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Processo n.º 850/04
3.ª Secção Relator: Conselheiro Vítor Gomes
1. A fls. 124 e ss., o relator proferiu a seguinte decisão sumária:
1. A., identificada nos autos, inconformada com o acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 18 de Novembro de 2003, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra a “liquidação e contra a execução fiscal n.º 3387-01/101583.4, referente a 34.321.358$00 de IVA dos meses de Janeiro e Abril a Outubro de 2000 e juros compensatórios”, e com o acórdão de 27 de Abril de 2004, também do Tribunal Central Administrativo, que indeferiu o pedido de aclaração daquele primeiro aresto, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos (cfr. requerimento de fls. 114):
“(...) vem recorrer para o Tribunal Constitucional, nos termos do n.° 2 do art.º 72 da Lei deste Tribunal. A inconstitucionalidade foi arguida na 13ª conclusão das alegações apresentadas perante o Tribunal Central Administrativo, hoje Tribunal Central Administrativo do Sul. O recurso fundamenta-se na alínea b) do n.º 1 do art.º 70 da mesma Lei, e com a fundamentação explanada no requerimento do pedido de esclarecimento, cujo teor é o seguinte: Na sua parte final, o acórdão diz textualmente que Por fim, saliente-se que relativamente à pretendida “inconstitucionalidade por força do art.º 70 da Lei do Tribunal Constitucional” afirmada na 13° conclusão do recurso, constata-se a omissão de concreta substanciação do vício nas respectivas alegações recursivas, razão porque (e não “por que' se lê noutros passos do acórdão) nos encontramos impedidos de conhecer o discurso fundamentador que, do ponto de vista da recorrente, sustenta tal inconstitucionalidade. E porque não se vislumbra como possa ter ocorrido, não pode proceder a mencionada inconstitucionalidade. O art.º 99 do C.P.P.T. diz que constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade. A seguir, com o advérbio de modo designadamente especifica quatro exemplos em outras tantas alíneas. Essas alíneas são simplesmente exemplificativas e não taxativas. O que constitui jurisprudência e doutrina unânimes é que o art.º 204 do C.P.P.T., como já o era o preceito igual do C.P.T., contem fundamentos taxativos para a oposição à execução, deixando para a impugnação judicial toda e qualquer outra qualquer ilegalidade, inclusivamente o ataque concreto à liquidação. Foi com esta alegação transcrita em destaque, que se formulou a conclusão 13ª onde se diz que o conteúdo da sentença constitui uma verdadeira ilegalidade frontalmente aos preceitos citados do C.P.P.T., à doutrina e jurisprudência unânimes na ligação dos seus art.ºs. 99 e 204, e até uma inconstitucionalidade por força do art.º 70 da Lei do Tribunal Constitucional. A parte final do acórdão em causa não conduz com o texto das alegações e com a ilegalidade expressamente levantada e defendida, pelo que se torna indispensável o esclarecimento do acórdão, para futura invocação e aplicação do n.° 2 do art.º
72 da Lei do Tribunal Constitucional.
É isso que se requer. Foi suscitada a questão da ilegalidade de modo processualmente adequado para que, não tendo o Tribunal Central Administrativo do Sul conhecido dessa ilegalidade, ela possa ser objecto de recurso para o Tribunal Constitucional.
(...).”
2. Apesar das óbvias deficiências deste requerimento, nomeadamente por falta de concreta indicação da norma (segmento ou interpretação normativa) cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada e dos preceitos constitucionais que se consideram violados, é inútil convidar a recorrente a completá-lo
(artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6 da LTC), porque o recurso nunca poderia prosseguir, fosse qual fosse a resposta.
3. Com efeito, a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, implica, para que possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, a congregação de vários pressupostos, entre os quais a aplicação pelo Tribunal recorrido, como sua ratio decidendi, de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida. Invoca a recorrente que suscitou a questão de constitucionalidade na conclusão
13ª das suas alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo, que é do seguinte teor:
“13ª - O conteúdo da sentença constitui uma verdadeira ilegalidade frontalmente aos preceitos citados do C.P.P.T. [artigos 99º e 102º], à doutrina e jurisprudência unânimes na ligação dos seus art.ºs 99º e 204º, e até uma inconstitucionalidade por força do art.º 70º da Lei do Tribunal Constitucional.”
Ora, contrariamente ao que a recorrente invoca não suscitou perante o tribunal recorrido qualquer questão de constitucionalidade normativa, antes imputa o vício de inconstitucionalidade à sentença recorrida e, como se referiu, não é admissível o recurso de constitucionalidade quando a violação de normas ou princípios constitucionais seja dirigida à decisão judicial, em si mesmo considerada e não uma norma (na sua totalidade, em dado segmento, ou em certa interpretação mediatizada pela decisão recorrida). O nosso sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade não é do tipo do recurso de amparo espanhol ou da queixa constitucional alemã. Aliás, a recorrente nem sequer fundamentou a questão de constitucionalidade nas ditas alegações, pois o que se invoca é a desconformidade da sentença com a Lei do Tribunal Constitucional e não com a Lei Fundamental. Deste modo, não tendo a recorrente invocado durante o processo qualquer questão de constitucionalidade normativa, de forma a que o tribunal recorrido dela devesse conhecer, não pode tomar-se conhecimento do objecto do recurso.
4. Nestes termos. Ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 78.º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de conta.”
2. A recorrente reclamou para a conferência, requerendo que seja proferida a decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 78.º-A da LTC, por entender que “a sentença é sempre uma interpretação normativa, ou não fosse um silogismo”.
A Fazenda Pública não respondeu.
3. A reclamação apresentada não tem outra motivação senão a que possa extrair-se da frase que se transcreveu. Ora, seja qual for a aceitação que abstractamente mereça, essa afirmação da reclamante em nada contende com os fundamentos da decisão sumária.
Com efeito, que a sentença de 1ª instância fez aplicação de normas jurídicas é indiscutível. Em nenhuma parte a decisão sumária o pôs em dúvida. O não conhecimento do objecto do recurso resulta da falta do pressuposto específico do recurso de constitucionalidade estabelecido pela alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC. Falta que é ostensiva porque, nas alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo, a nenhuma norma de direito ordinário se imputa infracção a normas ou princípios constitucionais, como o próprio acórdão recorrido considerou. É isso que a decisão sumária põe em evidência e o reclamante não contraria.
Tanto basta para que a reclamação improceda.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação, confirmando a decisão de não conhecimento do objecto do recurso, e em condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2004
Vítor Gomes Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Artur Maurício