se ainda poderia, no caso sub specie, considerar-se que, a haver suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, ela poderia ocorrer quando formulada em requerimento de arguição de nulidade.
Referiu-se acima que a recorrente nunca equacionou a questão da desarmonia com o Diploma Básico por parte da norma extraível do nº 3 do artº 265º do Código de Processo Penal.
Efectivamente, para se alcançar esta conclusão, basta atentar no que resulta do relato supra efectuado.
O que a agora reclamante fez, antes de ser proferido - ao menos - o acórdão de 23 de Setembro de 2004, foi esgrimir com o argumento de acordo com o qual, ao não ter o tribunal da 1ª instância usado do «poder-dever» alegadamente inscrito naquele preceito, e ao não ter o Supremo Tribunal de Justiça sindicado uma tal actuação, incorreram as respectivas decisões em inconstitucionalidade.
Ou seja, a entender-se existir, com tal forma de colocação da questão, um assacar de um vício de desconformidade constitucional, foi ele dirigido, não a qualquer norma (repete-se, ainda que resultante de uma via interpretativa), mas sim à concreta actividade jurisdicional (ou, se se quiser, às concretas actividades jurisdicionais).
Ora, como sabido é, objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade são normas e não quaisquer outros acto do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
2.3. Por outro lado, no que se liga ao recurso visando a apreciação da “falta de fundamentação do Acórdão do Tribunal colectivo que deu respostas ao questionário”, para além de nunca ter sido suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade reportada a concretos preceitos legais antes de ser tirado o acórdão agora desejado impugnar, nem de eles serem minimamente indicados no requerimento de interposição de recurso, são aqui também plenamente aplicáveis as considerações supra efectuadas no antecedente ponto 2.2..
Contrariamente ao agora defendido na reclamação, nunca a recorrente, directa ou indirectamente, explícita ou implicitamente, fez escrever qualquer asserção de onde se pudesse extrair que estava a questionar uma concreta interpretação dos artigos 158º (recte, 158º, nº 1) e 658º, nº 3, do Código de Processo Civil levada a efeito pelas instâncias e que, na sua óptica, seria conflituante com a Lei Fundamental.
Optou, antes, por brandir com uma argumentação segundo a qual as decisões então recorridas padeciam, elas mesmas, de inconstitucionalidade.
E, perante uma tal argumentação, ou seja, perante a exposição de um ponto de vista de acordo com o qual tão só é colocada ao tribunal de recurso uma questão de inconstitucionalidade de uma decisão judicial, é de limpidez que à mesma tem de responder o tribunal face ao qual é sindicada a decisão do tribunal de inferior hierarquia.
Num tal contexto, o discretear do tribunal de recurso sobre a questão da inconstitucionalidade da decisão impugnada, por si só, não pode abrir a via do recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional, face àquilo que constitui o seu objecto e que, como já se viu, é constituído por normas ínsitas no ordenamento jurídico infra-constitucional.
Não padece, assim, censura, o despacho impugnado, pelo que se indefere a reclamação, condenando-se a reclamante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Artur Maurício